sábado, 16 de março de 2019

ENFEITIÇADOS


 ENFEITIÇADOS




Era um dia lindo de primavera.  A pequena cidade em que morava a família de Lorenzo estava em festa. Era dia da padroeira.  A praça central de Santinha estava repleta de pessoas que acompanhavam a procissão.
Lorenzo estava ali apenas apreciando, mas de repente, como se tivesse sido tomado por um raio, seu coração disparou ao por olhos em uma moça que passava a sua frente.
Era linda! Tinha um rosto perfeito, olhos verdes e uma boca tentadora. Ela ao passar olhou para ele e esboçou um sorriso. E ele se apaixonou por ela, naquele instante. Uma coisa de louco...
Ele não sabia quem era ela, nem seu nome, onde morava... Nada! E como descobrir? Ele nem estava morando mais na cidade há cinco anos. Tinha ido para a Atalaia do Mar por causa do curso de medicina, e agora já estava fazendo residência no hospital universitário.
Perguntar para o seu primo Juliano??? Com que referencia? Não tinha como saber. Só o destino... Mas depois da procissão Lorenzo vagou pela praça e imediações com esperança de encontrar a moça. Mas não encontrou. Já era tarde quando foi para casa. No outro dia cedo voltaria para sua rotina.
Lorenzo foi com o sorriso  dela gravado em sua mente. Ele realmente estava enfeitiçado. A moça não saia do seu pensamento. Até em fotografias da festa que foram publicadas na internet ele procurou atentamente, e ela aparecia em algumas, apenas de costas. Mas mesmo assim ele imprimiu, era a única coisa palpável que tinha dela.
O tempo correu e logo seria o aniversário de casamento de seus pais. Ele já tinha acertado com seu monitor para ficar fora uma semana. E tudo com a intenção de virar a cidade de pernas para o alto para descobrir a moça do sorriso.
Ele chegou muito animado, abraçou seus pais e foi ver seu primo Juliano. Queria contar para o primo, mas antes Juliano falou que tinha uma namorada, e que estava ansioso para apresentá-la a ele. Juliano estava tão encantado com a garota que não parava de falar de suas qualidades.
-- Tu vais conhecê-la, e verás que eu tenho razão. Ela é fora de série. Ela linda demais...
-- Te acalma rapaz. Dá para notar que estas de quatro por ela.. – E Lorenzo deu uma risada debochada do primo. Mas pensou que o primo estava em melhor condição do que ele, que estava apaixonado por uma lembrança.
-- Um dia tu também vais ficar assim, todo gamado como eu estou.
E Juliano continuou a falar sobre a namorada. Lorenzo só escutando.
Juliano trabalhava com seu pai, e ele cuidava do setor comercial da indústria de alimentos da família. Fabricavam massa desde o tempo que seu tetra avô viera da Itália.
Juliano havia combinado de encontrar com Lorenzo na pizzaria. Lorenzo chegou cedo, pediu uma água enquanto esperava pelo primo e sua namorada. Ele estava distraído olhando as mensagens em seu telefone e não os viu chegar.
E quando levantou os olhos, Lorenzo  passou mal. Era a moça do sorriso. Ele estava perturbado, mas tinha que se conter, não podia deixar que percebessem. Levantou-se e cumprimentou a moça:
-- Encantado em conhecê-la. Lorenzo ao teu dispor.
-- Prazer, Daniela.
Juliano estava muito feliz, animado e projetando casamento. Ela era realmente uma pessoa simpática, acolhedora e muito bonita. Tinha uma voz doce e suave. E Lorenzo estava com o coração em pedaços.
Naquela semana Lorenzo saiu com os jovens namorados todos os dias, e até na festa de seus pais ele acabou dançando com ela, já que Juliano não dançava. Foi uma tortura para ele, sentir o perfume de Daniela,  e não poder abraçá-la e beijá-la. E enquanto dançava ela puxou assunto com ele:
-- Se eu entendi certo, tu estás terminando o curso de medicina. É isso?
-- Sim. Mais um semestre, mas já estou trabalhando no hospital.
-- Então és mais velho do que Juliano?
-- Quase um ano. Por que me achas muito velho?
-- Não... Imagina... Pelo contrário, te acho no ponto...
Ela olhou para ele e sorriu. E ergueu a sobrancelha e olhou para ela com um meio sorriso. E ela continuou:
-- Qual especialidade tu escolhestes?
--  Quero fazer traumatologia e estou pleiteando ir para o Canadá, lá o estudo da medicina está bem inserido na tecnologia de ponta. Já me inscrevi, estou aguardando as respostas.
-- Espero que consigas...
-- Obrigado.  E tu o que estudas?
-- Estou no primeiro ano de nutrição.
-- Que bom. Posso perguntar tua idade?
-- Estou com vinte anos.
-- És muito jovem...
-- Tu achas? Me diz muito jovem para o quê? Me explica...
-- Para compromisso sério... Com meu primo.
-- Talvez com ele seja, mas...
-- Mas o quê?
-- Nada, um sonho que eu sonhei... Apenas um sonho que eu gostaria de ver realizado...
-- Sonho impossível? Também tenho um...
-- Quer me contar?
-- Só se me contares o teu..
-- Então vamos deixar cada um com seu sonho...
A música terminou e ele a levou para ficar com Juliano. Agradeceu e foi para a sacada tomar um ar. Ele estava ofegante. Foi esforço demais para se conter...
A varanda estava na penumbra, iluminada apenas pelas luzes do salão. E de repente Daniela estava ali a seu lado, queria uma lembrança dele, e pediu que a beijasse.
Lorenzo ficou sem ação, ele não podia fazer isso com Juliano. Mas ela insistiu:
-- Apenas um beijo, é parte do meu sonho impossível...
E ela o beijou, com doçura, aqueles lábios macios roçando os seus. Lorenzo não resistiu e a beijou com  sofreguidão, ela invadiu sua boca e permitiu que ele a  explorasse com sua língua. Ela afastou-se e disse:
-- Agora sei o que quero. E foi embora, enquanto ele ainda saboreava o gosto de sua boca. E ele pensou, estou perdido...
A ironia da vida, fez com que Daniela ficasse sua amiga, uma boa amiga. Ele prezava a amizade dela embora fosse muito dolorido ver seu primo com a única mulher no mundo que havia mexido com seu coração. Ele tinha a fama de namorador, mas jamais entregara seu coração, e agora seu coração sangrava.
Lorenzo não voltara mais a sua cidade, com a desculpa de muito trabalho e plantões não foi nas festas de fim de ano. Não suportava ver os dois juntos, embora mais de uma vez tivesse pego Daniela olhando para ele de uma forma amorosa. E aquele beijo ainda o perturbava.
Lorenzo queria esquecer, procurou sair com outras moças, mas algo mudara dentro dele, e nenhuma outra o agradava.     Ele precisava urgentemente esquecer Daniela.

Daniela a cada dia pensava mais em Lorenzo, sonhava acordado com o beijo trocado. Tinha sido um beijo rápido, mas tinha mexido demais com ela.
 E diariamente Daniela mandava mensagens para ele, algumas muito provocativas. A maioria ele ignorava. Não podia, não queria estar conectado a ela. E Daniele insistia. E um dia ela em uma mensagem ela revelou: “Naquele dia da procissão eu te vi, sorri e te entreguei meu coração.”
Por isso ela pedira o beijo, esse era o sonho dela... Tinham o mesmo sonho, foi o seu pensamento.
Quando ele leu aquela frase seu coração disparou. Ela o amava? Por que namorava seu primo? E agora que ela tinha se revelado a ele, eles estavam traindo Juliano. Mas já a tinha beijado... Que situação!
Lorenzo não respondeu a mensagem. Achou melhor não mostrar importância, mas rogava ao Senhor que o iluminasse. Queria fazer a coisa certa.
Duas semanas depois Juliano ligou para ele muito chateado, contou  que Daniela tinha terminado o namoro, que fora assim sem mais nem menos. Alegou que não o amava o suficiente, e, ele que já tinha até comprado as alianças. Lorenzo escutou e consolou seu primo. Mas Juliano queria falar, desabafar e todo o dia ligava para seu primo.
Lorenzo não sabia mais o que fazer, e agora seu sofrimento era maior. Amava desesperadamente a Daniela, que o amava também, e ele a desejava, ainda mais depois que conhecia o sabor do beijo dela, mas havia uma questão muito forte que os impedia... E ela tinha machucado muito seu primo, seu quase irmão.
Eles tinham crescido juntos, eram quase da mesma idade, suas mães eram irmãs e seus pais primos e sócios na indústria de massas, herança do “nono”. Eles eram muito ligados, eram como irmãos. Sempre foram sinceros um com o outro, sempre tiveram liberdade para falarem qualquer assunto, e agora... Ele estava escondendo a verdade de seu primo.
Daniela estava insistindo, queria saber se Lorenzo também gostava dela, e ele ainda não dissera nada. Precisavam dar tempo ao tempo. Mas ela estava ansiosa. Contudo Lorenzo ficou firme.
A família de Daniela mudou-se de Santinha. Seu pai trabalhava com uma representação de máquinas industriais e resolveu ir para um centro maior. Ela que iniciara o curso de Nutrição estava pedindo transferência para outra universidade.
O tempo passou...
Lorenzo formou-se em Medicina e foi fazer sua especialização no Canadá. Ficaria fora aproximadamente quatro anos. Ele e Daniela continuavam se comunicando, e ela prometeu que nas férias, ela  iria a Montreal para estar com ele.
Ele morava em uma quitinete, muito pequena, mas confortável. Era em andar alto e tinham uma vista linda da cidade, sobretudo à noite. Daniela como dissera, de fato foi visitá-lo e hospedara-se no apartamento dele.
Lorenzo ficou muito feliz com a chegada dela, e a proximidade o deixou tenso. Sabia que não teria forças para resistir. Ele foi esperá-la no aeroporto.
Quando se viram Daniela correu e o abraçou, e ele a beijou. Ela estava linda... Seus olhos brilhavam de felicidade, e ele a abraçou e a levou para o carro. Estava um dia primaveril, ensolarado, no entanto ainda frio.
Lorenzo não conseguia falar, apenas a olhava e ela embora cansada da viagem, estava muito animada e tagarelava sobre tudo o que via, perguntando sobre a cidade e sobre seus estudos, sua vida, sua diversão.
Quando chegaram ao apartamento, ele rindo disse;
-- Eis a minha morada... É tudo isso.
-- Adorei. Muito aconchegante, e que vista linda!
-- Bacana, não é? A noite é mais bonito, por incrível que pareça.
-- Gostei mesmo. Preciso de um banheiro...
-- É na única porta a esquerda.
Estavam felizes... Ele já tinha preparado um lanche para eles, e foi aquecer. Comeram e conversaram sobre vários assuntos. De repente ela disse:
-- O Juliano já está com outra namorada... A Luciana me contou. Então acho que estamos liberados. Não?
Lorenzo não disse nada, apenas olhou para ela, e pensou que era hora dele falar e demonstrar seus sentimentos por ela. E foi o que fez.
-- Vem cá, precisamos conversar e para inicio de conversa, eu preciso te dizer que um raio se abateu sobre mim, no dia em que te vi na procissão.
Sentaram no sofá e ele lembrou o dia a procissão, que quando a viu seu coração deu pulos, e que ele a procurou naquela tarde pela praça e arredores, e que foi embora da cidade angustiado, porque nem o nome dela ele sabia. Procurou fotos na internet, e mostrou a que ele tinha imprimido. E que depois quando ele a conheceu ela estava namorando seu primo, e que ele não podia fazer nada, a não ser procurar esquecê-la. Mas  que foi inútil... E continuou...
-- E aquela mensagem que me mandaste sobre tu também ter ficado mexida quando olhou para mim, me fez enlouquecer. Como entender se estavas com Juliano? E aquele beijo que trocamos...
E Daniela comentou:
-- Eu também estava desvairada. Até hoje eu não sei por que não terminei antes com Juliano, acho por ele ser daquele jeito, simpático, humilde, sincero... Me sentia muito mal, sentia que estava traindo aos dois. A ti e a ele. E ele falando em casamento...  Me apavorei... Não queria casar... Ainda sou muito jovem... E aquele beijo... Ah me deu forças para terminar com Juliano.
-- Vou ter que falar com ele... Mesmo que ele esteja namorando outra moça, eu não posso continuar sem dar uma satisfação a ele. Sei que hoje as coisas são diferentes, são vocês, as mulheres, que escolhem os homens, são vocês que decidem... Mas mesmo assim... Nós fomos criados como irmãos, e, sempre fomos leais um ao outro... Preciso do sim dele.
-- Então?...
-- Então vamos aproveitar tua estada aqui, vamos passear muito, pois  estou sem aula. Tenho um mês de férias. Não queres tomar um banho?
-- Sim. E qual a programação para a noite?
-- O que queres fazer?
-- Por mim podemos ficar em casa, estou cansada...
-- Então ficaremos em casa, conversando... Namorando...
-- Isso! Vamos ao banho?
-- Vamos...
Após jantarem, Daniela foi para a janela apreciar as luzes da cidade. Era muito lindo. Lorenzo ficou a observando. Ela estava muito linda enfiada naquele pijama com estampa bichinhos... Ela estava sensual...
Ele aproximou-se dela e a abraçou e ficou mostrando alguns pontos da cidade, que iriam visitar. Mas o perfume dos cabelos dela estava o deixando embriagado, ele a queria em seus braços, ele a queria demais.
Começou a acariciar e a beijar seus cabelos, e ela virou para ele e retribuiu seus carinhos. E as caricias ficaram mais ousadas. Ele a levou para a cama... Ela estava nervosa, nunca havia chegado a esse ponto, precisava informá-lo. E meio envergonhada ela falou:
-- Eu nunca fiz...
-- Não!
Ela sacudiu a cabeça, e Lorenzo a abraçou e beijou com suavidade.
-- Que surpresa maravilhosa! Só minha... Serás só minha.
-- Eu vim aqui para isso, ser só tua...
E com muito carinho ele a fez mulher. Estavam felizes... Ficaram longo tempo em silêncio, abraçados querendo permanecer um só.
A semana passou rapidamente, e Lorenzo resolveu vir com ela para falar com Juliano e rever seus pais.  Assim que chegou rumou para Santinha, enquanto que Daniela foi para casa de seus pais em Portinho.
Foi uma bela surpresa que Lorenzo fez para seus familiares, sobretudo seus pais, que reuniram toda a família para festejar a presença dele. Mas ele queria apenas conversar com os pais. Ele estava preocupado, precisava se livrar dessa situação o mais rápido possível.
No outro dia cedo pediu para que os pais lhe dessem atenção, ele precisava resolver um problema sério. E queria que se reunissem as portas fechadas. Sua mãe ficou assustada, e pediu que ele falasse logo. E Lorenzo contou tudo para eles.
Sua mãe, Cássia, ficou triste com a história e disse:
-- Nada mais será como antes...
-- Sim, filho, essa moça perturbou a tua amizade com teu primo, completou seu pai.
-- Mas eu não tive culpa... As coisas aconteceram independentes da minha vontade... Eu até fugi... Mas ela também gostou de mim desde o momento que me viu... Será destino? Será obra de Deus? Mas eu não vou abrir mão desse amor.
-- Vamos esperar para ver no que vai dar tudo isso. Agora vai e fala com teu primo. Deus queira que ele entenda. Disse seu Antonio.
E Lorenzo foi procurar por Juliano no escritório. Estava tenso. Preocupado e Juliano percebeu:
-- O que há contigo? Estás estranho...
-- Precisamos conversar primo...
E Lorenzo relatou tudo desde o inicio, sem deixar nada de fora, até as mensagens dela ele tinha para mostrar, a foto que ele imprimira... Tudo.
Juliano escutou em silencio, mas a medida que Lorenzo ia contando, seu sangue ia fervendo, estava se sentindo traído. Quando enfim seu primo terminou e ele disse:
-- Não aceito. Tu me traíste. Devias ter me falado na hora. Mas não tivestes coragem... Não perdôo.
Lorenzo levantou-se e foi embora. Passou em casa e despediu-se de seus pais. Não sabia quando voltaria, e, se voltaria.
Sua mãe desesperou-se, conhecia seu filho, ele era uma boa pessoa, era correto e sincero. Estava apaixonado e magoado com a situação. Ele não voltaria... Iria se estabelecer no Canadá... Muito longe dela... Talvez não o visse mais... E chorou ao despedir-se do filho amado, seu filho...
Seu Antonio tinha os mesmos sentimentos, sabia que seu filho era honesto e seu coração era reto de intenções. E tinha procurado fazer a coisa certa. Se Juliano não acreditava na intenção sincera de Lorenzo, então não merecia sua amizade. E abençoou o seu filho.
-- Vá em paz! Que o senhor te guie e te proteja. Seja feliz!
E depois de abraçar os velhos, com lágrimas nos olhos e foi embora.
Lorenzo foi à casa de Daniela para conhecer os pais dela. Queria pedir a eles que quando ela tivesse terminado o seu curso, que ela fosse para lá para viver com ele. Casar com ele.
Os pais de Daniela foram muito cordiais com Lorenzo, sabiam que sua filha Daniela morria de amores por ele. E embora preferissem que a filha ficasse mais perto, concordaram com o noivado deles.
Fariam uma pequena reunião com apenas a família. Os pais e a irmã de Lorenzo vieram para juntos festejarem o noivado dos jovens.
Lorenzo tinha mais um fim de semana antes de ir embora. E convidou Daniela para passarem aqueles dias em uma pousada na subida da serra.
Eles aproveitaram ao máximo aqueles dias, passearam, conversaram, deram risadas e se amaram muito. A cada dia eles percebiam que tinham nascido um para o outro.
E na terça feira bem cedo Lorenzo tomou o avião. Daniela foi levá-lo no aeroporto. Ela não queria chorar, queria que ele saísse com a lembrança do sorriso dela, mas não agüentou. Abraçados os dois choraram a separação. Teriam ainda dois anos pela frente.
O tempo correu e Lorenzo  estava terminando seu doutorado. Recebera convite para trabalhar no Centro Médico de Traumatologia da Universidade. E ele aceitou.
Agora tinha se tornado mais escasso o seu tempo livre. Mas ele estava feliz, com muitas saudades de Daniela, contudo logo ela estaria lá com ele. Talvez ele pudesse buscá-la.
Daniela também estava feliz, se preparando para ir. Era muito papel que a embaixada pedia, e ela estava ansiosa para receber seu visto de permanência. Estava cogitando tirar um curso, assim facilitaria.
No fim do ano ela estaria formada, e então poderia ir para junto de seu amado. A viagem estava marcada para inicio de fevereiro. Seus pais programaram uma temporada na praia, ela adorava praia. Foram dias ensolarados, quentes e com um mar convidativo. Ela aproveitou muito junto de seus pais.
Faltavam só dois dias para a viagem. Daniela saiu, iria ao salão de beleza, queria mudar o corte do cabelo, fazer as unhas... Enfim tudo o que tinha direito. Queria chegar linda para ele.
Ao retornar para casa, já quase chegando seu carro foi atingido por uma moto em alta velocidade. Daniela perdeu os sentidos, foi socorrida e levada para emergência do hospital com fraturas expostas na perna e no braço esquerdo. Tinha batido com a cabeça, embora estivesse usando o cinto de segurança. Ela estava muito ferida.
Seus pais foram avisados, saíram correndo para o hospital  e se assustaram com as noticias que receberam na recepção do hospital. Teriam que aguardar o médico, ela estava em cirurgia.
Depois de duas horas de espera o médico veio falar com eles. A cirurgia de emergência tinha sido feita, mas pelo estado da perna... Ela ainda estava desacorda, e teriam que aguardar para fazer exames neurológicos. Luis e Helena estavam apreensivos com o que o médico havia falado. Foram à capela do hospital para rezar.

Enquanto isso Lorenzo estava feliz preparando a chegada de Daniela, agora ele estava morando em um lugar melhor. Era fora do centro da cidade, num bairro muito aconchegante com casas de madeira pintadas em cores fortes. A dele era amarela com janelas e portas branca, com um pequeno jardim na frente.
Era inverno, mas no verão teriam um recanto lindo para apreciar. A casa era de dois pisos, embaixo tinha hall, escritório, lavabo, sala de estar e jantar e uma ampla cozinha que dava para uma aérea envidraçada nos fundos, com vista para o pátio. Em cima havia duas suítes e um closed. Estava toda mobiliada. Era muito linda e com certeza Daniela iria gostar.
Ele tentou falar com ela e não tinha conseguido, deixou recado, e não houve resposta. Bem depois ela ligaria. Foi ao mercado fazer compras, queria abastecer a despensa e refrigerador, com aquele frio, Daniela não precisaria sair.
Ele  estranhou que Daniela não tivesse respondido as suas mensagens. Tentou novamente e seu numero dava como fora de área. Ligou então para a casa e também não obteve resposta.
Esquisito! Foi o que ele pensou.
Tinha que voltar ao hospital. Ficaria de plantão e tinha muito que fazer. No outro dia Daniela estaria com ele. Não iria esquentar a cabeça.
Lorenzo saiu do plantão, foi em casa, tomou um banho, fez um café e foi para o aeroporto para esperá-la. Não tinha certeza do horário de chegada, tinha conexão e podia atrasar. Mas queria estar lá cedo.
E ele esperou... O avião aterrissou... E ela não chegou!
Lorenzo ficou atordoado, algo tinha acontecido. Por que Daniela não estava naquele avião? Por que não tinha avisado? Por que não atendia as suas ligações? Por que esse silêncio? Por quê? Tinha vontade de gritar...
Ele ficou ali no aeroporto sem saber o quê fazer, o quê pensar. Depois de muito tempo ele levantou-se e foi embora. Dirigiu atônito, só se deu conta que chegou em casa. Sentou no sofá e ali permaneceu com o telefone na mão tentando falar com ela.
De repente veio em seu pensamento que ela havia desistido dele. Por isso ninguém atendia ao telefone. Ela o havia trocado por outro. Afinal ela já tinha feito isso com seu primo...
E algo dentro dele incendiou, o choro brotou e soluçou como criança. O amor de sua vida o havia deixado. Teria que ser forte. Iria se dedicar ao trabalho e em suas horas livres iria estudar mais para aprofundar seus conhecimentos. Teria que se manter ocupado, com sua mente ativa e seu corpo cansado, para a noite poder dormir e sobreviver a esse desengano.
Nessas horas sentia falta de seus pais, que sempre eram tão amorosos e tão consoladores. Ele lembrou quando sua irmã Giovana, e de seu cunhado Marcelo, que antes de noivarem tiveram uma briga séria. Ele mesmo tinha achado não nunca mais se olhariam outra vez. Mas sua mãe que com carinho conversou com sua irmã e a fez perceber que tinha sido muito intransigente com o namorado, e que ao mesmo tempo seu pai falou com Marcelo colocando a mesma questão. Então os namorados se derem conta que eles estavam jogando fora o amor que os unia por serem muito birrentos.
Mas esse não era seu caso.
Talvez se ele pedisse a mãe para procurar Daniela...
Não agora! Talvez mais adiante...

Quando seu Luis foi ao departamento de  trânsito receber o carro destruído de Daniela, procurou por seu telefone e não achou. Perguntou aos guardas se havia bolsa e outros pertences dela, eles lhe entregaram um saco lacrado com todas as coisas que localizaram ali perto do carro.
E ao chegar em casa entregou tudo para Helena conferir as coisas da filha, e o telefone não foi encontrado. E o pensamento foi que tinha sido roubado. E agora como fariam para falar com Lorenzo. Teriam que esperar ele ligar.
O caso era que Daniela ainda estava desacordada, ela estava em coma induzida por causa das dores na quebradura da perna. Ainda não tinham  feito todas as cirurgias necessárias. Também eles não tinham a certeza dos médicos que ela voltaria a andar normalmente, sem auxilio, porque o a cabeça do fêmur estava estraçalhada.
O momento era de espera...
O tempo passou... E seis meses depois Daniela continuava na mesma situação. Ela havia acordado, mas não reconhecia ninguém. Mostravam fotos dela mesma e ela não se reconhecia. Então Helena resolveu mostrar uma foto de Lorenzo que ela havia encontrado na bolsa da filha. E os olhos de Daniela brilharam. Ela disse que conhecia aquele rosto, mas não sabia quem era. Mas que ela gostava daquele rosto.
Os pais de Daniele estavam esperançosos, o médico havia sinalizado para melhora dela. Mais uma cirurgia e estaria resolvido o problema do quadril, mas salientou que se eles pudessem buscar um hospital que tivesse a tecnologia de ponta, seria muito melhor. Eles teriam que decidir. Sairia caro, mas ela ficaria com mais qualidade de vida.

Lorenzo não se conformara. Ele sabia que Daniela o amava, sempre sentiu uma afinidade muito significativa entre eles. Alguma coisa estava errada. Já se passara esse tempo todo...
Ele teria um período de férias entre os semestres, e conseguiu no hospital uma licença pelo período de vinte dias. Então resolveu que iria tirar tudo a limpo. Ele precisava saber a verdade dos fatos. Já estava magoado com tudo e ele não sossegaria até desvendar esse mistério.
Não avisou ninguém que viria. Iria ser uma surpresa para todos. Ele chegou e foi direto a casa de Daniela. Estava tudo fechado, mas não abandonado. Então foi a casa ao lado pedir informações sobre eles. E para seu espanto a senhora disse:
-- Eles não param mais em casa desde o acidente da filha. Eles estão no hospital.
-- Daniela se acidentou?
-- Sim, há muito tempo. A menina estava pronta para viajar e dois dias antes sofreu um acidente grave. Ela não se lembra de mais nada...
Lorenzo sentiu o seu sangue gelar. Tudo o que ele tinha imaginado e sua amada sofrendo no hospital.
-- A senhora pode me informar qual hospital ela está?
-- Sim, no Hospital Geral.
-- Obrigada.
Lorenzo pegou um taxi e foi para lá. Quando chegou na recepção ainda estava tremendo, e com a informação foi direto ao quarto dela. Chegou em frente a porta e não tinha coragem de entrar. Respirou fundo, bateu levemente e dona Helena veio abrir.
Quando ela viu Lorenzo, não se conteve, o abraçou e chorou muito. E dizia:
-- Nós tentamos te avisar, mas se perdeu o telefone dela. Não tínhamos o numero de ninguém... Mas agora tu estas aqui... Talvez tua presença ajude ela lembrar...
-- Posso entrar? Ela está acordada?
-- Sim, entre meu filho...
E quando Lorenzo a viu  seu coração disparou, lá estava ela em uma cama de hospital abatida pelo sofrimento... Ele se aproximou devagar, tomou sua mão e a beijou.
Daniela estava de olhos fechados e quando ela o viu seu rosto se iluminou e ela disse:
-- Lorenzo meu querido, não pude ir..
-- Sim amor eu sei... Mas agora não te agita, eu estou aqui contigo, vou ficar ao teu lado.
-- Que bom... Eu tive muito medo de te perder...
-- Shhshh...
Helena ficou sem entender, ela não se lembrava de nada... E agora... Louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!
Lorenzo puxou uma cadeira para junto da cama, sentou-se e ficou fazendo carinho em seu rosto. Ela sorria para ele e seus olhos brilhavam de felicidade.
Helena saiu deixou os dois a sós e foi procurar o médico para lhe contar que a memória dela havia voltado pelo menos uma parte.
O doutor chegou e pediu para examiná-la. Lorenzo se identificou como médico traumatologista e pediu as informações sobre o acidente e da evolução do tratamento. Gostaria de acompanhar os exames dela.
Depois de estar reunido com os médicos e com os pais dela, Lorenzo disse que poderia levá-la para o Canadá. O hospital que ele trabalhava era um dos melhores nesta área em nível de mundo.
Ele entraria em contato com o professor dele para ver qual a melhor data para removê-la. Os pais dela se pudessem deveriam ir também para acompanhá-la.
Lorenzo ligou para seus pais e pediu que fossem ter com ele. Ele ficaria apenas uns dias e não iria até Santinha. E justificou contando a situação de Daniela.
Antonio e Cássia vieram ver o filho e hospedaram-se na casa de Luis e Helena. Eles ficaram chocados com tudo que havia acontecido com Daniela. E eles tão perto poderiam ter vindo ajudar...
Ficou tudo acertado com o hospital e o transporte poderia ser em avião de carreira, mas em assento de primeira classe, para ela ir deitada. Dentro de uma semana eles poderiam ir.
Antonio disse a Lorenzo que  eles tinham vendido o prédio do depósito antigo e esse dinheiro era para os filhos. Então assim que ele chegasse em casa iria providenciar para ser depositado na conta dele. Lorenzo agradeceu ao pai, e disse:
-- Obrigado pai. Esse dinheiro vem em boa hora, porque doença sempre tem um alto custo. Acho que seu Luis está gastando uma fortuna, embora ele tenha plano de saúde, mas muita coisa o plano de saúde não paga.
-- Sim. Mas agora terás um bom saldo bancário.
Apenas Lorenzo e Daniele iriam, nem dona Helena e nem seu Luis tinham passaporte. Helena iria providenciar para ir o  mais breve  possível.  Mas Luis  ficaria  porque  precisava  gerir  os  negócios,  que  estava há  muito tempo por conta dos funcionários.
Chegou o dia do embarque. Todos foram despedir-se dos jovens. Cássia ao abraçar o filho disse:
-- Te cuida meu querido que tu estás muito magro e abatido.
-- Ok mãe. Não te preocupa comigo. Fica com Deus. Te amo mãe...
-- Deus te abençoe meu filho. Também te amo.
-- Tchau pai. Cria coragem e vem me visitar... Vou te esperar... Te amo.
-- Vai em paz meu filho. Te amo...
Por fim embarcaram. Ele acomodou Daniela com todo o cuidado. Pediu que fechassem a cortina em torno deles. Assim ela não seria alvo de olhares dos ouros passageiros.
A viagem foi tranqüila, Daniela dormiu a maior parte tempo, ele havia dado um calmante para ela.  Eles teriam que esperar cerca de uma hora para a conexão com outro vôo. E Daniela foi levada para a sala vip.  A troca de aviões foi feita com cuidado pelos funcionários, que os acomodaram e os isolaram com uma cortina. Ele tratou de toas as necessidades dela durante o vôo. Sempre com muito amor e cuidado.
Quando eles chegaram ela foi levada diretamente  para o hospital. Lorenzo a deixou aos cuidados de um colega e foi em casa. Precisava tomar um banho, descansar um pouco, já que não dormiu no avião. Depois de três horas estava de volta pronto para assumir os cuidados dela.
No dia seguinte uma equipe iria analisar a situação dela, para programarem a cirurgia. Decidiram realizar a operação no outro dia, era preciso fazer alguns exames apenas. Lorenzo pediu para assistir a cirurgia, mas seu professor recomendou que não. Ele poderia ver do visor para estudantes.
A cirurgia foi um sucesso!
Quando Daniela    acordou, Lorenzo estava preocupado em saber se seu cérebro estava  ligado na realidade, ou estava novamente desmemoriada, mas quando ela o viu deu um sorriso e perguntou:
--  Como foi tudo?
-- Tudo bem meu amor. Agora é só se recuperar.  Mas descansa. Já avisei todo mundo.
Ela ficou ainda um tempo no hospital.
 Uns dias antes de Daniela ter alta, sua mãe Helena chegou. Lorenzo ficou aliviado, pois o trabalho dele absorve muitas horas semanais, com plantões aos fins de semanas, pelo menos dois ao mês, mesmo que contratasse uma cuidadora, Daniela com certeza se sentiria muito só. Enquanto ela estava  no hospital ele sempre passava rapidamente para dar uma olhadinha nela.
Ele arrumou uma cama de hospital, para Daniela no escritório, porque ela ainda não podia caminhar e facilitaria para todos os cuidado com ela.
Ela chegou e se encantou com o jardim da casa, que ainda estava florido. Era outono. Ela adorou a casa, pois Lorenzo a levou para um passeio antes de acomodá-la na cama.
Helena também gostou do lugar, era perto do hospital e sua filha moraria em uma casa linda, confortável  e aconchegante. Sob os cuidados da mãe a recuperação de Daniela foi rápida, já estava com aspecto saudável, mas ainda precisava completar as seções de fisioterapia.
Estavam todos muito animados com a recuperação de Daniela, ela própria queria andar, esforçava-se para fazer todos os exercícios para mover e firmar sua perna.
Lorenzo sabia que ela não voltaria a ter os movimentos como antes, mas só pelo fato de ela não precisar de auxilio para andar era uma maravilha. Mas ele não se importava, apenas queria que ela se livrasse de tudo aquilo para eles tomarem de volta as suas vidas e agora em parceria no amor.
Logo seria Natal e Helena resolveu voltar, não queria ficar longe de seu marido e Daniela estava muito bem. Andava com auxilio  que era temporário. Talvez até o fim do ano ela já estivesse andando sozinha. Ainda tinha dificuldade para sentar e levantar, mas Lorenzo teria um período de férias e cuidaria dela.
E o Natal foi lindo.
Eles enfeitaram toda a casa.
Daniela estava emocionada, juntos eles cozinharam a ceia e desfrutaram de uma intimidade que os enchei de alegria. Estavam começando a vida a dois. Riram, brincaram e por fim se amaram. Eles estavam realizados.
Depois das festas a vida deles entrou numa rotina que agradava muito a Daniela. Ela não podia ainda sair para estudar. Mas ela aproveitou para ler e aprofundar conhecimentos. E se inspirou e começou a escrever um livro sobre nutrição.
Os dias passaram rápidos e agora ela estava firme, não precisava mais de auxilio para andar e até a escada ela subia. Lorenzo sempre que estava em casa a ajudava com a limpeza, pois certos movimentos ela ainda não fazia. Estavam felizes...
E vida começou a fluir...
Daniela publicou seu livro... Foi muito bem vendido
O tempo correu e Lorenzo estava terminando sua residência. Havia prestado exame e fora aprovado, e começou a fazer parte do quadro medico do hospital.
Tudo melhorou seus horários e seu salário. Aproveitaram as férias e viajaram pelo país e agora estavam bem ambientados com o idioma e com o modo de viver do povo.
Eles queriam um filho, mas isso teria que esperar um pouco mais, pois a curtição deles continuava muito intensa, e eles cada dia mais apaixonados. Eles estavam enfeitiçados pelo amor que os unia.
                                        Maria Ronety Canibal
Imagens via internet

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