terça-feira, 23 de agosto de 2022

JANELA PARA O AMOR




 

 Janela para o amor

                             1962

 

   Depois de cuidar de sua avó até o fim, Rose fechou a casa e tomou o primeiro ônibus para Porto Alegre. Ela estava ansiosa, não conhecia a cidade, porém estava cheia de expectativas.

    Ela não era mais tão jovem, sua juventude tinha ficado para trás, enquanto cuidava de sua querida avó, que tinha uma saúde frágil.

   Seu avô tinha sido o farmacêutico de pequena vila, em que moravam. Sua súbita morte deixou todos perplexos. Agora, que estava sozinha no mundo, Rose sentia-se pronta para viver a sua vida.

  A esperavam na rodoviária o sr. e sra. Durant, antigos vizinhos de seus avós, eles iram hospedá-la. Rose aceitou a oferta, com a condição de pagar pelo quarto que ocuparia, assim sentia-se mais independente.

  Ao avistar o imponente prédio, que ficava na confluência de duas importantes avenidas do bairro, Rose ficou um tanto temerosa, pois era um prédio de quinze andares. O mais alto do bairro.

   Edifício Saturno estava escrito em letras douradas, em cima da enorme porta de ferro fundido, que dava acesso ao hall do prédio. Além de uma portaria, haviam dois elevadores.

   Rose nunca tinha andado de elevador, e temia fazer um fiasco...

   O apartamento ficava no décimo segundo andar, e da janela de seu quarto, se descortinava uma linda vista, que abrangia parte da cidade, assim como a ponte, as ilhas e o maravilhoso rio.

   Rose logo soube que ali nunca ficaria entediada, pois a janela além de iluminar a peça, lhe proporcionava uma bela visão.

   O grande sonho de Rose era estudar francês. Ela tinha uma sincera admiração pelo povo francês, sua história e sobretudo por sua culinária. Ela gostava de fazer doces.

    Aconselhada pelo sr. Durant, ela matriculou-se na Aliança Francesa. Estava contente, pois imagina que seria um meio de interagir com os franceses.

    Dias depois, quando chegava ao prédio, Rose conheceu duas jovens moradoras do prédio, as irmãs: Sandra e Silvia. Ambas eram simpáticas e acolhedoras. Logo a convidaram para passear pelo bairro e conhecer o variado comercio que ali existia.

    Silvia, a mais velha, estava noiva, e sua maior preocupação era aprontar o seu enxoval. Sandra tinha conhecido um rapaz recentemente, no baile da Reitoria. Ela estava muito feliz e esperançosa de iniciar o namoro, já que ele tinha telefonado duas vezes.

   Rose tinha recursos, herdados de seus avós, mas ela queria trabalhar, só não sabia o que fazer? Como gostava de fazer bolos, pensou em aceitar encomendas, mas a cozinha não era sua, portanto estava fora de questão.

   A amizade entre Sandra e Rose crescia. As duas gostavam de olhar as vitrines com as novidades, e sempre terminavam a tarde na confeitaria Alemã.

   Silvia, mais caseira e preocupada com os seus bordados, não as acompanhava com frequência, no entanto, quando estavam juntas elas se divertiam bastante, e havia sempre muito assunto e boas risadas.

   Como sempre, Rose estava na janela naquele início de tarde, quando viu um caminhão de mudanças estacionar diante do prédio. Logo, pensou:

   -- Bah, hoje o elevador vai ser um caos. Vou me arrumar e descer de escada para não me atrasar para minha aula de francês.

   Ao chegar no último degrau, Rose suspirou. Ela já havia contado, e eram 256 degraus que ela havia descido. Só esperava não precisar subi-los, ao retornar de sua aula.

  O saguão estava cheio de caixas, e poucos móveis. Ela viu um homem maduro, de estatura baixa e nada bonito, conversando com o seu Jair, o porteiro. E deduziu que aquele não era o novo morador.

  Passou, cumprimentou e saiu ligeiro em direção ao ponto de ônibus. Ali encontrou dona Ana, a mãe de suas amigas, que também estava indo para o centro.

   -- Como está a senhora? – Falou Rose sorridente.

   -- Estou bem obrigada. Temos um novo vizinho. -- Comentou dona Ana. – Segundo soube é um bancário, vai trabalhar na agencia do prédio. Parece que é solteiro e será teu vizinho de porta.

   -- É? ... Por isso que a mudança tem muitas caixas e poucos móveis. – Disse Rose rindo. – O nosso ônibus.

A conversa cessou. O único lugar sentado, Rose deixou para dona Ana.

     Uma sequência de dias chuvosos, fez com que Rose ficasse em casa. A ela aproveitou esses dias para exercitar o seu vocabulário de francês com o sr. e sra. Durant. Eles eram descendentes de franceses e costumavam conversar na língua mão de seus antepassados.

   Depois dos elogios que recebeu do casal, ela se convenceu que realmente estava com uma boa pronuncia. Ela estava lendo um romance em francês, um Honoré de Balzac original, que ela pegou na biblioteca de sua escola de idiomas. Sabia que estava evoluindo.

   A primavera por fim, mostrou a sua plenitude.

   E Rose voltou a abrir a sua janela e nela ficar para apreciar as tardes primaveris.

                                          ---

   Etienne, depois de se instalar no apartamento, começou a observar os seus vizinhos. Ele era um homem sossegado, e de pouca conversa. Já tinha conhecido alguns vizinhos que também eram funcionários do banco.  Foi convidado para jantar com a família do gerente, Alcides Ribeiro.

     No horário combinado ele bateu à porta, do apartamento 808. Trazia um ramo de flores para a esposa do colega. Era o que a educação exigia. A dona Vânia, agradeceu com entusiasmo:

      -- São flores lindas. Muito obrigada. É muita gentileza... Cecilia coloca no vaso... – Pediu ela a filha.

    -- Venha, sente-se... – Disse Alcides. – Essas são as minhas filhas: Clarice, a mais velha. Carmem, Cecilia e a caçula Célia.

    -- Prazer em conhecê-las. – Disse Etienne admirando a família de seu colega. As filhas eram moças bonitas.

    Ele pode perceber que a mais velha devia estar com 20 anos e a mais jovem com 13 anos. Só esperava que esse jantar não fosse uma espécie de armadilha...

    Naquela noite ele retornou aliviado para o seu apartamento. A filha mais velha de seu colega, já estava comprometida. Etienne não tinha intenção de casar, não por agora. Com 35 anos e uma vida boa, ele não queria mudar o que estava dando certo.

    Ele gostava de cozinhar, e nos fins de semanas apreciava fazer pratos especiais e beber um bom vinho. Ler um bom livro no fim de noite... As mulheres? Elas o decepcionaram... Nunca mais se entregaria ao amor... Não até estar seguro de que a moça merecia o seu afeto.

                                                          ---

    Os dias passavam, e ele estava muito curioso em relação ao comportamento da moça, que morava no apartamento ao lado, que todos os fins de tarde, ficava na janela olhando o horizonte, por um longo tempo.

    Vários pensamentos sombrios passaram em sua mente.

    Intrigado, com tal comportamento, ele passou a manter a sua janela aberta, e permanecer por ali. Ele podia vê-la parcialmente. Não era uma jovem adolescente, e sim uma moça madura. Parecia triste... Será que havia brigado com o namorado, ou era apenas saudades dele?

    Precisava descobrir.

    Etienne abriu o vidro com cuidado, e debruçou-se sobre o parapeito. Olhou para baixo e sentiu uma vertigem. Ele realmente não gostava de alturas.

    -- Olá! – Disse ele, tentando chamar a atenção da moça. No entanto o barulho do tráfego era intenso, e abafou o som de sua voz.

    -- Oláaa! – Gritou Etienne, olhando para a moça.

    Ela assustada olhou em volta, e sorriu ao deparar com ele.

    -- Olá! – Respondeu ela gentilmente.

    -- Eu sou o Etienne Arles... Como é o teu nome?

    -- O meu nome é Rose Braun. Prazer em conhecê-lo. – Disse ela alegremente.

    -- O prazer é meu... – Disse Etienne, analisando suas feições, da moça, na fraca luz do anoitecer. Ela é simpática, pensou, e bonitinha... – Por que estás sempre na janela? Saudades de alguém?

   -- Sim e não. – Respondeu Rose prontamente. – Deixe-me explicar.  Eu alugo esse quarto. Embora o casal seja muito simpático e atencioso, e eram amigos dos meus avós, eu me sinto uma intrusa na vida deles. E ficar na janela é a forma de eu me distrair. Claro que eu gosto de ler, mas o fim de tarde é a melhor hora de apreciar essa visão maravilhosa da cidade, da ponte, do rio... Eu sou apaixonada por essa vista. Se eu fosse artista, já teria retratado essa beleza numa tela.

    Ele olhou o horizonte e percebeu que a moça tinha razão. As cores que o céu assumia ao entardecer eram dignas de um quadro.

    -- Tu aprecias as artes? – Quis saber Etienne, já que ele era um grande apreciador e conhecedor das artes. Aliás, era essa a sua profissão. Era avaliador de joias e artes.

   -- Sim, mesmo não entendendo do assunto, eu gosto de ver uma tela bem pintada... As cores me chamam muito a atenção. Imagina pintar esse pôr do sol, e reproduzir essa paleta de cores, é sensacional. Não achas?

   A conversa evolui e eles ficaram na janela até tarde da noite. Ele nem tinha jantado e estava com muita fome. Depois de despedir-se de Rose. Etienne foi para cozinha descobrir o que tinha na geladeira para comer.

    Fez uma omelete e enquanto comia pensava na moça da janela. Rose! Ela o tinha surpreendido... Era uma moça inteligente e interessante, e apaixonada pela língua francesa. A sua língua mãe.

    Ela não acreditou quando lhe revelou que era francês... Que realmente tinha nascido em Nantes, no vale do Loire, e que sua mãe fugiu da guerra... E o Brasil havia sido o país escolhido, como sua nova terra.

   Rose, naquela noite, fechou a janela e dançou pelo quarto cantarolando uma canção francesa. Ele era maravilhoso, pensou... Estava ansiosa para contar para as suas amigas... Elas não iriam acreditar.

   Era antes da 9h e Rose já tocava insistentemente a campainha do apartamento 1501. Dona Ana abriu a porta assustada. E logo perguntou:

   -- Rose! O que está acontecendo?

   -- Bom dia! Desculpe-me... acho que exagerei. – Disse Rose humildemente.  – A Sandra está?

  -- Sim. Lá no quarto. A Silvia está amolada...

  -- Outra vez? Coitada! – Disse Rose tomando a direção do quarto das amigas. – Gurias vocês não vão acreditar... Eu tenho uma coisa para contar...

  -- O que foi agora? – Perguntou Sandra impaciente.

  -- Eu conheci um cara maravilhoso, ontem de noite...

  -- Aonde fostes? – Quis saber a Silvia.

  -- Não sai de casa. Eu o conheci através da janela. Ele é meu vizinho.

  As amigas riram...

   -- Como através da janela? Explica... – Disse a Silvia.

   -- Vocês sabem que eu gosto de olhar pela janela. Ontem não estava frio e eu abri o vidro e fiquei admirando a paisagem. E de repente o Etienne me chamou para conversar... Gurias! Ele é francês... Nasceu em Nantes, e veio fugido da guerra com a mãe dele. O pai já havia morrido lutando. E mãe pegou todas as coisas de valor e fugiu para a Espanha e de lá pegaram um barco e vieram para cá. Legal...

   -- Rose, quantos anos tu tens? – Perguntou Silvia.

   -- Ora, tu sabes. Eu tenho 24 anos.

   -- Então por que estas te comportando como uma adolescente de 14 anos?

   -- Ah... – Disse Rose dançando pelo quarto. – Porque eu estou apaixonada!

   -- Hum... De repente o amor! É isso? – Provocou a Sandra.

   -- Exatamente. Foi assim que aconteceu... Aquela voz aveludada me seduziu...

    Até dona Ana que estava chegando à porta do quarto, com uma xicara de chá, para a Silvia, riu.

    -- Não riem... Quando vocês conhecerem o Etienne vão me entender.

    -- E quando vamos conhecê-lo? – Perguntou dona Ana.

    -- Bah... eu não sei.

    -- No outro sábado eu vou fazer uma janta especial. É o aniversário do Paulinho. Convide o Etienne, e nós poderemos observá-lo, sem que ele perceba. Depois conversaremos. Combinado?

     -- Combinado. – Disse Rose preocupada. – E se vocês não gostarem dele?

      -- Rose, não é questão de gostarmos. Tu é que deves desenvolver esse sentimento. Só queremos ver se ele é uma pessoa direita. O que ele faz?

     -- É funcionário do banco, avaliador de obras de arte e joias. Ele é um homem de 35 anos. Não é uma criança.

     -- Eu entendo. Mas mesmo assim o convide para o aniversário do meu filhote.

     -- Vou convidar. – Disse Rose decepcionada. – Desculpe essa invasão. Eu preciso ir. Tchau...

     Rose saiu pensativa. Todo o seu entusiasmo havia murchado. Seria ele um homem aproveitador? Como se identifica um cafajeste?

     Como eles haviam combinado, naquele fim de tarde mais uma vez, Rose e Etienne abriram suas janelas para poderem conversar. Ele gentilmente ofereceu a ela uma rosa vermelha. Rose ficou sensibilizada, nunca tinha ganhado um flor. Nunca!

    Ah, esse homem era um cavalheiro, era gentil, educado e no sábado ela mostraria a todos, o quanto ele era valoroso.

   Os dias passavam e as conversas começaram a girar para o âmbito mais pessoal. Etienne aceitou o convite, e no sábado os dois, pela primeira vez iriam se ver sem estarem na janela.

    Ela tinha receio de que ele fosse de estatura muito baixa, e talvez ela fosse bem mais alta do que ele. Mas que importância isso teria? Pensou ela com racionalidade. O que importava era o modo como ele a tratava...

     Ela escolheu vestir o seu vestido mais novo. Era na cor verde esmeralda, e realçava seus cabelos escuros em contraste com a sua tez clara.

     Um toque a campainha fez com Rose corresse para o hall.  Acenou para o sr. e sra. Durant. Ela abriu a porta, e diante dela estava um homem elegante. Sentiu-se orgulhosa. O dois formavam um par na medida certa. Embora ele não fosse muito alto, ele ficava a sua altura, com ela usando sapatos de salto. Perfeito!

     Etienne a olhou de cima a baixo, e depois fixou seu olhar em seu rosto, precisamente em seus olhos e comentou:

     -- São âmbar... Eu estava curioso para saber a cor dos teus olhos. E eles tem uma tonalidade especial. São perfeitos. Tu estás linda!

     -- Obrigada! – Disse Rose sentindo suas bochechas quentes. – Vamos? São três lances de escada, ou preferes o elevador?

     -- Como quiseres... – Disse ele a seguindo em direção a escada.

     Etienne foi aprovado por dona Ana, que segredou ao ouvido de Rose:

     -- Querida, ele é um homem gentil, simpático, educado e culto. Olha como ele conversa com os homens. E vou te dizer mais, ele está apaixonado por ti, pois está todo o tempo te olhando. Aproveita!

    Rose sorriu. Seu namorado... namorado? Ela não sabia se eles eram namorados, ou bons vizinhos... Precisava descobrir, mas como?

    Naquela tarde de quinta-feira, um feriado, Rose se arrumou e foi para a janela. Etienne já a esperava. Uma caixa de bombons, foi o presente que ela recebeu. Mais tarde eles brindaram com vinho.

    Assim os dias passavam, e todos os dias eles conversavam, ou namoravam pela janela. Rose ainda não sabia o que era. Ele era muito gentil e educado, mas nunca a convidava para sair.

   Sandra estava desconfiada de que ele pudesse ser casado... Pois pelo menos um fim de semana por mês, Etienne, viajava. Um mistério!

   Decididas a descobrir mais sobre a vida de Etienne, Sandra e Silvia convocaram os seus namorados a se aproximarem dele. Gilberto, o noivo de Silvia não aceitou se envolver, mas Antônio, o namorado de Sandra, ficou animado em ajudar.

   Muito simpático e nada tímido, Antônio passou a conversar seguidamente com Etienne. Até no apartamento dele esteve. E ele descobriu que ele viajava seguidamente a Pelotas, onde visitava um casal de idosos.

   Etienne contou para o amigo, que devia muito àquele casal. Explicou que ao chegar ao Brasil, sua mãe foi trabalhar como governanta numa casa em Pelotas. O casal, que não tinha filhos, aceitou o garoto, e o mimou como se fosse da família. Etienne tinha 13 anos, e foi logo matriculado numa boa escola da cidade. O casal o ajudou até que ele completou os seus estudos, no curso superior. Com o curso de História da Arte, ele tornou-se um avaliador, não só de joias, como também de telas e objetos de arte.

     Com a morte de sua mãe, alguns anos depois, o casal não permitiu que Etienne deixasse a casa sem estar formado. Ao ingressar no banco e precisando trabalhar em outra cidade, foi a maneira de deixar o casarão.

     Mas a relação com os antigos patrões de sua mãe, se manteve. Não só como retribuição a generosidade deles, sobretudo porque os amava como se fossem seus avós.

    Os sobrinhos e demais familiares, não gostavam de Etienne e já tinham afirmado, que se “os velhos” o fizesse seu herdeiro, eles iriam discutir na justiça. “Ora um estranho, o filho da emprega, ser herdeiro daquela fortuna...”

   -- Mas a verdade é que o único que os visita, sou eu. Tenho muita vontade de levar a Rose para conhecê-los. Porém não posso sair sozinho com ela. O que iriam falar...  – Disse Etienne.

    -- Vamos combinar. Eu e a Sandra o acompanhamos. Enquanto vocês os visitam, nós passeamos pela cidade. Vamos no meu carro. Acho que dona Ana permite. Levamos o Paulinho junto. Que achas? – Disse Antônio animado.

   -- Seria muito bom. – Disse Etienne sorrindo.

    Mais tarde, naquele mesmo dia, os casais saíram para ir ao cinema. O filme se desenrolava, mas Rose não estava prestando atenção ao que se passava na tela.

    Etienne havia pegado a sua mão, e a olhava como se quisesse roubar um beijo. O coração de Rose estava disparado, e ele não precisaria roubar, pois ela lhe daria um beijo de bom grado.

   E o beijo aconteceu...

   Eles deixaram o cinema de mãos dadas, Sandra viu, mas nada disse. Apenas sorriu para a querida amiga.

    A ida a Pelotas foi aprovada por dona Ana. Paulinho andava eufórico, iria conhecer uma nova cidade. Ele gostava de conhecer novos lugares. Dizia para sua mãe que iria ser aviador, só para estar sempre viajando.

   Era muito cedo, quando no domingo eles pegaram a estrada em direção a região sul do estado. A paisagem era bonita, e todos estavam animados.

   Paulinho observava tudo, e fazia muitas perguntas a Etienne, já que ele conhecia muito bem a estrada. Havia ainda um trecho em obras, e ali tiveram que esperar, já que apenas meia pista estava liberada ao trânsito. Mais para diante a estrada não estava asfaltada, e com o tempo seco tinha muito pó. Mas tudo foi divertimento.

   Os amigos de Etienne foram recebidos com carinho e alegria pelo casal Heitor e Raquel Martin. Sandra e Rose ficaram impressionadas com a beleza do casarão.

   -- Os amigos do Etienne serão sempre muito bem vindos a nossa casa. – Disse Raquel. – Ele é o filho que a vida nos deu... Somos muito gratos a Etienne pelo carinho que ele tem por nós.

   Etienne ficou encabulado com a declaração de amor de Raquel. Mas ele retribui dizendo:

   -- Eu que recebi o melhor presente, ter vocês em minha vida. E para demonstrar o quanto isso é verdade, hoje eu trouxe a minha namorada para conhecer a minha família brasileira. Meus queridos: essa é a Rose.

   -- Venha mais perto... – Disse Heitor rindo. – Preciso te falar um segredo... – E ele cochichou ao ouvido de Rose, fazendo com ela ficasse com as faces vermelhas.

   -- Aqui está a Sandra, Antônio e o Paulinho. – Disse Etienne completando as apresentações.

    O dia transcorreu em clima de alegria. Dona Raquel havia mandado preparar um saboroso almoço. Depois do almoço os jovens saíram para dar uma volta pela cidade, permanecendo com os velhos apenas Rose e Etienne.

     A conversa foi agradável, e Rose ficou sabendo um pouco mais sobre a personalidade de seu namorado. O que ela pode concluir é que Etienne era o melhor homem que poderia ter aparecido em sua vida.

    Eles deixaram o casarão com a promessa de voltarem preparados para passar um fim de semana inteiro com Heitor e Raquel, que acenavam enquanto o carro se afastava.

    Etienne saiu levando a valiosa coleção de selos de Heitor, que havia lhe dado de presente, e Rose com algumas fotos antigas de Etienne, assim como da mãe dele.

    Sandra queria saber qual o segredo que seu Heitor havia cochichado com ela, mas Rose respondeu:

   -- Se é segredo não posso revelar...

   -- Nem a mim? – Perguntou Etienne, agora muito curioso.

   -- Um dia, talvez, eu conte. – Disse Rose rindo.

    Cansado Paulinho dormiu na viagem de volta. Eles chegaram a Porto Alegre, quando já tinha anoitecido.. Dona Ana, que os esperava ansiosa e preocupada. Mas os abraçou com alegria e serviu o jantar. Ela queria saber todos os detalhes do passeio.

   O tempo passava e o namoro prosperava. A pedido de Raquel, quando Etienne ia a Pelotas sempre levava Rose. As duas mulheres haviam se entendido e uma sincera amizade as unia.

   O verão foi um tempo especial. Etienne, no seu período de férias, passava os dias passeando com a namorada. Andaram por toda a Porto Alegre, foram a praia de Tramandaí e também a Gramado. Esses passeios mais longos eram na companhia de Antônio e Sandra, e claro o Paulinho.

   A rotina do trabalho fez com que os namorados voltassem a conversar pela janela. Etienne estava inconformado. Ele a queria ao seu lado... e para sempre.

   A pediu em casamento.

   E Rose aceitou.

   -- Mas vocês não têm nem tempo de namoro e já querem casar? – Indagava dona Ana. – Veja a Silvia só de noivado são dois anos. Eles recém marcaram a data para setembro. Ainda vão esperar mais cinco meses. Acho que vocês estão muito apressados.

   -- Nós não somos mais crianças. Sabemos o que queremos. E nos gostamos e nos entendemos perfeitamente. —Explicou Rose.

   -- Mãe, ela já aceitou o pedido dele. – Disse Sandra a sua mãe.  – O que tu achas Silvia?

    -- Eu acho que se eles têm condições de casar, que se casem e sejam felizes. Eu e o Gilberto estamos nesse ritmo, porque precisamos, não temos dinheiro. É aos poucos que estamos comprando os nossos moveis. Se pudéssemos já estaríamos casados. Se há amor, por que esperar?

    -- Viu, a Silvia pensa como eu. – Falou Rose com um sorriso de felicidade. – No sábado vamos a Pelotas, contar a novidade para os velhos.

    -- Bem, se estás seguras... – Disse dona Ana. – Desejo que sejam muito felizes. Eu gosto muito de ti, Rose, é como se fosse uma filha, e claro também gosto do Etienne, é um bom rapaz. Quero que sejas feliz.

    -- Obrigada, dona Ana. Vocês são a minha família. – Afirmou Rose abraçando dona Ana.

    -- Bah, agora vai virar choradeira. – Disse Sandra emocionada.

                                                         ---

    -- Que belo anuncio. – Falou Heitor levantando-se e abraçando Etienne e Rose. – Vamos fazer uma bela festa, não é Raquel.

    -- Sim, vamos. O nosso menino merece, e a Rose também. Foi aqui, nesta cidade, que o Etienne cresceu e estudou, fez bons amigos. – Disse Raquel. – E já estou pensando em hospedar os teus amigos de Porto Alegre. Temos espaço suficiente neste casarão. Vou mandar arejar os quartos...

     -- Obrigado! – Falou Etienne – Mas será um estorvo para vocês, tudo isso.

     -- De modo algum. Estamos velhos, mas ainda temos condições de organizar uma festa. Fiz muitas aqui nestes jardins. Deve te lembrar. —Disse Raquel com energia.

     -- Nós ficaremos muito gratos. – Interveio Rose.

    Etienne olhou para a sua noiva surpreendido, porém nada disse. Apenas afirmou com um movimento de cabeça.

    -- E o vestido de noiva será um presente nosso. —Disse Heitor.

   Os dias passaram rapidamente.

    No dia 25 de maio de 1963, na Catedral São Francisco de Paula, Rose entrava no templo pelo braço de seu Heitor, para dar-se em casamento ao seu noivo Etienne Arles.

    Rose estava linda, vestida de noiva. Era um vestido de veludo branco, de manga longa e com um discreto bordado de pedrarias no decote. A grinalda com flores brancas segurava um longo véu.

    Etienne a esperava no altar com um sorriso de felicidade. Eles estavam unindo as suas vidas diante de Deus, para formarem uma família.

    Dona Ana chorava emocionada. Estava feliz, Deus havia atendido as suas preces, pois Rose encontrara uma família para amar e ser amada. Ela era uma pessoa maravilhosa e merecia toda a felicidade do mundo.

    Uma bonita recepção aconteceu nos salões do casarão, que reviveu seus tempos de festa. Os convidados foram selecionados, e os amigos mais queridos, de Etienne, se fizeram presente com as suas esposas.

    Após a festa eles fugiram para a suíte de um hotel. Precisavam de privacidade. No dia seguinte viajaram para Montevideo.

                                                          ---

     Rose mudou-se para o apartamento do marido e muito feliz ela dizia:

   -- Agora não precisamos mais namorar pela janela. Podemos ficar bem juntinhos no sofá.

    A vida seguia seu ritmo.

    Logo a vida matrimonial deu frutos. Primeiro nasceu Luís e dois anos depois chegou a Anete.

    Heitor e Raquel viveram para conhecer as crianças.

    Etienne foi agraciado no testamento, para surpresa dele.

    Rose e Etienne viviam o amor verdadeiro e duradouro. Formavam uma família feliz.

                                                                                  

                                                                          Agosto de 2022

 Nota da autora.

Essa história não é real, mas os fatos nela relatados sim. De fato, foi através da janela que eles se conheceram, namoraram e casaram...

 

IMAGEM VIA INTERNET

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 6 de agosto de 2022

LEMBRANÇAS






 

                                                 Lembranças...

 

A fotografia de uma casa antiga, na internet, despertou a atenção a Marilda. Ela conhecia muito bem aquela casa, conviveu com os moradores, e com a tragédia que se abateu sobre suas vidas.

Imediatamente, as lembranças de um passado feliz, vieram a sua mente, um tempo distante, que não volta mais. Lágrimas surgiram e escorreram por suas faces.

-- O que está acontecendo? -- Perguntou Rosane, sua amiga. – Por que estás chorando?

-- Essa foto... – Disse Marilda mostrando a tela do computador. – Me fez lembrar um velho amigo, o Leopoldo Chemisch. O Leo, como o chamávamos. Ele morava nesta casa...

-- Queres me contar? Parece ser uma história interessante... – Afirmou Rosane.

-- Sim. Mas, primeiro deixe-me me recompor... – Pediu Marilda  Glasmam, secando as faces.

-- Eu vou fazer um cházinho enquanto isso. – Falou Rosane levantando-se e indo em direção a cozinha.

Marilda e Rosane eram amigas de longa data, eram professoras, haviam trabalhado na mesma escola. E hoje aposentadas, dividiam um apartamento, no bairro São João, em Porto Alegre.

Marilda ficou órfã muito cedo, não tinha irmãos e era solteira; e Rosane era viúva, não tinha filhos e seus irmãos moravam em Tiradentes do Sul. Sendo assim, elas decidiram cuidar-se mutuamente, afinal, estavam ficando velhas.

-- Aqui está, um chá de camomila, vai te acalmar. E sou toda ouvidos... – Disse Rosane acomodando-se na poltrona perto da janela.

Depois de alguns goles de chá, Marilda se animou a contar a sua história de amor.

Eu era muito jovem quando meus pais se acidentaram e morreram. O sr. Walter, pai do Leo, era um bom amigo do meu pai. Dona Erna tornou-se uma grande amiga de minha mãe. Eram como irmãs. Os casais frequentemente se visitavam, e eu desde pequena adorava o Leo. Ele era um pouco mais velho do que eu, e também filho único, pois a Ana, sua irmãzinha morreu ainda bebe. Não chegou a completar dois anos.

Quando nos encontrávamos ele sempre me tratava bem, cuidava de mim, me protegia. No princípio eu achava que ele via em mim a sua saudosa irmã. Éramos ainda crianças.

Mas, o tempo passou, crescemos, e eu fui percebendo que ele se interessava por mim. Me lançava olhares e sorrisos, me levava para passear, às vezes me dava um presentinho. Eu adorava toda essa atenção. Pois eu gostava muito dele.

Eu tinha 16 anos e ele 19, quando afinal, começamos a namorar. Nossos pais ficaram contentes. Era tudo o que eles queriam.

Após aquela tarde chuvosa fatídica, em que perdi meus pais, eu fiquei desorientada, sem saber o que fazer. Não tinha mais ninguém no mundo.

Meus pais eram alemães, eram recém casados quando decidiram fugir da guerra, que se alastrava na Europa. Eles vieram direto para o sul do Brasil, e se estabeleceram aqui na capital. Eu nasci  eles já estavam estabelecidos aqui em Porto Alegre.

Meu pai era químico e vidreiro, e foi trabalhar com o sr. Walter, que tinha uma fábrica de artefatos de vidros. E assim nasceu a amizade entre as famílias. Laços fortes que faziam as famílias da mesma origem e religião, se unirem e ajudarem-se mutuamente.

E foi o que aconteceu.

A morte prematura de meus pais, fez com que dona Erna me acolhesse em sua casa, ela era uma pessoa maravilhosa... Passei a viver com aquela família.

Como estávamos comprometidos, o seu Walter sugeriu que apressássemos o casamento. Porque era um tanto constrangedor a noiva viver na mesma casa do noivo. “Os vizinhos vão falar.” Dizia ele.

Leo acatou a vontade do pai e colocamos as alianças de noivado, e logo marcamos a data do casamento. Seria no início de julho, no período das férias escolares. Assim poderíamos sair em lua de mel. Iriamos para Caxias do Sul.

Eu ainda estudava, tinha apenas 18 anos, todavia estava feliz, muito feliz. Enfim eu realizaria o meu grande sonho. Casar com o Leo sempre foi a minha fantasia.

Tudo estava correndo bem.

Até que naquela tarde quente de fevereiro, algo explodiu na fábrica, e o Leo foi atingido no rosto, sobretudo nos olhos. Perdeu a visão!

Seus olhos foram feridos com vidro incandescente. Foi horrível! Não gosto nem de lembrar... Ele urrava de dor... Coitado! Ninguém merece uma coisa assim.

Ele que sempre foi um rapaz honesto e sincero, ser castigado dessa forma... Eu fiquei revoltada. Até hoje sou.

Então tudo mudou...

Todos nós entramos em pânico!

A curiosidade era saber como o Leo reagiria?

Eu o amava tanto, que não me importava com a cicatriz feia que ficaria, tão pouco com a falta de visão. Eu estava pronta para dedicar a minha vida a ele.

Sabia o quão difícil devia ser. Ele que sempre foi uma pessoa ativa, alegre, observadora, apreciador de uma boa leitura... De repente ficar na escuridão!

Era evidente que ele não seria mais o mesmo.

Assim como eu, ele também não aceitava a situação. Estava inconformado e revoltado com a vida. Sentia-se punido por algo que não fez.

Até hoje me dói o coração, quando penso nisto.

Os primeiros dias ele tinha bandagens e precisou ficar em repouso. E eu passei a sentar em seu quarto, tentando fazer companhia.

Ele estava quieto, calado e não reagia a nada. Por fim desisti de falar. Apenas ficava ao seu lado, tentando perceber todas as suas necessidades momentâneas.

Quando os curativos foram retirados, pude ver a horrorosa cicatriz que ficou. Seu Walter logo providenciou um par de óculos escuros, para evitar que as pessoas vissem aqueles olhos mutilados.

Tentávamos agir com naturalidade.

Como os demais, passei a ajudá-lo a se locomover dentro de casa. Ele estava rebelde, não queria ajuda, saia se batendo e tropeçando, xingando a si mesmo.

Seu Walter o ajudava, sobretudo na hora do banho. Ficava com ele no banheiro, entregava-lhe a toalha e as roupas na ordem de vestir.

Era dona Erna quem servia o seu prato, e agia como se ele fosse uma criança, com a comida toda picada e lhe entregava uma colher. Ela fazia tudo por ele, entregava tudo na mão dele.

E a mim, coube assistir.

Não tínhamos mais momentos nossos... Nem um carinho ou um beijinho trocávamos; não saiamos mais para nossos passeios de mãos dadas, pelas calçadas do bairro. Ele estava se distanciando de mim.

Eu estava desesperada. Pois eu o amava profundamente e sabia que era muito amada. Mas a tragédia que se abateu sobre as nossas vidas, foi muito intensa, e fez tudo mudar.

O tempo passava, a adaptação dele não progredia, pois, seus pais não lhes davam oportunidade de assumir o controle de seus atos. Tudo eles faziam e decidiam por ele, como se o Leo tivesse ficado sem condições de raciocinar.

O Leo não era mais a mesma pessoa!

A alegria e otimismo que regia a sua vida, não mais existia. Tornou-se sombrio e triste. E parte dessa tristeza era causada pela decisão que ele havia tomado.

Eu sei, porque ele mesmo me falou.

Uma tarde de outono, nós sentamos no banco que ficava nos fundos, em baixo de um pequeno caramanchão. Eu muito entusiasmada, comecei a falar sobre o nosso casamento que estava se aproximando.

Ele me deixou falar. E quando eu me calei, ele pegou a minha mão, a beijou e disse-me. “Eu te amo mais do que tudo. Quero a tua felicidade... Te desejo um futuro brilhante... No entanto, eu não posso me casar contigo. Não nessa condição. A minha cegueira não tem cura, não vou mais voltar enxergar. Não quero ser um estorvo em tua vida. Tu és jovem, bonita, inteligente e logo estarás cansada de ter como marido um homem mutilado. Um homem inútil, o qual deverás conduzir pelo resto da vida. Não! Tu mereces uma vida melhor...

Tu mereces um homem que aprecia a tua beleza, o teu sorriso encantador, que perceba no brilho do teu olhar o estado de tua alma. Sim, porque és transparente... Eu não posso mais ver-te...

Fiquei espantada!

Eu não estava acreditando, aquela conversa não estava acontecendo... Me belisquei para saber se era um pesadelo. Mas infelizmente era verdade.

Eu pedi, implorei para que nos déssemos a chance de ser feliz. Foi inútil.  Leopoldo foi implacável! Não levou em consideração os meus argumentos... Ele já havia decido...

Sentindo-me humilhada e rejeitada, naquela mesma tarde arrumei as minhas coisas e sai daquela casa, para nunca mais voltar!

Marilda calou-se...

Rosane respeitou o silencio. Observava a amiga. Ela tinha ficado muito abatida. Era melhor encerrar a conversa. Outra hora indagaria sobre o que aconteceu depois que ela deixou a casa.

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A saída brusca de Marilda, abalou Leopoldo profundamente.

Ele havia pensado muito sobre o assunto. Depois do acidente, sua mãe, passou a implicar com a sua noiva. Não permitia que ela se aproximasse dele, que o ajudasse... Que fosse a sua noiva...

E ele sentia falta do toque suave de Marilda.

Seu pai ao contrário, estava animado com o casamento deles, e afirmava que assim ele teria alguém por ele, para o resto da vida, já que os pais não eram eternos. Só sugeriu que eles ficassem morando ali.

Leopoldo começou a imaginar como seria o seu casamento... Não daria certo! Com a sua mãe interferindo a todo instante. Ele queria a felicidade de Marilda e não a aprisionar em um casamento infeliz.

Ele seria um fardo pesado a ser carregado.

Uma tristeza se abateu em seu coração.

Os dias passavam, a data estabelecida se aproximava, uma decisão era imperativa. E assim ele fez a sua escolha. Conversar com Marilda seria uma tarefa árdua. E ele se preparou para enfrentá-la.

Escutar a voz embargada dela, o desespero dela pedindo, não, implorando para que continuassem juntos, foi dolorido. A sua vontade era abraçá-la e ficar para sempre unido a sua querida noiva.

Mas ele não podia exigir dela um sacrifício de vida, e uma aflição tão grande. Com o coração partido, ele se manteve firme, e não cedeu aos apelos de Marilda.

Um vazio ficou ao seu lado, quando ela chorando levantou-se e afastou-se dele. O deixando sentado sozinho no meio do pátio.

E para a sua tortura, ela tinha ido embora.

Fugiu dele!

Nem um adeus ele ouviu...

Ele não imaginou que a reação de Marilda fosse tão radical. Sabendo que ela não tinha para onde ir, imaginou que ela ainda permaneceria alguns dias ali.

Uma angustia tomou conta dele. Entrou em desespero. Aonde ela estaria? Ela não tinha ninguém... E começou se questionar se tinha agido certo?

Eles se amavam profundamente, desde a adolescência. Ele nunca pensou em outra garota. Marilda sempre esteve em seus pensamentos... Tinha cuidados para com ela. Adorava aquele seu jeito alegre e matreiro. Apreciava a sua inteligência e a queria sempre a seu lado. Fez muitos planos, eles tinham um projeto de vida feliz.

Mas o inesperado fez uma surpresa...

A vida lhe deu uma rasteira...

E agora além da escuridão, havia em sua vida uma tristeza infinita.

Leopoldo muito angustiado pediu ao pai que descobrisse aonde ela estava morando. Seria mais fácil imaginá-la em um lugar, e não solta no mundo.

Não demorou para seu Walter saber que ela havia alugado um quarto, na casa de dona Ilse Scheneider. Pai e filho ficaram sossegados, ela havia escolhido viver em uma casa de gente decente, não muito distante dali.

Dona Erna, a rotulou como mal agradecida, ora viver e conviver com eles tanto tempo, e depois sair sem ao menos deixar um bilhete... E decidiu que não pronunciaria mais o nome da moça. Achava que essa era forma de ajudar o filho a esquecer, aquela ingrata.

Leopoldo havia comprado um apartamento para eles morarem depois de casados. Muito preocupado com o futuro de Marilda, ele pediu ao pai que transferisse o imóvel para ela. Como desculpa poderia alegar ser pagamento da parte do pai dela na empresa. Pois se ela soubesse que era presente dele, talvez ela não aceitasse. E ele queria garantir, ao menos, um teto para ela viver.

Ele sabia que algum dinheiro ela tinha. Pela morte dos pais ela recebeu as economias do casal, que estavam em uma conta de Caixa Econômica Federal.

Depois de tudo feito, Leopoldo acalmou um pouco a sua consciência. Mas o vazio em sua vida só aumentava, a saudade que sentia do som da voz, da risada dela, dor calor de sua pele, estavam o enlouquecendo.

Ela permanecia em seu pensamento, em seu coração, em sua alma. A aliança de compromisso, que ela havia colocado em dedo continuava ali. E ele não sabia mais o que fazer. A noite recolhido ao seu quarto, ele chorava pelo amor desperdiçado...

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Nós gostávamos das mesmas coisas, das mesmas sensações... – Disse Marilda, de repente, tocando a corrente que usava sempre, com a sua aliança de noivado. -– Sair a passear na chuva era uma dessas coisas. Uma vez, estávamos na praça que ficava próxima a nossa casa, quando começou a chover, em vez de voltarmos para casa, nós sentamos no banco e abrimos a minha sombrinha. Foi engraçado. Nós riamos felizes...

-- E depois que saístes de lá, o que aconteceu? – Quis saber Rosane.

-- Bem eu fui pedir morada na casa da dona Ilse, eu sabia que ela estava querendo alugar o quarto da filha, que recém havia casado. Ela era viúva, costureira e não queria ficar só. Ela me aceitou na hora... Fiquei morando ali um bom tempo. Até que um dia, seu Walter apareceu e me ofereceu este apartamento como pagamento pela parte do meu pai na fábrica. Eu aceitei. Pensei que se era referente a parte de meu pai na sociedade, eu um direito meu, aceitar. Ele me entregou parcialmente mobiliado. Tinha o essencial. Quando vim morar aqui eu já estava fazendo o estágio. Logo consegui uma colocação aqui no São João. E foi onde trabalhei toda a minha vida. Sou grata ao seu Walter. Sempre tive um teto.

-- Nunca mais soubestes do Leo? – Perguntou Rosane muito interessada em saber o que aconteceu com o pobre rapaz.

-- Sempre que eu ia visitar a dona Ilse, ela me falava. Sim, pois ali na vizinhança todos tinham muita consideração pelo Leo, ele era muito querido, e todos ficaram consternados com o acidente. Assim, que os vizinhos não faziam fofoca, apenas contavam uns aos outros o que sabiam. O primeiro a morrer foi o seu Walter. Ver o filho naquele lamentável estado, o abateu profundamente. Ele vendeu a fábrica... E um dia simplesmente não acordou. Já dona Erna viveu mais um tempo. Um problema de pulmão a consumiu. E o em menos de dez anos o Leo estava só no mundo. Depois da morte a mãe, os vizinhos passaram a cuidar dele. Faziam as compras, cozinhavam, limpavam a casa, e conversavam com ele. Segundo sei ele melhorou, não estava mais tão depressivo. Porém um dia ele tentou se matar... Então um primo distante o levou para o interior. E eu nunca mais soube dele.

-- E depois da morte da mãe dele, não pensastes em procura-lo? – Indagou Rosane.

-- Pensei... Pensei muitas vezes... No entanto, eu tinha medo de ser novamente rejeitada. E isso eu não suportaria. E dizia a mim mesma. E porque ele não vem até mim? Então não o procurei. Sempre rezei por ele... Por fim o perdoei. Na época ele estava muito perturbado, inconformado e tentou fazer o melhor por mim. Disso eu tenho certeza. Talvez se tivéssemos casado o rumo de nossa vida fosse outro, mas alcançaríamos a felicidade com aquela mulher me odiando?

-- É... tens razão. Tivestes uma vida boa? – Atreveu-se Rosane.

-- De certa forma sim. Tinha o meu trabalho, o meu cantinho. Mas meu coração secou. Nunca mais me interessei por ninguém. Todo o meu amor foi para o Leo. A minha vida, a minha juventude ficou com ele.

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O que Marilda não sabia é que depois da morte dos pais, Leopoldo muitas vezes pensou em ir buscá-la para continuar a vida, de onde parou, para continuar ao lado de sua amada.

Mas ele nada sabia dela.

Sabia aonde morava.

Todavia não sabia se ela o aceitaria outra vez, se o perdoaria por ter sido tão duro, por não ter cedido aos seus apelos...

E se ela estivesse casada...

Ah... Esse pensamento o afligiu...

Pensar que a sua amada poderia estar nos braços de outro o perturbou, tanto que tentou terminar com a própria vida.

Agora nada mais poderia ser feito.

Parentes o levaram para o campo...

Viveria com suas lembranças...

 

                            Maria Ronety Canibal

                                   Agosto 2022

 

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