segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

UMA PAIXÃO ANTIGA


                                                          UMA PAIXÃO ANTIGA

Alicia estava se arrumando para sair. Hoje era o aniversário de sua amiga Tanise. Todo o grupo de amigos iriam se encontrar em um Pub. Henrique ficou de passar em seu apartamento para apanhá-la e irem juntos. Estava rolando uma paquera entre eles.
Alicia estava bem entusiasmada com a perspectiva de um romance entre eles. Já fazia muito tempo que tivera uma desilusão. Viera para Porto Alegre para mudar de vida, trabalhar e estudar. Queria ser senhora de si. Não aturava ninguém mandando nela. Henrique tinha esse diferencial. Deixava-a completamente livre.
Henrique era uma boa pessoa, alegre, divertido, inteligente e atencioso, além de muito bonito. Ele era alto, com ombros largos, pernas longas e mãos absolutamente lindas. Seus cabelos eram escuros assim como os seus olhos.
Quando ele tocou o interfone ainda era muito cedo para irem, então ela pediu para ele subir. Ela abriu a porta para recebê-lo e ele simplesmente parou e contemplou a beleza dela.
Ela estava com um vestido preto que se ajustava perfeitamente a seu corpo, sapatos de saltos altos e com os cabelos presos num coque baixo. Estava com brincos e colar dourados. E um sorriso lindo no rosto ao vê-lo. Ele disse sorrindo:
-- Que visão! Tu estas linda!
-- Obrigada. Vamos entrar, ainda é cedo. Ou já queres ir?
-- Vou te confessar uma coisa, se eu entrar com certeza não vou querer ir ao aniversário. Tu estás muito provocante.
-- Então vamos, vou pegar minha bolsa.
Saíram de mãos dadas. Henrique deu umas voltas de carro antes de irem para o local. Aproveitou para estar com ela a sós. Ele estava bem interessado nela. Via ali uma relação com futuro. Ele também estava cansado de moças frívolas!
Henrique a admirava muito. Ela era linda, tinha os olhos da cor do céu, seu cabelo aloirado e sua pele num tom dourado. Era alta, elegante e tinha muita personalidade, independente, culta, divertida e adorável.
Seus amigos diziam que formavam um belo par. Todos os amigos estavam querendo que eles ficassem juntos. Mas ninguém dava opinião.
O aniversário de Tanise estava bem animado. Foi uma noite divertida. Todos beberam além da conta. Mas Henrique que estava dirigindo não bebeu. Ficou rindo das bobagens que diziam e faziam. Inclusive Alicia estava muito engraçada, queria disfarçar e piorava a situação. Ficaram até muito tarde.
Já estava clareando o dia quando foram para casa. Ele levou Alicia para casa e achou que era bom acompanhá-la  até a porta do apartamento. E lá ela pediu para ele entrar e ficar com ela. Ele atendeu ao pedido dela.
Ajudou ela a deitar, tirou seus sapatos e a cobriu para que dormisse. Ele recostou-se no sofá da sala e dormiu. Acordou com o sol em seu rosto. Levantou foi dar uma espiadela no quarto, e ela ainda dormia. Foi à cozinha e preparou um café. Ligou a TV e ficou saboreando o café.
Alicia acordou com e cheiro de café. Levantou e viu que ainda estava com o vestido preto. Não lembrava o que tinha acontecido. Foi até a cozinha, estava envergonhada, tinha bebido demais. Parou timidamente na porta, ele a viu a disse:
-- Bom dia! Como está minha princesa? Quer café?
-- Oi, estou bem, quer dizer mais ou menos, com um mal estar.
-- Também, bebeu todas ontem...
-- Pois é... E o pior que não me lembro de nada....
-- Até onde tu lembras?
-- Que tu me trouxeste para casa...
Ele serviu um café para ela. Sorriu e entregou a ela.
-- Toma o café. Não tem nada para lembrar.
-- Não?!
-- Não. Embora tu estivesses tentadora. Tu não sabes como és graciosa, quando estás bêbada.
E riu. Ela ficou olhando para ele, com um meio sorriso. Ele a conduziu para o sofá. Sentou-se a seu lado e ficou fazendo um carinho em seu braço. Ela virou-se para ele e perguntou?
-- Por quê?
-- O quê?
-- Não aconteceu nada.
-- Porque eu quero que em nossa primeira vez tu estejas sóbria, sabendo o que faz, sabendo o que sentes. Tu és muito importante para mim. Quero que seja um momento marcante em nossa vida, do qual sempre lembraremos.
-- Obrigada.
Ela se achegou a ele. E ficaram abraçados, se curtindo. Passou um tempo e ele disse:
-- Hoje é sábado. O que vamos fazer? Queres sair? Ou queres ficar em casa?
-- Eu acho que eu quero ficar. Preciso tomar um banho, me ajeitar...
-- Eu também preciso de um banho. Vou até em casa, tenho que alimentar o Duque, meu cãozinho de estimação. Depois eu volto. Pode ser?
-- Sim. E o almoço?
-- Eu cozinho. Vou passar no mercado e comprar os ingredientes. O que queres comer, um peixe ou uma massa?
-- Tu escolhes.
-- Ok, então eu já vou. Tchau...
-- Tchau.


Ele chegou cheio de pacotes. Estava vestindo um abrigo azul marinho com tênis da mesma cor. Como sempre ele estava lindo. Ela também tinha colocado uma roupa caseira. Estava de jeans e camiseta azul da cor de seus olhos. Ele deu um beijo nela e disse;
-- Sempre linda a minha princesa.
Ele foi para cozinha e começou a guardar as compras. Ela perguntou?
-- Fez um rancho completo?
Ele rindo respondeu:
-- Essa era a intenção, não tem nada nesta casa. Vives de ar?
-- Eu não gosto de cozinhar, então sempre peço alguma coisa.
-- Mas agora isso pode mudar... Que achas?
Ela não respondeu, ficou pensativa. Ele cantarolava enquanto preparava o almoço. Seria um salmão guarnecido de vegetais.
Ela o observava cozinhando e comparava com Pedro, o cara que ela ainda amava, e a tinha feito sofrer. Eram completamente os opostos no modo de ser.
Ela era muito jovem quando conheceu Pedro, que era bonito, simpático, e canalha. Havia namorado com ele por dois anos e depois descobriu que ele era noivo de outra moça que morava em outra cidade.
Ela ficou desconfiada que em certos dias ele nunca podia vê-la, sempre precisava viajar, geralmente nos fins de semana. Ela conseguiu que um amigo viajasse com ele para descobrir o que ele fazia. E descobriu.
A desilusão foi grande, mas o amor permaneceu. Nunca mais tinha visto Pedro, e si quer falado com ele, e tinha receio de encontrar com ele, porque poderia ter uma recaída.
Agora esse homem maravilhoso, Henrique, estava em seu caminho e ela iria fazer de tudo para ficar com ele. Ele a tratava como uma princesa...
-- Oi, por onde andas???... Foi a pergunta de Henrique vendo-a perdida em pensamentos.
-- Oi, desculpe, eu estava um pouco longe.
-- Vamos tomar um vinho branco geladinho, que achas?
-- Vamos. Eu já estou bem.
Ele abriu a garrafa e serviu. Brindaram e ele ficou falando sobre as bobagens que seus amigos fizeram na noite anterior. Riam com vontade.
Estava uma delicia o prato que ele preparou. Limparam a cozinha juntos e depois foram “sestear”. Estava começando a chover quando deitaram.
O vinho e o cansaço da noite anterior os fez dormir logo. Mas Henrique acordou antes de Alicia e ficou velando seu sono. Depois se levantou e foi para a sala, estava à janela olhando a chuva que agora estava mais forte.


Ele conhecia Alicia a cerca de três meses, foram apresentados por Tanise que era sua colega de trabalho. Eram advogados. Ele havia saído de um relacionamento complicado com uma mulher mimada. E ao conhecer Alicia ficou impressionado, com seu jeito alegre, e com sua beleza. Ela demonstrava ser uma pessoa de fundamento. Ainda estavam se conhecendo, mas estava gostando muito dela. Só não sabia se ela também gostava dele.
Era a primeira vez que ficavam assim conectados, no mesmo apartamento, com esperança de passarem a noite juntos. Ele até já tinha arranjado tudo, pediu ao zelador que alimentasse seu cão e passeasse com ele. Deu uma boa gorjeta para isso.
Alicia acordou e foi em busca dele, se aproximou dele e ficou olhando a chuva. Sugeriu um café. E foram para a cozinha. Ela buscou uns biscoitos e ficaram conversando e bebericando o café.
Ela também não sabia como agir, não queria se insinuar pensava que tudo deveria partir dele. Então resolveram ver um filme. Sentaram juntos no sofá e ele passou o braço por sobre seus ombros e a puxou para perto dele e ela se aninhou. Era um filme romântico que foi despertando neles a vontade de se acariciarem. E logo estavam se beijando, primeiro suavemente, mas logo se intensificou, e ambos demonstrando uma vontade de se darem. Foram para a cama e lá se deixaram envolver por um fascínio abrasador.
Depois deste momento o fim de semana foi intenso. Firmaram um compromisso entre eles, mas não iriam morar juntos. Ela precisava de tempo para isso. Ele a entendia e queria que fosse assim. Henrique não queria mais apurar os acontecimentos. Eles moravam tão perto...


Alicia estava formada em Jornalismo a menos de um ano e já estava trabalhando em um site de notícias, e o melhor de tudo, era trabalhava em casa. Ela havia ajeitado o segundo quarto do seu apartamento, como um pequeno escritório. Ali passava muitas horas.


O tempo estava correndo tranqüilo, eles iam aos poucos se amoldando um ao outro. Henrique queria mudar-se para mais perto dela. Não no mesmo prédio, mas conseguiu um bom apartamento no prédio ao lado, por um preço muito bom. Ele comprou. Podiam se olhar pela janela. Até se falarem. Ele gostou muito de estar mais próximo dela, mas ela se assustou um pouco. Não tiraria a liberdade dela?
Alicia foi convocada para fazer uma entrevista com um empresário que ultimamente era noticia constante, Sr Julio Amido. Telefonou marcando hora. Quando chegou ao local da empresa foi bem recebida pela secretaria e conduzida a uma sala onde deveria esperar um pouco. Logo o assessor, o Sr João Pedro iria ter com ela. Alicia estava um pouco nervosa, não era esse o seu trabalho. Mas... Sentou em uma poltrona e logo entrou uma moça oferecendo água e café. Ela aceitou a água. Procurou se concentrar nos assuntos que deveria questionar.
Alguém bate de leve a porta e abre. Ela levanta os olhos e seu coração disparou. Era tudo o que ela não queria. Encontrar-se com Pedro.
Ele a cumprimentou como se tivessem visto no dia anterior. Ela respondeu de forma inaudível. Apenas balbuciou. O nervosismo tomou conta dela. Precisava se controlar, necessitava fazer bem o seu trabalho e não deixaria que ele mais uma vez atrapalhasse sua vida.
Para salvação de Alicia logo entrou na sala o Sr Julio. Homem de meia idade e simpático. Ela tratou de iniciar a entrevista para poder logo sair dali.
Quando chegou a casa se sentia aliviada. Pedro não tentara falar com ela. Mas ao mesmo tempo ela ficou preocupada com a sua reação. A perturbação que ficou mostrava que ela ainda estava vulnerável a pessoa dele. Não podia mais vê-lo.

Era fim da tarde, ela já tinha tomado um chá de camomila para relaxar, quando seu telefone tocou, um número desconhecido. Ela atendeu, era Pedro.
Pedro ao telefone desculpou-se pela forma impessoal que a tinha tratado, e alegou que estava em seu ambiente de trabalho. Queria encontrar com ela, precisavam conversar. Ela recusou, dizendo que tinha compromisso naquele dia. Mas ele persistiu muito, tanto que ela aceitou jantar no outro dia.
E agora? Não queria de forma alguma magoar Henrique, teria que falar com ele sobre isso. Talvez precisassem dar um tempo. Ela estava muito confusa. Mas de uma coisa tinha certeza, ainda amava Pedro.

Mais tarde quando Henrique foi vê-la, Alicia pediu para não saírem. Pediriam uma pizza. Precisavam conversar e ela preferia que estivessem em casa. Henrique arregalou os olhos, que seria? Concordou. Ficariam em casa. Ela sugeriu que tomasse um vinho, precisava relaxar.
Então ela contou a ele toda história com toda a sinceridade, sem omitir nada. Inclusive a conclusão que chegou depois de tê-lo visto a tarde. A percepção que ainda o amava.
Henrique escutou tudo em silêncio, ele sabia que ela apenas gostava dele, ela nunca lhe falou em amor. Agora ele sabia a razão. Teria que jogar esse jogo. Ele estava apaixonado por ela, e a queria por inteiro. Seria tudo ou nada. Iria arriscar.
Então Henrique aceitou que ela fosse ter uma conversa com o tal Pedro, ele daria um tempo para ela decidir o seu futuro. Henrique perdeu a fome. Levantou-se, deu um beijo nela e foi embora.
Alicia começou a chorar, estava novamente só. Ela confiava em Henrique e sabia que ele a amava sinceramente. Será que tinha feito uma besteira? Ela era de fato muito burra!
Ela não conseguiu dormir, nem tampouco trabalhar no outro dia. No fim da tarde arrumou-se sem muito cuidado. Vestiu uma calça preta com uma blusa a mesma cor e usou no pescoço, um lenço em tons preto e branco. Estava pronta para encontrar Pedro. Pegou um taxi e foi.
Quando ela chegou ao restaurante ele já esperava por ela. Ele estava elegantemente vestido, roupas bonitas e caras. Ela sentiu-se mal vestida para o ambiente luxuoso do restaurante.
Fizeram o pedido e propôs tomarem um vinho, mas ela recusou, tomaria apenas água. Conversaram sobre o trabalho dela, e ele falou um pouco sobre a sua função na empresa. Ele mesmo elogiou o seu próprio trabalho. Disse que estava ganhando muito bem e que era o homem de confiança do maioral da empresa. Ela só escutou, não comentou nada. Alicia sentia seu coração aos pulos, mas sua razão não estava na mesma sintonia. Pedro a dominava, ela se anulava diante dele, sempre fora assim. Ele fazia “gato e sapato dela”.
De repente Pedro disse:
-- Eu fui um tolo, preciso de uma nova chance. Eu sempre te amei.
-- Não sei...
-- Minha querida, vamos esquecer o que passou, eu era jovem demais, queria contar vantagens aos amigos, por isso criei aquela situação toda. E quero te dizer que o Jorge, aquele teu amigo que tu encarregastes de me vigiar, estava afim de ti. Ele distorceu os fatos. E tu não me deste a oportunidade de me defender. Simplesmente ignorou-me.
-- Preciso pensar. Doeu muito em mim. Ainda dói.
-- Se ainda dói é porque ainda gostas de mim.
-- Talvez...
-- Tu tens outra pessoa?
-- Sim, estamos dando um tempo.
-- Ora, isso de dar um tempo não existe.
-- Com certeza ele está a fim de outra, te traindo!
-- Não! Eu sei que não. Ele é um homem com H maiúsculo. Não é como tu.
-- Então me deixe mostrar quem sou eu.
Ela na respondeu. Pediu para ir embora. Ele pagou a conta e deixaram o restaurante. Ele queria levá-la em casa. Mas ela preferiu ir de taxi. Não queria que ele soubesse onde ela morava. Ele ficou de ligar no outro dia.


Henrique também estava fora do esquadro, não dormia, não comia e não conseguia trabalhar direito. Já fazia uma semana que ele e Alicia não se viam e nem se falavam. Ele tinha fechado a janela de seu quarto para não olhar para o apartamento dela.
Ela estava sentindo-se angustiada, ainda não sabia o quê fazer? Sentia atração por Pedro, que era muito bonito e charmoso, mas continuava com receio em confiar nele. Comparava os dois, enquanto Pedro era um sentimento forte e abrasador, Henrique era tranqüilidade e segurança. Precisava resolver isso. Não agüentava mais a situação. Decidiu-se.


Procurou Henrique e disse a ele que ela daria uma nova chance a Pedro, mas que jamais o esqueceria, pois ele tinha sido para ela um Oasis de paz.  Ele não gostou da decisão dela e nem do modo como ela referiu-se a ele. Teria que partir para outra. Simplesmente disse tchau e foi embora.
Ele que a tratara com tanto carinho e amor. Teria dado tudo por ela, e agora tinha sido colocado de canto e trocado por um cafajeste. Iria aceitar a oferta do escritório para Curitiba. Mudaria sua vida.
Quando Tanise soube no escritório da transferência de Henrique foi logo contar para Alicia. E como amiga disse a verdade para ela:
-- Minha amiga, tu não vai gostar do que eu vou te dizer, mas tu fizeste a maior tolice da tua vida. Trocar um cara como Henrique por aquela “peça” do Pedro. Rodolfo o conhece, e o definiu como um pilantra. Acha que ele está te enrolando. Depois não adianta chorar.
-- Eu é que sei da minha vida. Não me interessa a opinião do Rodolfo.
-- Está bem. Se não queres dar ouvidos aos amigos, as pessoas que se interessam por ti, vai em frente sozinha. Fui...
Alicia viu a amiga sair e não se mexeu. Estava enfeitiçada por Pedro. Estava apaixonada por ele. Estava feliz. O resto que se dane! Foi arrumar para sair com Pedro. Em breve morariam juntos. Ela já estava levando algumas coisas para o apartamento dele. Era um belo apartamento, amplo, moderno e bem mobiliado. Ele tinha uma senhora que cuidava de tudo, ela teria uma vida de princesa.
Ela tinha falado em casamento, mas Pedro não queria casar.

Henrique logo se adaptou a Curitiba. Tinha conseguido alugar um apartamento mobiliado próximo ao escritório. E seus colegas do escritório eram bastante acolhedores, tanto que logo ele estava bem enturmado.
No fim do dia sempre passeava com Duque na praça em frente seu prédio. E acabou fazendo amizade com Lidia que também passeava com sua Diana. Lidia era bióloga, e morava ali perto.

Alicia alugou seu apartamento mobiliado e viu que o de Henrique também tinha novo morador. Sinal que não voltaria tão logo.
Ela estava feliz, Pedro fazia todas as suas vontades. Ele precisava viajar seguidamente a trabalho, acompanhar o chefe. Mas quando voltava vinha cheio de presentes para ela e recompensava a sua ausência com muito “amor”.
Ela também fazia tudo o que ele queria. Até seu apartamento, herança de sua avó, ela o permitiu vender, por um valor irrisório. Ela não trabalhava mais, ele não queria, e preenchia seus dias lendo, e conversando com suas novas amigas. Todas eram mulheres ricas, fúteis e levianas.
Ela não se adaptou a nova roda de amizade que Pedro a inseriu. Por isso em seu pensamento entrou a vontade de ter filho. Pedro não queria. Dizia que filho atrapalhava a relação. Que vários amigos tinham se divorciados porque as mulheres haviam mudado depois de terem filhos, não só no corpo, como também no jeito de agir. E os deixavam sem atenção, e até para transar precisavam marcar hora.
Ela ria e dizia que ela não seria assim.

Agora passados dois anos, Pedro já não era mais o mesmo. Chegava sempre tarde em casa e viajava muito mais. Ele muitas vezes era estúpido e violento. Ela começou a ter dúvidas da fidelidade de Pedro. Resolveu prestar mais atenção nas coisas que ele falava, os lugares que ele freqüentava e, sobretudo em seus horários.
Agora tinha certeza que Pedro tinha outra. E em meio a esse “clima” descobriu que estava grávida. Ela contou para ele sobre a novidade e ele apenas ouviu, não fez comentário algum e saiu, disse que voltaria tarde. Ela chorou....
Não foi uma gravidez tranqüila, o casal ultimamente estava brigando muito, cada vez mais. Ele chegava a passar mais de semana sem vir em casa. Ele estava dedicando mais tempo a outra do que a ela. Ela sabia, mas com um filho por nascer, sem trabalho, o que ela faria? Não tinha mais ninguém para conversar. Estava muito só.
Nestes últimos dias ela lembrava muito de Henrique, como sua vida teria sido diferente se tivesse escolhido a ele. Seus amigos também faziam falta, sempre tão leais e disponíveis. Tinha vontade de ligar para Tanise, mas não tinha coragem.
Ela entrou em trabalho de parto e não tinha ninguém para acompanhá-la ao hospital. Foi só.


Henrique estava em Porto Alegre naqueles dias, sua irmã estava hospitalizada, agora já em recuperação de uma cirurgia complicada e ele fazia companhia a ela.
Ele estava saindo do elevador quando viu Alicia com uma imensa barriga chegar desacompanhada ao hospital. Henrique teve um momento de indecisão, mas achou que não era cristão deixá-la só naquela situação. Ele aproximou-se dela devagar e suavemente chamou seu nome:
-- Alicia?
Ela virou-se e ficou espantada com a presença dele ali. Mas disse:
-- Oi... tu por aqui?
-- Sim, Helena foi operada, tirou um tumor.
-- Oh, sinto muito. Como ela está?
-- Bem, está se recuperando, mas vai ter que fazer um longo tratamento ainda. Estamos cheios de esperança... Está na hora de nascer? E porque estás sozinha?
-- Eu comecei com dores e eu resolvi vir para cá, estão ficando fortes e mais seguidas.
-- E tu estás só mesmo?
-- Sim...
-- Então vou ficar contigo até teu marido chegar.
-- Eu não tenho marido, Pedro não quis casar. Apenas estamos juntos, ainda.
-- Ainda?
-- Ai...ai...ai...
-- É muita dor?
-- Sim, mas passou.... Ainda porque estamos vivendo muito mal. E essa criança vai piorar a situação.
-- Que pena!
-- É eu errei na escolha...
Henrique não disse nada, apenas escutou e sentiu um aperto no peito. Ele ainda pensava muito nela. Alicia foi encaminhada para a sala de parto e ele a acompanhou, não iria deixá-la. A criança nasceu sem muita demora. Era uma menina linda, parecida com a mãe.
Alicia foi encaminhada para o quarto e ele disse que precisava avisar ao pai da criança, queria o telefone dele. Era tarde, quase meia noite quando Henrique ligou para Pedro que atendeu demonstrando um estado de embriaguês. Assim mesmo deu o recado. E Pedro teve o desplante de dizer:
-- Já que tu estás ai, pega ela para ti, eu não a quero mais... estou em outra... muito melhor.
Henrique ficou indignado com o comportamento dele. Passou a noite cuidando de Alicia. No outro dia telefonou para Tanise, pediu para que viesse ficar com a amiga. Ele teria que acompanhar sua irmã.
Tanise não se recusou a ir. Eram amigas há muito tempo, desde que Alicia viera para Porto Alegre. Sabia que Alicia era muito só. Seus pais eram divorciados, seu pai foi embora para Recife   e sua mãe foi para Portugal. Ela tinha quinze anos e sua avó materna ficou com ela, mas não por muito tempo, a avó morreu do coração três anos depois. Por isso Alicia tinha ficado tão vulnerável a Pedro.

Henrique contou para Tanise o que Pedro falara, mas ele estava bêbado, então tinham que esperar. Se fosse o caso Alicia poderia ir para o apartamento dele, que estava desocupado.
Tanise entrou no quarto e encontrou Alicia com a filha em seus braços, porém em vez de alegria havia tristeza em seu rosto. Devia animá-la:
-- Oi... Que menina linda! Já tem nome?
-- Estou pensando em homenagear minha avó, que se chamava Cristina.
-- Eu acho legal esse nome.
-- Oi, onde está o Henrique?
-- Está com a irmã.
-- Eu preciso agradecer a ele tudo o fez por mim. Ele me acompanhou todo o tempo. Foi um amigão.
-- Eu sei. Talvez ele apareça.
-- Tomara que venha. Fiquei feliz em encontrar com ele, e agora contigo. Me perdoa por tudo!
-- Esquece! Nós te amamos.
-- Foi Henrique te mandou?
-- Foi. Ele está preocupado que Pedro não te acompanhou.
-- Nossa relação vai de mal a pior. Não sei como vai ser.
-- Crises acontecem e passam. Agora com a filha ele muda. Tu vai ver.
-- Será?
-- Mas é claro...
-- Eu acho que a minha gravidez só piorou a situação. Ele tinha me dito que não queria filhos...
-- E mesmo assim tu insististe?
-- Sim, eu queria muito...
-- E agora como vai ser?
-- Boa pergunta....
Alicia começou a chorar. Tanise resolveu ligar para Pedro para avisar que sua filha tinha nascido. Ele custou a atender e quando soube o que era Tanise, disse:
-- Não quero nem ver, ontem eu já disse para aquele cara que pegue ela para ele.
Tanise ficou indignada e respondeu asperamente:
-- Ela não é uma qualquer, não é um sapato velho para estar sendo jogada desse jeito. Respeite pelo menos sua filha.
-- Não sei se é minha.
-- Mas como ousa?
-- Ora, ela estava numa roda de vadias, o que posso esperar.
Ele desligou.
Tanise ficou pálida com o que ouviu. Teria que contar para Alicia. E contou. Alicia não disse nada, apenas deixou as lágrimas rolarem.


Alicia recebeu alta e resolveu que iria para o apartamento que morava com ele. Ele teria que as engolir. Iria fazer o teste de DNA para provar que a filha era dele.
Quando entrou em casa encontrou malas na sala. Perguntou a empregada, o que era aquilo. Ela disse que eram as coisas da patroa e que foi ordem do Sr Pedro.
Tanise estava com ela e percebeu como Alicia ficou transtornada quando viu as malas na sala, então tomou conta da situação. Pediu que providenciasse um transporte para levar todas as coisas de Alicia e da pequena para o tal endereço. Que fosse o mais breve possível.
A empregada se assustou com o tom de Tanise e telefonou para Pedro, que disse que ele ia mandar tudo. Que a tarde estaria entregue.
Tanise avisou Henrique estava indo para o apartamento dele.
Quando chegaram ao apartamento de Henrique, Alicia não se conteve e começou a chorar copiosamente. Muitas lembranças vieram a sua mente. Tanise sabia que era difícil para ela voltar ali, onde com certeza teve momentos felizes. Mas teria que superar, ela tinha uma filha para amamentar.
Só dois dias depois foi que Henrique foi até lá. Queria se despedir estava voltando para Curitiba, sua irmã já estava em casa. Tinha uma senhora para cuidar dela. Disse para Tanise que tinha conseguido dispensa dela no escritório até segunda feira.
Alicia estava sem saber como levar sua vida, não tinha dinheiro, nem trabalho e nem onde morar e com uma filha para criar. Precisava pensar. Reagir.
Telefonou para Pedro dizendo que precisava de dinheiro, ele tinha obrigação com ela e com a filha. Queria um apartamento confortável para morar, simular ao que era dela e ele vendeu, e uma pensão para filha que já estava registrada como filha dele. E precisava de uma empregada, pois não colocaria sua filha em creche. Ele tinha um prazo que 15 dias. Se não fizesse o que ela estava pedindo ela iria publicar na internet quem era ele. Ela sabia muito sobre as atividades dele.
Pedro ficou assustado com o modo dela falar com ele, parecia outra pessoa, e tratou de providenciar tudo o que ela pediu. Inclusive fez mais, colocou o apartamento no nome dela. Pronto! Estava indenizada pelos serviços prestados.


Ela mudou-se para o novo apartamento. Era bem localizado, com três quartos e bem mobiliado. Telefonou para Henrique agradecendo por tudo o que ele tinha feito para ajudá-la. Perguntou por Helena e disse que quando estivesse na cidade fosse visitar Cristina.
Alicia conseguiu organizar sua vida, agora estava trabalhando novamente como jornalista independente, para um site de notícias. Trabalhava em casa e assim estava sempre junto da filha.
Pedro não se deu ao trabalho de ir conhecer sua filha.
Ela queria batizar Cristina e escolheu Tanise e Henrique para padrinhos. Seus amigos mais queridos. Henrique veio para o batizado acompanhado de sua namorada. Uma moça muito simpática e era bem bonitinha. Ela não gostou de ver Henrique acompanhado.
Tanise observou que Henrique ainda gostava muito de Alicia, seus olhos denunciavam, pois se iluminavam quando olhava para ela. E ficou com dó de toda aquela situação. Lidia, sua namorada, com certeza iria sobrar.
Henrique estava vindo regularmente a Porto Alegre por causa de Helena, e sempre aproveitava para ver sua afilhada. Alicia esperava ansiosa a visita dele. Nessas oportunidades eles conversavam a respeito de Cristina, de Helena, mas nunca falaram sobre eles e do passado. Ele continuava namorando Lidia, que algumas vezes o acompanhava.
Alicia sabia que havia cometido um erro grave em sua vida, não soubera fazer uma avaliação precisa dos fatos, e agora tinha que arcar com as conseqüências. Para não se atormentar, e dedicava-se inteiramente a filha.
Cristina já estava completando um ano de vida, Alicia fez uma festinha, convidou os padrinhos e seus antigos amigos. Foi um dia alegre. O tempo corria e vida continuava...
Uma noite Henrique ligou para Alicia. Dizendo que estava no hospital com Helena, que ela estava muito mal. Ela perguntou se ele estava com Lidia. Ele disse que estava só. Ela então decidiu que iria para o hospital, iria fazer companhia a ele.
Alicia avisou a Marli, sua empregada, que era esposa do zelador do prédio, que teria que sair. Cristina já estava dormindo, que ela fosse ficar com a menina.
Quando viu Henrique sentiu um nó na garganta. Ele estava muito abatido. Ele era muito ligado a irmã, que era bem mais velha que ele e praticamente o havia criado, depois que perderam os pais.
Ela não resistiu, chegou e o abraçou. Ele passou o braço por seus ombros e a  puxou para ele. Passaram a noite assim, esperando noticias de Helena que estava na UTI.
Quase não falaram, simplesmente ficaram juntinhos.
Cedo da manhã Helena faleceu. Ela não teve coragem de se afastar dele. Telefonou para casa avisando que demoraria a chegar. Que Marli não fizesse nada, só cuidasse de Cristina. Tinha almoço pronto, era só descongelar.
O sepultamento seria no inicio da noite. Henrique decidiu assim. Não tinham muitos parentes, Helena era viúva e não tivera filhos. Tinha duas cunhadas e algumas amigas. Ele avisou a todos. Então Henrique e Alicia saíram, queriam tomar um banho para retornar logo, enquanto preparavam o corpo.
Ele a deixou em casa e disse que voltaria para irem juntos.
Alicia que estava todo o tempo junto dele, não o  viu  falar com Lidia. Também não perguntou. Mas ficou pensando se eles ainda estavam juntos. Mas Tanise perguntou por que Lidia não estava? Ele respondeu que ela estava com a mãe que tinha sofrido uma queda.
Depois do sepultamento Alicia convidou Henrique e Tanise para irem fazer um lanche em sua casa. Eles aceitaram. Tanise, não demorou muito e saiu, disse que ainda precisava ler um processo.
Henrique ficou. Estava cansado e triste. Alicia disse para ele dormir ali. Ela dormiria no sofá do quarto de Cristina e ele ficaria no quarto dela. Ele protestou, mas ela acrescentou, está decidido.
Henrique tomou um banho e deitou-se na cama dela. Sentiu seu cheiro e ficou pensando no tempo que eram felizes, foi tão breve, mas tão intenso. Dormiu de cansado, mas sonhou com Alicia. Sonhos ardentes.

Ele ficou ainda uma semana. Estava desocupando o apartamento da irmã. Era da família do marido dela. Ele logo queria liberar para as cunhadas dela. Após a missa de sétimo dia e foi embora. Agora não tinha motivos para voltar.
Alicia ficou muito triste com a partida dele. Com certeza ele iria casar com Lidia, fazia algum tempo que estavam juntos. Ele merecia ser feliz, que fosse com Lídia.

Henrique retomou sua rotina, continuava triste e abatido. Lidia estava admirada com a reação dele diante da perda da irmã. Sabia que eram muito ligados, mas já faziam seis meses...
O que Lidia não sabia era da paixão dele por Alicia.

Algum tempo atrás Henrique e Lidia haviam falado em casamento, mas com a doença de Helena, Lidia não provocou mais o assunto. Pensava que estava na hora de reavivar o tema.
Um dia ela se animou e disse:
-- Henrique estive pensando...
-- Hum...no quê?
-- No nosso casamento.
-- Nosso casamento?
-- Sim, lembra que estávamos pensando nisso...
-- Em termos...
-- Como assim, em termos?
-- Tu falaste em casamento, mas eu não confirmei.
-- Sim, sim. Com a doença de tua irmã...
-- Então?
-- Podíamos casar...
-- Não sei, preciso pensar...
-- Ok.


Naquele momento Lidia percebeu que realmente Henrique estava mudado. Ele tinha perdido a alegria, apenas vivia. Tinha acontecido alguma coisa com ele, que ela não sabia. Não entendia... Porque ele continuava fazendo a mesma rotina, e agora nem precisava mais viajar. Antes tinha Helena!
Lidia decidiu esperar, não iria pressionar.

Henrique por sua vez tinha seu pensamento voltado para Alicia, mas não podia simplesmente abandonar Lidia. Mas quanto ao casamento, tinha que ter cautela. E também não sabia se Alicia o queria. Se ela voltaria para Pedro.
Nunca mais ligara para ela, nem ela para ele. Ele sentia saudades de pequena Cristina. Recebia fotos pelo internet.
Que situação!
Lidia estava cansada da tristeza de Henrique. Resolveu que iria cuidar da própria vida. Queria um marido, filhos, queria uma família. Quantos anos ela estava com Henrique? Quase cinco anos, Ela não iria mais esperar.
Lidia conversou com Henrique e colocou “as cartas na mesa”. A hora de decisão era agora. Se ele estava inseguro, ela iria partir. E partiu!

Henrique decidiu voltar para o escritório de Porto Alegre. Estava na hora de reconquistar Alicia. Instalou-se em seu apartamento e foi à luta.
Foi visitar sua afilhada e encontrou Alicia mais linda do que nunca. Ela havia superado a amargura e era outra pessoa. Era novamente senhora de si. Alegre, divertida e provocante.
Cristina era uma menina linda, que adorava seu padrinho. Todos os domingos ele levava Cristina na praça, passeavam, comiam pipoca, e Alicia sempre os acompanhava. Enquanto Cristina brincava, Henrique e Alicia ficavam sentados no banco conversando... flertando...namorando...retomando o passado.
Henrique comprou um lindo anel e se aventurou a fazer o pedido a Alicia. Estavam na casa dela e Cristina recém tinha dormido, ele ficara contando histórias a ela. Alicia o esperava na sala, sentada no sofá.
Ele ajoelhou diante dela e pediu:
--Alicia, minha princesa, aceitas casar comigo?
Ela arregalou os olhos surpresa e olhou para o anel que ele apresentava a ela. Depois voltou os olhos para ele, e muito emocionada, disse:
-- Sim, eu aceito!
 Ele irradiava felicidade depois de ter resgatado sua paixão antiga.

Cristina estava toda vestida de azul claro e muito concentrada entrava na igreja a frente de sua mãe levando as alianças. Alicia entrou acompanhada por seu pai, que viera conhecer a neta e conduzir a filha ao altar.
Henrique estava deslumbrado com a beleza da noiva que se aproximava num vestido na cor pérola, muito discreto, para ser sua esposa e companheira para a vida toda.

                                                                          Maria Ronety Canibal
                                                                                      Maio 2017