domingo, 26 de novembro de 2017

UM SONHO DE AMOR


                                                UM SONHO DE AMOR

Porto Alegre, 1906.

Elisa era uma jovem sonhadora, que queria conhecer muitos lugares. Pedira a sua mãe, como presente de aniversário de quinze anos uma viagem ao Rio de Janeiro.

Sua mãe, Elizabeth,  era viúva e administrava a pequena propriedade da família, situada no Menino Deus, e tinha ainda o seus irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, com apenas catorze anos, para cuidar.

Elizabeth queria dar esse presente a sua querida filha, mas não podia acompanhá-la. Então propôs a  prima Bernadete para ser acompanhante de Elisa nesta viagem. Bernadete era uma mulher madura, solteira e muito respeitável, era a pessoa ideal para substituir a mãe nessa missão.

Embora Elisa soubesse que sua prima Bernadete era muito austera, ela gostava dela, e não se importava com o freqüente mau humor dela.

Elas embarcariam no inicio de junho e ficariam trinta dias no Rio de Janeiro, retornando no fim de julho. Elisa estava eufórica, já tinha arrumada sua bagagem e ainda faltava uma semana para a viagem.

Elizabeth e os filhos foram levar  Elisa e a prima ao cais do porto. Os meninos queriam ver o navio de perto. Estavam admirados com o tamanho da embarcação, e com a quantidade de pessoas que transportava.

Elas deram o ultimo adeus do convés. O navio zarpou. E a viagem dos sonhos começou. E elas foram para sua cabine arrumar suas coisas. Elisa dançava pelo quarto, enquanto sua prima resmungava e reclamava de tudo.

A hora do jantar, já  no salão, elas   viram que os lugares eram marcados, e que sentariam em mesas  separadas. Bernadete queria trocar os cartões, mas Elisa não permitiu. “Elas estariam na mesma sala, apenas em mesas diferentes. Os organizadores saberiam se ela trocasse o seu lugar e seria vergonhoso”. Foi o que disse Elisa a sua prima. Que se viu obrigada a admitir que Elisa estivesse certa.

Elisa sentou-se no lugar indicado, que ficava de costa para Bernadete. Ela sorriu, pois achou engraçada a situação. A seu lado direito, sentou um jovem alto e claro com olhos da cor do céu, que sorriu ao cumprimentá-la. Elisa respondeu com simpatia. No outro lado estava uma jovem, muito introvertida, que praticamente não levantou os olhos do prato.

Mas ali estava reunido um grupo de jovens, moças e rapazes que se conheceram e tornaria a viagem mais alegre para Elisa. Todos viajavam com suas famílias, apenas ela estava com uma acompanhante, e de Carlos que viajava com seu tio.

O jovem que estava à direita de Elisa era  Carlos, que morava no interior do Rio Grande do Sul, e também era sua primeira viagem ao Rio de Janeiro. Ele tinha vinte anos e era guarda livros e trabalhava na fabrica de calçados de sua família.
Depois do jantar haveria um sarau literário. Mas Bernadete, logo que o jantar terminou foi até onde estava Elisa, pedindo para elas se recolherem. Mas Elisa protestou e elas ficaram.

Durante o sarau Carlos se afastou de Elisa, mas ficou em uma posição que só bastava levantar os olhos para olhar para aquele rosto  lindo e meigo, de feições delicadas que o tinha fascinado. Elisa também o via cada vez que levantava a vista. E inúmeras vezes seus olhares se encontraram. Por sorte Bernadete não se apercebeu.

Deitada em sua cama Elisa não conseguia dormir. E Carlos estava em seu pensamento, Ela sentiu emoções diferentes quando se olhavam durante o sarau. Eles conversaram bastante durante o jantar e ela deu pouca atenção aos demais. Ela estava agitada e não conciliava o sono.

Elisa era uma moça sonhadora, e naquela noite que não conseguia dormir, ficou dando vazão aos sonhos, e imaginou Carlos muito apaixonado por ela, sempre enviando flores e doces de presente para ela. E ela feliz por ser ele o seu eleito.

Por fim dormiu... E teve sonhos maravilhosos. Acordou feliz e ansiosa para encontrar com Carlos e seu coração alterava seus batimentos só em pensar.
Na manhã seguinte após o café da manhã, Bernadete convidou Elisa para passearem pelo convés, para aproveitarem o sol da manhã. Estava um pouco frio, e ventava.

Poucos haviam se animado  a sair do salão, e a maioria estava na sala de estar onde  a  havia  muita  conversa e interação entre os passageiros. Carlos deixou seu tio ali conversando, e foi para o convés.

Carlos logo as viu. Foi até elas e começou a falar sobre a embarcação. Isso despertou interesse de Elisa que para manter o assunto fez muitas perguntas.

Assim a manhã passou e já estavam chamando para o almoço, que era mais informal e cada um poderia escolher onde sentar. Carlos arranjou para que sentassem juntos. E dessa forma apresentou seu tio Frederico para Bernadete. E juntaram-se a eles mais um jovem casal recém casados.

A noite teria um jantar formal e logo após um baile. Elisa ficou bem animada quando recebeu a programação, mas Bernadete logo disse que não ficariam para o baile. Não estava autorizada pela mãe de Elisa a permitir que ela dançasse.

Elisa prometeu que apenas olharia as pessoas dançarem. Ela achava tão lindo, e gostava tanto de música. Mas Bernadete estava inflexível. Então os convivas, que partilhavam a mesma mesa, saíram todas em defesa de Elisa. Foi a jovem recém casada que convenceu Bernadete a deixar Elisa ficar no baile, e ainda acrescentou que uma moça não devia recusar um convite para dançar, pois era ofensa ao rapaz. Isso seria prova de má educação.

Enfim a prima Bernadete concordou, e  elas ficariam para o baile, na condição de  apenas ficar olhando as danças.

Elisa escolheu o seu vestido mais bonito, na verdade não tinha vestido apropriado. Era uma seda na tonalidade de amarelo claro, com um corte na cintura e a saia rodada. E com um cinto que terminava em um laço atrás.

Quando elas chegaram ao salão de jantar, já havia muitas pessoas e as mesas estavam novamente com lugares marcados. Elisa sentou onde estava indicado para ela e viu que Carlos estava ao seu lado.

Ele se levantou quando ela chegou, muito educadamente a saudou com um beijo em sua mão, e  a ajudou a sentar. E sem rodeios começaram a conversar. Bernadete de onde estava os via, e ficou preocupada com aquela atenção especial que o rapaz estava dando a Elisa.

Bernadete estava ficando apavorada, as coisas estavam fora de seu controle, pois agora Elisa dançava com o rapaz. Teria que ter uma conversa seria com Elisa que era ainda uma criança e muito ingênua.

Quando terminou aquela dança, Bernadete não vacilou, pegou Elisa pela mão e a levou para  cabine. Estava na hora de se recolherem. E ao chegar no camarote Bernadete demonstrou toda o seu descontentamento com o comportamento de Elisa.

Mas Elisa não estava prestando muito atenção ao que a prima tanto falava. Ela estava era pensando nas coisas que Carlos falara a ela. E ele tinha dito que a achava muito bonita.

Para Elisa foi mais uma noite de bons sonhos. Seu coração ainda batia descompassadamente, e o sono não vinha. Ficou pensando em um futuro lindo para ela e Carlos. Era seu sonho de amor.

Os dias passaram e o navio estava aportando no Rio de Janeiro. Elisa foi para o convés para ver a cidade, que tanto ela queria conhecer. Carlos foi até ela onde estava para despedir-se dela. E antes de sair lhe roubou um beijo.

Carlos saiu feliz e quando se aprontava para descer deu largo sorriso e abanou para ela. Elisa ficou pasmada. Nunca esperou por um beijo, e nos seus lábios... Suas pernas tremeram e ela precisou se segurar na amurada para se manter em pé, enquanto o seguia com o olhar. E quando ele sorriu e abanou ela repetiu o gesto para ele.

Bernadete se aproximou de Elisa e perguntou o que estava acontecendo, pois ela estava muito estranha. Mas Elisa não respondeu.

Enfim chegaram a pensão que recebia apenas senhoras, que ficava no centro da cidade, na Rua da Quitanda. Elas ficariam cinco dias ali e depois seguiriam para Paquetá, onde ficariam hospedadas na casa de sua tia avó, tia Hermínia.

Fazia calor e Elisa quis refrescar-se com um banho. Depois do banho ela estava pronta para sair. Queria conhecer a cidade, sobretudo as redondezas. Ela queria aproveitar bem o tempo.

Elisa e Bernadete caminharam pela cidade, conheceram igrejas e praças e foram também até a beira do mar. Era tão lindo! O verde que se encontrava com o azul da água.

Elas aproveitaram muito bem aqueles dias. Elisa tinha um fundo de esperança de encontrar Carlos em seus passeios. Mas isso não aconteceu e no outro dia iriam para Paquetá.

Elas pegaram a primeira barca para Paquetá. Elisa estava radiante. Sabia que lá encontraria moças da sua idade, e seriam companhias agradáveis.

Tia Hermínia as esperava com um farto almoço. Após a refeição Luiza e Florinda levaram Elisa para o pátio da casa, e deitaram em redes embaixo do arvoredo.

Ali falaram sobre tudo, fizeram planos e, sobretudo se divertiram. Elisa gostou muito de suas parentas. No meio da tarde elas saíram para caminhar pelas ruelas da ilha. Andaram de pés descalços a beira da água. Já estava anoitecendo quando elas retornaram. Foi muito divertido.

Quando chegaram     era quase hora do jantar. E elas correram para se aprontar rapidamente, pois, tia Hermínia não suportava atrasos.

Tia Hermínia  pediu as jovens que  no outro dia se comportassem como moças educadas, teriam visitas e se vestissem com mais capricho, pois deveriam causar boa impressão aos visitantes.

Cedo da manhã Elisa acordou, se vestiu com cuidado, pediu para Bernadete pentear seus cabelos para trás e fazer uma trança. Assim ela permaneceria com o cabelo arrumado. Tinha escolhido um vestido verde claro, de mangas curtas e com rendas no decote alto e nas mangas. Era um traje simples, mas ficava muito bem nela. A cor realçava seu tom de pele.

Elisa desceu para tomar café e depois foi sentar na varanda da frente da casa. Dali ela enxergava a baia e via a barca chegar. Luiza e Florinda ainda não tinham descido. Bernadete juntou-se a ela e ambas ficaram em silencio observando a água.

A barca aportou e logo as visitas estavam chegando. Era um casal acompanhado de dois rapazes. Não eram mais crianças, já eram homens. Um mais alto e muito bonito, com jeito de ser mais velhos, uns vinte  anos, e outro  mais jovem, com uma expressão alegre, devia ter uns dezoito anos.

Bernadete se apressou em avisar a tia Hermínia que veio ligeiro receber seus amigos. Ela com muita alegria acolheu o casal, d. Eulália e seu Juvenal e foi apresentada aos netos Virgilio e Nicolau.

Elisa ao ser apresentada mostrou toda a sua graciosidade, muito educadamente saudou os recém chegados. Virgilio, ali na hora, demonstrou muita simpatia por ela.

Ele colocou-se perto dela e puxou assunto. E foi neste momento que Luiza e Florinda entraram na sala. A conversa entre eles foi interrompida.

Nicolau manifestou vontade de caminhar pela ilha, e grupo de jovens imediatamente acolheu sua sugestão. E sem pressa saíram para passear. Elisa não se esqueceu de levar sua sombrinha  e com muito charme saiu a passo lento.

Enquanto Nicolau acompanhava Luiza e Florinda, Virgilio ficou ao lado de Elisa que ia mais atrás. E os dois puderam conversar. Cada um falou sobre a sua cidade.

Luiza e Florinda conseguiram colocar Nicolau no clima de brincadeira e os três iam se divertindo. Luiza e Florinda estavam suadas e despenteadas quando retornaram a casa.

Tia Hermínia as repreendeu. O almoço foi agradável com vô Juvenal contando muitas historias engraçadas. Depois do almoço enquanto os mais velhos foram repousar, os jovens foram para o pátio, e se acomodaram em redes. Ali estava bom, corria uma brisa.

Virgilio disse que eles retornariam ao Rio de Janeiro no fim da tarde. E no outro dia voltariam para São Paulo. Em vista disso ele pediu permissão a Elisa para lhe enviar cartas. Ele não queria perder o contato com ela. Ela com um sorriso encantador confirmou que seria muito bom receber suas cartas. E deu seu endereço.

E eles flertaram  o resto da tarde. E quando chegou a hora da despedida, Bernadete acompanhou as jovens até a barca para acenarem aos novos amigos. E Virgilio muito galante se despediu de Elisa com um beijo em sua mão.

E quando já estava partindo ele abanou muitas vezes para ela. Luiza e Florinda voltaram para casa fazendo trejeitos para ela e rindo muito. Ela tinha conquistado o coração de Virgilio.

Elisa  riu com elas, mas não gostou dos modos delas. Bernadete foi obrigada a chamar atenção das jovens, que não estavam se comportando direito em plena via publica.

Elisa havia percebido que Virgilio tinha se interessado por ela, ele era um rapaz bonito, simpático, e conhecido da família e segundo as primas, a família dele era muito rica.

Ela havia simpatizado com ele, que era gentil e sabia conversar sobre vários assuntos, mas seu coração não pulsara, nem se agitara. Não foi a mesma coisa de quando viu Carlos... Sentia saudades dele... Ainda experimentava a sensação do beijo que ele havia roubado dela. Aqueles lábios macios... E todas as noites, ela sonhava acordada com ele... Que eles teriam um futuro juntos. Mas será que se encontrariam novamente?

Naquela noite, Elisa chorou...

Os dias passaram, e elas já estavam chegando a Porto Alegre. Sua mãe e seus irmãos estavam no cais, e uma alegria tomou conta de Elisa quando ela os viu, e pode abraçar e beijar cada um de seus irmãos e em especial sua mãe.
Tinha sido a primeira vez que ficara longe da família. Havia gostado de viajar, de conhecer lugares e pessoas. Era muito bom. Mas voltar para casa era a melhor coisa.

Elizabeth agradeceu a prima Bernadete por tudo que fizera por Elisa, e a convidou a ir para a chácara onde um belo lanche esperava por eles. Mas a prima recusou, queria ir para sua casa.

Quando Elisa chegou em casa estava faminta, e naquela mesa havia tudo que ela gostava. Comeu de tudo um pouco e ficou farta. Seus irmãos queriam saber muitas coisas sobre a embarcação e ela ficou muito tempo ali com eles respondendo a todas as suas perguntas.

Depois foi a vez de conversar com sua mãe. Elisa fez um relato de todas as pessoas que conheceu e não deixou de citar o baile que houve no navio. E por fim falou de Virgilio que pediu para se corresponder com ela e que ela permitiu.

Sua mãe não fez objeção alguma, até porque já havia recebido uma carta de sua tia Hermínia contando do interesse do rapaz por Elisa e dando boas referencias de sua família. Virgilio era de uma família tradicional de São Paulo, plantadores de café, donos de muitas fazendas e de uma torrefação de café. Gente amiga de muitos anos. Ela e Eulália eram amigas de infância. E que notadamente o rapaz tinha se apaixonado por Elisa. E que tinha sérias intenções.

Em poucos dias a primeira carta de Virgilio chegou, e os jovens começaram a ter uma correspondência muito intensa. E parecia que o rapaz estava mesmo interessado em Elisa.

O tempo passava e em suas cartas Virgilio não mostrava vontade de viajar ao sul para visitá-la. Ele sempre tinha muito assunto em suas cartas, que eram longas, porém não tendia para o lado pessoal. As primeiras cartas tinham sido mais românticas, mas mesmo assim Elisa gostava de receber e responder as cartas de seu amigo.

Até que, de repente, chegou uma carta, onde Virgilio anunciava sua ida para a Europa, por um longo período, aonde iria para estudar. De forma que ele deixava à senhorita Elisa, livre de qualquer compromisso que porventura tivesse entendido que houvesse entre eles.

Elisabeth disse à filha que o rapaz agira corretamente.  Mesmo que tivesse se passado quase um ano. Ela achava que Elisa era ainda muito jovem para um compromisso.

E as palavras da mãe deixaram o coração de Elisa leve e livre para sonhar com Carlos. Era desse que ela gostava, era desse rapaz que seu coração sentia saudade e era ele que sempre estava em seus sonhos, tanto quando sonhava acordada, como quando sonhava dormindo. Sempre era Carlos.

Elisa nunca falou para sua mãe desse amor que havia em seu peito. Era o seu segredo. Mas ela rogava a Deus e a Virgem Santíssima, para que um dia eles pudessem se encontrar novamente.

O tempo passava, e Elisa que tocava piano e cantava muito bem, estava dando aulas de piano. Ela sabia que o orçamento da família era apertado, e era o modo de colaborar.

Ela precisava sair, ir à casa de suas alunas. Elisa estava com dezessete anos e sua mãe permitia que ela fosse de bonde até o centro da cidade onde suas alunas moravam.

Eram  duas vezes por semana que ela dava aula de piano a cinco jovens da mesma família. E por isso ela ficava o dia inteiro fora, inclusive almoçava com suas alunas, que eram lindas meninas, bem educadas e gentis.

As meninas progrediam rapidamente no piano, e d. Elvira, mãe das meninas, queria mostrar aos amigos  o dom musical de suas filhas. E organizou um sarau. Seria no sábado à tarde e Elisa tinha pedido a sua mãe que fosse também, pois ela ficaria muito contente. Até seus irmãos queriam ir. E foram todos.

Cabia a Elisa a apresentação de cada uma das meninas, e ela própria também tocaria e cantaria fazendo e encerramento do programa.

A sala da residência era bem grande, e haviam arrumado as cadeiras em volta do piano. E quando Elisa viu o numero de cadeiras, se deu conta do numero de convidados.

Ela tinha feito um vestido novo para ocasião. Era na cor azul e como era dezembro era de organdi bordado. Ela prendera seu cabelo e tinha ficado muito bem. Ela estava muito bonita, foi o que os irmãos disseram.

O sarau foi um sucesso. As meninas tocaram muito bem, e o encerramento foi emocionante, pois Elisa tinha escolhido uma série de músicas românticas e com sua voz  suave encantou a todos os presentes. D. Elvira e seu marido Sr. Julio, ficaram tão emocionados, que deram uma boa gratificação a Elisa.

Após o recital foram servidos salgados e doces, e para beber tinha  vinho e limonada. Tudo muito bem arrumado em uma mesa, vestida com uma toalha branca de linho bordada e no centro um belo vaso com flores.

As pessoas circulavam em torno da mesa. E foi ali com um prato de doce na mão, que Elisa conheceu Afonso. Quando ao virar-se ela esbarrou nele. Ele a segurou pelo cotovelo porque ela se desequilibrou e ao mesmo tempo enrubesceu.

Ele sorriu e disse:
-- Não foi nada, voz de doçura. Eu que estava em teu caminho. Sou Afonso tio das meninas. Encantado em conhecê-la.
-- Desculpe. Eu fui desajeitada. Satisfação...
-- Deixaste todo mundo fascinado com teu jeito de tocar e cantar. Tens uma voz doce e melodiosa. Foi maravilhoso ver tua interpretação.
-- Obrigada. Mas...
-- Onde tu te escondes? Já que nunca te vi pelas redondezas.
-- Eu moro longe, para o lado sul da cidade, no Menino Deus.
-- Perto do Prado Riograndense?
-- Sim, um pouco mais adiante, bem no fim da linha do bonde em direção ao rio. Moro em uma chácara.
-- Ah! Vou seguidamente ao Prado, aprecio muito as corridas. E tenho um desejo de criar os cavalos Puro Sangue Inglês.
-- São tão elegantes. Eu também gosto de cavalos...

Afonso era  jovem, cerca de vinte e três anos, de estatura mediana, olhos e cabelos escuros. Muito simpático e formado em Engenharia. E trabalhava na construção de prédios no centro da cidade, juntamente com seu irmão Julio.

A cidade estava crescendo e tomando um ar de cidade européia, e havia muitas construções e novas ruas sendo abertas para dar vazão a população crescente da cidade. Os prédios no centro da cidade eram luxuosos, em “art nouveau”, utilizando muito ferro artisticamente moldado.

Na semana seguinte Afonso foi visitar Elisa. E sempre todos os domingos ele a visitava. Com permissão de d. Elisabeth e levava para passear e algumas vezes foram ao Prado.

Afonso tinha pedido a d. Elisabeth licença para namorar Elisa, que com muita alegria consentiu. Elisabeth estava satisfeita, sua filha tinha conseguido um bom rapaz, trabalhador e rico. Que sorte!

Elisa aceitou a vontade da mãe. Ela sabia que Afonso era um bom partido, que gostava dela, e era gentil e atencioso, sempre preocupado com ela. Mas ela não sentia nada em seu intimo. Seu coração não disparava, e suas pernas não ficavam bambas.

Sem duvida alguma havia uma grande diferença social entre eles. Ele pertencia a uma família rica, e a família dela vivia com simplicidade e com o orçamento apertado.

Enquanto na casa de Afonso havia muitos empregados, na chácara onde morava havia apenas um rapaz para ajudar na lida, ou seja para cuidar das galinhas, dos porcos, tirar leite das vacas. Sua mãe cuidava da casa e cozinhava, ela ajudava nos dias que não saia para dar aulas. Seus irmãos também ajudavam sendo responsáveis pela horta e pomar.

Elisa percebia tudo isso, e via muitas vezes um ar de arrogância em Afonso. Que muitas vezes dizia que quando ela saísse dali... E ela não gostava disso porque nunca iria se afastar de sua mãe, seus irmãos, das coisas que amava, por causa de convenções sociais.

Quando um temporal estragou o telhado da casa da prima Bernadete, e sua mãe manifestou sua vontade de dar guarida a prima enquanto o telhado era consertado, ele foi contra, alegando que ela era muito maçante. Outra vez se referiu a sua mãe como uma pessoa sem classe, e isto ofendeu profundamente a Elisa.

Elisa sabia que sua mãe tinha tido uma boa educação, ela se apaixonara por seu pai, e deixou o conforto de sua casa no Rio de Janeiro, para casar e vir morar no sul com um simples funcionário da prefeitura.

Sua mãe  tinha requinte e conhecimento. Foi sua mãe quem a ensinara a cantar e tocar piano, foi sua mãe que lhe ensinou a falar e escrever em francês, foi quem a ensinou a costurar e bordar.

E por saber tudo isso, que hoje sua mãe sustentava com conforto sua família. Pois ela também obtinha recursos fazendo bordados sob encomenda. Para Elisa, Elisabeth era uma mulher de valor, pois no momento da necessidade soube agir, sem precisar de ajuda dos outros.

Os dias passavam e Elisa não estava preocupada com o namoro, até que Afonso manifestou sua vontade de noivar e marcar a data do casamento. Ela ficou muito assustada, falou com sua mãe, não se sentia preparada para isso.

Mas Elisabeth não concordava com a filha. Ela estava em idade de casar,  e Afonso era o marido ideal. Era rico e daria a ela uma boa vida. E se ela estava namorando, era porque não tinha aversão ao rapaz. Então podia casar com ele. Elisa não respondeu a mãe. Precisava pensar.

E Elisa foi protelando a decisão, o mais que pode. Até que Afonso decidiu que noivariam no fim do ano, no ultimo dia do ano. A festa seria na casa da família dele. Seria uma grande festa, com toda família e muitos amigos. Iria mandar publicar no jornal Correio do Povo, o anuncio do noivado.

Elisa era muito bonita, simpática e cativante, muito educada e com vasto conhecimento de historia e geografia, além de literatura e musica. Afonso tinha orgulho dela e gostava e exibi-la.

Ele a tinha levado ao teatro São Pedro para assistir a peças e  filmes. Também a levou a festas e bailes, e sempre acompanhada de Bernadete. Elisa gostava de atividades culturais. E eles iam também a saraus literários e musicais, alguns ela foi convidada a cantar. Pois sua voz encantava a todos.

Elisa não tinha certeza, mas achava que ele gostava dela, mas ele nunca falou a respeito, e nem tentou beijá-la ou segurar sua mão. Ele era muito respeitador. Mas em alguns romances que ela havia lido, o homem apaixonado, sempre procurava um jeito de tocar em sua amada.

Eles nunca tinham falado de amor, de uma vida futura, de filhos, enfim nunca fizeram planos juntos. Para Afonso o homem era quem devia decidir tudo, não precisava da opinião da mulher. Cabia ao homem sustentar a casa, a mulher e os filhos. A mulher devia apenas estar à disposição do homem, sempre alegre e agradecida.

Elisa, porém não concordava...

Ela estava acostumada a conversar com sua mãe sobre tudo. Desde as despesas da casa até os planos para o futuro dos irmãos, que queriam ser marinheiros. E lembrava que quando seu pai era vivo, eles todos sentavam ao redor da mesa da cozinha e faziam lindos planos para o futuro. Seu pai era um homem bom, era simples e muito alegre. Ensinou aos filhos buscaram sempre a simplicidade de vida, pois ali encontrariam a felicidade.

Elisa nunca esqueceu as palavras de seu pai...

Afonso não era simples. Ele gostava de luxo e honrarias. Foi na inauguração de um prédio que ele construiu que ela percebeu isso. Ele mesmo descerrou a placa que homenageava os construtores do belo edifício. E o nome dele estava ali em destaque, pois ele tinha sido o idealizador.

Elisa achava algumas coisas estranhas...
        
Era inicio do mês outubro e já não faltava mais muito tempo para o fim do ano. Elisa precisava tomar uma decisão. Em seu intimo ela ainda pensava em Carlos, o único rapaz que despertara o seu coração. Mas ela estava  consciente de que não poderia viver de ilusões. Ela aprendera com a mãe, a ter sempre os pés no chão, olhar em sua volta e saber avaliar a sua realidade.
Ah... Se ela pudesse conversar com Carlos outra vez...

A prima Bernadete, na verdade era prima do pai de Elisa, e era natural de Porto Alegre.  E Bernadete tinha recebido o convite de uma amiga de infância, a Alcina, para ir almoçar com ela no próximo domingo, era um dia especial, porque era aniversário de quinze anos de sua filha Maria da Graça.

Bernadete convidou Elisa para acompanhá-la. E Elisa logo aceitou, seria um dia diferente, ela precisava disso, e simplesmente ela mandou um bilhete para Afonso avisando de seu compromisso.

Bernadete e Elisa saíram cedo. Era longe. Teriam que pegar dois bondes e ainda andar um pedaço. Ficava nos Navegantes. Elisa não conhecia esse lado da cidade, estava empolgada. Estava levando de presente para a aniversariante um fino presente. Uma caixa de lenços bordados  em cambraia de linho, ela mesma tinha feito.

A casa de Alcina era bonita, em meio a um enorme e lindo jardim, com muitas árvores e flores, principalmente rosas. Quando elas chegaram já havia alguns convidados.

Alcina as recebeu com muita alegria, Estava feliz em rever a querida amiga. E as apresentou a todos que por ali estavam. E estavam esperando uns parentes de seu marido que vinham de Novo Hamburgo.

Elisa estava sentada no jardim e contava histórias às crianças que a rodeavam escutando com atenção tudo o que ela dizia. Ela estava tão distraída, que não viu que mais pessoas haviam chegado.

Foi Bernadete quem tomou um susto quando viu Frederico e Carlos chegando. Nunca imaginou que os encontraria outra vez. Eles eram parentes do marido de Alcina.

Carlos quando a viu , a saudou com alegria a perguntou por Elisa, e foi ela que indicou onde Elisa se encontrava.

Carlos se aproximou devagar e ficou olhando para Elisa, ela estava linda, não tinha mais aquele ar infantil. Tinha se tornado uma linda moça, sua voz encantadora o emocionava. E ali ficou, até que uma das crianças sorriu e abanou para ele. Foi então que Elisa se virou e seus olhos se encontraram...

Ele a ajudou a levantar. Pegou sua mão e ficou segurando entre as suas. Eles apenas se olhavam. Elisa não conseguia falar e suas pernas tremiam, e seu coração saltava em seu peito. Ela estava tonta.

Carlos também ficou sem saber o que dizer, estava emocionado, seu peito pulsava forte. Olhar para sua amada o deixou sem palavras. Que vontade que tinha de abraçá-la e beijar aquela boca sedutora.

Carlos havia pensado todos os dia em Elisa, desde o primeiro instante que a  viu ele se apaixonou por ela. Sabia que era a mulher de sua vida. Quando retornou daquela viagem ele sofreu de saudades dela, por não saber onde ela estava, e nem aonde achá-la.  Não sabia onde ela morava e se tinha um noivo... Isso o atormentava. E hoje ela estava ali, diante dele. Deus tinha lhe dado esse presente...

De onde estava Bernadete os observava e pela primeira vez admitiu que eles se amassem, pois seus olhos tinham um brilho diferente, e havia emoção naquele encontro. E Bernadete prometeu a si mesma, que intercederia junto a Elisabeth por esse amor que unia aqueles jovens.

Depois de algum tempo, Carlos reagiu e percebeu que Elisa estava muito pálida, e a fez sentar no banco e sentou-se junto dela. Ela tremia...
Então Carlos falou:
-- Eu pensei muito neste momento, de nos reencontrarmos. Eu sonhei com isto.
-- Eu também... – disse Elisa com a voz tremida – Eu achei que não nos veríamos nunca mais... Eu ainda não acredito...
-- Mas é real. São as maravilhas de Deus. Ele fez acontecer. E eu quase não vim, estava muito desanimado e foi o tio Frederico que me obrigou a vir. Fico feliz por ele ser tão autoritário....
E ambos sorriram. Agora mais calma e respirando melhor, a cor voltou às faces de Elisa, e Carlos perguntou:
-- Ficou alguma lembrança minha, em teu coração? Porque eu me lembrei de ti todo o santo dia. Do teu sorriso, desses teus olhos cativantes e sobretudo, do beijo...
Elisa corou novamente e foi em tom muito baixo que respondeu:
-- Sim, eu me lembrei de ti, todos os dias.
-- Sendo assim, não vou mais permitir que fujas de mim. Quero ir a tua casa e pedir permissão a tua família para nós namorarmos.

Elisa olhou para ele, com os olhos arregalados e lágrimas escorreram em suas faces, e ela balançava a cabeção negando as palavras dele. Carlos, não estava entendendo o que aquilo significava e falou:
-- O que eu disse de errado? Por que ficastes assim?

E com muita dificuldade ela contou a ele sobre seu compromisso com Afonso. Carlos mesmo assim queria o endereço dela, ele não ia desistir facilmente.

 Mas de repente ele se deu conta que ela poderia estar enamorada de Afonso e não resistiu e perguntou:
-- Elisa, por favor, me responda com sinceridade, tu amas esse homem?
-- Se amar é ter emoções fortes quando se esta perto da pessoa, então eu não o amo. Ele é muito gentil e atencioso, me trata como se eu fosse uma jóia rara, gosto dele, mas não sinto nada de mais quando estamos juntos.
-- E tu vais seguir em frente? E tu vais casar com quem não amas? Casamento é para a vida toda. E se depois te arrependeres?
-- Eu sei, tenho pensado muito sobre isso.
-- E a tua mãe, o que pensa?
-- A mãe está satisfeita com ele, porque ele é rico e vai me dar uma vida confortável, é isso o que ela me fala sempre.
-- Tua mãe e teu pai eram felizes?
-- Acho que sim, porque estavam sempre alegres, acho que se amavam muito...
-- Oh, tu disseste as palavras certas, eles eram felizes porque se amavam... Minha princesa, o amor é que deixa um casal feliz, os dois se amando, e se nós pudermos escolher, vamos escolher ser felizes, vamos preferir o amor. Não achas?  Conversa com tua mãe sobre isso... Mas eu quero o teu endereço, vou te visitar, conhecer tua mãe.

Carlos sempre carregava no bolso uma caderneta e um lápis, e sem demora anotou o endereço que Elisa lhe deu.

Estavam chamando para o almoço. E Carlos a pegou pela mão e a conduziu para a mesa, e ambos sentaram juntos. Bernadete juntou-se a eles. Tratou o rapaz com muita cortesia, tanto que Elisa estranhou.

Elisa estava com um ar de preocupação. Carlos percebeu e cochichou ao seu ouvido:
-- Meu amor, relaxa, vamos aproveitar esse dia maravilhoso que Deus fez para nós, e ainda nos colocou juntos. Sorria minha querida.
Elisa olhou para ele e sorriu. Ele era irresistível.

Bernadete não falou nada sobre a situação, conversou outros assuntos e encarou tudo como a coisa mais natural do mundo. Estavam numa festa e deviam se divertir.

Elisa olhava para a prima e não acreditava no que estava vendo, tanto que perguntou a ela:
-- Tu bebeste algum aperitivo? Estás tão estranha?
-- Não bebi nada. Depois conversamos, aproveita a festa.

Elisa então relaxou. Conversou  e riu muito das coisas que  Carlos e seu tio contavam. E o dia passou rapidamente. Era hora de elas irem embora. E Carlos as acompanhou até a parada do bonde.

No trajeto de volta para casa Bernadete contou que tinha visto amor entre Elisa e Carlos. Era como assistir um filme. O olhar, o sorriso que trocaram indicava que algo mais os ligava. E que isso não acontecia quando Elisa estava com Afonso, nem da parte dela e tão pouco da parte dele. E deu seu conselho:
-- Elisa tu amas o Carlos desde o dia que tu o conheceste. Na viagem teus olhos brilhavam e o quando vocês dançaram pareciam estar nas nuvens. Ele também te ama. Tenho certeza. Hoje eu vi. Pensa minha querida, não estraga tua vida.
-- Eu fiquei tremendo quando vi Carlos ali na minha frente...
-- Eu quando jovem tive um amor assim. José foi o amor de minha vida. Mas ele morreu em conseqüência de uma queda do cavalo, bateu com a cabeça em uma pedra, morreu na hora. E meu coração se fechou. Nenhum outro pretendente me conquistou. Meu coração ficou com José.
-- Eu não sabia desse historia. Que tristeza tu passastes.
-- Sim. Mas isso foi há muito tempo. E eu quero que sejas feliz. Eu vou falar com tua mãe. Ela e teu pai se amavam, e ela deve querer a tua felicidade.
-- Assim espero...

Quando chegaram em casa, encontraram Elisabeth as voltas com Pedro que tinha caído da bicicleta e tinha machucado o pé, que estava muito inchado. Bernadete foi quem fez uma tala para imobilizar o pé. E como a dor não passava. Então ela foi acompanhada de Paulo buscar um médico.

Pedro estava com o pé quebrado, teve que ficar imobilizado. E toda a rotina da casa se modificou  por causa disso. Alguém precisava fazer as tarefas de Pedro, e Elisa foi quem assumiu.

A semana passou e Elisa não teve chance de conversar calmamente com sua mãe. Era sábado e Afonso logo estaria lá. Ela tinha tomado  a sua decisão, só que precisava dizer a sua mãe. Ela estava nervosa. Bernadete que tinha prometido conversar com Elisabeth , e também não tinha conseguido.

Elisa recebeu um bilhete de Afonso dizendo: “ Bom dia! Te pego as 17h para irmos ao Prado. Estejas pronta. Tem uma prova importante que quero ver. Afonso.”

Elisa, naquele dia, estava de mal com a vida, e ela respondeu com outro bilhete:” Não precisa me pegar. Eu não vou. Elisa.”

Era perto das 16h quando Afonso chegou à casa de Elisa, ele estava zangado com o modo que ela havia respondido e ele. E pediu explicações para Elisa:
-- Como ousas  não aceitar ir comigo ao Prado?
-- Ora, por que não quero. Estou cansada, cansada de tudo, cansada  de ti. Não quero mais compromisso contigo... – explodiu Elisa.
-- O que te deu criatura?
-- Nada. Já disse estou cansada, não quero mais...
-- Onde está tua mãe. Quero falar com ela. Vai chamá-la.

Elisa saiu da sala bem ligeiro e foi atrás da mãe, e rezava para que sua mãe não a obrigasse a sair com ele, ou a continuar namorando ele. Ela precisava de um tempo. De muito tempo...

Encontrou sua mãe na horta. Em poucas palavras Elisa explicou a ela os fatos, e rogou a mãe para que permitisse que ela ficasse em casa, não queria sair.

Elisabeth entrou na sala ainda secando as mãos e perguntou muito educadamente;
-- O que está acontecendo para o senhor me  tirar de minha lida. Estamos com o Pedro machucado e estamos todos muito atarefados, portanto seja breve.
-- D. Elisabeth, sua filha se recusa a sair comigo, e ainda acrescentou que está cansada e não quer mais continuar o namoro, a senhora está sabendo disso?
-- Ela deve estar cansada mesmo, como todos nós estamos, pois há muita coisa a ser feita. E se ela não quer sair eu apoio sua decisão. Quanto a continuar...
-- Quanto a continuar o namoro a senhora sabe que sou eu quem decide, ela não pode fazer isso comigo.
-- Bem, se ela disse que não quer mais, vamos a deixarela pensar. Hoje não tenho tempo para discutir essa questão. Semana que vem resolvemos isso. Está bem? Com licença, tenho tarefas a fazer antes que a noite chegue.
-- Obrigado, senhora.

Elisa o conduziu a porta de saída. Estava ansiosa para se livrar dele. Ele saiu inconformado com a situação.

Bernadete mandou um bilhete dizendo que iria passar o domingo na chácara e que levaria um amigo. Quando Elisabeth leu o bilhete ficou pensativa. Não sabia que a prima tinha um interessado. Quem seria? E foi perguntar a Elisa, que negou saber de alguma coisa respeito.

Mas Elisa estava tão contrafeita naquele dia, que não se deu conta, das intenções da prima. Só à noite, quando pensava em Carlos, foi que lhe veio a idéia. Levou um susto!  Será que ela traria Carlos?

No domingo Elisa acordou cedo, se arrumou e foi a primeira missa da manhã. Queria estar em casa quando Bernadete chegasse com seu “amigo”. Ela não trocou de roupa, apenas colocou um avental e foi ajudar sua mãe na cozinha.

Quando Bernadete chegou com Carlos, Elisa tinha acabado e arrumar a mesa. Estava bonita, até um arranjo de flores ela tinha colocado no centro. Elisabeth quando chegou à sala se surpreendeu com o capricho dela. E até brincou:
--Não sei o que inspirou essa menina hoje. A mesa está linda, não concordam?
Bernadete e Carlos parados a porta concordaram sorrindo.

Carlos foi muito bem recebido por Elisabeth que o achou muito moço para estar interessado em sua prima. Então algo surgiu em seu pensamento, e ela levou um susto, tanto que soltou um gritinho.

Todos olharam para ela, e Bernadete e Elisa trocaram olhares e isso fez Elisabeth ter certeza de que era verdade. O rapaz estava interessado em sua filha. Ela não disse nada. Ia apenas observá-lo.

O almoço foi agradável. Carlos era simpático e conversava bastante, contando historias engraçadas que deixou os gêmeos interessados. Elisabeth tinha gostado do rapaz.

Ele olhava para Elisa com um olhar de admiração.  Elisa estava no mundo da lua, a presença do rapaz a tinha deixado com um sorriso permanente nos lábios.

Isso fez Elisabeth comparar Carlos com Afonso. Agora ela tinha certeza de que Elisa apenas suportava Afonso, que era arrogante e incapaz de sentar a mesa e conversar ali com todos, e sobre vários assuntos e de prender a atenção até dos gêmeos.

Elisabeth se deu conta que Afonso os desprezava. E ela nem tinha certeza se ele realmente amava sua filha, ou a queria somente por sua beleza. Pois ela nunca viu  Afonso olhar para Elisa com enlevo e a deixar perturbada.

Carlos era um rapaz simples, que sabia cativar a atenção de todos e tratar a todos com cortesia e simpatia.  E Elisabeth percebeu que precisava desfazer o compromisso de Elisa com Afonso.

Depois do almoço Pedro foi para o quarto ajudado por Paulo. E Elisa ficou na sala conversando com Carlos. Enquanto que Bernadete foi para cozinha ajudar Elisabeth na limpeza das louças.

Na cozinha as mulheres conversaram, e Bernadete teve a oportunidade de contar tudo para Elisabeth, desde quando eles se conheceram na viagem até a festa de aniversário de domingo passado.

Foi através Alcina, sua amiga e tia de Carlos, que ela resolveu trazer o rapaz como um amigo, para todos conhecerem ele sem a tensão do compromisso, e também porque ele mesmo sabendo que Elisa estava comprometida, ele não a queria perder de vista. E veio correndo o risco de encontrar Afonso. Bernadete completou:
-- O rapaz é corajoso, está apaixonado. Ele me falou no caminho para cá, que desde que pôs os olhos em Elisa ela nunca mais saiu de seu pensamento. Ele vai lutar por ela.
-- Isso eu percebi. Ufa... Elisa já se indispôs com Afonso ontem. Eu tive que pedir um tempo e defender minha filha que se dizia cansada para sair com ele. Mas o que hoje eu vejo é que ela apenas suporta Afonso, quer dizer suportava.
-- E tu achas que Afonso é muito apaixonado por ela?
-- Pois é. Sabe que tenho duvidas. Estou pensando que ele a quer por sua formosura.
-- Eu concordo. Sempre que os acompanhei nunca vi entre eles uma troca de olhar amoroso, como eu vi domingo passado entre ela e Carlos. E isso foi que me fez pensar e tomar a decisão de ajudá-los.
-- Eu tenho receio de que Afonso não vai liberá-la do compromisso.
-- Será?
-- Bem vamos para sala, eles já estão um bom tempo sozinhos.

E a tarde passou rapidamente. Depois que Carlos saiu os gêmeos estavam conversando entre si lembrando as coisas que Carlos tinha dito a eles, sobre o cultivo da horta e da limpeza do pomar.

Elisabeth enquanto costurava escutava o que os meninos falavam, e isso foi contando pontos para o rapaz. Pois  Afonso mal se dirigia aos gêmeos e falava com ela apenas o necessário e nunca tinha aceitado fazer uma refeição com eles. Era muito esnobe. Ali sentada remendando as meias, ela fez uma prece a Virgem Maria, e pediu pela felicidade de sua filha. Que iluminasse a todos.

Os dias passaram e faziam mais de quinze dias e Afonso não enviara nem um bilhete e também não foi visitar Elisa. Elisabeth estava preocupada. Ela havia pedido um tempo, mas não  assim. Era preciso definir a situação.

Elisabeth enviou um bilhete a Afonso pedindo que viesse a sua casa , pois precisavam conversar. Afonso respondeu que andava muito ocupado, só mais adiante.

Bernadete percebeu que Afonso não queria liberar Elisa do compromisso, então ela resolveu investigar a vida dele. Pois para ela, estava mais do que evidente que Afonso não amava Elisa. Ele só queria exibi-la como um troféu, por sua beleza e sua cultura e seus modos graciosos.

Bernadete tinha sido professora e conhecia muitas pessoas que moravam no centro da cidade. E visitando suas antigas alunas ela falava de sua prima Elisa que estava para ficar noiva de um ricaço. E ficava muito atenta a reação e expressões das pessoas quando ela citava o nome de Afonso, que era de família muito conhecida.

Foi dona Alma, mãe de Lucinda, que falou abertamente do rapaz. E disse a Bernadete que Afonso era amante de uma vizinha dela. Uma moça jovem e bonita, e que  estavam juntos há mais de três anos, que eram muito apaixonados e  eles tinham até um filho juntos. A família dele não permitira o casamento, porque Odete era de classe inferior, não tinha uma educação requintada para freqüentar o circulo social deles.

Sem demora Bernadete informou Elisabeth sobre o comportamento de Afonso, que não era adequado. Então Elisabeth escreveu uma carta ao rapaz desfazendo o compromisso e justificando a razão.

Afonso ao receber ficou espantado com seu conteúdo, mas depois se sentiu aliviado. Ele não seria feliz ao lado de Elisa e também não a faria feliz. Ele precisava ter coragem de tomar uma atitude em sua vida. E foi o que decidiu.
Foi até a casa de Elisa e desfez o compromisso. Desculpou-se com d. Elisabeth por ter sido tão canalha, mas que tinha decido dar um novo rumo a sua vida. Iria casar com a mulher que ele amava a mãe de seu filho. E que desejava toda a felicidade para Elisa, ela era uma boa moça.

Elisa estava radiante, tinha se tornado outra pessoa, estava novamente alegre e cheia de vida. Estava ansiosa para encontrar Carlos para contar a novidade.

 O Natal estava chegando. Elisa arrumou uma linda árvore e o presépio. Ela amava essa época do ano. Fez um vestido novo para ela para usar no dia de Natal. Comprou um presente para cada um e também para Carlos.

Mas Carlos não apareceu mais em sua casa. Ninguém sabia por que. E a tristeza tomou conta do coração de Elisa.

Bernadete foi visitar sua amiga Alcina para ter noticias do rapaz. E lá descobriu que ele estava na Alemanha. Tinha ido com Frederico visitar uma parentes e aprender sobre comercialização de couros e derivados. Eles voltariam em fins de janeiro.

Alcina se lembrou de que Carlos tinha deixado um pacote para ser entregue a Elisa. Ela havia esquecido, e se desculpou, mas ela tinha tido problemas de saúde.

Bernadete entregou o pacote para Elisa, e ela agradeceu e se retirou. Foi para seu quarto, queria estar sozinha. Primeiro abriu o bilhete, E ali em poucas linhas Carlos explicava a sua ausência. Depois abriu o pacote. Era um lindo par de sapatos para o verão. Era lindo. Ela calçou e serviu. Como ele sabia seu numero?

Foi mostrar para sua mãe e sua prima os sapatos que ganhara. Era Carlos quem os fabricava. Ele e o tio eram sócios. E tinham ido aprender mais sobre o assunto, porque queriam ampliar e modernizar a fabrica.

Elisa contava os dias para o fim do mês de janeiro. E iniciou fevereiro e eles não tinham chegado. Foi só no fim de fevereiro que Carlos apareceu em sua casa para visitá-la. Ele não tinha se esquecido de ninguém, pois trouxera presentes para Elisabeth, os gêmeos, para Bernadete e até para o Zico, o ajudante da família, e claro um especial para Elisa.

Naquela tarde Elisa contou para ele toda historia do rompimento de seu compromisso com Afonso. Agora ela estava livre. E Carlos sorriu e disse:
-- Tu estás livre, é isso?
-- Sim. Até que enfim.
-- Mas vamos acabar logo com essa liberdade. Eu te quero bem comprometida comigo. Vou falar com tua mãe.
E levantou-se, quando Elisa falou:
-- E tu sabes se eu quero?

Carlos ficou parado olhando sério para ela. Tudo passou por seu pensamento, menos a idéia de que poderia ser apenas uma brincadeira. Seu coração tinha disparado... Sentou... Não acreditava que isso estava acontecendo.
Ele olhou para Elisa que permanecia séria, não havia tom de brincadeira. Então Carlos, com a voz  embargada perguntou:
-- E tu queres o quê?

Elisa se assustou, era para ser uma brincadeira, mas a reação dele foi tão forte que ela  respondeu com as lágrimas rolando em suas faces:
-- Eu quero estar comprometida contigo...
Carlos respirou aliviado, e a abraçou e beijos suas bochechas molhadas pelas lágrimas que ainda escorriam por seu rosto:

-- Ah minha querida, que susto me deste...
-- Eu só quis brincar, desculpe.
-- Tudo bem, mas é que eu te quero tanto... E tenho medo de te perder novamente. Quase me matou do coração.

E       Carlos a pegou pela mão e a levou até a cozinha onde Elisabeth e Bernadete estavam sentadas conversando enquanto tomavam um chá, e sem rodeio Carlos falou:
-- D. Elisabeth a senhora abençoa nosso noivado?
-- Noivado?
-- Sim. Quero casar logo. Faz muito tempo que nos conhecemos e estamos prontos para casar, não é assim Elisa?
-- Sim mãe. Nós queremos noivar e marcar a data do casamento.
-- Para quando minha filha?

Foi Carlos quem respondeu.
-- Setembro o mais tardar. Poderíamos casar no dia de São Miguel. E tu Bernadete serás nossa madrinha.

As mulheres se levantaram e abraçaram os jovens. Estavam todos felizes.

Eles colocaram as alianças no primeiro domingo de março, e fizeram uma grande comemoração.

Elisa estava trabalhando em seu enxoval, a prima também ajudava. Setembro se aproximava...

Elisa estava muito formosa vestida de noiva. Carlos era um noivo que sabia apreciar os encantos de sua noiva. Inúmeras vezes ele disse baixinho ao seu ouvido que ela era a mulher mais linda do mundo, que ele a amava muito.

Era fim da tarde quando eles embarcaram para viagem de lua de mel. Iam para Rio de Janeiro, queriam refazer o itinerário do primeiro encontro.

Quando retornaram da lua de mel, o casal foi morar em São Leopoldo, ao lado da casa de Frederico. Era uma casa nova que Carlos tinha começado a construir para eles logo que chegou do Rio de Janeiro há três anos.

 Um lindo chalé de madeira pintado de amarelo com janelas brancas e com muitas flores no pequeno jardim a frente e no pátio dos fundos um pomar com grande variedade de frutas.

Bernadete foi morar com Elisabeth e com o aluguel de sua casa, elas equilibraram as finanças.

Carlos e Elisa viviam uma eterna lua de mel, mesmo depois de já estarem com três filhos eles ainda tinham uma paixão forte que os unia. Era um sonho de amor que se realizava a cada dia na vida deles.

                                                     Maria Ronety Canibal

                                                      Novembro de 2017.

IMAGEM VIA INTERNET