Era uma
tarde fria de julho, quando uma agente de saúde entrou no casebre em que morava
Carlito. Assustado com invasão da moça, o menino se colocou a frente de sua mãe.
Cris estava deitada num catre, e não
tinha mais forças para levantar-se. Fazia dias que jazia sem forças e
disposição. A lata em que guardavam algum alimento estava vazia, e há dois dias
que a única refeição era uma sopa rala.
Depois de olhar a miséria em
que eles viviam, e sentir o mau cheiro, que a mulher exalava, a agente falou:
-- Eu sou agente de saúde e
meu nome é Luiza. Como é o teu nome e nome de tua mãe?
-- Meu nome é Carlos Ramos
Porto. E o nome da mãe é Cristina Ramos.
-- Seu pai aonde está?
-- Não sei. Faz muito tempo
que ele não aparece.
-- Como é o nome dele?
-- José Porto.
-- Tens irmãos?
-- Tenho, mas eles foram
embora. Só restou eu, para cuidar da mãe.
-- Quantos anos tu tens?
-- Acho que 10 anos.
-- Estás na escola?
-- Não vou mais. Preciso
trabalhar, eu sou catador. Ajudava a mãe, mas agora sou só eu.
-- A tua mãe está muito
doente. Desde quando ela está assim?
-- Acho que uma semana. Ela
não tem mais forças para levantar. E eu não consigo ajudá-la.
-- Bem, ela será levada para
ser examinada na UPA. Talvez precise ficar para fazer um tratamento.
-- Está bem. – Disse o menino
conformado. Ele tinha consciência de que a mãe estava muito mal.
-- E tu será levado para a
casa de passagem, até a tua mãe melhorar...
-- E se ela morrer?
-- Então veremos o que fazer.
Não demorou muito e uma
ambulância estacionou em frente ao casebre. Carlito sabia, que sua mãe não
voltaria. Ele iria ficar sozinho, com a esperança de que o pai voltasse.
Mas naquela mesma tarde, Carlito foi recolhido
pela Ação Social, e levado para casa de passagem. Ele protestou, não queria ir,
mas não tinha opção, então recolheu suas poucas coisas e foi em busca do
futuro, talvez fosse um pouco melhor...
Ao chegar na Moradia
Transitória, ele percebeu que aqueles outros garotos estavam na mesma situação
que ele, porém um menino se destacava. Ele era alto e bem apresentável. Estava
limpo, penteado e seus olhos tinham um brilho diferente. Ele era esperto, revelava
o seu olhar penetrante. Carlito simpatizou com ele. Os dois se tornaram amigos
inseparáveis, até o dia em que José Eduardo Cunha foi adotado por um casal.
A conversa era que José
Eduardo tinha tido muita sorte, pois, a família que o levou era muito rica e
ele teria uma boa vida. Com isso Carlito se encheu de esperança. Talvez,
tivesse a mesma sorte.
No entanto, ele foi acolhido por
um casal atencioso e carinhoso. Carlito, não foi adotado, mas foi criado por
Júlio e Vera, que receberam a guarda oficial, e ofereceram ao menino um lar
estável e seguro, além de uma boa educação, dando-lhe, assim, condições para
ter um futuro digno.
O tempo correu e os amigos tomaram
caminhos diferentes, e nunca mais se encontraram.
...
Era fim de tarde, e Carlito
estava fechando o seu bazar, quando o telefone tocou. Ele atendeu:
-- Alô!
-- O Carlito está?
-- Sou eu mesmo. Quem fala?
-- Graças a Deus, te
encontrei. Aqui é o José Eduardo. Faz muito tempo que estou a tua procura.
Amanhã vou estar aí na tua cidade, e vamos nos ver, tenho muita saudade.
-- Eu até pensei que nunca
mais nos veríamos. Minha casa é modesta, mas terei uma imensa alegria em te
receber. Venha almoçar comigo e aproveitar para conhecer a minha família.
-- Combinado. Qual o endereço?
Carlito chegou em casa muito
animado, pediu a esposa que preparasse uma boa refeição, porque no dia
seguinte, um velho amigo viria visitá-lo.
Carlito trabalhou na parte da
manhã, e por volta das 11h ele colocou um aviso na porta, anunciando que a loja
estaria fechada na parte da tarde. Foi cedo para casa para receber o seu
“irmão”. Um estranho nervosismo tomou conta dele.
A emoção do encontro foi
presenciada pela a esposa e pela filha, que se chamava Eduarda, em homenagem ao
amigo. A conversa se estendeu até a noite.
José Eduardo contou sobre a
sua vida.
-- Eu estou viúvo, só tenho um
filho e atualmente moro em São Paulo, capital. A família que me adotou era origem francesa, e
logo que fui adotado fui morar nos arredores de Curitiba. Meus pais eram
médicos e me deram uma boa educação. Estudei e me formei em Direito. Cuidei dos
negócios da família, ainda hoje administro os bens da família, além de outros
interesses.
Carlito também falou sobre a sua vida.
-- Eu estou no segundo
casamento. Com a mãe da Eduarda não deu certo. A Ana sempre foi uma pessoa
inconformada, tinha sonhos de riqueza. Mas isso não é para mim. Hoje ela mora
no Chile e está muito bem casada. Agora ela tem a vida de luxo que sempre
sonhou. Mas a Ana Eduarda, a minha filha, preferiu ficar comigo, o que para mim
é uma felicidade.
A conversa seguiu, e muitas
perguntas foram respondidas, pois a curiosidade que eles demonstravam era
genuína, havia um empenho em saber mais sobre a vida que tiveram, depois que se
separaram.
Atualizados sobre os
acontecimentos da vida, na despedida os amigos prometeram manter contato. E
desde então um telefonema, um cartão de Natal os conservavam unidos.
...
Três anos depois.
-- Eduarda, o que diz a carta?
– Perguntou o seu pai.
-- Não sei se entendi direito.
Mas é uma oferta de ajuda para eu cursar a faculdade, qualquer curso com tudo
pago. Estadia, livros... tudo!
-- Que estranho! – Falou
Marlene, a mulher de seu pai.
-- É a Fundação Camile De Lion,
do Paraná. – Leu Eduarda pensativa.
-- E tu vais aceitar, filha?
-- Eu vou. Por quê? Tu achas
que eu não devia aproveitar essa oportunidade?
-- Faça o que achares melhor.
Qual o curso que pretendes fazer?
-- Biologia. Vou aceitar a
oferta e vou dar o meu melhor.
Eduarda respondeu a carta. E
foi encaminhada para a PUC-PR. Quando ela recebeu uma carta com as instruções e
o cheque, ela se surpreendeu com o valor.
Quando Eduarda chegou em
Curitiba, soube que um pequeno apartamento próximo a faculdade, estava a sua
espera, com tudo o que ela precisava, e até a geladeira abastecida. Eduarda
emocionou-se, chegou a chorar. Ela escreveu uma carta agradecendo ao seu
benfeitor, e prometeu dedicar-se inteiramente aos estudos.
...
Era o primeiro dia de aula, e
Eduarda foi atraída pelo olhar penetrante de um colega, que a olhava. Aqueles olhos a fascinaram. Para ela era um
olhar conhecido, mas era impossível. Apesar de ela tentar concentrar a sua atenção
aos demais colegas, seus olhos de dirigiam ao rapaz. E quando os seus olhos se
encontraram e uma corrente elétrica percorreu o corpo dela. Ele era um rapaz
alto e bonito. Seus olhos azuis eram lindos e enigmáticos, e ela se sentiu arrebatada
por ele.
Curiosa para saber o nome
dele, ela ficou atenta a chamada. Henri Marcel Marin. Um nome diferente, pensou Eduarda, que
combinava perfeitamente com ele.
E os dois ficariam na mesma
turma... pura sorte!
O que Eduarda não sabia, é que
Henri também prestou atenção ao nome dela, ficou contente por estarem na mesma
turma. Ele havia se agradado do jeito dela. Parecia ser uma moça diferente das
outras, tanto pelo seu comportamento, como seu modo de vestir discreto.
Naquela noite, sozinha em seu
pequeno apartamento Eduarda sonhou acordada, e teve um sonho lindo. Sorriu ao
pensar que seria a sua felicidade se aquele sonho se tornasse real.
Tomou m banho para esfriar a
cabeça. Ela estava ali para estudar. Precisava se concentrar e pensar que o seu
futuro dependia do sucesso de seus estudos. Ela sempre sonhou em ser pesquisadora,
e estava dando o primeiro passo para a realização dessa aspiração. Do seu sonho
mais antigo ao sonho lindo!
As aulas tiveram início, e
Eduarda percebeu que Henri era rico. Tinha um carro moderno, desfilava roupas
de grife, e a cada dia exibia uma namorada diferente. Embora seu coração
pulsasse por ele, ela se retraiu ainda mais. Conhecia o seu lugar.
O primeiro semestre, para
Eduarda, foi um período de adaptação. Longe de casa, ela sentia-se muito só.
Embora conversasse com seus colegas, ela ainda não tinha amigos. Pois, para
ela, considerar alguém como amigo, requeria confiança, conhecimento e
compatibilidade. E isso, ela não havia encontrado.
Seus passeios eram pelo
supermercado. Ela se distraia olhando a variedade de produtos, comprava um
pãozinho diferente, ou um doce e voltava para casa. Os livros eram os seus
melhores amigos. Embora custassem caro, ela os comprava nos Sebos, onde eram
bem mais baratos.
As férias de inverno vieram, e
Eduarda aproveitou para visitar seu pai, que não estava muito bem saúde. E
coincidentemente, ela encontrou com o amigo de seu pai. Sabendo que Carlito
havia passado mal, José Eduardo foi visitá-lo.
-- Eu soube que entrastes para
a faculdade. Meus parabéns! – Disse José Eduardo à Eduarda. – Nem sempre é
fácil. – Completou.
-- Sim. Eu recebi uma bolsa de
estudos integral, e preciso aproveitar essa sorte. Estou me dedicando aos
estudos. Só que ainda não estou no curso. Serão quatro semestres preparatórios. Só
depois é que farei a opção profissional. Eu quero cursar Biologia, que tem um
campo bem amplo, mas meu interesse é pela pesquisa médica.
-- Já ouvi falar sobre esse
novo método. Em outros países funciona assim o ensino superior. Essa área de
pesquisa médica é para quem tem vocação, é uma bela profissão. Precisa ser
abnegada. – Disse José Eduardo. – E atualmente está muito valorizada, e com
bons salários.
-- Abnegada, a minha filha é.
– Disse Carlito cheio de orgulho. – Essa menina será uma ótima profissional,
seja a área que escolher.
-- Ah, pai não exagera. –
Replicou Eduarda encabulada.
-- Me fala sobre a cidade.
Estás gostando? – Perguntou a Marlene.
Eduarda respondeu com
entusiasmo. Ela havia gostado de Curitiba e à medida que ia conhecendo melhor a
cidade, ela se encantava. Discorreu sobre o campus e mostrou fotos dos lugares
que ela mais apreciava.
Os dias que Eduarda permaneceu
na casa do pai foram revigorantes. Ela retornou das férias pronta para
enfrentar as aulas na faculdade.
O retorno foi confuso. Ela não
sabia que as turmas seriam novamente distribuídas. E quando chegou ao salão, já
estava lotado. O reitor discursava. Eduarda permaneceu em pé no fundo junto a
porta.
Correu os olhos pelo salão, e
se deparou com aqueles lindos olhos azuis, que a olhava com insistência. Então
ela percebeu que ele estava indicando que havia uma cadeira vazia ao seu lado.
Discretamente ela caminhou, alguns passos, e sentou-se ao lado do homem de seus
sonhos.
Um tremor tomou conta dela,
tanto que não prestou atenção nas palavras do diretor de curso. Ela jamais se
imaginou tão perto dele, de falar com o rapaz, que a saudou alegremente, como
se fossem velhos conhecidos.
-- Vamos ser colegas mais uma
vez. – Disse Henri sorrindo.
-- Sim... – Respondeu ela
timidamente. Céus, ela parecia uma retarda, não conseguia articular palavras
diante dele. – Colegas mais uma vez – Disse por fim.
-- Vamos nos encaminhar para a
nossa sala. – Disse ele levantando-se e a tocando no braço, e gentilmente a
conduziu pelo corredor.
Muitas colegas vieram até ele,
o convidando para festas de abertura do semestre, para comemorar no bar, para
um fim de semana na serra. Enfim, inúmeras propostas foram feitas. E Henri não
deu ouvidos a nenhuma delas. Ele se justificou dizendo:
-- Elas não cansam de
festejar. Estão sempre inventando alguma coisa. Falando nisso, eu nunca te vi
em nenhum lugar, a não ser a sala de aula. Tu não costumas sair?
-- Não. Prefiro ter a
companhia de um bom livro a me meter nestas festas aloucadas.
-- O que fazes muito bem. Mas
ir ao cinema, ou ao teatro é bom.
-- Sim. Mas não tenho dinheiro
sobrando para essas coisas. Estou aqui porque recebi uma bolsa integral. Sei
muito bem o quanto meu pai trabalha para sustentar a casa. Não sou de família
rica.
-- Entendo. E se eu te
convidar para passear, tu aceitarias?
-- Não sei. Eu nem te
conheço...
-- Mas vai me conhecer. Isso
eu te prometo.
Na segunda semana de aula, o
professor de antropologia organizou um trabalho em duplas, através de sorteio.
Eduarda tirou o número 11 e ficou na expectativa de saber com quem formaria a
dupla. Estava receosa de que pudesse ser com algum colega esnobe, e ali havia
alguns.
Mas para a sua surpresa, foi o
Henri que saiu como seu parceiro. Extraordinária coincidência. Ela sorriu e pensou
que o universo estava tramando alguma coisa para ela. Seria uma coisa boa?
Eduarda viu Henri se aproximar
dela rindo.
-- Nunca gostei tanto de um
trabalho em aula como hoje. – Disse ele a olhando daquela forma intensa.
-- Mas nem sabemos ainda o que
devemos fazer – Respondeu ela ingenuamente.
-- Pois é... mas a companhia
será muito boa.
O professor começou a entregar
os envelopes aos grupos e a fim disse:
-- Sei que o assunto é amplo,
e o grupo de aprofundar mais o assunto, com larga pesquisas na biblioteca com referências
e etc... Estes terão um ponto a mais. Espero que façam um bom trabalho, na
verdade, gostaria de dar ponto a mais para todos. Conto com o interesse de
vocês.
-- Professor, o prazo de
entrega? – Gritou o Rafael do fundo da aula.
-- Ah sim. Até o dia 13 de novembro.
A apresentação será no salão como se fosse uma defesa de tese. Caprichem!
-- Bah, é muita coisa,
precisamos iniciar logo. – Falou Eduarda.
-- Estou a tua disposição.
Deixo a organização dos horários contigo. Vamos sentar e analisar tudo o que
devemos responder.
-- Vou pegar meu caderno para
anotar. Hoje mesmo vou entrar na internet para ver o quanto é amplo esse tema.
-- Boa ideia. Podíamos almoçar
juntos e iniciarmos essa busca juntos. Aceitas? – Propôs Henri ansioso por uma
resposta positiva. Esse era o momento de se aproximar dela, sem que ela
percebesse o quanto ele estava interessado nela. Aliás, já estava caído por
ela, para não dizer completamente apaixonado.
-- Eu aceito. – Disse ela
estranhando o seu próprio comportamento. Mas era estudo, pensou ela, tentando
encontrar uma desculpa para si mesma.
-- Legal. Temos mais uma aula.
Depois saímos juntos. – Disse Henri e voltando para a sua classe.
Eduarda ainda não acreditava
no que estava acontecendo. Uma alegria tomou conta de seu coração, e ela não
tinha para quem contar. Rabiscou alguns símbolos em seu caderno. Sorriu de sua
infantilidade.
Henri a levou em um pequeno
restaurante, e ali naquele ambiente sossegado, depois de um almoço saboroso
eles iniciaram uma conversa de âmbito pessoal.
Ele falou sobre a falta que
sentia da mãe, que morreu em um acidente de avião. Seu pai era um homem bom,
mas desde a morte da esposa ele vivia para o trabalho. Sentia-se muito só,
apesar da vida agitada que levava, confessou Henri.
Eduarda o admirou por sua
sinceridade. Ela também falou sobre a sua vida: a separação dos pais e a
ausência da mãe em sua vida. Revelou que ela mesma tinha optado por viver com o
pai, pois, este lhe dava mais amor, mas admitiu que a figura materna fez muita
falta em sua adolescência.
Foi uma conversa
surpreendente.
Eduarda era muito fechada e
não costumava falar sobre si. No entanto o clima da conversa a levou a confiar
nele. Henri, por sua vez, também não revelava as suas tristezas a ninguém. Mas
aquela garota era diferente das demais, e isso fez com que abrisse o seu
coração, já na primeira oportunidade.
-- Temos algo em comum. –
Disse Henri a olhando com fascínio. – Vamos ser bons amigos, disso eu tenho
certeza. – Afirmou sorrindo.
-- Com certeza – Respondeu
Eduarda sentindo o seu rosto quente. Aquele olhar intenso a deixava encabulada.
-- Vamos para a
biblioteca. – Determinou Henri.
Os dias passavam.
O trabalho deles estava bem
adiantado, pois ambos estavam dedicando todo o tempo livre para a pesquisa. No
entanto, aquela tarde, depois saírem da biblioteca, Henri a convidou para irem
ao shopping fazer um lanche.
Caminhavam em direção ao
estacionamento, quando o cartaz do filme atraiu a atenção de Eduarda que falou:
-- Acho que esse filme é muito
bom, segundo a crítica que eu li.
-- Em quinze minutos inicia a
sessão, vamos rápido... – Disse a pegando pela mão e apressando o passo.
Sentaram mais atrás, e ainda
estavam rindo da corrida que fizeram, então eles se olharam. As luzes apagaram
e um beijo suave aconteceu. O filme apresentava uma história de amor, era
triste e emocionante. Aproveitando o ambiente Henri tomou a mão de Eduarda
entre as suas e beijou. Com o desenrolar da história a emoção tomou conta e um
beijo mais profundo aconteceu.
Eduarda nunca tinha sido
beijada, não sabia com agir, sentiu-se envergonhada por ser tão inexperiente.
-- Desculpe – sussurrou ela. –
Eu não sei nem beijar.
-- Ah... Não se desculpe por
isso. Ao contrário, tenha orgulho! E eu
te aprecio muito mais, por isso. Vou te
ensinar tudo. – Murmurou ele ao ouvido dela.
E mais beijos aconteceram.
Naquela noite Eduarda não
conseguiu dormir. E agora? Pensava ela. Tornei-me a namorada dele? Ou sou mais
uma vadia em sua vida? Não sabia como encará-lo. E decidiu não ir a aula.
Henri estava radiante. Enfim
tinha conseguido conquistar a garota de seus sonhos. Nunca tinha se interessado
tanto por alguém como por Eduarda, e ela era perfeita, não, mais que perfeita! Prometeu
a si mesmo respeitá-la, pois aquela garota era para casar.
O namoro seguiu e progredia a
relação entre eles. Ela passou a confiar nele, e cada dia se afirmava mais na
ideia de que ele a amava. Embora ele se declarasse em alguns momentos, para
Eduarda eram as atitudes que revelavam o verdadeiro sentimento.
Eduarda estava assustada com a
rapidez do namoro. Tinha receio de que no futuro fosse sofrer as consequências
desse momento. Sabia que o abismo que havia entre eles era enorme, eram de
classes socias distintas. Mas ela o amava, e muito.
Henri estava cumprindo o seu propósito
e não saía mais com os seus amigos, e não mais se envolvia com as mulheres. Por
respeito e amor a Eduarda, ele mudou completamente seu estilo de vida.
Os amigos debochavam dele e a ala feminina
odiava a Eduarda. Alguns de seus amigos, especialmente aqueles que tiravam
proveito da amizade com um cara riquíssimo, não estavam contente com o novo
Henri. Ele tinha se tornado muito certinho, não frequentava mais a noite e não
saía mais com a mulherada.
Gonçalo, que era foi o melhor
amigo de Henri, resolveu brincar com os namorados, e postou na rede social da
faculdade, um vídeo antigo, com a data alterada, onde aparecia o Henri abraçado
a duas garotas em uma boate, se divertindo bastante.
Eduarda viu aquilo e ficou
furiosa consigo mesma. Dizia para si:
-- Tu sabias que em algum
momento isso iria acontecer...
-- Agora aguenta... Enfrenta
os efeitos da tua burrice.
-- Ora... ora. Confiar em alguém!
-- Não foi assim com o teu
pai? A tua mãe não o traiu descaradamente? Pensavas que contigo seria
diferente?
Uma chamada de Henri apareceu
na tela do celular de Eduarda. Furiosa ela desligou o telefone. Não queria
falar com ninguém, e muito menos ver alguém.
Ela chorou copiosamente.
Depois de ver o vídeo, Henri
ligou para Eduarda, mas ela não atendeu e desligou o aparelho. Ir até o
apartamento dela não era uma boa ideia, aliás, ele nunca tinha entrado lá.
Eduarda era toda certinha.
Bem, deveria esperar o dia
seguinte. Era o dia da apresentação do trabalho. Bah... Como seria?
Inconformado, Henri procurou
por Gonçalo, para tirar tudo a limpo, e as desculpas de que foi apenas uma
brincadeira, não impediu que Henri brigasse a socos com o rapaz.
O problema foi que a briga não
ficou só entre os dois, e Henri precisou lutar contra três. Claro que levou a
pior. Foi parar no hospital.
...
O dia seguinte amanheceu com
uma forte tormenta e chovendo, chovendo muito. Algumas avenidas estavam tomadas
pela água, outras com postes caídos, fios arrebentados, ou árvores arrancadas,
impedindo a passagem de veículos. O trânsito estava caótico, segundo a TV, e
Eduarda não tinha vontade de encarar os seus colegas.
Sabia que a universidade
inteira acompanhava o desenrolar do namoro dela com o “rico gostosão”; e que
todos já tinham visto o vídeo, e com certeza iriam zoar dela. Mas era o dia da
apresentação do maldito trabalho. E ela não podia deixar de comparecer e dar o
seu melhor, afinal de contas, ela era uma bolsista, e não devia ter se metido
com um cara de outra esfera social.
-- Burra! Burra! Burra! -- Dizia Eduarda socando a sua testa.
Ligou o seu celular e uma
infinidade de mensagem apareceu em sua tela, inclusive uma do Henri. Tentou
ligar para a faculdade para saber se haveria aula, mas foi inútil.
Então resolveu ir. Vestiu
sobre a roupa uma capa de chuva e calçou botas de borracha, e na mochila
colocou o seu tênis. Ela morava relativamente perto e foi a pé.
Depois de alguns percalços ela
chegou no campus. Ali havia um caos. Vidros quebrados estavam espalhados pelo
chão. Eduarda ergueu os olhos e viu que muitas janelas estavam danificadas,
inclusive as da sua sala de aula.
Ela avistou um funcionário e foi
até ele, então soube que as aulas tinham sido suspensas por alguns dias. Eduarda
respirou aliviada. Iria voltar para o seu apartamento e lá permanecer por uma
semana, completamente isolada do mundo.
Mais tarde, naquele mesmo dia,
Eduarda religou o seu telefone, e leu todas as mensagens, e nem todas eram
pejorativas. Grande parte da ala feminina lhe dava apoio. Isso a deixou
animada.
Então, um novo vídeo foi
postado. Uma briga muito violenta. Ela viu que era o Henri enfrentado três
agressores, sendo que um deles ela reconheceu, era o tal Gonçalo, o cara que
adulterou o vídeo, segundo alguns comentários. A briga foi apartada pelos
seguranças do local, e o Henri parecia estar muito machucado. Com o coração
batendo em descompasso, Eduarda chorou. Ele estava muito machucado! Foi
carregado por paramédicos...
Eduarda se pôs de joelhos e
rezou à Virgem Maria, pedindo pela boa recuperação do Henri.
Eduarda ficou preocupada. Mas
uma dúvida surgiu, essa briga era recente, ou também era um vídeo adulterado.
Como saber? Aguardou os comentários, e logo soube que o Henri tinha brigado,
por causa do vídeo de Gonçalo. E que ele tinha levado a pior e estava
hospitalizado.
Aqueles dias foram penosos
para Eduarda.
Ela tentou inúmeras vezes
ligar para o Henri, mas o telefone estava sempre fora de área. Não sabia aonde
ele morava e não tinha os contatos de seus colegas para procurar saber sobre o
estado de saúde do seu amado. Só então ela percebeu que permanecia muito
isolada. Nesse tempo todo, ela não havia cultivado nenhuma amizade.
As aulas só retomaram sete
dias depois do temporal que danificou muitas coisas. A apresentação do trabalho
em dupla tinha sido cancelada, bastava entregar o texto. As provas estavam
marcadas para a semana seguinte.
Eduarda dedicou-se aos
estudos.
...
Já era dezembro!
E o Henri havia sumido.
Os planos de Eduarda eram de
permanecer na cidade e conseguir um trabalho temporário no período de férias.
Sabia que o apartamento ficaria a sua disposição. Porém um aviso de que seu pai
havia se acidentado, a fez correr para casa.
Carlito havia sido atropelado
por uma moto. Seu estado de saúde não era bom. Ficaria hospitalizado por um
longo tempo. E coube a Eduarda assumir o pequeno bazar de onde a família tirava
o seu sustento.
Henri recuperou-se
inteiramente. Mas seu pai o aconselhou a não voltar para Curitiba, e sim
estudar em uma universidade de renome. E no caso da medicina as escolhas
estavam entre Harvard e Oxford.
...
As férias terminaram, e como
seu pai ainda precisava de cuidados especiais, Eduarda não pode voltar aos
estudos. Carlito permanecia precisando de cuidados especiais, e conformada, ela
pediu a suspensão da bolsa.
Uma imensa tristeza tomou
conta de seu coração. Nunca mais encontraria com o Henri, o seu querido
namorado. Viveria de lembranças...
Uma carta da fundação a
informou que a sua matricula estava assegurada para o próximo semestre, para
ela poder dar continuidade aos seus estudos. Estava em destaque a frase: Suas
notas são excelentes!
Eduarda animou-se, nem tudo
estava perdido, havia possibilidades de reencontrar-se com o Henri. Ela contava
os dias e orava pedindo que a saúde do pai se restabelecesse.
Enquanto isso, ela lembrava os
bons momentos. Sorriu ao rememorar o quase beijo. Eles estavam na biblioteca em
busca de livros, um dos livros, que ela segurava escorregou, e Henri com
rapidez o agarrou para não cair ao chão. E esse gesto os deixou muito próximos,
seus olhos se encontraram, seus corações aceleraram... No entanto, Henri se
afastou. Sorriu e eles voltaram para a mesa de trabalho. Eduarda ficou um tanto
decepcionada, apesar de suas convicções e atitudes de manter-se longe dessas
situações. Fazia apenas uma semana que tinham formado a dupla. Por fim,
interiormente, ela sentiu-se grata pela atitude dele. E concluiu que Henri a
respeitava, apesar da sua fama de “galinha”.
Foram longos dias e
intermináveis noites.
Enfim, ela estava de volta. Na
manhã seguinte retomaria os seus estudos. Eduarda sentia-se muito feliz.
No dia seguinte ela soube, que
Henri não tinha voltado. Segundo alguns ele estava estudando nos Estados
Unidos. Totalmente fora do seu alcance. Conformada, ela dedicou-se totalmente
aos estudos.
Formou-se em Biomedicina e foi
laureada com uma Menção Honrosa.
Eduarda queria trabalhar na
pesquisa, e conseguiu uma vaga, no Instituto de Pesquisas Celina Marin, através
da Fundação Camile Di Lion. Em vista disto, ela mudou-se para São Paulo.
A renumeração era muito boa, e
Eduarda alugou um pequeno apartamento, nas proximidades de seu local de
trabalho. Uma caminhada matinal a deixava animada para mais um dia de trabalho.
...
O tempo passava...
Henri tinha concluído seu
doutorado e estava pronto para voltar para o Brasil. Embora tivesse oferta de
trabalho na universidade, ele queria retornar.
Por insistência de seu pai,
Henri começou a sair com Anabel Rubim, filha de uma grande amiga de sua
falecida mãe. Eles se conheciam desde crianças. Fazia muito tempo que não se
viam, e ele pode constatar, que Anabel tinha se tornado uma mulher fascinante.
Fazia um trabalho voluntário em instituição de caridade. Única filha de Santiago
Rubim, ela era herdeira de uma significativa fortuna.
Depois de saírem algumas
vezes, a amizade de outrora veio à tona, A conversa fluía fácil, riam e descobriram
que gostavam das mesmas coisas. Amor? Não era amor, era só amizade.
Anabel contou para Henri, a
sua trágica história de amor, vivida na Suécia. E confessou que sofreu muito
com a perda de Erik, que morreu em seus braços, vítima de uma bala perdida. Com
isso ela havia fechado o seu coração.
-- É tudo muito recente. –
Completou Anabel
Henri não revelou, mas pensou
que ele só queria reencontrar a sua querida Eduarda... Não era nada recente,
mas ele também sofria com o mal entendido que ficou entre eles. Ele ainda a
amava.
José Eduardo estava muito
satisfeito com a aproximação de Henri e Anabel. Eles formavam um belo par, e
tanto ele como Santiago, queriam essa união. Iriam unir as fortunas.
...
Fazia algum tempo que Henri já
estava em casa. Ainda não estava trabalhando, mas já sabia onde trabalhar.
Então foi conversar com o pai.
-- A área da medicina que me
especializei é a Oncologia, e tem muito a ver com a pesquisa, tu bem sabes. E eu
quero trabalhar em parceria com IPCM, de nossa família. Eu quero dar uma
chegada lá, para avaliar o trabalho que está sendo feito e se a tecnologia que
temos é a de ponta. Queres me acompanhar?
-- Sim. Inclusive quero te
apresentar a biomédica que está trabalhando em uma pesquisa inédita. O Dr.
Juarez está muito animado com a moça. Ela foi uma favorecida da Fundação.
-- Interessante... Vamos –
Disse Henri levantando-se.
-- Vamos.
O diretor do Instituto de
Pesquisas os recebeu com certa cerimônia, pois não era sempre que os donos se
faziam presentes. Sabendo que Henri recentemente tinha vindo como doutor de Harvard,
ele estava entusiasmado com a visita.
Depois de conversarem sobre o
instituto e andar pelo prédio, eles entraram na sala de pesquisa avançada. Dr.
Juarez explicava em que se concentrava a pesquisa. E falou:
-- A dra. Ana não está. É uma
lástima. Ela é quem está a frente desse trabalho. Ela teve um problema de
família e precisou viajar. Creio que o pai adoeceu, coisa assim.
-- Me informe quando ela
voltar, eu tenho interesse em conversar com ela. Tenho algumas ideias para
partilhar. – Disse Henri sorrindo.
-- Seria muito bom! Penso que
a doutora só retorna na semana que vem. Eu dei 10 dias
de licença. O senhor também vai trabalhar aqui? – Perguntou o dr. Juarez.
-- Não! Vou para o hospital do
câncer. Mas é preciso que tenhamos um trabalho integrado, pois tratamento e
cura do câncer dependem da pesquisa.
-- Sim. Evidentemente.
-- Obrigado pela atenção. –
Disse José Eduardo despedindo-se.
Ao cruzarem a porta, Henri
perguntou:
-- Quem é mesmo essa doutora?
Tu a conheces?
-- Sim. Ela é filha de um
velho amigo. Eu o conheci na Moradia Transitória. Ficamos amigos, porém eu sai
para ser adotado e ele ainda ficou. Mais tarde foi acolhido por um casal que o
criou. Deu-lhe uma boa educação e estudo técnico. Hoje ele tem um bazar, onde
vende mercadorias vindas da China. Ele mantém a família com uma vida simples.
-- E a filha? Tu a conheces?
-- Sim. É uma moça bem
educada, bonita e muito inteligente. Eu a incluí no programa de bolsas de
estudo da Fundação. E ela formou-se com honras. Claro, que eu ofereci a ela, um
lugar de pesquisadora aqui no Instituto, já não queria perdê-la. E ela está
mostrando que tem talento.
-- Ela estudou em Curitiba?
-- Sim. Ela terminou o doutorado
fazem 2 anos. Ela precisou interromper a faculdade por causa de um
acidente que o Carlito sofreu. Ela é tão integra, que quando viu que perderia o
semestre, para cuidar da loja do pai, ela pediu desistência. Mas eu a mantive
no programa, e não me arrependo.
-- Talvez eu a conheça... Só
não lembro de nenhuma Ana.
-- E como vão as coisas com a
Anabel?
-- Pai, não vou me comprometer
da forma como queres. Somos apenas bons amigos. Mas combinamos de passar o
próximo fim de semana na fazenda, com o Pierre e a Arlete Merly.
-- Cuidado. Vais acabar
dormindo com a moça, e então estarás mais comprometido do que imaginas.
-- Não! A Anabel está
desenganada do amor.
-- Eu não falei em amor. Bem,
eu te alertei. Tome cuidado.
-- Não te preocupe, eu sei me
cuidar.
...
Enquanto viajava para o sul,
Eduarda relembrou o seu sonho lindo, o seu sonho de juventude. E Henri surgiu
em suas lembranças. Seu coração se apertou, ela ainda o amava. Incrível, esse
sentimento, pensava ela, que vem e toma conta do coração sem pedir licença. Foi
um namoro tão breve... No entanto, foi era o amor de sua vida. Desde então,
nunca mais se interessou por homem algum.
Suspirou, e agradeceu aos céus
por ter podido estudar e hoje ter um trabalho tão envolvente, que não lhe dava
tempo para sonhar.
Eduarda chegou em casa e viu
que o pai não estava bem. E o problema maior era que a Marlene não o tratava
como deveria. Percebeu que o casal estava em vias de separação. Teria que levar
o pai para São Paulo. Bah, seria um transtorno em sua vida. Mas era o seu pai,
um homem bom, que teve uma infância difícil, coisa que ele nunca superou.
Ela precisava resolver logo,
pois só tinha só alguns dias, então falou:
-- Pai, eu tenho um bom
salário, e estou pensando em te levar comigo. As coisas aqui não estão bem, e
tu precisas ter uma vida mais tranquila. Tu não falaste que o seu Roberto te
fez uma oferta pela loja?
-- Sim, mas e a Marlene, ela
não vai querer me acompanhar...
--É lógico que não. Ela nem
está te cuidando. Como eu posso ficar descansada? Sabendo que estás atirado as
traças. A tua mulher não é mais a mesma.
-- Eu sei. Estou desconfiado
de que ela tem um amante. Determinada hora ela desaparece sem explicações.
-- Então, vem comigo. Queres
eu chamo o seu Roberto para conversarmos sobre a venda da loja.
-- Minha filha, não é bem
assim. Te prometo que vou pensar sobre tudo isso.
Desiludida, Eduarda retornou a
São Paulo.
...
O Instituto de Pesquisa Celina
Marin estava completando 15 anos,
e um jantar foi organizado. Pessoas de destaque da sociedade paulistana estavam
na lista de convidados, assim como os pesquisadores que trabalhavam no IPCM.
Eduarda havia comprado um
vestido adequado ao evento. Com a ajuda da vendedora, ela escolheu um modelo
discreto, na cor azul empoeirado, como disse a moça. Ela prendeu os cabelos, e
usou uma maquiagem discreta. Ao olhar-se no espelho, Eduarda gostou de sua
aparência. Não ia fazer feio... Sorriu e saiu de casa confiante.
Ao chegar no salão, ela se
juntou aos seus colegas de trabalho. Dr. Juarez estava acompanhado da esposa, dona
Mirtes. Reinaldo Luz, não perdeu a oportunidade de ficar ao lado de Eduarda.
Fazia um tempo que ele estava interessado na sua colega de trabalho, e ele não
iria perder a oportunidade de caiu do
céu. Hoje ele iria abrir o seu coração e firmar um compromisso.
Eduarda conversava com Mirtes
quando olhou para as pessoas, e de repente o seu coração parou, foi quando ela
mirou aqueles lindos olhos azuis. Era Henri acompanhado por uma bela mulher.
Ele também a olhava...
Um movimento e Eduarda viu que
ele usava uma aliança.
Claro, um homem com ele não
ficaria sozinho. Ela sempre soube, e por que essa dor no coração? Ela sempre
soube que ele não ficaria sozinho por muito tempo.
E quanto tempo fazia que o
namoro tinha terminado?
Ela nunca mais teve ninguém,
mas ele... Talvez um número incontável de casos... Afinal ele era um homem muito
charmoso...
Nervosa, Eduarda virou-se
costa e tentou prestar atenção na conversa. Foi Reinaldo que percebeu que ela
estava alterada, então perguntou:
-- Estás tão pálida? Até parece que viu um fantasma...
-- Talvez essa seja a questão.
Eu vi um fantasma. – Respondeu ela tentando parecer despreocupada. Mas ainda
estava toda trêmula.
-- Bebe um gole de água, vai
te ajudar. – Disse Reinaldo gentilmente, e alcançou-lhe um copo.
-- Obrigada! – Disse ela
procurando um lugar para sentar.
-- Ah, ele chegou. – Disse o
dr. Juarez. – Ana vem comigo, quero te apresentar o dr. Marcel, ele recém
chegou de Harvard.
Atônita, Eduarda seguiu o seu
chefe. Quando ela percebeu quem era a pessoa, ela teve vontade de morrer ali
mesmo.
-- Com licença. – Disse o dr.
Juarez – Como vai?
-- Como vai o senhor? –
Respondeu Henri gentilmente.
-- Eu quero apresentar a
doutora Ana, a responsável pela nossa pesquisa avançada.
-- A doutora Ana. – Disse
Henri a olhando e erguendo as sobrancelhas, e estendendo a mão a moça. –
Prazer. Confesso que eu estava ansioso por conhecê-la. Soube que seu trabalho é
excelente.
-- Obrigada, doutor. Só faço o
meu trabalho com dedicação. – Respondeu ela o encarando.
-- Obrigado, doutor Juarez.
Vou segurar a doutora Ana por aqui. – Disse Henri a pegando pelo cotovelo para
que permanecesse ao seu lado.
-- Por nada. – Disse Juarez
afastando-se.
-- Precisamos conversar. –
Disse Henri em tom mais baixo. – E o assunto não é pesquisa. Por que te chamam
de Ana?
-- Porque o meu nome é Ana
Eduarda Porto. Esqueceu? – Respondeu ela com arrogância. – E acho que não temos
nada para conversar. Essa aliança em tua mão, não te dá o direito de tocar no
passado. Com licença. – Disse Eduarda afastando-se rapidamente, em direção o toalete.
Ela entrou, e viu que a mulher
que estava com Henri estava ali conversando com uma amiga. Entrou no banheiro e
ficou escutando a conversa.
-- Parabéns Anabel! Conseguiste
pegar o bonitão?
-- Sim. Ora, Arlete, eu usei o
velho truque. Disse que estou grávida. Consegui um atestado falso. Sabes que
com dinheiro tudo se resolve. Vamos casar em breve.
-- E depois como farás?
-- Um aborto, esmalte vermelho
em uma toalha resolve tudo.
-- Mas ele é médico, saberá de
diferença.
-- Eu já estarei casada. O que
ele poderá fazer? Nossas famílias não costumam provocar escândalos, e tão pouco
divórcio.
-- Que loucura!
Depois desse diálogo, as duas
mulheres deixaram a toalete. Eduarda ficou espantada com o que ouviu. O que
fazer? Alertá-lo?
Eduarda retornou ao salão e os
discursos iniciaram. O Dr. Jose Eduardo Marin estava narrando a trajetória do
IPCM. Falou da falecida esposa com carinho, e afirmou que Celina foi uma pessoa
benemérita. Por isso foi criado o Instituto de Pesquisa com o seu nome.
Em seguida quem tomou a
palavra foi o Henri, que falou sobre o trabalho de pesquisa e fez referência a
Ana Eduarda, a chamando a mesa principal.
Ela levantou-se e caminhou até
lá. Sentia-se insegura. O que ele estava aprontando? Para a sua surpresa ela
recebeu das mãos do Dr. Juarez um broche de ouro do IPCM.
Depois de ser cumprimentada
pelo dr. Juarez, dr. José Eduardo e pelo Henri, ela foi convidada a permanecer
ao lado dele. Ele a segurou firme o seu braço. E sussurrou:
-- Por favor, fique.
Ela anuiu, e jantou sentada
entre o dr. José Eduardo e o dr. Henri, e Anabel, que acompanhava ao noivo
estava sentada do outro lado de Henri. Anabel logo reconheceu a moça que tinha
entrado na toalete, ficou um pouco receosa. Jamais imaginou aquela sujeita era
alguém de renome.
A noite foi “sui generis”:
Reinaldo saiu contrariado.
Nada foi como o esperado.
Anabel saiu preocupada. Aquela
mulher conhecia o seu segredo.
Henri saiu feliz. Eduarda
estava ao seu alcance.
Eduarda saiu indecisa. Não
apreciava a mentira.
José Eduardo satisfeito. A
homenagem a sua esposa tinha sido incrível.
Juarez saiu realizado. A dr.
Ana tornou-se conhecida.
A consciência de Eduarda
estava pedindo que não permitisse que Henri fosse enganado por aquela mulher.
Ela rolou a noite toda na cama, sem conseguir dormir, pensando como deveria
agir.
Sem saber porque, ela tinha
gravado a conversa. E isso valia como prova.
...
Dias depois, dona Francis que
era a governanta da casa, entregou a Henri um envelope enviado pelo correio. O
remetente apenas colocou as iniciais. AP
Ele abriu e atônito leu a
mensagem: “Tua noiva não está grávida. Estás sendo enganado. Ela quer te
obrigar a casar.” AP
Henri releu. Franziu o
cenho...
Recolocou no envelope e
levantou-se.
-- Estou saindo. – Avisou.
-- Com essa chuvarada! –
Observou Francis.
Não demorou muito e ele estava
diante de Anabel.
-- Venha comigo. – Falou Henri
secamente.
-- Para onde? Eu não vou sair
com essa chuva.
-- Então não tem casamento. –
Afirmou ele tomando a direção da porta.
-- Espere... Já estou indo. –
Protestou ela pegando a sua bolsa.
Sem nenhuma explicação ele a
levou ao laboratório.
-- Um exame de sangue, por
favor. Para constatar gravidez.
-- Mas eu já fiz exame, até já
te mostrei.
-- Sim. Eu sei. Mas quero
outro exame...
--- Foi aquela zinha –
Resmungou Anabel.
-- O que falaste? -- Indagou
Henri. – Quem é a Zinha?
-- Nada!
Henri acompanhou a sua noiva,
a sala de exames. Queria se certificar de tudo. Pediu para acompanhar o
processo, e foi permitido. A reação é rápida, e o teste negativou. Anabel não
estava grávida.
--Mas como deu negativo? –
Gritou Anabel. – Esse laboratório não é de confiança.
-- Te enganas. É muito bem
conceituado. Vamos embora. – Disse Henri depois de pagar e pegar o resultado do
exame.
Ele suspirou aliviado.
Mas quem o tinha avisado. AP
Então sorriu, e pensou: eu sou
um tolo...
...
Um telefonema fez com que
Eduarda saísse apressada do IPCM. Seu pai tinha tido um enfarte. Ela tomou o
primeiro avião para o sul.
Apressada ela entrou no
hospital. Seu pai estava na UTI. Eduarda ainda conseguiu entrar e ver o seu pai
ainda com vida. Foram os seus últimos minutos de vida. Ele morreu sorrindo para
ela. Parecia que ele estava esperando por ela.
Eduarda logo ligou para o dr.
José Eduardo, avisando do falecimento do pai. Ele lamentou e disse que viria
imediatamente.
Foi uma noite longa e solitária.
Ana Eduarda chorou pela perda
do pai, e por si mesma.
Sentindo-se muito sozinha,
Eduarda estava em pé junto ao caixão, pensando. Marlene recebia alguns vizinhos
e amigos. Ela tinha se distanciado dessa gente toda. Também fazia muito tempo
que ela não morava mais com o pai. Estudo e trabalho a afastaram de casa.
Marlene tinha ficado até o
fim. E Eduarda era grata a ela. Ao menos seu pai não sofreu a dor de outra
separação. Ela ainda lembrava do sofrimento do pai, quando sua mãe foi embora.
Ao ver o pai tão desolado ela resolveu ficar ao lado dele. A riqueza que sua
mãe oferecia não valia a dor do pai.
Um abraço reconfortante a
tirou do devaneio.
Seu coração disparou. Era só
imaginação... não podia ser verdade.
Ela virou-se e chorou.
Deixou-se abraçar.
-- Meu pai se foi... agora
estou completamente só. – Choramingou Eduarda, no aconchego daquele abraço.
-- Não estarás sozinha, eu vou
cuidar de ti. – Disse Henri emocionado.
José Eduardo quando viu o
filho abraçar a dr. Ana, deu-se conta de que eles já se conheciam, e ela devia
ser a moça que o filho tanto amava. Entendeu porque ele fez questão de o
acompanhar. E pensou, que contra o destino ninguém tem força.
Na verdade, ele ficou feliz
com a descoberta. A Ana era uma excelente pessoa, muito melhor do que a pérfida
Anabel.
Após o enterro, José Eduardo
voltou para São Paulo. Tinha compromissos inadiáveis. Mas Henri permaneceu ao
lado de Eduarda. Ela iria mandar rezar a missa de sétimo dia e então iria
embora para nunca mais voltar aquele lugar. Os restos do pai estavam na urna
funéria, a qual lhe pertencia.
Carlito tinha pouca coisa,
apenas a loja, a qual Eduarda fez questão de deixar com a Marlene. Preferia
abrir mão de sua parte, a ter que manter uma sociedade com a madrasta.
...
Henri manteve a promessa que
fez a si mesmo. Respeitou a Eduarda inteiramente, e só a tocou na noite
núpcias. E foi a uma noite especial. Ele a desejava com todo o seu ser, e ela
retribuiu todo o amor com entusiasmo.
A felicidade era visível no
jovem casal.
Um sonho lindo foi realizado.
Aliás, era um sonho a dois...
Maria Ronety Canibal
Janeiro 2023.
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