Teodora
Desde quando ainda era uma menininha, Teodora
gostava de ver seu avô preparar as massas para a confecção de pães, doces e bolos
que eram vendidos na padaria de família.
O
avô sempre dava um pouco de massa para ela amassar, e a observava com um sorriso de satisfação, aquelas
mãozinhas gordinhas trabalhando e moldando a massa. Ele, para entusiasmar a
neta, sempre assava seus pequenos pães e depois os experimentavam.
Só
mais tarde, quando Teodora completou 16 anos, seu avô permitiu que ela, de fato,
colocasse a “mão na massa.” E Teodora criou novas receitas, usando grãos
diferentes, e atualizando antigas receitas.
Ela
tinha um dom de Deus, pois criava receitas deliciosas... Seu avô muito se
orgulhava dela. E costumava dizer aos clientes que sua neta tinha “mãos de
fada”, porque as massas que ela preparava ficavam divinas.
Era
a padaria mais movimentada do bairro, em um dos bairros mais tradicional de
Porto Alegre. E quando seu Manuel decidiu se aposentar, foi para ela que ele entregou
a padaria. Agora com 23 anos ela era dona de uma padaria.
Teodora
aproveitou e modernizou o ambiente, colocando novos balcões e criou o “cantinho
do café”. E depois desta reforma, muitas pessoas adquiriram o hábito de frequentar a padaria para tomar o café da manhã ou fazer um lanche no decorrer
do dia e principalmente no fim da tarde.
Foi
nesse período que ela conheceu Conrado.
A
primeira vez que Teodora viu Conrado ela se encantou por ele. Ele havia se
aproximado do balcão, e ela se adiantou para atendê-lo. Ele tinha uma voz
melodiosa e ela ofereceu alguns quitutes para ele provar. Não era seu feitio
proceder assim, mas ele parecia ser especial. E todos os outros dias ele
procurava por ela, queria ser atendido pela moça mais bonita que ele já tinha
conhecido.
E
nasceu uma amizade...
Conrado
havia se mudado, havia pouco tempo, para o prédio ao lado da padaria. E todos
os dias quando voltava do trabalho ele passava para fazer um lanche e Teodora
sempre guardava para ele alguns croissant com recheio especial de maçã, que
ele gostava muito.
Para
Conrado, conhecer Teodora fez ele
lembrar-se de sua querida amiga de infância, que tinha o mesmo nome. Ele
considerou a possibilidade de ela ser a menina que ele brincava quando ia
visitar se avô, por ser um nome incomum. Mas não se atreveu perguntar.
Mas,
de fato, Teodora o fazia lembrar sua amiguinha. Quando crianças, ele a amava, e
sempre dizia que um dia iria casar-se com ela. Mas a família de Teo a levou, e
nunca mais, ele soube noticias de sua amada. E toda
a vez que ele entrava na padaria e avistava Teodora, seu coração o questionava,
perguntando: “ será que é ela ?”.
*** *** ***
Como ele era um homem muito simpático e do
tipo atlético, estava sempre bem acompanhado. Ele era considerado um
conquistador que arrasava corações. Mas na verdade eram as mulheres que se
chegavam a ele. Não que ele não gostasse, mas não precisava se esforçar para
consegui-las.
Ele
costumava chegar a padaria já bem no fim
da tarde, e o movimento era mais calmo, Conrado sempre puxava assunto com
Teodora. E assim a amizade entre eles foi crescendo. Mas quem também passou a frequentar a padaria no fim do dia, foi a Lia, que trabalhava na loja em
frente.
E
Lia se aproximou de Conrado, e depois do lanche, eles sempre saiam juntos.
Conrado acenava para Teodora e saia com sua mais nova amiga. Teodora não
gostava de vê-los próximos.. Parecia que Conrado não se interessava mais em
conversar com ela, pois Lia sempre o monopolizava.
Teodora
carregava uma tristeza no olhar. Realmente seu coração estava apertado com a
falta de atenção de Conrado. Mas decidiu não dar mostras, e também não se
deixar conquistar facilmente.
Ela
costumava lembrar-se da primeira vez que ele estivera na padaria Ela tinha
ficado fascinada por ele. Ele era lindo! Era alto, forte, com os cabelos
escuros na mesma tonalidade castanho
escuro dos olhos. Tinha um sorriso que a deixava de pernas bambas. Era
simpático e atencioso.
Teodora
gostava de conversar com ele, embora em algumas questões eles tivessem opiniões
bem contrárias. E até tinham discutido com veemência sobre alguns temas.
Mas
surgiu a Lia, que era uma mulher bonita, e elegante que andava bem arrumada e perfumada, bem diferente
dela... Ela sempre estava atrás do balcão com os cabelos presos e usando o
uniforme.
Ela
era a dona da padaria, mas trabalhava até mais do que suas funcionárias. E não
tinha tempo para pensar em maquiar-se. Estava sempre de cara lavada.
*** *** ***
Era
uma tarde chuvosa, e a padaria estava muito movimentada. O frio e a chuva
sempre despertavam a vontade de comer alguma coisa diferente. E Teodora sabia
disso. Por isso nesses dias ela sempre aumentava a produção.
A
tardinha a chuva estava mais densa, e Teodora estava cansada. Já era tarde,
então ela pegou um café e sentou-se em uma das mesas com a sua agenda.
Precisava organizar a lista de compras.
Ela
estava concentrada e não percebeu quando Conrado chegou e a procurou com os
olhos e não a viu. Então, ele fez o seu pedido e dirigiu-se para o “cantinho do
café”, e lá estava ela, bem atrás da divisória. Aproximou-se dela.
--
Oi, tudo bem? Escondida? – disse ele sorrindo.
--
Oi. Eu estava aqui preparando a lista de compras.
--
Posso ficar aqui contigo?
--
Sim! Senta. Depois eu termino, falta pouco.
Ela
fechou a agenda e pegou sua caneca de café. Bebericou, mas já tinha esfriado.
Então pediu a Maria que trouxesse outro café para ela. E olhou para Conrado,
que a observava.
--
O que foi? – perguntou Teodora.
--
Estou preocupado contigo. Tu tens uma tristeza no olhar, que eu não via antes.
O que aconteceu?
--
Nada. Acho que é só cansaço.
--
Tu precisas te distrair um pouco. Passa só trabalhando... Vamos sair no sábado.
Aceitas?
--
Sair?
--
Sim, vamos ao cinema, depois jantamos... Algo diferente. Tu tens os olhos mais lindos
que eu já vi, e não gosto de ver tristeza neles. Combinado?
--
Mas e a Lia?
--
O que tem a Lia?
--
Vocês não estão saindo juntos?
--
Não! De onde tirou essa ideia?
--
E pensei...
--
Então tu pensaste errado. Ela não faz o meu tipo.
--
Ok.
--
Qual o gênero de filme que tu gostas, pois eu vou olhar a programação.
--
Eu gosto de comédia romântica, romance,
drama, só não gosto de suspense e ação. Detesto! Bah! Faz tanto tempo que não vou ao cinema.
--
Eu vou ter a satisfação de sair com a moça mais linda que eu conheço. – disse
Conrado com um sorriso travesso e um olhar de derreter corações.
Teodora
ficou ruborizada. Ele a olhou com tanta intensidade....
Era
sábado, e Teodora não sabia o que vestir. Queria estar bonita, queria que ele
notasse. Ela estava nervosa. Decidiu usar um vestido de manga longa na cor
avelã. E por cima colocou um pashmina na tonalidade bege. Deixou os cabelos soltos, se maquiou levemente, e
usou um batom levemente rosado. Olhou-se no espelho e não se reconheceu.
Conrado bateu a campainha e quando ela abriu a
porta, ele ficou pasmado. Ele sabia que ela era bonita, mas assim produzida ela
era demais. Sorriu e disse:
--
Estás linda demais... Muito linda mesmo.
--
Obrigada – respondeu Teodora com um sorriso provocante.
Ele
não prestou atenção no filme. Ficou olhando para aquela linda mulher, que
estava ao seu lado, que usava um perfume inebriante, e ele estava com vontade de
beijá-la. Mas como não devia ainda, beijá-la com gostaria, resolveu pegar em
sua mão, a qual beijou e manteve entre as suas.
Teodora,
o olhou e seguiu com atenção na tela. Isso era o que ele imaginava. Na verdade
ela estava perturbada. A proximidade dele, o cheiro de sândalo que exalava dele, a deixou completamente desatenta ao filme. E
quando ele tomou e beijou sua mão e ela sentiu seu corpo vibrar. Céus! Ela
estava apaixonada por ele...
Depois
do cinema ele a levou ao barzinho. Tomaram cerveja e comeram bolinhos de
bacalhau. Conversaram e Conrado a fez rir, contando fatos engraçados de sua
vida.
Já
na porta de sua casa, ao despedirem-se, Conrado disse:
--
Precisamos repetir. Eu gostei muito de estar contigo, és muito agradável e tua
companhia me faz bem.
--
Eu também gostei. Obrigado por me convidar.
--
Só em ver os teus olhos brilhando novamente...
E
Conrado se aproximou e a beijou com ternura. E ela não fugiu do beijo, e então
ele a beijou com mais profundidade. E ela tentou retribuir. Ele percebeu que
ela não sabia beijar e a abraçou com carinho e sussurrou ao seu ouvido.
--
Eu vou te ensinar... Amanhã à tarde podemos nos encontrar?
--
Não. – respondeu Teodora. – Eu vou visitar meus velhos... meus avós.
--
Outro dia então.
E
ele foi embora.
*** *** ***
Naquela
semana Conrado não apareceu na padaria, e ela não sabia a razão. E não
perguntaria a ninguém, mas ficou atenta aos comentários, pois a mulherada que
andava atrás dele era bem informada.
Então
soube que ele estava viajando. Ele trabalhava com vendas e precisava visitar os
clientes seguidamente.
Era
sábado, e Teodora já tinha dispensado os funcionários e estava fechando quando
ouviu bater no vidro. Era Conrado, sorrindo para ela e pedindo para ela abrir.
Ela
abriu novamente a porta e ele disse:
--
Eu cheguei de viagem, agora, e estou morrendo de saudades... Seria pedir muito?
--
Não. Vem. Entra que eu vou manter a porta fechada, senão viro a noite atendendo
os clientes.
--
Desculpe te dar esse trabalho.
--
O que tu queres? Café? E o escolhes para comer?
--
O que ainda tem?
--
Vamos ver...
Teodora
fez um sortido para ele, serviu o café e sentou com ele em uma das mesas.
Enquanto ele comia, ela contava para ele algumas das novidades da semana. Entre
elas uma que tinha como figura central a Kátia, uma das “amigas” dele. E para
seu espanto ele gargalhava.
A
pobre mulher tinha sido flagrada, pelas câmaras de filmagem da loja, provando as roupas mais valiosas da
coleção e fazendo self, o que deixou a dona da loja furiosa...
Era
bem tarde quando Teodora fechou a padaria e foi para seu apartamento que
era na parte superior do sobrado. Ela
tomou um banho e foi ver TV. Mas Conrado não saia de seu pensamento.
*** *** ***
Os
dias passavam e Conrado sentia que Teodora não dava chance alguma e ele. Ele
sugeriu saírem juntos, mas ela sempre tinha outro compromisso. Às vezes achava
que ela não estava a fim dele, porém em outras tinha certeza de que ela estava
interessada nele. Mas toda a vez que ele a convidava ela recusava. O jeito como
ela olhava para ele o deixava certo de que ela sentia alguma coisa por ele. E
ele estava ficando louco por Teodora.
Naquela
semana haveria um feriado na quarta feira. E Conrado a convidou para sair. E
ela aceitou. Porém Conrado foi obrigado a cancelar, pois seu pai havia sido
hospitalizado em uma situação de emergência. Tinha sofrido um enfarte. E ele
ficou ao lado a mãe, dando apoio,
sabendo que as chances de seu pai sobreviver eram mínimas.
E
três dias depois seu pai faleceu.
Agora
tudo tinha mudado. Ele precisava cuidar de sua mãe, pois sua irmã havia se
casado e morava na Austrália. E Conrado saiu de circulação. Sua mãe estava
arrasada e ele precisava ficar ao seu lado.
Alguns
dias depois, Mayara, irmã de Conrado, veio decidida a levar a mãe para morar
com ela. Ela tinha duas filhas e seria muito bom que elas convivessem com a
avó.
Mayara
convenceu sua mãe, e após alguns dias elas partiram rumo a Austrália. E Conrado
ficou com a incumbência de abrir o inventário. Ele dedicou boa parte de seu
tempo, dando encaminhamento a todos os documentos que foram solicitados pelo
advogado.
Só
depois que ele pode retornar a sua rotina e voltar a frequentar a padaria, onde
encontrou um movimento muito maior, sobretudo de rapazes interessados em
conquistar o olhar de Teodora.
Conrado
sentado tranquilamente tomando seu café, escutava uma conversa masculina sobre
Teodora. Conrado se mordeu de ciúmes. Ele a queria e não aceitava concorrência.
Teria que tomar uma atitude.
Naquele
mesmo dia, Conrado se viu cercado por suas “amigas” que reclamavam a sua
ausência. Ser considerado “o cara” pelas mulheres era um privilégio, embora
custasse um sorriso torto de Teodora...
Conrado
resolveu ficar até à hora de fechar. Queria conversar com Teodora. Ele estava
distraído trabalhando no seu computador, e nem a viu se aproximar e
sobressaltou-se quando ela disse:
--
Estou a tua disposição. O que queres mesmo falar?
--
Quero conversar contigo sobre algumas coisas. Queres ficar aqui ou podemos ir
algum outro lugar?
--
Não me importo de ficar aqui. Se a conversa é longa vou pegar alguma coisa para
a gente comer. Queres outro café? Ou uma cerveja?
--
O que tu vais beber?
--
Cerveja.
--
Eu também. Eu te ajudo...
Ambos
voltaram a mesa trazendo “comes e bebes”, sentaram e Teodora o atualizou das
ultimas fofocas. Ele a olhava e pensava que ela nem aparentava estar chateada
com ele. O tratava como sempre. Será que ela não estava interessada nele da
mesma forma que ele estava por ela?
Ele
a deixou falar, escutou e riu das coisas que ela narrava. Conrado a olhava com encantamento,
ela era linda, espirituosa e divertida. Por fim ela olhou para ele e rindo
disse:
--
Eu falei o tempo inteiro. Desculpe. O que tu tens para me dizer?
--
Não precisa se desculpar, eu gosto de te escutar e ficar atualizado. Eu... Bem,
eu quero me justificar contigo. Tínhamos combinado de sair, e eu apenas te
liguei dizendo que tinha acontecido um imprevisto. Mas agora vou te explicar o
que aconteceu.
E
Conrado contou para ela sobre a morte de seu pai, e da necessidade de ficar com
a mãe nos primeiros dias até sua irmã chegar e decidir levá-la para morar com
ela.
Teodora
foi solidária com ele e deu-se conta de que ele estava sozinho. Não tinha mais
nenhum familiar morando perto. E prometeu a si mesma a dar mais atenção a seu
amigo.
E
foi ela quem o convidou para passarem o domingo juntos no sitio dos avôs. Mas o
domingo amanheceu chovendo muito, e tinha esfriado bastante. Ela achou que não
deviam sair com aquele tempo, ficar em casa seria muito bom. Então ligou para
ele, fazendo essa proposta.
Claro
que ele concordou. Ficar a sós com ela era tudo o que ele queria, pois
precisava descobrir se ela era a Teo de sua infância.
Ela
o esperou com um bolo recém saído do
forno.
Quando
ela abriu a porta, ele a viu e ficou excitado, e mesmo estando vestida com um jeans
e uma blusa de malha, e com pouca maquiagem, ela era provocante. Ela era muito linda!
Então
ele a beijou de leve e entrou no apartamento dela e disse:
--
Humm... Que cheirinho bom!
--
Eu fiz um bolo para nós lancharmos.
--
Me faz lembrar a casa de minha avó.
--
Venha... Vamos comer enquanto ainda está quentinho.
E
ela o levou para a cozinha. Arrumou a mesa enquanto passava o café. Serviu
salgadinhos e o bolo de chocolate com cobertura de ganache. E enquanto eles
comiam à conversa fluiu.
O
assunto girou para os tempos de infância, e Conrado perguntou se ela sempre
tinha morado ali. Então ela contou...
--
Quando eu era pequena, eu morava com os meus pais em São Leopoldo. Era uma
linda casa de madeira, eu me lembro muito bem do meu quarto, parecia um quarto
de princesa. Era todo na cor rosa. Eu
era feliz. Eu tinha um cachorrinho, que o chamava de Tope. E
tinha também um amigo, que toda a vez que visitava a sua avó, brincava
comigo. Eu não sei bem, mas acho que ele passava as férias na casa de sua avó.
Ele era maior do que eu, que na época tinha apenas cinco anos. Muita coisa eu não sei, mas do meu amigo eu me
lembro. Quero dizer do seu rosto não, apenas da pessoa. Era muito bom... Eu o chamava de Ado. Eu gostava muito dele, e
sinto saudades dele, mas depois do incêndio eu nunca mais soube dele.
--
Que incêndio?
--
A casa onde eu morava, queimou.
--
Continua...
--
O que me contaram foi que meu pai tinha bebido muito e acendeu um cigarro e
provocou o incêndio. Minha mãe conseguiu
me tirar, mas voltou para buscar o meu
pai, e ela não conseguiu, e ambos morreram queimados. Então eu vim morar aqui,
com meus avôs, que me criaram. E eles moravam aqui comigo até há bem pouco tempo. Eles foram morar em um sitio,
em Águas Claras.
--
Triste a tua história.
--
É... Eu me lembro vagamente de meu pai. Tudo se perdeu, não há nenhuma foto
dele para eu lembrar o rosto dele. De minha mãe sim, eu lembro, e minha avó tem
algumas fotos dela, do tempo que era jovem. Antes de casar...
--
E o que mais tu lembras?
--
Sabe que eu ainda sonho com o Ado. No
sonho eu não vejo seu rosto, pois não me lembro de suas feições, mas sonho com
as boas ações dele, sobretudo em relação a mim. Ele era meu companheiro, embora
fosse maior do que eu, ele sempre me protegia... E eu lembro de que quando
minha casa estava queimando ele me abraçou e disse que um dia ele me daria uma
casa igual aquela... Que não era para eu ficar assustada, e me levou para a
casa da avó dele... Ele também tinha feito para mim, uma pulseira de couro com
o meu nome gravado e no dia do incêndio eu perdi.
--
Tu sabes que eu tinha uma amiga muito querida que eu a chamava de Teo. Nunca
mais soube dela, e gostaria muito de rever aqueles lindos olhos azuis. Iguais
aos teus. Eu sempre fui apaixonado por ela, e dizia que um dia nós íamos nos
casar.
--
O Ado me chamava de Teo...
Teodora
começou a chorar e rir ao mesmo tempo. Ele também estava emocionado e disse e
ela com a voz embargada:
--
Ado era o meu apelido. Nós nos encontramos... Eu quando te vi pela primeira vez
na padaria, pensei na possibilidade de ter encontrado a minha querida amiga
Teo.
E
ele a abraçou e ele permaneceram assim,
até a emoção passar. Sentaram no sofá de mãos dadas recordando os tempos de
infância. A tarde passou a noite chegou e já era bem tarde quando Conrado se despediu
com um beijo apaixonado.
Depois dessa conversa o convívio entre Conrado
e Teodora ficou mais próximo. Teodora gostava muito da companhia de Conrado.
Aos sábados, a única noite de folga dela,
Conrado sempre a convidava para sair.
*** *** ***
A
relação deles estava muito instável. Ele estava apaixonado por ela, mas ela não
demonstrava seus sentimentos com palavras, apenas com os olhos. Ela se mantinha
firme quando ele falava em amor. E era ciumenta demais. Se alguma mulher se aproximasse
dele, Teodora ficava furiosa. Ela tinha um gênio difícil.
Havia
muitas arestas que precisavam ser aplainadas na relação deles. E ela também não
permitia avanços. Não passavam dos beijos. E Conrado estava enlouquecido. Não
sabia como lidar com ela. Nunca tinha se deparado com uma mulher tão difícil.
Mas não ia desistir.
Conrado
resolveu se afastar um pouco. Dar oportunidade para ela sentir falta e saudades
dele. Passaria suas férias e os feriados
de fim de ano na Austrália, com sua família. Ele mesmo não sabia se iria aguentar ficar tanto tempo longe de Teodora.
*** *** ***
Aquele
domingo eles tinham ido visitar os avôs dela. Eles estavam caminhando de mãos
dadas pelo sitio, quando ele informou a ela, sobre suas férias, Teodora ficou
quieta pensando. Apenas comentou:
--
Será um período longo... Espero que aproveite bastante.
--
Sim. Mas é tão distante que é preciso ir para ficar um bom tempo.
--
Tua mãe vai ficar feliz.
--
Com certeza. E tu vai ficar triste com minha ausência?
--
Por certo. Mas é época de muitas encomendas na padaria e eu vou ficar bem. Não
te preocupas comigo. Eu só quero que
me chame pelo Skype.
--
Sim. Não vou ficar sem falar contigo.
Ele
a abraçou, e tomou seu queixo e levantou o rosto dela para seus olhos se
encontrassem e devagar ele se aproximou dela e a beijou com ternura. Ela
retribui o beijo e lágrimas escorreram dos olhos dela.
Conrado
secou as lágrimas de Teodora com muitos
beijos em suas faces. Ele estava emocionado, era a primeira vez que ela deixava
transparecer seu sentimento. Então ela sussurrou ao seu ouvido:
--
Eu te amo. Nada vai nos separar...
--
Eu também te amo...
Conrado
viajou na semana seguinte.
*** *** ***
Teodora
nunca imaginou que ele era tão importante em sua vida. Sentia muito a sua
falta. Seu peito estava apertado e ela trabalhava muito para a noite poder
dormir de cansaço.
Acostumada
com ele sempre a sua volta, desde que se conheceram, praticamente eles se viam
e se falavam todos os dias. Agora ela contava os dias que faltavam para ele
voltar.
Mas
um imprevisto mudou tudo.
Dona
Francisca, a mãe de Conrado, sofreu uma queda que atingiu a coluna, e ela
estava sem caminhar. Precisava de cirurgia e só depois poderia ter o
diagnóstico decisivo. Se voltaria a caminhar ou não.
E
Conrado iria ficar por lá mais um tempo. Em relação ao trabalho dele não havia
problema, pois ele trabalhava via internet.
Só
depois de cinco meses, que dona Francisca se restabeleceu e voltou a andar com
auxilio de andador, e então Conrado
retornou.
Teodora
foi esperá-lo no aeroporto. Ela estava tão ansiosa que não conseguia parar de
tremer. A expectativa de rever o seu amado a deixava assim. Agora sabia que o
amava de verdade.
Embora
outros rapazes tenham tentado se aproximar dela, enquanto Conrado estava na
Austrália, ela não se interessou por ninguém. Para ela apenas ele era “o cara”.
Quando
ele apareceu diante dela, Teodora não conseguiu
segurar seu choro. Abraçada a ele, ela soluçava feito criança. Ele a
apertou em seus braços e com carinho disse:
--
Nunca mais vamos ficar separados. Eu senti muitas saudades...
--
Eu também senti saudades. Eu te amo, eu descobri que te amo muito.
--
Eu sei meu amor, eu se que tu me amas.
E
abraçados permaneceram por mais um tempo. Dirigiram-se para o estacionamento
para pegar o carro dela e ir para casa.
Ela
havia preparado para ele tudo o que ele mais gostava de comer. Quando eles
entraram no apartamento dela o cheiro dos quitutes despertou a fome de Conrado.
Eles
conversaram até muito tarde. Só então ele foi para o apartamento dele.
*** *** ***
Aquela semana tinha sido muito fria e o sábado
amanheceu chovendo. Então Conrado a convidou para jantar no apartamento dele.
Ele queria que essa noite fosse muito
especial.
Ele
passou a tarde cozinhando. Assou no forno um lombo de porco, preparou um purê
de maçã e salada de folhas verdes com passas e nozes. Escolheu um vinho, ajeitou
a mesa e foi tomar banho.
Enquanto
não chegava a hora de buscá-la, Conrado
sentou-se no sofá e ficou pensando em Teodora. Ela era muito mais do que ele
sonhara. Tinha um ar angelical com os seus olhos azuis, a tez clara e os
cabelos dourados. Era alta e muito bem feita de corpo. Ele sabia que a presença
dela sempre provocava muitos olhares, os femininos de inveja e os masculinos de
cobiça.
Mas
além da beleza física, ela também era uma pessoa honesta, trabalhadora, muito
alegre e divertida, com uma personalidade forte. Ele realmente a amava muito.
Ultimamente sonhava seguidamente com ela, e os sonhos eram tão impróprios, que ele não podia contar. E quando olhava para
aqueles lábios carnudos e sedutores, seu corpo inteiro entrava em ebulição. Ele
a desejava...
Enquanto
se arrumava, Teodora pensava na relação entre eles, o que havia entre eles....
Ambos já haviam declarado seu amor. Desde o retorno de Conrado, a despedida
deles era com muitos beijos, a coisa estava esquentando....
Ela nunca tinha namorado ninguém, mas não era
ingênua e sabia que essa noite seria “um divisor de águas”. Esse convite dele
para jantar tinha algo mais.
Ela
se arrumou com cuidado. Escolheu uma saia longa preta e uma camisa de seda
branca com detalhes em preto. Calçou uma bota de cano curto e pegou seu casaco vermelho. Passou batom vermelho e olhou-se
no espelho para conferir se estava bem, e ele tocou a campainha.
*** *** ***
Teodora
nunca tinha estado no apartamento dele. Moravam em prédios vizinhos, mas ela
respeitava a privacidade de um rapaz solteiro. Aliás, ela nem queria saber de
suas aventuras. Não gostava nem de pensar, só em imaginar ele com outra
mulher... Era uma ideia que a deixava magoada. Mas no fundo de seu coração
Teodora achava que ele era fiel ao seu amor de menino.
Ela
entrou no apartamento dele e notou que era tudo bem organizado e limpo. Era um
ambiente acolhedor, ele não tinha muitos móveis, mas tinha o essencial. O
apartamento era de apenas um quarto e da sala ela enxergava a cama dele, e isso
a deixou inquieta.
Conrado
revelou ser um bom cozinheiro. Estava tudo muito bom, principalmente a carne bem
temperada e no ponto certo. A sobremesa ela tinha levado. Uma torta de quindim.
Foi um jantar agradável.
Depois
do jantar ele serviu um licor e foram sentar no sofá. E então Conrado olhou para
Teodora e tirou do bolso uma caixinha e entregou a ela, que muito curiosa abriu
com delicadeza.
Quando
ela viu do que se tratava, seus olhos se encheram de lágrimas e ela o abraçou
dizendo:
--
A minha pulseira... Tu guardaste para mim... Obrigada! Eu te amo!
--Eu
também te amo. Naquele dia do incêndio eu a encontrei. Estava caída no chão do
meu quarto. Tu não deves lembrar, mas naquele dia, a minha avó fez para ti um
chá calmante e te colocou para dormir na minha cama. E eu fiquei ali contigo e
acabei dormindo junto contigo.
Conrado
sorriu e disse:
--
Já dormimos juntos...
--
Eu só tinha cinco anos... Deixa de ser imoral.
Ele
deu uma sonora gargalhada e continuou.
--
Mas deixando as bobagens de lado, preciso falar sério contigo.
--
Falar o quê?
--
Sobre nós.
--
Nós?
--
Sim. Nós nos conhecemos desde crianças, nos reencontramos e ficamos muito
felizes, e desde então estamos sempre juntos. Trocamos alguns beijos, mas não
há compromisso real entre nós. E eu
quero definir a nossa situação. Tu queres casar comigo?
--
Casar? Assim direto?
--
Sim. Tu achas que precisamos de mais tempo para descobrir se nos amamos?
--
Não é isso...
--
A resposta é não?
--
Não!
--
É sim então?
--
Não...
--
Por favor, me explica, não estou te entendendo...
--
Podemos ficar noivos antes. Só isso.
--
Então aceitas meu pedido?
--
Siiimmm.
--
Ah... Que alivio.
Conrado
se ajoelhou diante dela e tirou do bolso um lindo anel e colocou em seu dedo.
Depois a beijou com intensidade. E começou a rir.
--
Por que estás rindo? Perguntou Teodora.
--
Acho que esse foi o pedido mais esquisito da face da terra. Qual a mulher que
faz tantas perguntas durante um pedido de casamento. Só mesmo tu... E é por
isso que eu te amo tanto.
--
Tens razão... Foi uma conversa de loucos.
E
continuaram rindo deles mesmos.
De
repente seus olhares se encontraram o a paixão os envolveu, e com carinho e
fascínio ele a amou, a fez mulher, sua mulher. Eles dormiram juntos pela
primeira vez. E depois desta noite...
Teodora não sabia como seria.
*** *** ***
Conrado
não queria ferir os sentimentos dos avôs dela, que queriam ver a sua querida
neta, casando na igreja e vestida de noiva. Então apressaram o casamento. Em
menos de dois meses estavam casando.
Teodora
escolheu casar em uma capela que ficava próxima a sua casa. Seria uma cerimônia
simples, sábado às 18h, após teria um brinde, no salão da capela. Seria um
coquetel só para os mais íntimos. E depois a lua de mel. Uma semana...
A padaria?
A
padaria naqueles dias não teria os pães especiais. E sua funcionaria mais
antiga, a Ivone, seria a responsável por
tudo.
Os
dias que antecederam ao casamento foram muito movimentados. Teodora mandou
pintar o apartamento, colocou cortinas novas e comprou tapetes novos. Desfez-se de alguns móveis e incluiu alguns
de Conrado. Por fim o apartamento estava redecorado. Tinha ficado muito bonito
e bastante acolhedor. Ela tinha bom gosto.
E
foram suas funcionárias que confeccionariam o bolo de casamento., e prepararam
todos os petiscos para o coquetel.
Os
dias passaram voando para Teodora. E para Conrado... Ele suspirou dizendo:
--
Enfim chegou o dia do casamento.
Mesmo
na simplicidade, Teodora era uma noiva linda e charmosa. Ela usava um vestido
de noiva longo de renda, com mangas compridas sem forro, deixando-a muito
sedutora. Na cabeça ela tinha um arranjo de flores de onde saia um véu curto.
Conrado
quando a viu a porta da pequena capela, percebeu que ele era um homem de sorte,
pois estava se casando com uma bela mulher. E pensando assim sorriu para ela e
a olhou com amor.
A
lua de mel foi em uma pequena cidade da Serra Gaucha muito
encantadora, e que com suas construções tradicionais, contava um pouco da história
da colonização italiana na região. Eles passearam pelas ruas, entraram em cada
lojinha, em cada restaurante, subiram e desceram as trilhas e viveram dias muito felizes. Descobriram um lugar encantador, um pequeno lago com um ancoradouro, onde costumavam sentar para apreciar a beleza do amor, o simples fato de estarem juntos.
*** *** ***
Conrado
trabalhava com vendas de materiais ferrosos. E na maioria das vezes fazia seu
trabalho via internet. Visitava ocasionalmente os clientes. Ele costumava
trabalhar em casa, por isso Teodora preparou para ele um escritório, e mandou
abrir uma entrada independente.
O
casal estava feliz, suas vidas organizadas e ambos realizados naquilo que
faziam. O tempo passava e Teodora engravidou. O que provocou uma alegria imensa
em Conrado, que sonhava em ser pai. Durante todo o período de gravidez ele
cuidou de sua esposa com muito zelo. E pediu para ela contratar mais padeiros
para ela não trabalhar mais tanto.
Naquele
dia Teodora iria fazer o exame e Conrado
foi com ela. Ele estava ao lado de sua mulher, segurando sua mão quando o
médico anunciou que eram gêmeos. Um casal.
Teodora
se assustou, mas Conrado não. Ao contrário ele vibrava. Sabia que teriam um
período complicado, porém as alegrias seriam em dobro.
Conrado
levou a esposa para casa. E muito
animado preparou um jantar especial para eles comemorarem a vinda dos gêmeos.
No
jantar ele levantou um brinde (com suco) saudando a esposa, por lhe
proporcionar tamanha felicidade. E disse:
--
Amor, ainda bem que temos bastante espaço. Precisamos pensar no quarto dessas
crianças.
--
Sim. Temos muito que fazer.
E
aquela foi uma noite especial, se amaram com muito amor.
Os
dias passavam rapidamente. Havia tanta coisa que Teodora queria arrumar para
chegada das crianças, que ela estava aflita. Mas Conrado era o rei da paciência
e ele a acalmava e resolvia tudo para ela.
Enfim
o quarto dos bebês ficou pronto. Era uma peça grande e bem iluminada que pegava
bastante sol durante a manhã. Eles tinham escolhido para as paredes uma
tonalidade de verde água bem clarinho, os móveis eram brancos, as cortinas e
almofadas com estampa infantil, bem miúda na tonalidade da parede. A cadeira de
balanço e o tapete de crochê feito por sua avó deixaram o quarto uma graça.
Nos
últimos dias Teodora não estava se sentindo bem. Ela se sentia pesada, suas
pernas estavam inchadas e ela queria que nascesse logo. Ela tinha optado por
parto cirúrgico. Mas ainda faltava uma semana.
Nesses
dias Conrado dava atenção integral para ela. Tudo já estava pronto, e até a
dona Ieda, avó de Teodora estava pronta para passar os primeiros dias com a
neta.
Mas
naquela noite ela sentiu dores e Conrado muito preocupado, ligou para o médico,
que pediu que a levasse para o hospital. Talvez as contas não estivessem
corretas.
O
fato foi que naquela madrugada nasceram
os bebês mais lindos do mundo, segundo Conrado: José Luis e Maria Clara.
Os
primeiros dias em casa foram de um verdadeiro caos. Embora Conrado fosse
bastante organizado, não havia nada que funcionasse. As crianças não os
deixavam descansar.
Teodora
estava exausta. Ela não conseguia amamentar o suficiente, seu leite não havia
“baixado”. Então sua avó aplicou a ela um tratamento caseiro de compressas no
seio, e chá de funcho, leite de castanha
do Pará e logo as crianças se acalmaram, pois estavam mamando bem e não sentiam
mais fome.
E
depois de um tempo a vida deles entrou na rotina.
Conrado
dedicava seu tempo as crianças, sabia que Teodora precisava fazer seus pães e
bolos especiais. E agora, a pedido de algumas clientes, ela estava criando
receitas visando atender as pessoas que tinham intolerância a algumas
sustâncias, como a lactose, ao glúten e também para os diabéticos. Ela dedicava boa parte de seu tempo nisso.
As
crianças cresciam saudáveis e a cada dia estavam mais lindas. Eram espertas e
já sabiam que o pai era completamente apaixonado por elas. Teodora se divertia observando
ele interagir com os filhos. Eram três crianças.
*** *** ***
Assim
como as crianças, a procura por produtos para “intolerantes” crescia
vertiginosamente. E Teodora precisou organizar um serviço de tele-entrega. E
criou um ambiente próprio para a confecção e venda destes produtos.
A
padaria estava organizada e não era mais necessária a presença dela em tempo
integral. Ivone agora era a gerente.
A preocupação de Teodora era criar novas
receitas, e poder ofertar uma variedade maior de pães, bolos, biscoitos para as
pessoas que necessitavam comer com restrições. Aqueles que estavam de dietas,
os que tinham diabete e os que apresentavam intolerância. Essa era uma fatia
significativa do mercado. E ela estava conseguindo agradar esse público. E
criou uma marca.
Os
negócios iam bem, mas pediam dedicação, e Teodora estava com o seu tempo todo
tomado. Mal via seus filhos, mesmo não se ausentando de casa. E era Conrado
quem lidava com as crianças e a organização da casa.
Teodora
deitava muito tarde a acordava muito cedo, mas sempre que chegava à cama se
achegava ao marido e dormiam abraçados depois de se amarem.
*** *** ***
Era
uma manhã ensolarada e Conrado estava se preparando para levar os filhos para um
passeio, quando o telefone tocou. Era da empresa que trabalhava. Estavam o
promovendo, seria gerente regional de vendas, mas teria que fazer horário
integral no escritório de Curitiba.
Conrado
sabia que era uma promoção significativa, seu salário iria triplicar, mas não
podia aceitar. Sabia que mudar para
qualquer outra cidade estava completamente fora dos planos da família.
Teodora estava estabelecida, seus negócios iam muito bem, e a grife evoluía
vertiginosamente.
Eles
estavam felizes, ele amava muito sua esposa e queria que ela se sentisse
realizada. Trabalhar com massas de pães era a sua vocação, tanto que cada nova
receita era um sucesso. Ela conhecia o gosto dos seus clientes.
Não
ia provocar mudança alguma na vida e na rotina deles. Decisão tomada. E Conrado
foi contar para sua esposa sobre a oferta que tinha recebido e qual era a sua
resposta. Ela se emocionou muito, ao perceber que aquela decisão que ele teve,
refletia um ato de amor profundo e verdadeiro, não só para com ela, mas também
para as crianças.
Ela
se abraçou ao marido e disse:
--
Tu tens certeza de que é isso mesmo? Não vai te arrepender? Talvez fosse melhor
aguardar uns dias antes de definir, um tempo para pensar melhor.
--
Não. Eu sei o que eu quero. Eu tenho prioridades em minha vida, e não vou
aceitar.
--
Tu és um homem forte, firme em tua conduta. Eu te amo muito.
--
Eu também amo muito a minha família.
Naquela
noite eles se amaram com paixão. Teodora estava tão emotiva que chorou enquanto
faziam amor. Chorou de tanto amor, pura emoção.
A
rotina voltou e os dias passavam.
*** *** ***
As
crianças estavam com 18 meses, e precisavam de muitos cuidados. Teodora até
tinha pensado em colocá-los em uma creche, apenas meio turno. Mas Conrado foi
totalmente contra. Ele tinha tempo para os filhos...
Essas
palavras “tempo para os filhos” foram gravadas a fogo no coração de Teodora.
Ela amava sua família, mas também amava o que fazia. Porém o trabalho absorvia
todo o seu tempo.
Teodora
andava amargurada. A sua relação com Conrado estava se esvaziando. Antes ele a
esperava para jantar, sempre podiam conversar e ela gostava de saber sobre as
travessuras das crianças. E iam para
cama juntos, e faziam amor com muita freqüência.
Mas
agora não era mais assim.
Muitas
coisas passavam pela cabeça de Teodora, só nunca imaginou que o amor que
existia entre eles pudesse terminar. Conrado era um homem sincero e jamais
faria alguma coisa que pudesse magoá-la. Disso tinha certeza.
O
tempo corria...
E
chegou o tempo de as crianças frequentarem o jardim da infância. Tanto Maria
Clara como José Luis estavam ansiosos. E no primeiro dia de aula, ela
acompanhou o marido até a escola, e
ambos acenaram para os filhos, que bem entusiasmados, entraram na sala de aula.
O
casal saiu abraçado e naquela tarde Conrado a levou ao cinema, para lembrar os
velhos tempos. E naquela noite eles se amaram como se tivessem em lua de mel.
Estavam
felizes.
Mas
a rotina os absorveu novamente.
*** *** ***
No
período que as crianças estavam na escola, Conrado não ficava mais em casa.
Deixava os filhos na escola na primeira hora da tarde e só retorna ao fim da
tarde depois de pegar as crianças na escola.
Teodora
confiava no marido, mas estava realmente muito curiosa, porém não queria
perguntar. Esperava que ele contasse.
Ela
não estava mais dando conta de tanta encomenda, já tinha contratado ajudantes,
mas a massa dos pães ela quem preparava. Era uma receita criada por ela, era o
segredo negócio. Com a padaria ela não precisava mais se preocupar. Tinha funcionários
competentes e de confiança.
Teodora
estava pensando em abrir mais uma loja da padaria em outro bairro, e uma lojinha
da grife no shopping. E para isso buscou uma consultoria.
Ela
tentou conversar com o marido sobre seus planos, mas não conseguiu. Ele estava
estranho, não a esperava mais para jantar, e dormia antes dela. E nunca mais
fizeram amor.
Teodora
convocou o marido para uma reunião com o consultor, o senhor Vidal. Que era um
senhor de cerca de 70 anos, formado em economia e administração de empresas,
que estava aposentado e que tinha ocupado posições de destaque na empresa em
que trabalhou. E agora, para preencher
seu tempo, dava consultorias.
A
reunião foi difícil, pois Conrado não queria intervir em nada. Alegava que se
ela não estava mais dando conta de tudo, era óbvio de que alguma providência
deveria ser tomada, mas que ele não ia sugerir nada. Apenas iria escutar as
observações de Sr. Vidal. Por fim, Vidal disse que iria acompanhar por 3 meses
para poder avaliar corretamente o fluxo dos produtos e para então elaborar um
plano de ação.
No
decorrer desse tempo Vidal conviveu com a família de Teodora. As crianças o
adoravam e até Conrado gostava de conversar com ele, apenas Teodora se sentia
constrangida.
O
constrangimento dela era reflexo da situação conjugal que ela vivia. O casal
havia se distanciado e aquela cumplicidade que só a intimidade produz, não
existia mais entre eles. Teodora agora tinha certeza, Conrado a estava traindo.
Restava saber com quem.
Agora
mais atenta ao que passava em sua volta, Teodora notou que havia alguns
murmúrios em torno dela. Seus funcionários deveriam saber com quem ele a estava
traindo.
Então
decidiu que terminaria com a grife. Sua
família era mais importante. Marcou uma nova reunião com seu marido e com Vidal,
para anunciar a sua decisão.
Iniciou
a reunião dizendo:
--
Eu tomei uma decisão. A minha família é o meu tesouro. Eu negligenciei meus
filhos e meu marido por causa de um projeto que me envolveu demais. Eu errei,
não soube ponderar e me deixei levar por um sonho que está me magoando muito.
--
Teodora, disse Conrado.
--
Por favor, me deixa terminar.
--
Ok...
--
Eu decidi ficar só com a padaria. Vou vender a minha receita e a grife que
criei. Vidal será que consigo vender por um bom valor? Não tenho idéia do quanto vale.
--
Acho que é uma decisão sábia, disse Vidal.
--
Teodora é isso mesmo que queres? Perguntou Conrado.
--
Sim, estou convicta. Já perdi muito... – disse Teodora e sua voz embargou e os
olhos ficaram marejados.
Ela
não queria chorar, não podia!
--
Eu vou fazer uma avaliação. – Concluiu Vidal.
A
reunião estava encerrada. Vidal se retirou, mas Conrado ficou ali olhando para
a esposa que tentava segurar o choro. Por fim ele saiu da sala, sem dar um
abraço ou um alento a ela.
A
se ver sozinha, Teodora deixou o seu pranto rolar. Sentou em uma poltrona e aí
ficou por horas.
No
outro dia Vidal foi conversar com Teodora. Havia algo que ele precisava contar
para ela. Ele a admirava muito para deixar que ela ignorasse o que estava
acontecendo em sua volta. Entrou dizendo:
--
Bom dia, Teodora.
--
Bom dia.
--
Eu preciso falar contigo. Já desde outro dia estou para te dizer, mas depois da
reunião de ontem eu achei que é imperativo que tu saibas.
--
O quê?
--
Tu tomaste esta decisão drástica por causa do teu marido, eu preciso te contar o que sei.
--
O que eu já sei?
--
Tu sabes?
--
Sim. Uma mulher sempre sabe quando o marido tem outra. É intuitivo... Só não
sei quem é.
--
Acho que estás enganada. Não é isso o que eu tenho para te falar.
--
Foi por isso que eu tomei a decisão de vender a marca. Ela me toma muito tempo.
Eu quero estar mais perto de meus filhos... De Conrado... Eu sou culpada disso. Eu me dediquei demais a
criação de receitas, da confecção cuidadosa de cada tipo de pão e bolo. Com
muito critério de separação de utensílios para ter a certeza de que não haveria
perigo para as pessoas com intolerância, quando os consumisse.
--
Eu sei, mas nada justifica.
--
A solidão... Eu deixei meu marido “atirado às traças”.
--
Teodora, eu acho que nós não estamos
falando da mesma coisa.
--
Como assim? Sou uma mulher traída. Agora vou deixar o tempo decidir. Quero
retomar minha vida... Eu sei. Não te
afliges. Tu te tornaste um bom amigo.
--
Por favor, me escuta. Não é nada disso. Conrado é uma pessoa admirável! Ele participa de um trabalho voluntário com jovens
carentes. Após deixar as crianças na escola ela vai para a escola municipal e
ensina os jovens a usar o computador.
Ele é um bom homem, e tu estás imaginando coisas. Ele te respeita e te ama.
Pode ter certeza disso.
--
Mesmo? Que homem surpreendente...
--
Eu estive casado por mais de 43 anos. Perdi minha esposa para o câncer. Eu
tenho uma filha, casada, que mora em Montevidéu. Sempre fomos unidos, o amor
sempre regeu nossa vida. E eu sinto que o amor que os une é muito forte. Os
teus filhos são privilegiados por terem pais do quilate de vocês dois.
--
Obrigada por me contar. Vidal tu és um anjo em minha vida. Mas porque ele não
me contou?
--
Tu mesmo disseste a pouco que não tinha tempo para a tua família... Seja
coerente...
--
Tens razão..
--
Com licença, eu vou trabalhar.
Naquele
mesmo dia, Teodora assumiu o papel de mãe. Deu banho nos filhos e os ajeitou
para dormir. Contou uma linda história para eles e saiu devagar, porque eles
dormiam como anjos.
Foi
para a cozinha procurar alguma coisa para comer e encontrou Conrado a esperando
para jantar. Ele havia preparado uma massa ao alho e óleo, seu prato preferido.
Jantaram
e conversaram como há muito tempo não faziam. Conrado lavou a louça enquanto
ela ajeita o resto. Deixaram a cozinha em perfeita ordem.
Ele
a abraçou e a levou para sentar no sofá da sala. Olhou para ela com intensidade
e disse:
--
Precisamos conversar...
--
Conrado, eu já decidi.
--
Não é sobre isso. É sobre nós.
--
Nós? – E o coração de Teodora disparou.
--
Sim. Tu andas te esquivando de mim, parece até que eu te magoei... Sei que
nunca mais sentamos juntos para conversar, tu ficas até tarde fazendo as massas
e eu, cansado, acabo dormindo. Mas quero que saibas que eu sinto muita falta
daquela garota divertida, que tinha
sempre um brilho no olhar. Para onde ela foi?
--
Eu estou tentando resgatá-la.
--
Que bom! Meu amor eu não vou me intrometer, só quero te pedir que pense mais um
pouco para não te arrepender mais adiante.
--
Não. É isso mesmo que eu quero. Tu és mais importante, nossos filhos são mais
importante. Temos a padaria que dá bom resultado. Optei por minha família.
--
Obrigado, realmente sentimos muito a tua falta.
Ele
a abraçou e ela se deixou abraçar. Ela o amava e sabia que tinha realmente
descuidado de seu casamento. Mas iria restaurar.
Teodora
estava esperando que Conrado contasse a ela sobre seu serviço voluntário. E ela
não se aguentou e perguntou:
--
O que fazes todas as tardes?
--
Eu? Nada de mais.
--
Nada! Aonde vais?
--
Vou ajudar uns jovens a usar o computador... Só isso.
--
E o que mais?
--
Mais nada.
--
Eu posso ir contigo a próxima vez que tu fores?
--
Sim, mas será só na outra semana. Houve
um problema de umidade na sala e as aulas estão suspensas.
--
Hum. E como foi que isso aconteceu?
--
Eu pesquisei na internet e achei um local que precisavam de voluntários para
essa tarefa. E como sou formado em computação, fui até lá.
--
Eu estou orgulhosa do marido que tenho... Tu és incrível. Por isso que eu te
amo tanto...
Com
o propósito de restabelecer a harmonia entre eles, tanto Teodora assim como
Conrado estavam mudando de hábitos. E agora os dois iam juntos levar e buscar
as crianças na escola.
Vidal
conseguiu vender a receita e a marca por um preço que Teodora jamais imaginou
que pudesse valer.
A
felicidade voltou a reinar.
O
amor que os unia desde que eram crianças
estava mais fortalecido. A crise que enfrentaram no casamento os ensinou a
valorizar o amor e a presença de cada um. A unidade que eles voltaram a viver se
refletia no comportamento das crianças que estavam mais dóceis e alegres. Ver o
pai e mãe juntos, para aquelas crianças era uma nova realidade, que os deixava mais seguros.
Eles
retomaram a vida...
As
crianças estavam crescendo e Conrado se dedicou ao trabalho, e voltou a ser o melhor vendedor de
materiais ferrosos do sul do país. Teodora estava satisfeita com a sua padaria.
Agora tinha tempo para ficar com os filhos. Eles construíram um lar feliz.
Fim
Maria Ronety Canibal