domingo, 3 de maio de 2020

TEODORA


                                                                    
                                                Teodora

 Desde quando ainda era uma menininha, Teodora gostava de ver seu avô preparar as massas para a confecção de pães, doces e bolos que eram vendidos na padaria de família.
O avô sempre dava um pouco de massa para ela amassar, e a observava  com um sorriso de satisfação, aquelas mãozinhas gordinhas trabalhando e moldando a massa. Ele, para entusiasmar a neta, sempre assava seus pequenos pães e depois os experimentavam.

Só mais tarde, quando Teodora completou 16 anos, seu avô permitiu que ela, de fato, colocasse a “mão na massa.” E Teodora criou novas receitas, usando grãos diferentes, e atualizando antigas receitas.
Ela tinha um dom de Deus, pois criava receitas deliciosas... Seu avô muito se orgulhava dela. E costumava dizer aos clientes que sua neta tinha “mãos de fada”, porque as massas que ela preparava ficavam divinas.

Era a padaria mais movimentada do bairro, em um dos bairros mais tradicional de Porto Alegre. E quando seu Manuel decidiu se aposentar, foi para ela que ele entregou a padaria. Agora com 23 anos ela era dona de uma padaria.
Teodora aproveitou e modernizou o ambiente, colocando novos balcões e criou o “cantinho do café”. E depois desta reforma, muitas pessoas adquiriram o hábito de frequentar a padaria para tomar o café da manhã ou fazer um lanche no decorrer do dia e principalmente no  fim da tarde.

Foi nesse período que ela conheceu Conrado.

A primeira vez que Teodora viu Conrado ela se encantou por ele. Ele havia se aproximado do balcão, e ela se adiantou para atendê-lo. Ele tinha uma voz melodiosa e ela ofereceu alguns quitutes para ele provar. Não era seu feitio proceder assim, mas ele parecia ser especial. E todos os outros dias ele procurava por ela, queria ser atendido pela moça mais bonita que ele já tinha conhecido.
E nasceu uma amizade...

Conrado havia se mudado, havia pouco tempo, para o prédio ao lado da padaria. E todos os dias quando voltava do trabalho ele passava para fazer um lanche e Teodora sempre guardava para ele alguns croissant com recheio especial de maçã, que ele gostava muito.
Para Conrado, conhecer Teodora  fez ele lembrar-se de sua querida amiga de infância, que tinha o mesmo nome. Ele considerou a possibilidade de ela ser a menina que ele brincava quando ia visitar se avô, por ser um nome incomum. Mas não se atreveu perguntar.

Mas, de fato, Teodora o fazia lembrar sua amiguinha. Quando crianças, ele a amava, e sempre dizia que um dia iria casar-se com ela. Mas a família de Teo a levou, e nunca mais, ele soube noticias de sua amada.  E  toda a vez que ele entrava na padaria e avistava Teodora, seu coração o questionava, perguntando: “ será que é ela ?”.

                                                                           ***   ***   ***

Como ele era um homem muito simpático e do tipo atlético, estava sempre bem acompanhado. Ele era considerado um conquistador que arrasava corações. Mas na verdade eram as mulheres que se chegavam a ele. Não que ele não gostasse, mas não precisava se esforçar para consegui-las.
Ele costumava chegar a padaria  já bem no fim da tarde, e o movimento era mais calmo, Conrado sempre puxava assunto com Teodora. E assim a amizade entre eles foi crescendo. Mas quem também passou a frequentar a padaria no fim do dia, foi a Lia, que trabalhava na loja em frente.

E Lia se aproximou de Conrado, e depois do lanche, eles sempre saiam juntos. Conrado acenava para Teodora e saia com sua mais nova amiga. Teodora não gostava de vê-los próximos.. Parecia que Conrado não se interessava mais em conversar com ela, pois Lia sempre o monopolizava.
Teodora carregava uma tristeza no olhar. Realmente seu coração estava apertado com a falta de atenção de Conrado. Mas decidiu não dar mostras, e também não se deixar conquistar facilmente.

Ela costumava lembrar-se da primeira vez que ele estivera na padaria Ela tinha ficado fascinada por ele. Ele era lindo! Era alto, forte, com os cabelos escuros  na mesma tonalidade castanho escuro dos olhos. Tinha um sorriso que a deixava de pernas bambas. Era simpático e atencioso.
Teodora gostava de conversar com ele, embora em algumas questões eles tivessem opiniões bem contrárias. E até tinham discutido com veemência sobre alguns temas.

Mas surgiu a Lia, que era uma mulher bonita, e elegante que andava  bem arrumada e perfumada, bem diferente dela... Ela sempre estava atrás do balcão com os cabelos presos e usando o uniforme.
Ela era a dona da padaria, mas trabalhava até mais do que suas funcionárias. E não tinha tempo para pensar em maquiar-se. Estava sempre de cara lavada.

                                                                         ***   ***   ***

Era uma tarde chuvosa, e a padaria estava muito movimentada. O frio e a chuva sempre despertavam a vontade de comer alguma coisa diferente. E Teodora sabia disso. Por isso nesses dias ela sempre aumentava a produção.
A tardinha a chuva estava mais densa, e Teodora estava cansada. Já era tarde, então ela pegou um café e sentou-se em uma das mesas com a sua agenda. Precisava organizar a lista de compras.

Ela estava concentrada e não percebeu quando Conrado chegou e a procurou com os olhos e não a viu. Então, ele fez o seu pedido e dirigiu-se para o “cantinho do café”, e lá estava ela, bem atrás da divisória. Aproximou-se dela.
-- Oi, tudo bem? Escondida? – disse ele sorrindo.
-- Oi. Eu estava aqui preparando a lista de compras.
-- Posso ficar aqui contigo?
-- Sim! Senta. Depois eu termino, falta pouco.
Ela fechou a agenda e pegou sua caneca de café. Bebericou, mas já tinha esfriado. Então pediu a Maria que trouxesse outro café para ela. E olhou para Conrado, que a observava.
-- O que foi? – perguntou Teodora.
-- Estou preocupado contigo. Tu tens uma tristeza no olhar, que eu não via antes. O que aconteceu?
-- Nada. Acho que é só cansaço.
-- Tu precisas te distrair um pouco. Passa só trabalhando... Vamos sair no sábado. Aceitas?
-- Sair?
-- Sim, vamos ao cinema, depois jantamos... Algo diferente. Tu tens os olhos mais lindos que eu já vi, e não gosto de ver tristeza neles. Combinado?
-- Mas e a Lia?
-- O que tem a Lia?
-- Vocês não estão saindo juntos?
-- Não! De onde tirou essa ideia?
-- E pensei...
-- Então tu pensaste errado. Ela não faz o meu tipo.
-- Ok.
-- Qual o gênero de filme que tu gostas, pois eu vou olhar a programação.
-- Eu gosto de comédia romântica,  romance, drama, só não gosto de suspense e ação. Detesto! Bah!  Faz tanto tempo que não vou ao cinema.
-- Eu vou ter a satisfação de sair com a moça mais linda que eu conheço. – disse Conrado com um sorriso travesso e um olhar de derreter corações.
Teodora ficou ruborizada. Ele a olhou com tanta intensidade....

Era sábado, e Teodora não sabia o que vestir. Queria estar bonita, queria que ele notasse. Ela estava nervosa. Decidiu usar um vestido de manga longa na cor avelã. E por cima colocou um pashmina na tonalidade bege. Deixou os cabelos soltos, se maquiou levemente, e usou um batom levemente rosado. Olhou-se no espelho e não se reconheceu.
 Conrado bateu a campainha e quando ela abriu a porta, ele ficou pasmado. Ele sabia que ela era bonita, mas assim produzida ela era demais. Sorriu e disse:
-- Estás linda demais... Muito linda mesmo.
-- Obrigada – respondeu Teodora com um sorriso provocante.

Ele não prestou atenção no filme. Ficou olhando para aquela linda mulher, que estava ao seu lado, que usava um perfume inebriante, e ele estava com vontade de beijá-la. Mas como não devia ainda, beijá-la com gostaria, resolveu pegar em sua mão, a qual beijou e manteve entre as suas.
Teodora, o olhou e seguiu com atenção na tela. Isso era o que ele imaginava. Na verdade ela estava perturbada. A proximidade dele, o cheiro de sândalo que  exalava dele,  a deixou completamente desatenta ao filme. E quando ele tomou e beijou sua mão e ela sentiu seu corpo vibrar. Céus! Ela estava apaixonada por ele...

Depois do cinema ele a levou ao barzinho. Tomaram cerveja e comeram bolinhos de bacalhau. Conversaram e Conrado a fez rir, contando fatos engraçados de sua vida.
Já na porta de sua casa, ao despedirem-se, Conrado disse:
-- Precisamos repetir. Eu gostei muito de estar contigo, és muito agradável e tua companhia me faz bem.
-- Eu também gostei. Obrigado por me convidar.
-- Só em ver os teus olhos brilhando novamente...
E Conrado se aproximou e a beijou com ternura. E ela não fugiu do beijo, e então ele a beijou com mais profundidade. E ela tentou retribuir. Ele percebeu que ela não sabia beijar e a abraçou com carinho e sussurrou ao seu ouvido.
-- Eu vou te ensinar... Amanhã à tarde podemos nos encontrar?
-- Não. – respondeu Teodora. – Eu vou visitar meus velhos... meus avós.
-- Outro dia então.
E  ele foi embora.
                                                                          ***   ***   ***

Naquela semana Conrado não apareceu na padaria, e ela não sabia a razão. E não perguntaria a ninguém, mas ficou atenta aos comentários, pois a mulherada que andava atrás dele era bem informada.
Então soube que ele estava viajando. Ele trabalhava com vendas e precisava visitar os clientes seguidamente.
Era sábado, e Teodora já tinha dispensado os funcionários e estava fechando quando ouviu bater no vidro. Era Conrado, sorrindo para ela e pedindo para ela abrir.
Ela abriu novamente a porta e ele disse:
-- Eu cheguei de viagem, agora, e estou morrendo de saudades... Seria pedir muito?
-- Não. Vem. Entra que eu vou manter a porta fechada, senão viro a noite atendendo os clientes.
-- Desculpe te dar esse trabalho.
-- O que tu queres? Café? E o escolhes para comer?
-- O que ainda tem?
-- Vamos ver...

Teodora fez um sortido para ele, serviu o café e sentou com ele em uma das mesas. Enquanto ele comia, ela contava para ele algumas das novidades da semana. Entre elas uma que tinha como figura central a Kátia, uma das “amigas” dele. E para seu espanto ele gargalhava.
A pobre mulher tinha sido flagrada, pelas câmaras de filmagem  da loja, provando as roupas mais valiosas da coleção e fazendo self, o que deixou a dona da loja furiosa...
Era bem tarde quando Teodora fechou a padaria e foi para seu apartamento que era  na parte superior do sobrado. Ela tomou um banho e foi ver TV. Mas Conrado não saia de seu pensamento.

                                                                          ***   ***   ***

Os dias passavam e Conrado sentia que Teodora não dava chance alguma e ele. Ele sugeriu saírem juntos, mas ela sempre tinha outro compromisso. Às vezes achava que ela não estava a fim dele, porém em outras tinha certeza de que ela estava interessada nele. Mas toda a vez que ele a convidava ela recusava. O jeito como ela olhava para ele o deixava certo de que ela sentia alguma coisa por ele. E ele estava ficando louco por Teodora.

Naquela semana haveria um feriado na quarta feira. E Conrado a convidou para sair. E ela aceitou. Porém Conrado foi obrigado a cancelar, pois seu pai havia sido hospitalizado em uma situação de emergência. Tinha sofrido um enfarte. E ele ficou ao lado a mãe, dando apoio,  sabendo que as chances de seu pai sobreviver eram mínimas.
E três dias depois seu pai faleceu.

Agora tudo tinha mudado. Ele precisava cuidar de sua mãe, pois sua irmã havia se casado e morava na Austrália. E Conrado saiu de circulação. Sua mãe estava arrasada e ele precisava ficar ao seu lado.
Alguns dias depois, Mayara, irmã de Conrado, veio decidida a levar a mãe para morar com ela. Ela tinha duas filhas e seria muito bom que elas convivessem com a avó.
Mayara convenceu sua mãe, e após alguns dias elas partiram rumo a Austrália. E Conrado ficou com a incumbência de abrir o inventário. Ele dedicou boa parte de seu tempo, dando encaminhamento a todos os documentos que foram solicitados pelo advogado.

Só depois que ele pode retornar a sua rotina e voltar a frequentar a padaria, onde encontrou um movimento muito maior, sobretudo de rapazes interessados em conquistar o olhar de Teodora.
Conrado sentado tranquilamente tomando seu café, escutava uma conversa masculina sobre Teodora. Conrado se mordeu de ciúmes. Ele a queria e não aceitava concorrência. Teria que tomar uma atitude.

Naquele mesmo dia, Conrado se viu cercado por suas “amigas” que reclamavam a sua ausência. Ser considerado “o cara” pelas mulheres era um privilégio, embora custasse um sorriso torto de Teodora...
Conrado resolveu ficar até à hora de fechar. Queria conversar com Teodora. Ele estava distraído trabalhando no seu computador, e nem a viu se aproximar e sobressaltou-se quando ela disse:
-- Estou a tua disposição. O que queres mesmo falar?
-- Quero conversar contigo sobre algumas coisas. Queres ficar aqui ou podemos ir algum outro lugar?
-- Não me importo de ficar aqui. Se a conversa é longa vou pegar alguma coisa para a gente comer. Queres outro café? Ou uma cerveja?
-- O que tu vais beber?
-- Cerveja.
-- Eu também. Eu te ajudo...

Ambos voltaram a mesa trazendo “comes e bebes”, sentaram e Teodora o atualizou das ultimas fofocas. Ele a olhava e pensava que ela nem aparentava estar chateada com ele. O tratava como sempre. Será que ela não estava interessada nele da mesma forma que ele estava por ela?

Ele a deixou falar, escutou e riu das coisas que ela narrava. Conrado a olhava com encantamento, ela era linda, espirituosa e divertida. Por fim ela olhou para ele e rindo disse:
-- Eu falei o tempo inteiro. Desculpe. O que tu tens para me dizer?
-- Não precisa se desculpar, eu gosto de te escutar e ficar atualizado. Eu... Bem, eu quero me justificar contigo. Tínhamos combinado de sair, e eu apenas te liguei dizendo que tinha acontecido um imprevisto. Mas agora vou te explicar o que aconteceu.
E Conrado contou para ela sobre a morte de seu pai, e da necessidade de ficar com a mãe nos primeiros dias até sua irmã chegar e decidir levá-la para morar com ela.
Teodora foi solidária com ele e deu-se conta de que ele estava sozinho. Não tinha mais nenhum familiar morando perto. E prometeu a si mesma a dar mais atenção a seu amigo.
E foi ela quem o convidou para passarem o domingo juntos no sitio dos avôs. Mas o domingo amanheceu chovendo muito, e tinha esfriado bastante. Ela achou que não deviam sair com aquele tempo, ficar em casa seria muito bom. Então ligou para ele, fazendo essa proposta.

Claro que ele concordou. Ficar a sós com ela era tudo o que ele queria, pois precisava descobrir se ela era a Teo de sua infância.
Ela o esperou com um bolo recém saído do  forno.
Quando ela abriu a porta, ele a viu e ficou excitado, e mesmo estando vestida com um jeans e uma blusa de malha, e com pouca maquiagem, ela era provocante. Ela era muito linda!
Então ele a beijou de leve e entrou no apartamento dela e disse:
-- Humm... Que cheirinho bom!
-- Eu fiz um bolo para nós lancharmos.
-- Me faz lembrar a casa de minha avó.
-- Venha... Vamos comer enquanto ainda está quentinho.
E ela o levou para a cozinha. Arrumou a mesa enquanto passava o café. Serviu salgadinhos e o bolo de chocolate com cobertura de ganache. E enquanto eles comiam à conversa fluiu.
O assunto girou para os tempos de infância, e Conrado perguntou se ela sempre tinha morado ali. Então ela contou...
-- Quando eu era pequena, eu morava com os meus pais em São Leopoldo. Era uma linda casa de madeira, eu me lembro muito bem do meu quarto, parecia um quarto de princesa. Era todo na cor  rosa. Eu era feliz. Eu tinha um cachorrinho, que o chamava de Tope.  E  tinha também um amigo, que toda a vez que visitava a sua avó, brincava comigo. Eu não sei bem, mas acho que ele passava as férias na casa de sua avó. Ele era maior do que eu, que na época tinha apenas cinco anos.  Muita coisa eu não sei, mas do meu amigo eu me lembro. Quero dizer do seu rosto não, apenas da pessoa.  Era muito bom...  Eu o chamava de Ado. Eu gostava muito dele, e sinto saudades dele, mas depois do incêndio eu nunca mais soube dele.
-- Que incêndio?
-- A casa onde eu morava, queimou.
-- Continua...
-- O que me contaram foi que meu pai tinha bebido muito e acendeu um cigarro e provocou o incêndio.  Minha mãe conseguiu me tirar, mas voltou para buscar o  meu pai, e ela não conseguiu, e ambos morreram queimados. Então eu vim morar aqui, com meus avôs, que me criaram. E eles moravam aqui comigo até há  bem pouco tempo. Eles foram morar em um sitio, em Águas Claras.
-- Triste a tua história.
-- É... Eu me lembro vagamente de meu pai. Tudo se perdeu, não há nenhuma foto dele para eu lembrar o rosto dele. De minha mãe sim, eu lembro, e minha avó tem algumas fotos dela, do tempo que era jovem. Antes de casar...
-- E o que mais tu lembras?
--  Sabe que eu ainda sonho com o Ado. No sonho eu não vejo seu rosto, pois não me lembro de suas feições, mas sonho com as boas ações dele, sobretudo em relação a mim. Ele era meu companheiro, embora fosse maior do que eu, ele sempre me protegia... E eu lembro de que quando minha casa estava queimando ele me abraçou e disse que um dia ele me daria uma casa igual aquela... Que não era para eu ficar assustada, e me levou para a casa da avó dele... Ele também tinha feito para mim, uma pulseira de couro com o meu nome gravado e no dia do incêndio eu perdi.
-- Tu sabes que eu tinha uma amiga muito querida que eu a chamava de Teo. Nunca mais soube dela, e gostaria muito de rever aqueles lindos olhos azuis. Iguais aos teus. Eu sempre fui apaixonado por ela, e dizia que um dia nós íamos nos casar.
-- O Ado me chamava de Teo...
Teodora começou a chorar e rir ao mesmo tempo. Ele também estava emocionado e disse e ela com a voz embargada:
-- Ado era o meu apelido. Nós nos encontramos... Eu quando te vi pela primeira vez na padaria, pensei na possibilidade de ter encontrado a minha querida amiga Teo.

E ele a abraçou e ele permaneceram  assim, até a emoção passar. Sentaram no sofá de mãos dadas recordando os tempos de infância. A tarde passou a noite chegou e já era bem tarde quando Conrado se despediu com um beijo apaixonado.
 Depois dessa conversa o convívio entre Conrado e Teodora ficou mais próximo. Teodora gostava muito da companhia de Conrado. Aos sábados, a  única noite de folga dela, Conrado sempre a convidava para sair.
                                                          
                                                                           ***   ***   ***

A relação deles estava muito instável. Ele estava apaixonado por ela, mas ela não demonstrava seus sentimentos com palavras, apenas com os olhos. Ela se mantinha firme quando ele falava em amor. E era ciumenta demais. Se alguma mulher se aproximasse dele, Teodora ficava furiosa. Ela tinha um gênio difícil.
Havia muitas arestas que precisavam ser aplainadas na relação deles. E ela também não permitia avanços. Não passavam dos beijos. E Conrado estava enlouquecido. Não sabia como lidar com ela. Nunca tinha se deparado com uma mulher tão difícil. Mas não ia desistir.
Conrado resolveu se afastar um pouco. Dar oportunidade para ela sentir falta e saudades dele. Passaria suas férias  e os feriados de fim de ano na Austrália, com sua família. Ele mesmo não sabia se iria aguentar ficar tanto tempo longe de Teodora.

                                                                             ***   ***   ***

Aquele domingo eles tinham ido visitar os avôs dela. Eles estavam caminhando de mãos dadas pelo sitio, quando ele informou a ela, sobre suas férias, Teodora ficou quieta pensando. Apenas comentou:
-- Será um período longo... Espero que aproveite bastante.
-- Sim. Mas é tão distante que é preciso ir para ficar um bom tempo.
-- Tua mãe vai ficar feliz.
-- Com certeza. E tu vai ficar triste com minha ausência?
-- Por certo. Mas é época de muitas encomendas na padaria e eu vou ficar bem. Não te preocupas comigo. Eu só quero que  me  chame pelo Skype.
-- Sim. Não vou ficar sem falar contigo.
Ele a abraçou, e tomou seu queixo e levantou o rosto dela para seus olhos se encontrassem e devagar ele se aproximou dela e a beijou com ternura. Ela retribui o beijo e lágrimas escorreram dos olhos dela.
Conrado secou  as lágrimas de Teodora com muitos beijos em suas faces. Ele estava emocionado, era a primeira vez que ela deixava transparecer seu sentimento. Então ela sussurrou ao seu ouvido:
-- Eu te amo. Nada vai nos separar...
-- Eu também te amo...
Conrado viajou na semana seguinte.
                                                      
                                                                         ***   ***  ***

Teodora nunca imaginou que ele era tão importante em sua vida. Sentia muito a sua falta. Seu peito estava apertado e ela trabalhava muito para a noite poder dormir de cansaço.
Acostumada com ele sempre a sua volta, desde que se conheceram, praticamente eles se viam e se falavam todos os dias. Agora ela contava os dias que faltavam para ele voltar.
Mas um imprevisto mudou tudo.
Dona Francisca, a mãe de Conrado, sofreu uma queda que atingiu a coluna, e ela estava sem caminhar. Precisava de cirurgia e só depois poderia ter o diagnóstico decisivo. Se voltaria a caminhar ou não.
E Conrado iria ficar por lá mais um tempo. Em relação ao trabalho dele não havia problema, pois ele trabalhava via internet.
Só depois de cinco meses, que dona Francisca se restabeleceu e voltou a andar com auxilio de andador, e então  Conrado retornou.
Teodora foi esperá-lo no aeroporto. Ela estava tão ansiosa que não conseguia parar de tremer. A expectativa de rever o seu amado a deixava assim. Agora sabia que o amava de verdade.
Embora outros rapazes tenham tentado se aproximar dela, enquanto Conrado estava na Austrália, ela não se interessou por ninguém. Para ela apenas ele era “o cara”.
Quando ele apareceu diante dela, Teodora não conseguiu  segurar seu choro. Abraçada a ele, ela soluçava feito criança. Ele a apertou em seus braços e com carinho disse:
-- Nunca mais vamos ficar separados. Eu senti muitas saudades...
-- Eu também senti saudades. Eu te amo, eu descobri que te amo muito.
-- Eu sei meu amor, eu se que tu me amas.

E abraçados permaneceram por mais um tempo. Dirigiram-se para o estacionamento para pegar o carro dela e ir para casa.
Ela havia preparado para ele tudo o que ele mais gostava de comer. Quando eles entraram no apartamento dela o cheiro dos quitutes despertou a fome de Conrado.
Eles conversaram até muito tarde. Só então ele foi para  o apartamento dele.

                                                                          ***   ***   ***

Aquela semana tinha sido muito fria e o sábado amanheceu chovendo. Então Conrado a convidou para jantar no apartamento dele. Ele queria que  essa noite fosse muito especial.
Ele passou a tarde cozinhando. Assou no forno um lombo de porco, preparou um purê de maçã e salada de folhas verdes com passas e nozes. Escolheu um vinho, ajeitou a mesa e foi tomar banho.

Enquanto  não chegava a hora de buscá-la, Conrado sentou-se no sofá e ficou pensando em Teodora. Ela era muito mais do que ele sonhara. Tinha um ar angelical com os seus olhos azuis, a tez clara e os cabelos dourados. Era alta e muito bem feita de corpo. Ele sabia que a presença dela sempre provocava muitos olhares, os femininos de inveja e os masculinos de cobiça.

Mas além da beleza física, ela também era uma pessoa honesta, trabalhadora, muito alegre e divertida, com uma personalidade forte. Ele realmente a amava muito. Ultimamente sonhava seguidamente com ela, e os sonhos eram tão impróprios,  que ele não podia contar. E quando olhava para aqueles lábios carnudos e sedutores, seu corpo inteiro entrava em ebulição. Ele a desejava...

Enquanto se arrumava, Teodora pensava na relação entre eles, o que havia entre eles.... Ambos já haviam declarado seu amor. Desde o retorno de Conrado, a despedida deles era com muitos beijos, a coisa estava esquentando....
Ela  nunca tinha namorado ninguém, mas não era ingênua e sabia que essa noite seria “um divisor de águas”. Esse convite dele para jantar tinha algo mais.

Ela se arrumou com cuidado. Escolheu uma saia longa preta e uma camisa de seda branca com detalhes em preto. Calçou uma bota de cano curto e pegou seu casaco vermelho. Passou batom vermelho e olhou-se no espelho para conferir se estava bem, e ele tocou a campainha.
                                             
                                                                              ***   ***   ***

Teodora nunca tinha estado no apartamento dele. Moravam em prédios vizinhos, mas ela respeitava a privacidade de um rapaz solteiro. Aliás, ela nem queria saber de suas aventuras. Não gostava nem de pensar, só em imaginar ele com outra mulher... Era uma ideia que a deixava magoada. Mas no fundo de seu coração Teodora achava que ele era fiel ao seu amor de menino.

Ela entrou no apartamento dele e notou que era tudo bem organizado e limpo. Era um ambiente acolhedor, ele não tinha muitos móveis, mas tinha o essencial. O apartamento era de apenas um quarto e da sala ela enxergava a cama dele, e isso a deixou inquieta.
Conrado revelou ser um bom cozinheiro. Estava tudo muito bom, principalmente a carne bem temperada e no ponto certo. A sobremesa ela tinha levado. Uma torta de quindim. Foi um jantar agradável.

Depois do jantar ele serviu um licor e foram sentar no sofá. E então Conrado olhou para Teodora e tirou do bolso uma caixinha e entregou a ela, que muito curiosa abriu com delicadeza.
Quando ela viu do que se tratava, seus olhos se encheram de lágrimas e ela o abraçou dizendo:
-- A minha pulseira... Tu guardaste para mim... Obrigada! Eu te amo!
--Eu também te amo. Naquele dia do incêndio eu a encontrei. Estava caída no chão do meu quarto. Tu não deves lembrar, mas naquele dia, a minha avó fez para ti um chá calmante e te colocou para dormir na minha cama. E eu fiquei ali contigo e acabei dormindo junto contigo.
Conrado sorriu e disse:
-- Já dormimos juntos...
-- Eu só tinha cinco anos... Deixa de ser imoral.
Ele deu uma sonora gargalhada e continuou.
-- Mas deixando as bobagens de lado, preciso falar sério contigo.
-- Falar o quê?
-- Sobre nós.
-- Nós?
-- Sim. Nós nos conhecemos desde crianças, nos reencontramos e ficamos muito felizes, e desde então estamos sempre juntos. Trocamos alguns beijos, mas não há compromisso real  entre nós. E eu quero definir a nossa situação. Tu queres casar comigo?
-- Casar? Assim direto?
-- Sim. Tu achas que precisamos de mais tempo para descobrir se nos amamos?
-- Não é isso...
-- A resposta é não?
-- Não!
-- É sim então?
-- Não...
-- Por favor, me explica, não estou te entendendo...
-- Podemos ficar noivos antes. Só isso.
-- Então aceitas meu pedido?
-- Siiimmm.
-- Ah... Que alivio.
Conrado se ajoelhou diante dela e tirou do bolso um lindo anel e colocou em seu dedo. Depois a beijou com intensidade. E começou a rir.
-- Por que estás rindo? Perguntou Teodora.
-- Acho que esse foi o pedido mais esquisito da face da terra. Qual a mulher que faz tantas perguntas durante um pedido de casamento. Só mesmo tu... E é por isso que eu te amo tanto.
-- Tens razão... Foi uma conversa de loucos.
E continuaram rindo deles mesmos.

De repente seus olhares se encontraram o a paixão os envolveu, e com carinho e fascínio ele a amou, a fez mulher, sua mulher. Eles dormiram juntos pela primeira vez. E  depois desta noite... Teodora não sabia como seria.
                                                 
                                                                           ***   ***   ***

Conrado não queria ferir os sentimentos dos avôs dela, que queriam ver a sua querida neta, casando na igreja e vestida de noiva. Então apressaram o casamento. Em menos de dois meses estavam casando.
Teodora escolheu casar em uma capela que ficava próxima a sua casa. Seria uma cerimônia simples, sábado às 18h, após teria um brinde, no salão da capela. Seria um coquetel só para os mais íntimos. E depois a lua de mel. Uma semana...
 A padaria?
A padaria naqueles dias não teria os pães especiais. E sua funcionaria mais antiga, a Ivone,  seria a responsável por tudo.
Os dias que antecederam ao casamento foram muito movimentados. Teodora mandou pintar o apartamento, colocou cortinas novas e comprou tapetes novos.  Desfez-se de alguns móveis e incluiu alguns de Conrado. Por fim o apartamento estava redecorado. Tinha ficado muito bonito e bastante acolhedor. Ela tinha bom gosto.
E foram suas funcionárias que confeccionariam o bolo de casamento., e prepararam todos os petiscos para o coquetel.
Os dias passaram voando para Teodora. E para Conrado... Ele suspirou dizendo:
-- Enfim chegou o dia do casamento.
Mesmo na simplicidade, Teodora era uma noiva linda e charmosa. Ela usava um vestido de noiva longo de renda, com mangas compridas sem forro, deixando-a muito sedutora. Na cabeça ela tinha um arranjo de flores de onde saia um véu curto.

Conrado quando a viu a porta da pequena capela, percebeu que ele era um homem de sorte, pois estava se casando com uma bela mulher. E pensando assim sorriu para ela e a olhou com amor.

A lua de mel foi em  uma  pequena cidade da Serra Gaucha muito encantadora, e que com suas construções tradicionais, contava um pouco da história da colonização italiana na região. Eles passearam pelas ruas, entraram em cada lojinha, em cada restaurante, subiram e desceram as trilhas  e viveram dias muito felizes. Descobriram um lugar encantador, um pequeno lago com um ancoradouro, onde costumavam sentar para apreciar a beleza  do amor, o simples fato de estarem juntos.

                                                                        ***   ***   ***

Conrado trabalhava com vendas de materiais ferrosos. E na maioria das vezes fazia seu trabalho via internet. Visitava ocasionalmente os clientes. Ele costumava trabalhar em casa, por isso Teodora preparou para ele um escritório, e mandou abrir uma entrada independente.

O casal estava feliz, suas vidas organizadas e ambos realizados naquilo que faziam. O tempo passava e Teodora engravidou. O que provocou uma alegria imensa em Conrado, que sonhava em ser pai. Durante todo o período de gravidez ele cuidou de sua esposa com muito zelo. E pediu para ela contratar mais padeiros para ela não trabalhar mais tanto.
Naquele dia Teodora iria fazer o  exame e Conrado foi com ela. Ele estava ao lado de sua mulher, segurando sua mão quando o médico anunciou que eram gêmeos. Um casal.

Teodora se assustou, mas Conrado não. Ao contrário ele vibrava. Sabia que teriam um período complicado, porém as alegrias seriam em dobro.
Conrado levou a esposa para casa. E  muito animado preparou um jantar especial para eles comemorarem a vinda dos gêmeos.
No jantar ele levantou um brinde (com suco) saudando a esposa, por lhe proporcionar tamanha felicidade. E disse:
-- Amor, ainda bem que temos bastante espaço. Precisamos pensar no quarto dessas crianças.
-- Sim. Temos muito que fazer.
E aquela foi uma noite especial, se amaram com muito amor.

Os dias passavam rapidamente. Havia tanta coisa que Teodora queria arrumar para chegada das crianças, que ela estava aflita. Mas Conrado era o rei da paciência e ele a acalmava e resolvia tudo para ela.

Enfim o quarto dos bebês ficou pronto. Era uma peça grande e bem iluminada que pegava bastante sol durante a manhã. Eles tinham escolhido para as paredes uma tonalidade de verde água bem clarinho, os móveis eram brancos, as cortinas e almofadas com estampa infantil, bem miúda na tonalidade da parede. A cadeira de balanço e o tapete de crochê feito por sua avó deixaram o quarto uma graça.

Nos últimos dias Teodora não estava se sentindo bem. Ela se sentia pesada, suas pernas estavam inchadas e ela queria que nascesse logo. Ela tinha optado por parto cirúrgico. Mas ainda faltava uma semana.

Nesses dias Conrado dava atenção integral para ela. Tudo já estava pronto, e até a dona Ieda, avó de Teodora estava pronta para passar os primeiros dias com a neta.
Mas naquela noite ela sentiu dores e Conrado muito preocupado, ligou para o médico, que pediu que a levasse para o hospital. Talvez as contas não estivessem corretas. 
O fato foi que naquela  madrugada nasceram os bebês mais lindos do mundo, segundo Conrado: José Luis e Maria Clara.

Os primeiros dias em casa foram de um verdadeiro caos. Embora Conrado fosse bastante organizado, não havia nada que funcionasse. As crianças não os deixavam descansar.
Teodora estava exausta. Ela não conseguia amamentar o suficiente, seu leite não havia “baixado”. Então sua avó aplicou a ela um tratamento caseiro de compressas no seio,  e chá de funcho, leite de castanha do Pará e logo as crianças se acalmaram, pois estavam mamando bem e não sentiam mais fome.

E depois de um tempo a vida deles entrou na rotina.

Conrado dedicava seu tempo as crianças, sabia que Teodora precisava fazer seus pães e bolos especiais. E agora, a pedido de algumas clientes, ela estava criando receitas visando atender as pessoas que tinham intolerância a algumas sustâncias, como a lactose, ao glúten e também para os diabéticos.  Ela dedicava boa parte de seu tempo nisso.
As crianças cresciam saudáveis e a cada dia estavam mais lindas. Eram espertas e já sabiam que o pai era completamente apaixonado por elas. Teodora se divertia observando ele interagir com os filhos. Eram três crianças.

                                                                          ***   ***   ***

Assim como as crianças, a procura por produtos para “intolerantes” crescia vertiginosamente. E Teodora precisou organizar um serviço de tele-entrega. E criou um ambiente próprio para a confecção e venda destes produtos.
A padaria estava organizada e não era mais necessária a presença dela em tempo integral. Ivone agora era a gerente.

 A preocupação de Teodora era criar novas receitas, e poder ofertar uma variedade maior de pães, bolos, biscoitos para as pessoas que necessitavam comer com restrições. Aqueles que estavam de dietas, os que tinham diabete e os que apresentavam intolerância. Essa era uma fatia significativa do mercado. E ela estava conseguindo agradar esse público. E criou uma marca.

Os negócios iam bem, mas pediam dedicação, e Teodora estava com o seu tempo todo tomado. Mal via seus filhos, mesmo não se ausentando de casa. E era Conrado quem lidava com as crianças e a organização da casa.
Teodora deitava muito tarde a acordava muito cedo, mas sempre que chegava à cama se achegava ao marido e dormiam abraçados depois de se amarem.

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Era uma manhã ensolarada e Conrado estava se preparando para levar os filhos para um passeio, quando o telefone tocou. Era da empresa que trabalhava. Estavam o promovendo, seria gerente regional de vendas, mas teria que fazer horário integral no escritório de Curitiba.

Conrado sabia que era uma promoção significativa, seu salário iria triplicar, mas não podia aceitar. Sabia que mudar para  qualquer outra cidade estava completamente fora dos planos da família. Teodora estava estabelecida, seus negócios iam muito bem, e a grife evoluía vertiginosamente.

Eles estavam felizes, ele amava muito sua esposa e queria que ela se sentisse realizada. Trabalhar com massas de pães era a sua vocação, tanto que cada nova receita era um sucesso. Ela conhecia o gosto dos seus clientes.

Não ia provocar mudança alguma na vida e na rotina deles. Decisão tomada. E Conrado foi contar para sua esposa sobre a oferta que tinha recebido e qual era a sua resposta. Ela se emocionou muito, ao perceber que aquela decisão que ele teve, refletia um ato de amor profundo e verdadeiro, não só para com ela, mas também para as crianças.
Ela se abraçou ao marido e disse:
-- Tu tens certeza de que é isso mesmo? Não vai te arrepender? Talvez fosse melhor aguardar uns dias antes de definir, um tempo para pensar melhor.
-- Não. Eu sei o que eu quero. Eu tenho prioridades em minha vida, e não vou aceitar.
-- Tu és um homem forte, firme em tua conduta. Eu te amo muito.
-- Eu também amo muito a minha família.
Naquela noite eles se amaram com paixão. Teodora estava tão emotiva que chorou enquanto faziam amor. Chorou de tanto amor, pura emoção.
A rotina voltou e os dias passavam.

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As crianças estavam com 18 meses, e precisavam de muitos cuidados. Teodora até tinha pensado em colocá-los em uma creche, apenas meio turno. Mas Conrado foi totalmente contra. Ele tinha tempo para os filhos...
Essas palavras “tempo para os filhos” foram gravadas a fogo no coração de Teodora. Ela amava sua família, mas também amava o que fazia. Porém o trabalho absorvia todo o seu tempo.

Teodora andava amargurada. A sua relação com Conrado estava se esvaziando. Antes ele a esperava para jantar, sempre podiam conversar e ela gostava de saber sobre as travessuras das crianças. E  iam para cama juntos, e faziam amor com muita freqüência.
Mas agora não era mais assim.

Muitas coisas passavam pela cabeça de Teodora, só nunca imaginou que o amor que existia entre eles pudesse terminar. Conrado era um homem sincero e jamais faria alguma coisa que pudesse magoá-la. Disso tinha certeza.

O tempo corria...
E chegou o tempo de as crianças frequentarem o jardim da infância. Tanto Maria Clara como José Luis estavam ansiosos. E no primeiro dia de aula, ela acompanhou o marido  até a escola, e ambos acenaram para os filhos, que bem entusiasmados, entraram na sala de aula.
O casal saiu abraçado e naquela tarde Conrado a levou ao cinema, para lembrar os velhos tempos. E naquela noite eles se amaram como se tivessem em  lua de mel.
Estavam felizes.
Mas a rotina os absorveu novamente.

                                                                                ***   ***   ***

No período que as crianças estavam na escola, Conrado não ficava mais em casa. Deixava os filhos na escola na primeira hora da tarde e só retorna ao fim da tarde depois de pegar as crianças na escola.
Teodora confiava no marido, mas estava realmente muito curiosa, porém não queria perguntar. Esperava que ele contasse.

Ela não estava mais dando conta de tanta encomenda, já tinha contratado ajudantes, mas a massa dos pães ela quem preparava. Era uma receita criada por ela, era o segredo negócio. Com a padaria ela não precisava mais se preocupar. Tinha funcionários competentes e de confiança.

Teodora estava pensando em abrir mais uma loja da padaria em outro bairro, e uma lojinha da grife no shopping. E para isso buscou uma consultoria.
Ela tentou conversar com o marido sobre seus planos, mas não conseguiu. Ele estava estranho, não a esperava mais para jantar, e dormia antes dela. E nunca mais fizeram amor.   
        
Teodora convocou o marido para uma reunião com o consultor, o senhor Vidal. Que era um senhor de cerca de 70 anos, formado em economia e administração de empresas, que estava aposentado e que tinha ocupado posições de destaque na empresa em que trabalhou. E  agora, para preencher seu tempo, dava consultorias.

A reunião foi difícil, pois Conrado não queria intervir em nada. Alegava que se ela não estava mais dando conta de tudo, era óbvio de que alguma providência deveria ser tomada, mas que ele não ia sugerir nada. Apenas iria escutar as observações de Sr. Vidal. Por fim, Vidal disse que iria acompanhar por 3 meses para poder avaliar corretamente o fluxo dos produtos e para então elaborar um plano de ação.

No decorrer desse tempo Vidal conviveu com a família de Teodora. As crianças o adoravam e até Conrado gostava de conversar com ele, apenas Teodora se sentia constrangida.

O constrangimento dela era reflexo da situação conjugal que ela vivia. O casal havia se distanciado e aquela cumplicidade que só a intimidade produz, não existia mais entre eles. Teodora agora tinha certeza, Conrado a estava traindo. Restava saber com quem.
Agora mais atenta ao que passava em sua volta, Teodora notou que havia alguns murmúrios em torno dela. Seus funcionários deveriam saber com quem ele a estava traindo.

Então decidiu que terminaria com a grife.  Sua família era mais importante. Marcou uma nova reunião com seu marido e com Vidal, para anunciar a sua decisão.
Iniciou a reunião dizendo:
-- Eu tomei uma decisão. A minha família é o meu tesouro. Eu negligenciei meus filhos e meu marido por causa de um projeto que me envolveu demais. Eu errei, não soube ponderar e me deixei levar por um sonho que está  me magoando muito.
-- Teodora, disse Conrado.
-- Por favor, me deixa terminar.
-- Ok...
-- Eu decidi ficar só com a padaria. Vou vender a minha receita e a grife que criei. Vidal será que consigo vender por um bom valor?  Não tenho idéia do quanto vale.
-- Acho que é uma decisão sábia, disse Vidal.
-- Teodora é isso mesmo que queres? Perguntou Conrado.
-- Sim, estou convicta. Já perdi muito... – disse Teodora e sua voz embargou e os olhos ficaram marejados.
Ela não queria chorar, não podia!
-- Eu vou fazer uma avaliação. – Concluiu Vidal.
A reunião estava encerrada. Vidal se retirou, mas Conrado ficou ali olhando para a esposa que tentava segurar o choro. Por fim ele saiu da sala, sem dar um abraço ou um alento a ela.
A se ver sozinha, Teodora deixou o seu pranto rolar. Sentou em uma poltrona e aí ficou por horas.
No outro dia Vidal foi conversar com Teodora. Havia algo que ele precisava contar para ela. Ele a admirava muito para deixar que ela ignorasse o que estava acontecendo em sua volta. Entrou dizendo:
-- Bom dia, Teodora.
-- Bom dia.
-- Eu preciso falar contigo. Já desde outro dia estou para te dizer, mas depois da reunião de ontem eu achei que é imperativo que tu saibas.
-- O quê?
-- Tu tomaste esta decisão drástica por causa do teu marido, eu  preciso te contar o que sei.
-- O que eu já sei?
-- Tu sabes?
-- Sim. Uma mulher sempre sabe quando o marido tem outra. É intuitivo... Só não sei quem é.
-- Acho que estás enganada. Não é isso o que eu tenho para te falar.
-- Foi por isso que eu tomei a decisão de vender a marca. Ela me toma muito tempo. Eu quero estar mais perto de meus filhos... De Conrado...  Eu sou culpada disso. Eu me dediquei demais a criação de receitas, da confecção cuidadosa de cada tipo de pão e bolo. Com muito critério de separação de utensílios para ter a certeza de que não haveria perigo para as pessoas com intolerância, quando os consumisse.
-- Eu sei, mas nada justifica.
-- A solidão... Eu deixei meu marido “atirado às traças”.
-- Teodora, eu  acho que nós não estamos falando da mesma coisa.
-- Como assim? Sou uma mulher traída. Agora vou deixar o tempo decidir. Quero retomar minha vida...  Eu sei. Não te afliges. Tu te tornaste um bom amigo.
-- Por favor, me escuta. Não é nada disso. Conrado é uma pessoa admirável!  Ele  participa de um trabalho voluntário com jovens carentes. Após deixar as crianças na escola ela vai para a escola municipal e ensina  os jovens a usar o computador. Ele é um bom homem, e tu estás imaginando coisas. Ele te respeita e te ama. Pode ter certeza disso.
-- Mesmo? Que homem surpreendente...
-- Eu estive casado por mais de 43 anos. Perdi minha esposa para o câncer. Eu tenho uma filha, casada, que mora em Montevidéu. Sempre fomos unidos, o amor sempre regeu nossa vida. E eu sinto que o amor que os une é muito forte. Os teus filhos são privilegiados por terem pais do quilate de vocês dois.
-- Obrigada por me contar. Vidal tu és um anjo em minha vida. Mas porque ele não me contou?
-- Tu mesmo disseste a pouco que não tinha tempo para a tua família... Seja coerente...
-- Tens razão..
-- Com licença, eu vou trabalhar.

Naquele mesmo dia, Teodora assumiu o papel de mãe. Deu banho nos filhos e os ajeitou para dormir. Contou uma linda história para eles e saiu devagar, porque eles dormiam como anjos.

Foi para a cozinha procurar alguma coisa para comer e encontrou Conrado a esperando para jantar. Ele havia preparado uma massa ao alho e óleo, seu prato preferido.
Jantaram e conversaram como há muito tempo não faziam. Conrado lavou a louça enquanto ela ajeita o resto. Deixaram a cozinha em perfeita ordem.
Ele a abraçou e a levou para sentar no sofá da sala. Olhou para ela com intensidade e disse:
-- Precisamos conversar...
-- Conrado, eu já decidi.
-- Não é sobre isso. É sobre nós.
-- Nós? – E o coração de Teodora disparou.
-- Sim. Tu andas te esquivando de mim, parece até que eu te magoei... Sei que nunca mais sentamos juntos para conversar, tu ficas até tarde fazendo as massas e eu, cansado, acabo dormindo. Mas quero que saibas que eu sinto muita falta daquela garota divertida,  que tinha sempre um brilho no olhar. Para onde ela foi?
-- Eu estou tentando resgatá-la.
-- Que bom! Meu amor eu não vou me intrometer, só quero te pedir que pense mais um pouco para não te arrepender mais adiante.
-- Não. É isso mesmo que eu quero. Tu és mais importante, nossos filhos são mais importante. Temos a padaria que dá bom resultado. Optei por minha família.
-- Obrigado, realmente sentimos muito a tua falta.
Ele a abraçou e ela se deixou abraçar. Ela o amava e sabia que tinha realmente descuidado de seu casamento. Mas iria restaurar.
Teodora estava esperando que Conrado contasse a ela sobre seu serviço voluntário. E ela não se aguentou e perguntou:
-- O que fazes todas as tardes?
-- Eu? Nada de mais.
-- Nada! Aonde vais?
-- Vou ajudar uns jovens a usar o computador... Só isso.
-- E o que mais?
-- Mais nada.
-- Eu posso ir contigo a próxima vez que tu fores?
-- Sim, mas será só na outra semana.  Houve um problema de umidade na sala e as aulas estão suspensas.
-- Hum. E como foi que isso aconteceu?
-- Eu pesquisei na internet e achei um local que precisavam de voluntários para essa tarefa. E como sou formado em computação, fui até lá.
-- Eu estou orgulhosa do marido que tenho... Tu és incrível. Por isso que eu te amo tanto...
Com o propósito de restabelecer a harmonia entre eles, tanto Teodora assim como Conrado estavam mudando de hábitos. E agora os dois iam juntos levar e buscar as crianças na escola.

Vidal conseguiu vender a receita e a marca por um preço que Teodora jamais imaginou que pudesse valer.
A felicidade voltou a reinar.

O amor que os unia desde  que eram crianças estava mais fortalecido. A crise que enfrentaram no casamento os ensinou a valorizar o amor e a presença de cada um. A unidade que eles voltaram a viver se refletia no comportamento das crianças que estavam mais dóceis e alegres. Ver o pai e mãe juntos, para aquelas crianças era uma nova realidade, que  os deixava mais seguros.

Eles retomaram a vida...

As crianças estavam crescendo e Conrado se dedicou ao  trabalho, e voltou a ser o melhor vendedor de materiais ferrosos do sul do país. Teodora estava satisfeita com a sua padaria. Agora tinha tempo para ficar com os filhos. Eles construíram um lar feliz.


                                                                                                           Fim

                                                                             Maria Ronety Canibal