quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

NOVO AMOR


NOVO AMOR



Adriana não perdia nenhuma aula do professor de linguística. Além do interesse pela matéria, já que pretendia ser escritora, suas aulas eram bem interessantes, e ele um gato! Estava ficando difícil se concentrar no que o professor Mateus falava, sem ficar divagando sobre momentos íntimos.

Naquela manhã, depois de uma vasta explicação, ele fez uma breve narrativa, e pediu que os alunos fechassem os olhos e imaginassem a sequência da cena, cada um acrescentando um fato pessoal.

O silencio na sala de aula era absoluto.

Mateus pediu para um dos alunos continuar a narração. Luciana foi a primeira a falar. “Uma menina de oito anos, amedrontada corria pelo campo, lágrimas escorriam em suas faces... Ela sentia-se abandonada, não confiava em mais ninguém... (continuou Paolo) A separação de seus pais, a deixou desamparada... (disse Adriana) A menina buscou consolo em seu cão...” (acrescentou Marcela)

 -- Muito bem. É isso que eu quero de vocês. Que coloquem em seus textos mais emoção. Para a próxima aula quero uma autobiografia. Obrigado – Disse o professor Mateus dispensando a turma.

 Mateus juntou seu material e pegou o telefone. Havia uma mensagem de sua esposa, o convidando para almoçarem juntos. Sorriu ao responder. Silvia era especial, ele a amava profundamente.

Já estava deixando a sala de aula, quando percebeu que uma das alunas estava o aguardando para conversar, foi até ela e perguntou:

-- Alguma questão que não ficou esclarecida na aula?

-- Não. É que eu não consigo escrever sobre a minha vida. – Explicou Adriana.

-- Tenta. Ajuda a resolver os traumas e dá confiança. É só um exercício. Não será publicado.

 -- Mas o senhor vai ler...

-- Deixa o senhor de lado. Me chame de Mateus. Sim, eu vou ler e colocar observações sobre o desenvolvimento do raciocínio.  Depois devolvo. Faça um esforço e tente cumprir a tarefa. Se queres aprender escrever é preciso colocar para fora os sentimentos. Agora preciso ir, tenho um compromisso. – Disse ele afastando-se da aluna.

 Adriana ficou olhando o professor se afastar. Seu pensamento voava, criando situações para encontrá-lo fora do horário de aula, fora da universidade... Estava fascinada por ele. Iria conquistá-lo!

Mateus era muito lindo para ser de uma só mulher, pensava ela. Com pensamentos ousados, Adriana acreditava em relacionamentos abertos, sem compromisso. Ele ainda não a tinha notado, mas logo ele estaria nas mãos dela, ou não se chamava Adriana Pradela.

Mateus Krye era um homem de 40 anos, que já tinha conseguido renome internacional após a publicação de seu primeiro livro: Desencontros. Neste livro ele tratava do seu tema preferido, discorria sobre os desencontros do amor, no mundo contemporâneo.

 Ele tinha o dom de ensinar. Suas aulas eram um sucesso no meio acadêmico, pois o seu ideal era transformar o mundo através da escrita, consequentemente pela leitura. Por isso, continuava lecionando. Ver aqueles jovens vencendo as barreiras pessoais e alcançar a desenvoltura na escrita, era a melhor recompensa.

 Casado e apaixonadíssimo por sua esposa, ele tinha ideias conservadoras sobre o casamento. Via a fidelidade como consequência natural do amor. Quem ama não trai, dizia ele.

Silvia, sua esposa, aos 38 anos, era uma mulher bonita, inteligente, simpática e comunicativa. Formada em Arquitetura, ela tinha paixão pela profissão, trabalhava com o professor Carlos Ponte, renomado arquiteto, que a convidou para fazer parte de sua equipe de projetistas.

 Atualmente, ela estava trabalhando num projeto especial, um prédio em Santiago do Chile. A permanência junto a obra era necessária, já que os responsáveis pela execução do projeto, eram Henrique e Silvia.

 Mesmo eles vivendo em cidades diferentes, eram parceiros no projeto chileno. Um prédio residencial de alto gabarito, num dos melhores bairros de Santiago

Henrique, era solteiro e não se importava de ficar uma temporada longe de casa, cedia sua folga para a sua parceira. Com a previsão de chuvas intensas, Silvia aproveitou para vir em casa, estava muito saudosa de seu marido. Ficaria apenas uns dias. E o casal queria desfrutar ao máximo desses momentos.

 

 Rever os amigos e colocar o papo em dia, fez com que Silvia preparasse um pequeno jantar para Estevão e Lucia, os melhores amigos do casal. As notícias sobre a separação Cristiano e Leticia os deixou estarrecidos.

-- Eles eram perfeitos! Como aconteceu? – Disse Silvia surpresa.

-- Muito simples. Leticia descobriu que foi traída. – Explicou Lucia.

 -- Não foi traição, foi uma aventura – Argumentou Estevão. -- Ele transou com a garota uma vez, e estava bêbado. Isso não pode ser razão para separação.

 -- É, mas ela se sentiu no direito de transar também. -- Falou Lucia – E quando foi a vez da mulher, ele não gostou, e se sentiu traído.

 -- Os dois erraram. Não pode ser assim. Eu sempre digo, que o amor não permite traição. A relação deles já estava desgastada, viviam de aparências. – Falou Mateus.

 -- E por que o desgaste? Falta de atenção? Falta de carinho? – Quis saber Silvia.

 -- Eu acho que um pouco de tudo, a rotina espanta o amor. – Falou Mateus. – Por isso, é indispensável investir, ou seja, estar sempre presente, dar atenção e manter o diálogo. É preciso ter tempo para o amor, é importante continuar a namorar, ou seja, ir ao cinema e ficar de mãos dadas, roubar beijos... enfim fazer essas bobagens que as pessoas apaixonadas fazem. Não tem essa de “já está no papo” e deixar a chama se apagar.

 -- Mas eles sempre juntos, animados, envolvidos... Não entendo! – Disse Lucia.

 -- Só aparências? Então o que será de nós?  Mateus e eu estamos passando por um período difícil, pois estamos distanciados, por causa do meu trabalho, então terminaremos separados, também? – Perguntou Silvia.

 -- Vai depender de vocês, da fidelidade de cada um. – Disse Estevão. – Cristiano me falou que depois das tais transas, eles tentaram voltar; na cama se davam bem, mas na convivência diária foi difícil, me afirmou, e salientou que fica tudo muito diferente, é estranho pois não há mais conexão, cumplicidade e confiança. E as discussões passaram a acontecer, por qualquer coisa... Então meus amigos, a chave de uma relação é o crédito no parceiro. Se perder a confiança, vai tudo por água abaixo.

-- Eles namoraram desde a faculdade, estão pelo menos 15 anos casados... Não dá para acreditar. – Disse Silvia preocupada.

 Silvia estava preocupada, porque Henrique, seu parceiro de trabalho lá no Chile, era um cara charmoso, simpático e envolvente. Não havia rolado nada entre eles, mas ela até que pensou que ele era bem interessante. E para complicar, eles dividiam o mesmo apartamento. E o pior era que ela não tinha contado para o marido que estava dividindo o apartamento. Bah... na hora que ele descobrisse, seria um Deus nos acuda!

Olhou para o marido e conjecturou se ele não tinha atração por uma de suas alunas, garotas novas e sedutoras. Será que ele a amava tanto assim?

 Os dias passavam...

Era uma quarta feira e ao fim de mais uma aula, Adriana foi conversar com o professor Mateus:

-- Mateus eu estou com muitas dificuldades. Eu sei o que quero escrever, mas não consigo as palavras certas para colocar no papel. Poderias me ajudar. Estou pedindo aulas particulares. Eu te vou pagar...

-- Os meus horários são apertados. Estou finalizando o meu livro, meu editor está me pressionando, pois já extrapolei meu prazo. Não sei se posso te ajudar.

-- Mas só tu podes, eu tenho tanto para contar. Por favor... – Disse ela com voz chorosa. -- Arranja uma hora que seja por semana. Pode ser numa cafeteria...

-- Está bem. Amanhã combinamos. Preciso ir. -- Disse Mateus se afastando. Ele não podia se envolver, e aquela garota era muito bonita e bastante atraente. Mas um dinheiro extra sempre vinha bem. Iria cobrar bem caro...

 Mateus passou encontrar-se com Adriana todas as quartas feiras, sempre em uma cafeteria diferente, não podiam ser vistos constantemente juntos. Adriana lentamente progredia, e Mateus estava ganhando uma boa grana extra.

  Adriana realmente tinha potencial para ser uma escritora de destaque. Ela estava evoluindo satisfatoriamente, e Mateus achou que deveria continuar com as aulas particulares.

 Ele percebia, também, todas as insinuações dela sobre a atração física. Ela deixava bem claro o seu modo de ser e pensar, e talvez de agir. Acreditava no amor livre, sem limites e preconceitos. O fato é que ela era muito bonita e o provocava, até na sala de aula. Ele estava se mantendo firme, mas não estava sendo fácil, ainda mais com a esposa longe.

 O período de férias, de inverno, chegou e ele foi para Santiago, do Chile, para aliviar as tenções. Estava com saudades da sua mulher. Nunca tinham ficado tanto tempo separados por causa do trabalho. Mas, para ela esse trabalho, era uma alavanca para uma ótima promoção.

 Olhando por sobre as nuvens ele deixou sua imaginação solta e acabou dormindo boa parte da viagem. Acordou quando já estavam próximos de Santiago.

 Ele apreciou a vista cidade.

 Já com a sua bagagem, Mateus ligou o celular.

 A primeira decepção foi que Silvia não ia buscá-lo no aeroporto. Ela havia enviado uma mensagem explicando, que um problema na obra a reteve, e como o aeroporto era muito longe, não chegaria a tempo.

 Contrariado ele andou pelo aeroporto em direção a porta de saída, e ali procurou por um taxi, optou por um Uber que era mais rápido. Mesmo assim, foi preciso esperar por quase uma hora. Não era dessa forma que ele tinha imaginado a sua chegada a Santiago.

 Estava dando tudo errado

Realmente a distância do aeroporto até o centro da cidade era considerável. O taxi o deixou no endereço que Silvia lhe dera, e para a sua surpresa, não era um hotel, ou apart-hotel, era um prédio residencial.

 Ele tocou no interfone e um tal Henrique o atendeu. Quem era Henrique?

 Mateus subiu muito contrariado. Sua mulher estava dividindo o apartamento com esse Henrique, que era completamente desconhecido dele. Sim, porque ele conhecia a equipe de projetistas que trabalhavam com a Silvia.

 Ao chegar ao andar, ele saiu do elevador e logo viu a porta do apartamento estava semiaberta e ele entrou silenciosamente. Então se deparou com o cara.

 -- Olá, como vais? Sou Henrique, companheiro de trabalho de Silvia. Prazer em conhecê-lo.

 -- Prazer! Mateus. – Disse estendendo a mão para cumprimentar Henrique.

 -- Fez boa viagem?

 -- Sim. Melhor do que esperava. Pegamos mau tempo sobre a Argentina. Tu és novo na empresa?

 -- Não. Pertenço a filial de Curitiba.

 -- Hum... Onde está a minha esposa?

 -- Está tomando banho. Ela recém chegou. Tivemos um contratempo.

 -- Sei.

 -- Com sua licença. Eu estou de saída. Até mais... – Disse Henrique saindo apressado.

 Mateus andou pelo apartamento, inspecionou a cozinha e foi até a janela olhar a vista da cidade. Mas seu pensamento estava a mil. Não iria ficar ali. Como seria “tirar o atraso” com sua mulher com o cara no quarto ao lado. Ali não teriam privacidade.

Enfim Silvia apareceu, de cara lavada, cabelo molhado, e um abrigo caseiro. Credo! Era assim que se recebia um marido depois de dois meses distantes?

-- Oi! Como estás? – Disse ela o cumprimentando com dois beijinhos no rosto.

-- Eu estou muito bem. Mas tu não me pareces bem. O que aconteceu?

-- Nada! Só estou cansada. Tivemos um dia difícil no trabalho.

-- Acho que tem mais coisa... O que tens para me contar?  Não estou aqui para fazer o papel de bobo.

-- Um escritor está sempre imaginando coisas. Não há nada!

-- Arruma as tuas coisas, vamos para um hotel.

-- Ir para um hotel? Por quê? Aqui não gastamos nada...

-- Não vou ficar com a minha mulher num lugar que não nos dá privacidade.

-- Eu não vou para o hotel, vou ficar aqui.

-- Mas eu vou... – Disse ele pegando e telefone para chamar um Uber.

 Mateus escolheu um hotel próximo ao apartamento, era padrão três estrelas e bem confortável. Ele tomou um banho, pediu um lanche ao serviço de quarto e ligou a TV.

 Estava faminto, só depois de saciar o apetite, ele passou a pensar no problema que havia surgido. Estava decidido a dar um dia para Silvia o procurar. Se ela não ligasse para ele e se desculpasse pela sua preterição, ele iria retornar para casa. Aliás, iria abreviar a estadia. Ligou para a companhia de aviação e solicitou o retorna para o próximo domingo. Como era quinta-feira, ficaria apenas dois dias.

 Ele estava cansado e dormiu logo.

 Só depois que Mateus já a tinha deixado sozinha e ido para o hotel, foi que Silvia se deu conta da besteira que tinha feito. Teria de consertar, mas como? Ficaria evidente que tinha algo errado. Em 8 anos de casados era a primeira vez que brigavam sem razão aparente. Mas seu marido não era bobo, ele pegava as coisas no ar.

Era muito cedo e Mateus já acordado, pensava na vida. O que tinha acontecido no dia anterior era consequência do distanciamento deles. Um casal não deveria ser colocado a prova, dessa maneira.

O ciúme que ele sentiu ao saber que a sua Silvia estava dividindo o apartamento com outro homem, e um jovem bem apessoado, o deixou transtornado e inseguro. Foi a causa de sua repentina decisão, de não querer permanecer no apartamento. Por outro lado, a própria Silvia não demonstrou alegria ao vê-lo. Teve a sensação de ser inoportuno aos olhos da esposa.

O telefone soou, ele olhou e viu que era uma chamada de Adriana, atendeu:

-- Alô...

-- Oi... Te acordei? Não sei qual é o fuso horário... Desculpe se é muito cedo.

-- Não me acordou... Estava aqui pensando na vida.

-- E eu faço parte dos teus pensamentos?

-- Não seja atrevida. O que queres?

-- Liguei para te desejar um bom dia. Sonhei sonhos maravilhosos e me deu vontade de escutar a tua voz. Tudo bem contigo, não me pareces muito animado.

-- Está tudo bem, sim. Te desejo, também, um bom dia. Obrigado por ligar.

-- Beijos

Mateus desligou o telefone e foi tomar um banho. Falar com Adriana tinha o deixado mais animado. Iria sair para conhecer a cidade. Depois decidiria o que fazer.

Ainda enrolado na toalha ele checou o telefone e viu que Silvia havia ligado duas vezes. Não retornou. Iria primeiro se vestir. Estava pronto para descer para o café quando ela ligou novamente.

-- Oi, me desculpe por ontem, eu estava de TPM e meu dia foi horrível. Sei que procedi mal. Em que hotel tu estás. Vou tomar café contigo, assim conversamos.

-- Certo. Precisamos conversar. Te passo o endereço por mensagem. Te espero na sala de café.

 Mateus ficou apreensivo, não imaginava o tipo de conversa que teriam. O mais estranho de toda a situação, que não era Silvia que domina seus pensamentos, e sim Adriana. Ah... aquela garota estava mexendo com ele.

Silvia chegou. Estava bem arrumada e sorridente o abraçou carinhosamente. Ali diante dele e o olhou, de uma maneira que parecia querer perscrutar seus pensamentos.

 Ele levantou-se para recebe-la e a abraçou carinhosamente. Ambos sentaram e Silvia logo falou:

-- Preciso me desculpar por ontem. Eu estava péssima, e não te recebi como eu tinha planejado. Deu tudo errado. Podemos esquecer o dia de ontem, e recomeçar a partir de hoje?

-- Se tu achas que dá, vamos tentar. – Respondeu Mateus a analisando. Ela não era mais a mesma, por mais que tentasse parecer. Alguma coisa tinha acontecido, mas o quê?

-- Vamos aproveitar esse café farto e delicioso café. Depois vou te levar para conhecer os pontos históricos da cidade. Hoje tirei o dia de folga, estou a tua disposição.

-- Que bom! É muito melhor ser apresentado a uma cidade, do que ficar tentando descobrir os lugares mais interessantes sozinho. – Disse ele em tom de ironia.

-- Não sejas sarcástico. Eu já me desculpei. – Falou ela bem chateada.

O telefone de Mateus soou e ele logo atendeu, e Silvia ficou atenta ao diálogo:

-- Olá! ...Sim... Não tanto (sorriso) ... Acho que antes do previsto... Claro... Te aviso...  Outro para ti...

Mateus desligou o telefone e colocou no bolso de seu casaco. Ele não iria contar para ela, que era o seu editor. Levantou-se da mesa e falou:

-- Vamos?!

-- Sim.

Os dois caminhavam lado a lado, não se tocavam. Silvia não queria tomar a iniciativa, e ele, por sua vez, a estava testando. Aos poucos a tensão foi diminuindo e eles tiveram um dia agradável.

 Eles haviam terminado de jantar, quando Silvia revelou ao marido sua intenção de passar a noite com ele. Mateus até sorriu ao perceber a situação que tinha se instalado entre eles. Silvia notadamente, tentava parecer natural, mas era inútil, pois a sua inibição era de uma garota que foi pega em flagrante.

 Mateus e a esposa transaram e foi uma decepção. Silvia evidentemente estava sexualmente saciada. Ele soube pelo seu comportamento. Ele a conhecia muito bem.

 Ela o tinha traído... com Henrique?  Talvez... Era o mais provável.

Mateus não falou nada.

Aproveitou o sábado para visitar uma vinícola. Domingo pela manhã retornou.

Durante a viagem ele teve tempo para analisar todos os acontecimentos. Uma coisa o surpreendeu, a sua reação. Por que ele não pediu explicação a Silvia? Por que ele ficou indiferente? Não estava mais apaixonado por sua esposa?

 A imagem de Adriana surgiu em sua mente.

 Não era possível! Ela era uma jovem de 20 anos. Ele podia ser seu pai, e não rolara nada entre eles, nem um beijo... mesmo a tentação sendo enorme.

 A garota tinha futuro como escritora e ele queria ser o seu mentor literário. Como professor ele jamais iria se envolver com uma aluna.

 Mateus não queria jogar fora o seu casamento por uma situação atípica. Eles estavam distanciados, e ainda ficariam por mais algum tempo. Eram adultos e sobreviveriam a esta crise.

 Silvia deixou o marido no aeroporto e foi para um shopping. Sentou-se em uma cafeteria, pediu um café e permitiu-se analisar a situação que se criara entre ela e o marido. Ela estava convicta de que Mateus achava que tinha sido traído. Estava estampado em sua face. Ela o conhecia muito bem, aliás, eles se conheciam e sabiam quando estavam tentando encobrir uma situação constrangedora.

 Não estava nos planos o encontro de Henrique e Mateus.

 Mas a quinta feira tinha sido o seu dia de azar. Tudo tinha dado errado. E não havia como consertar o estrago que fizera no casamento dela. Agora teria que esperar calmamente... Mateus era conservador no modo de ser e não terminaria o casamento por causa de uma suspeita. Era só suspeita. E ele não tinha como saber a verdade. E qual era a verdade?

Mateus suspirou aliviado, quando entrou em sua casa. Eles moravam numa casa encantadora, num condomínio com ares de romantismo. Eram casas de 100m², uma diferente a outra, em estilo francês, lembrando os chalés rurais. Os jardins tinham muitas flores e coloriam os jardins.

Tomou um banho, pediu uma pizza e se recostou no sofá. Olhou a sala bem decorada da casa deles, Silvia sempre foi detalhista e tinha bom gosto. Não só a sala, mas cada cantinho da casa tinha o toque dela.

 Ele sentia-se magoado com o que tinha ocorrido entre eles.  Silvia, quando soube que fora designada para ir ao Chile, pediu ao marido para acompanha-la, pois sabia que seria uma empreitada longa. Mateus recusou a ideia porque não queria deixar os seus alunos, o seu posto de professor na universidade.

 Agora estava em duvidas: será que tinha feito a escolha certa?

 Essa situação não seria o fim de seu casamento?

 Bem distante dali. Silvia pensava em seu casamento. Não tinha como avaliar o estrago tinha acontecido na relação deles. Ela conhecia Mateus, muito bem, e sabia que ele não perdoaria facilmente. E ela permaneceria em Santiago por mais um bom tempo.

 Faltava pouco para o aniversario de Mateus.

 E se lhe fizesse uma surpresa?!

 Ainda era muito cedo, quando Mateus saiu de casa em direção a Editora Atena. Enfim, o seu livro seria publicado. Depois de muitos atrasos, ele tinha conseguido terminar de escrever. Já estava revisado e precisava acertar a parte artística, ou seja, fazer a capa do livro.

Foi recebido com alegria pelo seu amigo e editor, Zacarias. Conversavam animadamente quando uma jovem mulher entre na sala. Ela era linda! Parecia um anjo... Tinha os cabelos claros, olhos azuis piscina e a pele alva e sedosa. Esguia sem ser muito alta. A voz era melodiosa. E maneiras gentis e suaves.

-- Mateus, essa é Larissa – Apresentou Zacarias – Ela é a nossa nova desenhista.

-- Prazer Larissa! – Disse Mateus a comtemplando com um sorriso. – Fazes jus ao nome, que significa adorável.

-- Obrigada! – Disse ela erubescendo.

-- Vocês dois terão que se acertar. Eu vou sair em viagem e ficarei fora cerca de um mês. Portanto, entrego a responsabilidade não suas mãos. Entendido?

 -- Não teremos problemas – Respondeu Mateus a olhando com intensidade. – Estou aqui para trabalhar. Podemos começar?

 -- Sim. – Respondeu Larissa. – Tenho um esboço pronto. Vamos para a minha sala. – Convidou.

-- Eu tenho outra reunião. Vão façam o melhor. – Disse Zacarias se dirigindo para a sua escrivaninha.

 Aqueles dias que restavam de férias, Mateus se envolveu na confecção da capa do seu livro. Iria ficar maravilhosa, completamente diferente dos outros livros já editados. Larissa tinha sensibilidade artística. Ela era demais! Dizia ele para si mesmo.

Mateus e Larissa passaram muito tempo juntos, e acabaram se conhecendo bem. E ele estava enfeitiçado por ela. Essa era a verdade. Com o retorno das aulas, eles tiveram que acertar os horários para poderem se encontrar. Geralmente era no fim da tarde que Mateus aparecia na editora. E quase sempre a convidava para jantar.

Adriana percebeu a mudança em Mateus, e muito direta ela perguntou:

-- Por que estás tão mudado? O que aconteceu?

-- Aconteceram varias coisas. E todas essas coisas me afetaram profundamente. Algumas mudanças aconteceram, uma para o bem, e outras não. Mas a vida é assim. Nem sempre se ganha, mas sempre se anda para frente. Por isso estou seguindo adiante...

-- Não entendi e nem quero entender. Vai me dar um nó.

-- E para ti como foi as férias? Produtivas?

-- Sim. Estou com um material para te entregar. Espero que goste...

Mateus levou o texto dela, e naquela mesma noite leu. Estava curioso, e ficou admirado com a desenvoltura dela. Estava perfeito. Alguns retoques e tinha material para publicar.

 No dia seguinte, eles iriam se encontrar na cafeteria para retomarem as aulas particulares. Adriana estava muito animada, chegou cedo, sentou-se e esperou o professor, que não tardou.

-- Olá, professor!

-- Oi. Antes de tudo, quero te dar os parabéns! Um excelente trabalho. – Falou Mateus devolvendo o material. – Eu li e gostei muito. Segue em frente garota. Até essas aulas não são mais necessárias. Segue neste ritmo e no fim do ano teremos o texto concluído. Então é só publicar e aguardar a manifestação do público. Irás para o topo...

-- Mesmo!? Mas poderei pedir socorro a qualquer momento?

-- Estarei a tua disposição, mas sei que não será necessário. Rompestes as barreiras. Estás livre... e podes escrever tudo o que quiseres. Eu te garanto. Estou muito feliz e orgulhoso de ti. Alcancei o meu objetivo. 

-- Vamos brindar com um espumante...

-- Vamos brindar com um suco de laranja. – Disse Mateus rindo.

  Os dias passavam...

 O livro de Mateus teria um pré-lançamento em São Paulo. Zacarias e Larissa iriam acompanhá-lo, já que ela era a desenhista e assinava a capa do livro. O coquetel seria no dia do aniversário dele. Mas Mateus não se importou, pois, do contrário, passaria seu aniversário sozinho... Dois dias antes eles embarcaram para Curitiba, aonde fariam uma apresentação do livro numa oficina de literatura. Depois seguiram para São Paulo.

 A livraria estava lotada para surpresa de Mateus, com efeito, Zacarias que tinha feito um bom trabalho na divulgação do novo livro. O anterior tinha Desencontros como título, e esse chamava-se Convergência. Como se fosse uma sequencia de pensamentos, em relação ao livro anterior, aqui ele citava a harmonia de ideias, como resultado dos desencontros. Era, enfim, a realização das vontades.

 Um público eclético formava os leitores e seguidores de Mateus.

 Foi o melhor aniversário que tivera nos últimos tempos, depois de um jantar por conta de Zacarias, Mateus foi para o hotel de dormiu tranquilamente. O sucesso de seu livro já estava assegurado.

 Silvia desembarcou em Porto Alegre muito segura de que a sua relação matrimonial não estava abalada, e que esta visita surpresa, apagaria as mágoas do último encontro. Entrou em casa e encontrou tudo perfeitamente arrumado, limpo e vazio. Aonde estava seu marido?

Desiludida, Silvia ligou para Mateus, e para a sua decepção o telefone soou na bancada a cozinha, com a carga quase zerada. Ela ficou intrigada. Seu marido sempre carregava o telefone, o que tinha acontecido.

Silvia ligou para a faculdade, e lá ele não estava. Ligou para o seu melhor amigo, Estevão:

-- Olá, cheguei sem avisar e não consigo saber onde está o meu marido. Tu podes me informar?

-- Olá Silvia! Como estás? Não sei nada sobre o Mateus. Faz algum tempo que não falamos. Ele tem andado muito ocupado trabalhando no livro, que deve estar já finalizado. Ele me disse que faltava pouco e que estava com os prazos vencidos. Precisava entregar o quanto antes. Não posso te ajudar, querida! – Disse ele ironicamente.

  -- Obrigada. Um abraço para Lucia.

 Silvia tomou um banho e esperou. Alguma hora ele teria que vir em casa, pelo menos para trocar de roupa. Olhou no armário e as roupas estavam lá.

 Ligou para um restaurante e pediu um almoço. Estava faminta!

 Passou o dia e a noite sem que Mateus aparecesse. Então, Silvia decidiu ir até a chácara, onde seus pais viviam. Passou o tempo com eles e no dia seguinte embarcou de volta para Santiago. Ela estava frustrada...

 O fim do ano estava se aproximando e Adriana entregou o seu manuscrito para Mateus revisar. Era sem dúvida uma história triste e envolvente... Ela relatava os dias mais sombrios de sua família. A separação dos pais e difícil escolha: ficar com o pai ou com a mãe? Ela tinha optado pelo pai e a irmã mais nova ficou com a mãe, e o destino das irmãs foi completamente diferente. Uma emergiu do caos e a outra afundou na lama. O livro chamava-se: Arte de bem escolher. Sem dúvida, seria um sucesso.

 O casal Silvia e Mateus estavam completamente distanciados. Já nem se falavam mais. Depois que Mateus havia decidido comprar um novo telefone e ter outro número, ele até esquecia de carregar o aparelho que continha o contato da esposa.

 Larissa ia passar as festas de fim de ano com a família que moravam no interior. E o convidou para ir também. Ele aceitou imediatamente. Seriam dias diferentes, entre pessoas estranhas, numa região desconhecida. Valia o desafio.

 Ele gostava da companhia de Larissa. Eles combinavam perfeitamente. Mas nada havia acontecido entre eles, afinal ele era um homem casado... No entanto, eles estavam chegando ao limite, pois era visível a atração que Larissa sentia por ele e vive versa.

 A família se Larissa se resumia ao seu irmão gêmeo. Seus pais tinham falecido em um acidente há cinco. Lair vivia na granja, onde criava porcos e frangos. Sua esposa, Ellen, era uma moça muito simples e simpática.

Larissa e Mateus foram muito bem recebidos, e Ellen, entendendo que eles eram namorados, arrumou o quarto de hospedes para o casal. Esse quarto não ficava no corpo da casa, e sim do outro lado do jardim.  

Mateus e Larissa nada disseram, apenas se olharam e sorriram. Mais tarde, quando os donos da casa já estavam recolhidos, Mateus falou:

 -- Tu decides. Posso muito bem dormir no chão.

 -- Acho que chegou a nossa hora...

 Naquela noite que passaram juntos, Mateus descobriu o quanto eles se amavam.

 Quando retornaram a rotina, a primeira providencia de Mateus foi pedir o divórcio. Procurou seu padrasto, Paulo, que era um notável no assunto.

 -- É muito simples... – Explicou Paulo – Vocês são casados com separação total de bens. Não tem filhos e a casa é tua. Vou notifica-la imediatamente.

 -- Sim, a separação de bens foi imposição de Silvia, que considerava a sua família muito rica, em relação a mim, que só tinha os meus livros... No entanto, a casa fui eu comprei, com o dinheiro que recebi do meu primeiro livro. E desde então eu tenho me sustentado...

-- Eu me lembro, dela afirmar, que a tua mãe, a minha amada Catarina, era bem casada, e que tu não tinhas nada! Aí está o resultado, elas já planejam a separação antes de casar.

 Silvia levou um choque quando recebeu a notificação de pedido de divórcio. Chorou, lastimou tanto que Henrique comentou:

 -- Ora... Deixa encenação Silvia! -- Disse Henrique. --  Faz tempo que dormimos juntos, tu achas que ele ficaria te esperando... Realiza mulher! Vamos lembrar que quando aqui chegamos, eu te respeitava, pois eras uma mulher casada. Me mantive quieto, e fostes tu que pulastes em minha cama. Tu o traíste deliberadamente. Agora não vem fazer cena! Vocês já estão separados há muito tempo. Agora é só legalizar a situação.

-- Eu sei... Sempre pensei que ele era apaixonado por mim...

-- Ele foi apaixonado por ti. Nenhum homem fica eternamente apaixonado por uma mulher que o trai. Aprende isso! E o homem inteligente sabe quando a mulher pulou em outra cama.-- Mas ele não tem certeza...

-- Talvez! Mas ele não te quer mais.

-- Então, o que faremos... Casar?

-- Não! Eu sou um solteiro convicto.

 Uns meses depois Mateus e Larissa estavam felizes.

 O divórcio havia sido homologado.

 O tempo de trabalho no exterior havia findado para Silvia. Ela voltou acreditando que teria uma ótima promoção, já que Henrique era afilhado do professor Carlos, e seu único herdeiro.

 Mas não foi isso que aconteceu.

 Silvia foi mantida na equipe de projetos.

  Henrique queria livra-se dela. Ela era muito ambiciosa e cansativa. Fazia um bom trabalho, mas era uma alpinista social, e por seu comportamento não merecia o cargo na direção da empresa.

 Por fim, o seu colega Vinicius  que foi o indicado para a filial de Curitiba, para completa frustração de Silvia.

 Agora amargurada e só, ela lembrava que a traição sempre rompia os laços entre um homem e uma mulher. Lembrou-se das palavras de Estevão que disse com clareza que depois de uma traição não havia mais condições de vida a dois feliz. Não com o marido.

                                                              Maria Ronety Canibal

                                                                    Fevereiro 2022

 IMAGEM VIA INTERNET