segunda-feira, 24 de julho de 2017

PRECONCEITO


                                              PRECONCEITO
Era inicio do século XX, o ano de 1903.
Ronaldo já estava formado em Direito, e acabara de receber uma herança muito grande de seu padrinho Adílio, que era solteiro e sem herdeiros. Com vinte e três anos, Ronaldo estava muito rico e totalmente independente financeiramente de sua família.
Há muito tempo ele morava sozinho, em Vitral, capital da província, aonde viera para cursar a faculdade. Apenas no período de festas de fim de ano que Ronaldo visitava sua família, que residia no interior em Alegro.
Ele amava seu pai, sua mãe e seu irmão Rogério, que era bem mais novo do que ele. Mas não aceitava certas condutas deles. Seu pai, Julio, embora tratasse sua mãe com carinho e atenção, sempre teve amante. Sua mãe, Celeste, muito religiosa e caridosa, tratava mal seus criados e Roger era totalmente falso, enganava a todos com seu jeito de reservado, mas era um verdadeiro devasso.
Mas haveria uma grande festa em comemoração aos cinqüenta anos de vida de seu Julio e Ronaldo estava se preparando para ir. Queria chegar dois dias antes para descansar e rever os amigos. A viagem de trem era muito exaustiva, eram dez horas de viagem, mas, mesmo assim, muito melhor do que de diligência.
Os preparativos eram muitos. Dona Celeste queria a casa impecável. As pratas lustradas, os lustres brilhando, os vidros bem limpos e os móveis e pisos bem encerados. Eram três mulheres espalhadas pela casa para fazer a limpeza no casarão.
Na cozinha as coisas estavam mais devagar, uma auxiliar tinha cortado a mão e estava sem poder trabalhar e tudo isso deixava Celeste muito preocupada,  que, por sua vez, estava deixando sua cozinheira, Maria, muito nervosa. Que enfim pediu a patroa:
-- Sozinha eu não vou dá conta, preciso de uma ajudante. Donana está doente, se a senhora deixar chamar a menina Leonor....
-- Faça como quiser Maria, mas eu acho que essa tal Leonor  mais atrapalha que ajuda... Ela é tão fraquinha.
-- Mas é bem mandada. Vou mandar o moleque ir lá a casa dela.
-- Que ela venha hoje mesmo.
Leonor  era neta de Ana (Donana) que a criara desde que a mãe morreu. Elas eram muito pobres, mas Ana sempre quis que sua neta estudasse e a matriculou nas aulas de Dona Clotilde que ensinava gratuitamente em sua casa os mais pobres.
Leonor era muito  magra, e seus colegas a apelidaram de magrela, o que a deixava muito triste. E para se sobressair aos colegas, ela estudava muito e tinha as melhores notas da escola. Ela era inteligente e muito esperta, porém muito fraca.
Nascera muito raquítica, pois sua mãe passou fome em sua gravidez e morreu logo após a menina nascer. Ela não sabia quem era seu pai, mas a avó com certeza sabia. Pois sua avó sempre dizia que ela tinha estirpe.
O moleque enviado por Celeste avisou Donana que a menina deveria ir logo para lá, era urgente.
Assim que Leonor chegou da escola Donana mandou a menina para o casarão, mas ela estava com fome e pediu a avó:
-- Deixa-me comer antes de ir, lá eles não dão comida nesta hora, só um pouco a noite antes de sair.
-- Pega um pedaço pequeno de pão e vai comendo no caminho.
Leonor saiu sem pressa, ia olhando as casas, que a medida, que chegava mais perto da praça  eram maiores e mais bonitas e os jardins bem cuidados e muito floridos.
Ela gostava de flores e muitas vezes, ela parava em frente das casas para apreciar o jardim. Mas logo era corrida, pois sempre achavam que ela queria roubar.
Quando chegou ao casarão Maria logo deu muitas tarefas para ela fazer até a hora de sair. Precisa terminar tudo para ganhar o prato de sopa no fim da tarde.
Leonor era muito cuidadosa com tudo, e deixou a cozinha brilhando. Maria se admirou e a premiou com um belo prato de sopa e um naco grande de pão. Recebeu seu parco pagamento e deveria voltar no outro dia pela manhã, e isso significava que perderia sua aula.
Ao chegar à casa a sua avó queria saber do pagamento dela, e Leonor entregou a ela as moedas que recebera. E sua avó exclamou:
-- Só isso! Ao menos te deram comida?
-- Sim, um prato de sopa e um pedaço de pão.
-- Amanhã deves receber mais, vais trabalhar o dia todo, lembra disso.
-- Sim, vou dormir estou cansada.
-- Vai minha querida... Vai.
Leonor lavou-se, trocou de roupa e deitou-se em sua cama estreita de colchão duro. Acendeu uma vela e pegou o livro para ler um pouco, Mas logo adormeceu.
Já fazia dias que Leonor não ia à escola por causa do serviço, Dona Clotilde foi procurar Donana para saber da menina.
Era dia de São José padroeiro da cidade e depois da missa teria uma quermesse, para angariar fundos para construção de um orfanato. Celeste e seu marido eram os patrocinadores da festa, e todos passariam o dia na festa da igreja.
Dona Celeste deu folga para suas criadas, para irem à quermesse. Voltariam ao fim da tarde para servir o jantar. Apenas Leonor ficou em casa, para esperar Ronaldo.
Estava um dia agradável e Leonor sentou-se nos degraus da porta da cozinha para ler seu livro. Estava tudo muito quieto, até os cães estavam deitados ali perto.
Ronaldo chegou, entrou na casa pela porta da frente e não encontrou ninguém na sala, espiou na biblioteca, no escritório de seu pai, passou pela sala de jantar e foi à cozinha e não viu ninguém. A casa estava vazia. Abriu e porta da cozinha que dava para o pátio e viu uma menina sentada e bem concentrada lendo um livro.
Ele ficou olhando para ela, admirando a cor de seu cabelo, que era de uma tonalidade castanha avermelhado. Ele se aproximou dela e a chamou em voz baixa para não assustá-la. Mas mesmo assim ela deu um pulo e virou-se rapidamente com os olhos arregalados.
Ele ficou pasmado com a beleza dela. Tinha um rosto angelical, feições delicadas e olhos de um azul intenso. Boca pequena e lábios carnudos.  E aquele cabelo ondulado adornando o rosto. Ela era linda demais!
Ela levantou-se e disse:
-- O senhor deve ser o filho de Dona Celeste que está para chegar. Eu estava lhe esperando Sr. Ronaldo. Devo lhe servir uma refeição. O senhor me dá licença.
Ela foi ligeira para a cozinha. E ele a seguiu. Sentou-se a mesa e a ficou observando. Ela logo alcançou seu prato servido com  fatias de carne e legumes.  E ela disse:
-- Vou arrumar a mesa da sala de jantar para o senhor.
-- Não precisa... Como é seu nome?
-- Leonor.
-- Nome bonito. Assim com tu.
Ela ruborizou e timidamente encostou-se na pia. E Ronaldo falou:
-- Eu vou comer aqui mesmo, e senta comigo, não gosto de comer sozinho. Faz um prato para ti também.
-- Não! Eu só posso comer sopa antes de ir embora.
-- Como é? Eu entendi certo? Não comes nada durante o dia?
Ele olhou para ela esperando uma resposta e ela apenas sacudiu a cabeça confirmando. Ronaldo ficou furioso. Isso era demais. E disse:
-- Te serve de um prato como o meu e senta aqui comigo para comer, e isso é uma ordem.
Leonor obedeceu. E ele começou a fazer perguntas a ela sobre sua vida. Ronaldo ficou impressionado com a educação da menina. Ela devia ser filha de alguém muito notável.
Maria chegou e os encontrou. Cumprimentou o Sr. Ronaldo e ralhou com Leonor por seu atrevimento de sentar e comer com o patrão. Mas Ronaldo defendeu a menina dizendo que a tinha mandado comer.
Leonor saiu para o pátio chorando. Foi bem para o fundo e encostou-se em uma árvore para esconder-se. Estava envergonhada.
Mas Ronaldo foi atrás dela e a encontrou, conversou com ela até que ela se acalmou e disse que ele falaria com sua avó para ser seu tutor, ia cuidar da educação dela. E queria descobrir quem era seu pai. Ele a levaria para casa. Ali ela não trabalharia mais.
E assim fez. Donana ficou nervosa, disse que precisavam daquele dinheiro e ela estava velha e doente e não podia mais trabalhar. Ele disse:
-- A senhora não se preocupe, eu cuidarei que não lhe falte nada. Mas sua neta está sendo maltratada na casa de minha mãe e eu não admito tal coisa. Se a senhora me permitir, depois do aniversário de meu pai, vou levar Leonor para uma escola de  moças e ela vai estudar e aprender a se portar em sociedade. Ela é uma moça especial, a senhora sabe, não sabe?
-- Sim, eu sei. Ela tem estirpe.
-- E a senhora não vai me dizer de quem ela é filha?
-- Não posso. Eu jurei a minha filha no seu leito de morte.
Leonor escutava a conversa e estava muito assustada. Nem conhecia aquele homem e ela a queria levar para longe de sua avó. E sua avó havia deixado. Ela não entendia...
Ronaldo entregou algum dinheiro a senhora e saiu. Depois que Ronaldo saiu Donana olhou para neta e disse:
-- Minha querida eu estou no fim. Não tenho mais forças e quando eu morrer o que será de ti? Esse moço quer te ajudar. Ele é de uma família direita, vai cumprir o prometido, eu acredito que tudo isso seja providencia divina.
-- E a senhora não vai me dizer quem é meu pai? Eu preciso saber...
-- Um dia saberás...
E Leonor ficou quieta pensando em todos os acontecimentos.
Quando Ronaldo chegou a casa de sua mãe, a confusão estava feita. Dona Celeste nem deu boas vindas ao filho, foi logo brigando, dizendo que ele não tinha nada a ver com as suas criadas, com o jeito que as coisas funcionavam.
Nisso chegou Rogério e provocou mais a mãe, dizendo:
-- Essa menina é muito bonita, eu já estava de olho nela, mas esse daqui chegou e foi mais ligeiro do que eu. Logo ele vai “papar” a moça.
Ronaldo ficou furioso e disse:
-- Tu és depravado demais. Não reconhece uma boa ação.
Celeste nesta altura estava aos prantos. Nunca imaginou seus filhos discutindo por causa de uma empregadinha. Era o fim do mundo. Saiu e foi para o seu quarto.
Seu Julio do escritório escutava tudo, mas nem se mexeu. Reconheceu que seus filhos tinham bom gosto, a menina era de fato muito bonita.
Ronaldo foi para o escritório conversar com o pai, e Rogério tomou o caminho da porta da frente. Saiu de casa.
-- Olá, meu pai. Como estás?
-- Bem, meu filho. Bom te ver. Diz-me, o que vais fazer com a moça?
-- Pai, eu conversei com ela e percebi que ela tem nobreza, em suas feições e no modo de ser. Isso é inerente a ela. Então vou tomá-la como pupila e cuidar de sua educação e tentar descobrir de quem ela é filha.
-- Mas ela será uma bastarda.
-- Eu sei, mas eu saberei que ela tem linhagem.
-- Estas te apaixonando?
-- Não! Só tentando fazer algo de bom.
-- Assim espero, porque do contrário, encontrarás muito preconceito. E isso vai te prejudicar...
-- Espero que não. Mas agora já falei com a avó da menina e vou cumprir o prometido. Ao menos fazer com que ela estude e tenha um futuro melhor.
-- Deus te ajude.
A festa de cinqüenta anos de Julio, reuniu a sociedade local. Muitas moças em idade de casar foram apresentadas a Ronaldo, que educadamente conversou e dançou com algumas delas. Mas nenhuma mexeu com ele. Em seu pensamento estava Leonor.
Antes de ir embora Ronaldo teve uma discussão com sua mãe, que estava indignada com a atitude dele em relação à Leonor, que era uma moça sem nome, sem família e sem posição social. Ela por fim disse:
-- Se continuares com essa história eu não te perdoarei jamais.
-- Esta bem, minha mãe, a consciência é sua.
E depois disso ele saiu. Foi até a casa de Donana para estabelecer a data em que mandaria pegá-las. E  Donana perguntou:
-- Eu vou também?
-- Sim. Vou colocá-la na Casa de Beneficência administrada pelas Irmãs Franciscanas. Um bom lugar para a senhora, com médico para lhe assistir. Que ficará perto de Leonor.
-- Que Deus o abençoe por sua caridade.
Ele despediu-se e foi para a estação tomar o trem. Durante a viagem ele não conseguiu pensar em outra coisa que não fosse Leonor. Chegou   a fazer uma relação de coisas que a moça iria precisar. Que seriam:
- roupas
-- acessórios: luvas, chapéus, sapatos, bolsas.
-- fazer sua matricula no Colégio Sagrado Coração de Jesus, ficaria interna, podendo sair aos domingos para visitar sua avó. E claro ele a visitaria uma vez por mês.
-- deveria também aprender francês e inglês. Além de literatura e música, canto e piano. E aulas de bordado também eram necessárias.
-- bons livros para ela ler.
Sim isso a deixaria em condições de freqüentar a sociedade. Ele a apresentaria, pois ela era sua pupila.
Quando Ronaldo chegou a Vilar logo foi providenciar todas as coisas, e  enviou o casal, Joaquim e Idalina, que trabalhavam para ele para irem buscá-las em Alegro.
Leonor ficou muito feliz com os presentes que Ronaldo enviou para ela e sua avó. Elas agora tinham roupas decentes para viajar. No outro dia tomariam o trem. Ela estava ansiosa com tudo, nunca tinha saído de Alegro e viajar de trem era seu sonho. Tinha muito que agradecer a esse homem maravilhoso.
Ronaldo também estava irrequieto e foi esperá-las na estação. Quando ele a viu com aquele vestido azul que ele tinha escolhido pensando na cor de seus olhos, ficou maravilhado com o que viu. Ela estava linda e muito elegante, ela tinha porte de rainha.
primeiro deixaram Donana na Casa de Beneficência, que ficava muito próxima da escola. Ela foi muito bem acolhida pelas irmãs, que a conduziu ao quarto em que ela moraria.
Era uma peça bem arejada e ensolarada, era bem mobiliado e oferecia conforto. Uma cama boa, mesa de cabeceira, armário, uma cômoda, duas poltronas, um lavatório e uma mesa redonda com duas cadeiras.
Leonor quando viu tudo isso ficou com os olhos cheios d’água. Esse era um luxo que sua avó merecia. Olhou para  Ronaldo e sorriu agradecida.
Depois Ronaldo a levou para o colégio, onde ela ficaria interna. Ela teria aulas no turno da manhã e tarde. Seu quarto também era bem confortável, e ela teria privacidade. Eram poucas as moças que ficavam em quarto individual, pois era muito caro. A maioria ficava em quarto triplo.
Leonor adorou! Não se conteve e deu um abraço de agradecimento em Ronaldo. Logo ele saiu prometendo vir visitá-la no próximo domingo. No outro dia enviou para ela os livros e as roupas que havia comprado. Também Donana recebeu roupas e acessórios.

Ronaldo voltou a sua rotina de trabalho. Tinha aberto em sociedade com um colega um escritório de advocacia. Alberto e ele se tornaram bons amigos durante a faculdade e decidiram trabalhar juntos.
Alberto estava noivo de Margarida, uma moça bem nascida, simpática, mas que não tinha beleza, apenas muito dinheiro. E Ronaldo às vezes pensava que seu amigo estava atraído pela fortuna.
Conforme combinara no domingo, após a missa, Ronaldo foi pegar Leonor para ir almoçar com ele em sua casa. Havia convidado o doutor Almir, que era seu amigo  e seu médico. Ele queria que Almir fizesse uma avaliação do estado geral dela.
Ronaldo morava em um sobrado rodeado por um jardim bem cuidado. Ele gostava de flores e algumas manhãs por semana, ele se dedicava ao cultivo delas.
Leonor quando viu o jardim, falou:
-- Que jardim lindo! Bem florido! Eu gosto muito de flores..
-- Verdade? Eu também, e costumo dar atenção as flores sempre que posso. Claro que tem o jardineiro, mas as flores são minhas...
-- Parabéns! O senhor faz um bom trabalho.
Ronaldo não pode deixar de dar um sorriso aberto, quase uma gargalhada que a deixou encabulada. Ele a tomou pela mão e a levou para dentro da casa. E Leonor também fez observações sobre a beleza do interior da casa. Ela era muito observadora, e tinha bom gosto, pensou Ronaldo.
O almoço transcorreu sereno, com uma conversa tranqüila entre eles. E Ronaldo pode perceber que ela sabia portar-se a mesa. Ficou intrigado, será que ela já tinha aprendido na escola em tão poucos dias?
Depois do almoço passaram para a sala para tomarem o café, e ela os serviu com elegância. O que intrigou mais ainda a Ronaldo. Ele teria que perguntar a ela...
Então Ronaldo disse a Leonor:
-- O Almir é médico e eu pedi a esse meu bom amigo que fizesse uma avaliação de tua saúde.
-- Mas eu tenho boa saúde, nunca fico doente...
-- Sim, mas tu és muito magra e fraca, ele precisa avaliar tua estrutura óssea. Pode ser agora?
-- Sim.
Então Ronaldo levantou-se e  conduziu Leonor para o seu escritório e Almir o seguiu. E a deixou com o médico, saiu e fechou a  porta. Foi para sala de estar, ascendeu um cigarro e ficou a andar pela sala.
Depois de um tempo o eles retornaram e Almir disse que ela precisava de uma boa alimentação para ganhar peso, seus pulmões estavam bem. Mas a estrutura dela era pequena.
Ronaldo ficou mais descansado com o que seu amigo falou. Almir pediu licença e se retirou. Ronaldo olhou o relógio e já estava na hora de levá-la de volta a escola. Mas antes foi buscar um  presente que tinha comprado para ela. Ela agradeceu e abriu, era uma caixa grande cheia de doces e bombons. Ela sorriu e agradeceu.
Quando eles  retornavam ele perguntou a ela onde ela havia aprendido as boas maneiras a mesa. E ela disse:
-- Minha avó sempre me ensinou, ela trabalhou em casa de rico, e dona Clotilde também, e ela até me deu um livro sobre Etiqueta, e eu aprendi.
-- Interessante...
Antes de Ronaldo despedir-se dela, ela pediu que ela lhe escrevesse todas as semanas, pois queria saber de seu progresso. Ele viria vê-la apenas uma vez por mês. Ela anuiu, mas ficou triste, disse a ele que sentira saudades dele.
Como ele havia pedido, Leonor escrevia semanalmente para ele, contando sobre suas aulas e seu progresso, e finalizava sempre dizendo que se sentia muito só.
Passados uns dias, Ronaldo recebeu em seu escritório um comunicado da Casa de Beneficência,  informando que D. Ana havia falecido durante o sono. Uma morte tranqüila, uma vez que ela não apresentava doença alguma.
Ronaldo saiu e foi tomar toda as providencias necessárias para o sepultamento da senhora, e só depois, iria até a  escola buscar Leonor. Quando chegou a Casa de Beneficência pediu para doar todas as roupas de Donana, e só guardaria para sua neta algo mais pessoal. Mas a enfermeira lhe entregou uma pequena caixa, dizendo que aquilo foi a única coisa que encontrou no quarto dela. Ronaldo agradeceu e pegou a caixa e levou para sua casa. Iria almoçar  primeiro.
Leonor não se conformava com a morte da avó. Ela estava sozinha no mundo. E Ronaldo emocionado com a sensibilidade da moça, a abraçou e consolou dizendo:
-- Tu tens a mim. Nunca vou te deixar só.
Apenas Ronaldo e Almir estavam junto de Leonor no velório da avó.
Dois dias depois Ronaldo resolveu abrir a caixa de Donana. Ali continha um livro de orações, um terço, um crucifixo, e a certidão de nascimento de Leonor e bem no fundo um envelope  escrito: ABRIR SÓ APÓS A MINHA MORTE.
Então como advogado, Ronaldo achou que poderia abrir aquele envelope que não estava endereçado a ninguém. Começou a ler a carta e ficou espantado com o seu conteúdo. Depois de lida ele a guardou novamente na caixa junto com os outros objetos.
Pegou uma folha de papel e um lápis e fez algumas anotações. Saiu e foi visitar seu tio Jorge, irmão de seu pai. Ele sempre foi muito ligado ao tio, desde pequeno, e Jorge e Augusta, o consideravam como filho, pois só tinham duas filhas.
Cumprimentou o tio e foi logo perguntando:
-- Tio, o senhor conheceu o Barão de Basset?
-- Sim, éramos bem amigos, embora ele fosse mais velho do que eu.
-- Me fale dele...
-- O que queres saber? E por quê?
-- Nada, apenas me fale.
-- Bem ele era um homem muito rico, casou com uma prima, muito bonita, mas também muito fria e arrogante. Ele não tinha um casamento feliz, e ela  estéril e não  tiveram filhos ... Mas ele era uma boa pessoa, gostava de conversar, de contar piadas, era muito alegre, um bom companheiro.
-- E para quem ficou a fortuna dele?
-- Bem, ele teve um amor em sua vida, e ele sabia que a moça estava grávida quando foi enxotada por sua esposa. E ele deixou em testamento, que a metade de tudo que ele possuía seria desse filho ou filha se um dia aparecesse. E eu sou o tutor designado e administro os bens.
-- Hum... E como identificar essa pessoa como herdeiro ou herdeira?
-- Essa pessoa deve ter uma foto autografada por ele, e com a data da saída da moça da casa dele. Esta anotada no testamento.
-- E essa moça trabalhava para ele?
-- A mãe dela era governanta da família, inclusive a moça estudou, a Ana queria uma vida melhor para a filha, que era muito bonita, e que segundo informações, também era filha de gente de renome. Tinha um cabelo maravilhoso, num tom avermelhado... O barão se apaixonou pela moça e tomou para amante. Ana não gostava daquela situação, sabia que era errada e se a patroa as descobrisse estariam arruinadas, não encontrariam mais trabalho.
-- Obrigado tio. Voltaremos a conversar sobre isso. Que ir almoçar domingo lá em casa?
-- Vou sim, obrigado. Ando me sentindo muito só depois que Augusta foi visitar sua irmã. As filhas e netos pouco vejo, elas tem seus compromissos.
-- Está. Vou esperá-lo. Até mais.
Ronaldo foi para casa, precisava encontrar a tal fotografia que ele não tinha visto na caixa. Chegou e foi direto para seu escritório. Abriu a caixa, tirou tudo que havia dentro e não encontrou a foto, então procurou por fundo falso, mas também não achou.
Ele não conformou, pegou novamente a caixa e começou a passar o dedo por tudo, até que viu que no forro da tampa tinha uma saliência. Com cuidado cortou o tecido e encontrou a foto. Virou para ver o verso e ali estava a assinatura do barão com a data de 14 de abril de 1888.
Ronaldo mandou avisar Leonor que iria pegá-la cedo, pois a levaria a missa e depois para almoçar em sua casa.
Leonor se arrumou, e colocou um vestido verde bem escuro, que era o mais sóbrio que tinha para vestir, porque estava guardando luto. Embora ela estivesse ansiosa para ver Ronaldo, ela não deveria mostrar alegria, pois o luto não permitia.
Mas ela estava graciosa mesmo assim. E Ronaldo viu que ela tinha um brilho no olhar, apesar das feições  estarem séria. E ele não deixou de fazer um elogio:
-- Estás muito bem, não mais tão magra. Estás muito bonita.
-- Sim eu já engordei um pouco. Até tive que arrumar algumas roupas.
-- Não precisa fazer isso. Essa semana vou te levar a modista para escolher roupas novas e arrumar as que precisam alargar.
-- Obrigada, é muita gentileza sua.
-- Vamos...
Depois da missa eles chegaram a casa dele e Leonor preferiu ficar no jardim apreciando as flores, estava uma manhã ensolarada, e eles sentaram em um banco do jardim. Ali permaneceram até o tio Jorge chegar.
Ronaldo foi ao encontro do tio e alegre lhe disse>
-- Venha quero lhe apresentar a Leonor.
-- Senhorita! Encantado.
-- Senhor...
Vamos entrar... No sol está quente...
Sentaram a sala e Ronaldo serviu uma bebida ao tio. Sentou  de frente para o tio e Leonor estava em uma poltrona entre eles. E enquanto conversavam Ronaldo reparou que o tio não parava de olhar para ela.
Durante o almoço o tio Jorge elogiou a cor do cabelo de Leonor e observou que ele havia conhecido uma moça com o cabelo muito parecido com o dela. E perguntou:
-- Como se chamava tua mãe?
-- Letícia. Mas eu não a conheci, ela morreu quando eu nasci.
-- Hum... Letícia!  Resmungou o tio.
Depois do almoço Ronaldo pediu que Leonor fosse para biblioteca, escolhesse um livro pra ler, pois os homens precisavam conversar no escritório.
Ronaldo fechou a porta, virou para o tio que o mirava atônito.
-- Onde a encontraste?
-- Causalidade...
Ronaldo abriu a caixa e mostrou para o tio o seu conteúdo.
-- Ela é muito parecida nas feições, com a irmã barão. Mas o cabelo é como de sua mãe.
-- E agora que faremos...
-- Primeiro me conte como a conheceste...
E Ronaldo relatou para o tio tudo o que se passou desde o aniversário de seu pai. Jorge escutou tudo com atenção e por fim afirmou:
-- Tu estás apaixonado por ela, meu rapaz.
-- Talvez... Ela tomou conta de meus pensamentos, mas ainda é muito jovem...
Jorge disse ao sobrinho que daria encaminhamento ao reconhecimento dela como filha do barão, pois a prova era verdadeira. E ficaria de tutor dela até ela completar dezoito anos. Mas que era bom não falar nada ainda para ela.
O tempo passou e Ronaldo estava cada vez mais enamorado dela, não falava nada para ela, mas com certeza demonstrava em seu olhar. Ela em suas cartas dava indicio de que também o amava.
Ela tinha se tornado uma moça muito bonita, atraente e culta. A Madre superiora tinha tecido muitos elogios a ela, em todos os sentidos. Era sem duvida a melhor aluna da escola. Apenas sempre muito solitária.
Era domingo e ela a levou a passear no parque, fariam um pic-nic. Estava um dia muito agradável e Leonor estava deslumbrante em seu vestido verde mar, enfeitado com rendinhas brancas. Ronaldo estava muito orgulhoso de ser seu acompanhante.
Sentaram em um banco a sombra frondosa de uma árvore e ficaram conversando, e de repente Leonor diz:
-- Logo terminarei os meus estudos, e terei que deixar a escola. Onde irei morar?
-- Estou pensando nisso. Eu gostaria muito que tu fosses morar em minha casa, mas isso daria margem a falatórios. O que não convém, pois precisas preservar a tua honra.
--  Ora, eu nem tenho família.
-- Mas terás. Não gostarias de casar um dia?
-- Certamente... Mas... Com quem?
-- Comigo.
Leonor arregalou os olhos e sorriu para ele, de uma maneira que o deixou sem fôlego. E disse:
-- Com o senhor?  Eu quero.
-- Leonor eu gosto muito de ti, e quero muito te fazer feliz, eu quero casar contigo. Mas tu não és obrigada a isso. Para ser feliz no casamento deves querer bem o teu marido... Deves  ter amor...
-- Eu tenho. A minha felicidade é estar com o senhor, até fiz uma poesia sobre a dor em meu coração  solitário.
-- Gostaria de ler... Mas tu deves conhecer outros rapazes para poder escolher aquele que mais te agrada.
-- O senhor me agrada.
-- Não me chame mais de senhor.
-- Tu és o meu escolhido. Tenho-te amor desde o dia que me defendeste em casa de tua mãe.
-- Mas eu peço que pense sobre isso. Eu quero organizar uma festa para te apresentar a sociedade. Tu és linda, terás muitos pretendentes.
-- Tu não me queres...
-- Eu te  quero muito... Mas preciso te dar a chance de escolher. Vou falar com tio Jorge para ires morar em sua casa quando saíres da escola, é mais conveniente para ti. Tia Augusta vai gostar muito de ti.

Ronaldo estava louco por ela e precisou de muito controle para não pega-la em seus braços e a beijar com paixão.
Ele a levou de volta a escola e prometeu ao despedir-se que voltaria no próximo domingo.
Procurou seus tios e falou de seus planos a eles. Tia Augusta foi logo dizendo:
-- Será uma alegria ter uma jovem aqui em casa. Mas acho que deves pensar em fazer uma festa de noivado, e não de apresentação a sociedade.
-- Por quê?
-- Se tu a amas deves protegê-la  dessa sociedade preconceituosa.
-- Concordo. – disse Jorge.
-- Mas  não seria querer impor o meu amor a ela?
-- Meu querido, - disse tia Augusta- ela já disse que te ama. Tu não acreditas no amor que ela diz nutrir por ti?
Ronaldo não respondeu, ficou pensando, e depois de algum tempo disse:
-- Eu acredito. Vamos fazer a festa de noivado. No próximo domingo decido com ela.
-- Traga ela para almoçar conosco. Quero conhecê-la. - falou tia Augusta.
A semana passou rapidamente e Leonor se arrumou com cuidado, queria muito agradar Ronaldo. Escolheu o vestido azul claro que ele gostava, prendeu o cabelo com uma fita da cor do vestido e abriu um sorriso lindo quando ele chegou. E Leonor foi logo dizendo:
-- Eu pensei, e sei o que não quero...
-- O que não queres?
-- Conhecer outros rapazes.
-- Está bem. Queres uma festa de noivado?
-- De noivado? Só se for contigo.
-- Eu te amo minha pequena, vamos anunciar nosso noivado.
Ela pulou em seu pescoço, sem se importar que estivessem em lugar publico e baixinho falou:
-- Obrigada. Eu te amo muito...
E ela a tomou pela mão e foram alegres para casa do tio.
Os dois chegaram irradiando felicidade, Augusta os abraçou com alegria e tio Jorge olhava com ternura para o jovem casal. Almoçaram e após enquanto os homens conversaram Augusta levou Leonor para conhecer o seu futuro quarto, que era bem mobiliado e amplo. Na semana seguinte ela viria morar ali, até o seu casamento.
Escolheram o dia do aniversário de dezoito anos para fazer a festa, que seria na casa de Jorge e Augusta. Resolveram fazer uma festa mais restrita apenas para a família e amigos mais próximos.
Augusta foi com Leonor escolher um vestido para ela. Escolheu um modelo em musselina e na cor branca e bordado no corpete com pequenos ramos de flores nas tonalidades rosa e azul claro. O modelo era cintura alta e dessa forma alongando sua silueta.
Leonor estava linda e seus olhos brilhavam de tanta felicidade. Ronaldo estava feliz e apresentava a noiva com muito orgulho.
Embora sua família tenha se recusado a vir e aceitar a moça como noiva dele, Ronaldo estava alegre e tranqüilo e festa transcorria naturalmente. Estava rodeado de pessoas de bem, pessoas amigas.
Leonor foi muito assediada por todos, e cada um queria um minuto de sua atenção e ela soube atender a cada pessoa com fineza e com graciosidade. Ela sabia portar-se em sociedade.
Muitos procuraram conversar com Jorge para saber mais acerca dela. E Jorge dizia a todos que ela era a filha reconhecida do barão Basset. Alguns ficaram boquiabertos...
Na semana seguinte a festa, a crônica social do jornal  A NOTICIA , se referiu a ela como a bela herdeira do barão, que apesar de ser linda e educada, não deixava de ser uma bastarda. E que a sociedade não estava acostumada a conviver com esse tipo de pessoa.
Ronaldo quando leu o jornal ficou furioso. Ele era um advogado bem conceituado, seu escritório atendia as melhores famílias e ele sempre foi  benquisto na sociedade.
Ele estava no escritório e saiu, andou um pouco e foi para a casa de seu tio. Seu o levou direto para o escritório, precisavam conversar. E sem rodeio perguntou ao sobrinho:
-- E agora?
-- Tio esse mundo é cruel, mas não vou abrir mão da felicidade, vou casar com ela, sim!
-- És corajoso. Mas precisas saber que teu escritório sofrerá boicote...
-- Eu sei, mas com o tempo tudo deve ser esquecido. Não pretendo freqüentar mais a sociedade, me satisfaço com um pequeno grupo de amigos, senão isso, ela me basta.
-- Muito bem. Eu te apoio. Vamos em frente.
-- Só espero que ela não fique sabendo dessa noticia.
-- Ela já sabe. E ela ficou muito preocupada contigo, a represália a tua pessoa.  Ela é forte, não se abala facilmente, e acrescentou, não vou precisar deles para ser feliz. Ronaldo é tudo para mim.
-- Eu sei que ela é muito forte, e ela já sofreu muito nesta vida por preconceito.
-- E essa gente é mesma que se diz cristã.
-- Vou encaminhar a licença de casamento e vamos casar o mais breve possível.
-- Faz isso.
O casamento foi marcado para dali a vinte dias. Tia Augusta saiu às lojas para comprar e mandar fazer as peças para o enxoval de Leonor. Muita coisa teria que encomendar.
Ronaldo quis fazer um casamento simples, na parte da manhã e após um almoço apenas para os padrinhos. Os noivos sairiam em lua de mel naquela noite, tomariam um navio e fariam um cruzeiro. Ficariam fora dois meses.
Ela estava encantadora quando entrou na igreja pelo braço de tio Jorge. Ela sorria e seus olhos brilhavam de tanta felicidade. Ronaldo ficou deslumbrado com sua formosura.
Embora eles não tivessem muitos convidados, a igreja estava repleta de curiosos, que se encantaram com a beleza da jovem, da felicidade que irradia do casal de noivos.
No outro dia os comentários foram muitos e todos tecendo elogios graça da noiva e  a felicidade do jovem casal que até na crônica social foi citado.
Ronaldo estava a cada minuto mais apaixonado por sua esposa, que, se revelou muito carinhosa e ardente. Sua noite núpcias  tinha sido maravilhosa,  pois ela se  mostrou uma aprendiz notável. E as noites foram de  troca de beijos e caricias e para atingir o clímax do ato de amor.
Quando o casal retornou, todos repararam na mudança que houve em Leonor, não só física, pois ela havia desabrochado e se tornara uma mulher muito sensual. Mas também no jeito de ser. Agora estava mais segura de si, e agia com desenvoltura.
Ronaldo disse ao tio:
-- Estou feliz, ela me faz muito bem. E tem se revelado uma mulher consciente de sua posição na sociedade e não vai se submeter aos caprichos de meia dúzia de hipócritas.
-- Sim dá para notar que essa viagem fez muito bem a ela. Fico satisfeito.
Ronaldo estava preparado para uma queda na clientela de seu escritório, e quando retornou a rotina pediu a seu amigo e sócio que o atualizasse dos fatos e noticias.
Alberto contou que alguns clientes tinham conversado com ele sobre a “bastarda”, mas que ninguém tinha deixado de optar por seus serviços. E foi bem sincero, inclusive contando que Margarida, sua esposa, queria que ele deixasse a sociedade, mas que ele havia sido firme em valorizar a amizade que existia entre os dois. Ronaldo agradeceu a lealdade.
Os dias passavam e Leonor tinha organizado uma rotina de vida. As manhãs ela ficava em sua sala de estar, na sua secretária escrevendo poesias. A tarde saia para uma caminhada, sempre acompanhada de sua criada.  A noite o casal se encontrava e jantavam e conversavam, liam ou escutavam musica. Aos sábados iam ao teatro. No domingo sempre tinham convidados para o almoço.
Eles iam mudar para a antiga casa do barão, que era maior, mais confortável e melhor situada. Leonor estava redecorando, modernizando cozinha e banheiro e, sobretudo a ala dos empregados. Queria que todos tivessem conforto.
A casa ficou linda e o jardim era imenso, com vários canteiros de flores que ela e Ronaldo gostavam de cultivar.
A curiosidade sobre Leonor e Ronaldo era grande. Eles haviam se retirado da sociedade, viviam bem e demonstravam riqueza e felicidade. Agora todos os convidavam para as festas. Mas Leonor educadamente recusava todos os convites.
Ela resolveu publicar suas poesias e Ronaldo a incentivava. Escolheu um pseudônimo de Isis. Seu primeiro livro foi um sucesso.
Rogério veio passar temporada em Vilar e hospedou-se na casa de seu irmão. Nem Ronaldo e tampouco Leonor estavam satisfeitos com a intromissão do rapaz na intimidade de seu lar.
Leonor tinha se tornado uma mulher muito bonita, elegante e polida. E Rogério visivelmente apreciava a beleza de sua cunhada de maneira tal que a deixava constrangida, sobretudo na frente do marido.
Os olhares de Rogério para Leonor eram lascivos, e seu comportamento a cada dia mais ousado, que deixava os empregados alarmados.
Leonor queixou-se ao marido, que não deu muita importância, alegando que ele não passava de uma criança grande. E que logo ele iria embora, e eles voltariam à rotina de suas vidas.
Mas o fato, era Ronaldo passava menos em casa, à noite após o jantar sempre tinha um compromisso, e deixava Leonor na companhia do irmão.
E surgiram falatórios de que o casal não estava mais tão apaixonado. Que ele tinha uma amante, uma jovem viúva, a qual visitava todas as noites, enquanto sua esposa ficava com seu jovem e atraente irmão. Leonor estava entristecida e se confinou em seu quarto.
O tempo correu e a situação continuava a mesma, e o casal a cada dia mais distante um do outro. Leonor cheia de dúvidas em relação a fidelidade do marido, pois fazia muito tempo que ele não a procurava mais para fazer amor e nem para simplesmente vê-la.
E Leonor adoeceu. Uma grande tristeza se abateu sobre ela. Ainda escrevia suas poesias que agora versavam sobre a infelicidade no amor. Mais um livro publicado com sucesso.
Tia Augusta foi visitá-la e ficou assustada com seu aspecto. Saiu e foi ao escritório de Ronaldo e o censurou pela falta de zelo para com sua esposa. E muito indignada Augusta perguntou:
-- Ronaldo me diga, onde está aquele amor que nutrias por ela?
-- Mas eu a amo...
-- Quando a viste pela ultima vez?
Ele abaixou a cabeça e não respondeu.
-- Com sinceridade me responda, é verdade que tens uma amante?
-- Não, eu tenho parado pouco em casa, sim. Mas nunca trai minha esposa.
-- Então por que  estas afastado dela?
-- Porque ela prefere meu irmão...
-- O quê?
-- Sim, ele a olha de tal maneira que eu não suporto... Inclusive ele me disse que ela o provoca...
-- Mas ela nem sai mais do quarto, ela está doente, fraca e triste. Queres ficar viúvo?
-- Não!
-- Então manda teu irmão embora, ele só está perturbando a vida de vocês. Não entendo porque ainda não tomastes uma atitude?
-- Ela é tão linda, e todos os homens a olham com cobiça.
-- Mas ela é tua mulher. Se não tomares providência, irá perdê-la.
Tia Augusta foi embora e Ronaldo ficou pensando  em como livrar-se do irmão, que não queria mais ficar em Alegro, e não tinha como se sustentar, pois brigara com seu pai.
Resolveu alugar um quarto em uma pensão para ele, o qual pagaria para o irmão com a condição de ele estudar e trabalhar meio turno no escritório. Se não quisesse teria que voltar para Alegro. Rogério não gostou da idéia, protestou, mas por fim teve que aceitar.
No dia que Rogério deixou sua casa, Ronaldo saiu mais cedo do escritório, passou na florista e na joalheria e foi para casa. Teria que reconquistar a confiança de sua esposa.
Ela bateu a porta de seu quarto e entrou e viu Leonor sentada em uma poltrona com um roupão azul, cabelos soltos e os olhar mais triste que ele já havia visto. Doeu em seu coração.
Ele sentou-se diante dela e falou:
-- Essas flores são para ti minha querida.
-- Obrigada. – Ela pegou o ramalhete, olhou e colocou em cima da mesa, cruzou os dedos no colo e ficou de cabeça baixa.
-- Olhe para mim... Sei que errei, peço perdão. Não devia ter deixado que a presença de Rogério interferisse  em nossa vida. Mas agora ele já foi. Vamos retomar...
Leonor apenas olhou para ele. Ela estava machucada demais... Não dava para simplesmente retomar a vida. Não!
Ronaldo levantou-se e ficou a andar pelo quarto. Ele não sabia como remediar a situação. Ele era um idiota. Mas resolveu insistir.
-- Meu amor,  vamos viajar...
-- Para quê? Só vai mudar a paisagem.
-- Eu te trouxe isso...
Leonor pegou a caixa e abriu, era um lindo anel de esmeralda.
-- Obrigada! Mas isso não vai resolver nossos problemas, isso o dinheiro paga, algumas coisas não tem preço.
Ronaldo sentou novamente e baixou a cabeça e chorou. Mas Leonor não se comoveu. Ela a abandonara em sua própria casa, por seis longos meses, nem a procurava como mulher. E os boatos chegaram aos ouvidos dela. Ele tinha uma amante, uma jovem viúva. Mas ela não iria perguntar a ele sobre isso. Seria se rebaixar demais. Ela estava sofrendo uma dor imensa, mas tinha dignidade. Então ela disse:
-- Por favor, estou com dor de cabeça, deixe-se só.
--Ele saiu... E ela deixou seu pranto rolar.


Ronaldo foi para a biblioteca, precisa pensar e rever alguns pontos. Serviu-se de uma bebida e sentou-se na poltrona. Fechou os olhos e foi rememorando alguns fatos.
Lembrou-se que logo que o irmão  chegou ele referiu-se  e ela como uma mulher bonita e apetitosa. Depois insinuou que ela tinha o provocado, inclusive, lembrando a ele que tinha casado com uma empregadinha, e por isso não podia esperar outro comportamento dela. Ronaldo naquele dia havia saído de casa muito aborrecido, porque o irmão tinha menosprezado sua mulher, e ele não fora capaz de defendê-la, mostrando que também tinha preconceito. E Rogério também havia dito que ela tinha pedido que ele a beijasse, porque o achava muito bonito e atraente.
Ele estava ferido, se tudo isso fosse verdade, não tinha mais conserto o seu casamento. Mas como saber?  Será que seu irmão era tão cretino a ponto de arquitetar situações constrangedoras?
E Ronaldo passou a noite toda ali... Estava chocado com os acontecimentos. Mas precisava tomar uma atitude... Mas qual?

Na realidade ele se omitira, deixara seu irmão permanecer tempo demais em sua casa. E ele fez um grande estrago em seu casamento. Ronaldo reconhecia sua culpa. Não sabia por que agira dessa forma, parecia que tinha sido hipnotizado, que estava sob comando de outra pessoa, e simplesmente, não agiu como um marido que ama e protege sua esposa e seu lar.
Mas o que Ronaldo não sabia era que Leonor estava mais machucada por saber que seu marido a estava traindo. Isso doía demais em seu coração, e ela não seria capaz de perdoá-lo.
Depois de muito pensar resolveu conversar com Leonor. Deveria ser uma conversa aberta e franca. Precisavam expor seus sentimentos com sinceridade.
Ele procurou a governanta e pediu que arrumasse o desjejum para os dois na sala intima do casal.
Ronaldo foi tomar um banho, trocar de roupa para se apresentar a esposa de modo apreciável, pois seu aspecto estava lastimável. Embora ele tivesse bem vestido seu rosto apresentava marcas de uma noite sem dormir, com os olhos fundos.
Leonor atendeu ao pedido do marido, vestiu-se com simplicidade, prendeu seus cabelos num coque na nuca, e ela também estava abatida, com aspecto doentio.
Ronaldo quando a viu percebeu que ela também não havia pregado o olho. Ele aproximou-se dela, deu um beijo de bom dia em sua testa e sentou-se a mesa. Eles quase não tocaram na comida. Mas comeram em silêncio.
Após tomarem o café, Ronaldo disse a Leonor que eles precisavam conversar para resolver de uma vez por todas aquela situação que estava se tornando insustentável.
Então ele começou a falar sobre tudo o que ele havia refletido, abriu seu coração diante dela, com sinceridade e humildade. Ela o escutou, concordou com alguns fatos, e defendeu-se dizendo que jamais havia se insinuado para Rogério, que inclusive um dia ele a pegara a força e a beijara, e que Genoveva, a governanta tinha visto a petulância dele. Ronaldo comentou:
-- Eu acredito em ti. Não preciso confirmar com Genoveva. E tu acreditas em mim?
-- Ainda não me falastes tudo...
-- O que faltou?
-- Faltou falares sobre o teu procedimento, sobre a tua fuga de casa. Para onde ias quando não vinhas dormir em casa?
-- Passei muitas noites no escritório.
-- Todas?
-- Sim... Aonde mais eu iria?
-- Não sei alguma viúva...
-- Não é possível que tu acreditasses nesse falatório... Eu realmente tenho uma cliente que enviuvou recentemente, e eu estive duas vezes em sua casa para tratar de assuntos profissionais. Ela estava ainda muito abatida e me pediu para ir até a sua casa. Apenas isso.
-- E então...
-- Então, o quê? Não sei aonde queres chegar...
-- Não houve nem um flerte entre vocês?
-- Não! A coitada estava arrasada com a morte do marido.
Leonor olhou para ele e suspirou aliviada. Ele se aproximou dela e tomou suas mãos e disse:
-- Eu te amo, jamais procuraria outra mulher.    Eu quero e eu necessito é de ti. Somente tu me atrais e tu me fazes vibrar. Eu sei que te magoei profundamente em permitir que meu irmão ficasse hospedado aqui, sei que não agi de maneira correta, mas trair... Nunca... Jamais.
Leonor começou a chorar, e ele a abraçou e a beijou. Mas ela ainda não estava pronta. A ferida era profunda, ele entendia que precisa dar um tempo para poder retomar a sua intimidade. Mas não desistiria, iria conquistá-la outra vez.

Tia Augusta permanecia preocupada com Leonor, que continuava abatida. Mesmo depois da conversa aberta que tivera com Ronaldo. Por isso ia quase todos os dias até sua casa para vê-la. E numa dessas visitas Augusta olhou para Leonor e disse:
-- Tu sabes que eu te quero como uma filha. Já vivi muito, sou casada há muitos anos, e não é bom o casal ficar em crise constante. Vocês já conversaram, Ronaldo desculpou-se por sua omissão, e te falou a verdade sobre a tal viúva. Eu sei que ele falou a verdade porque eu mesma havia perguntado a ele, e eu o conheço muito bem, ele não costuma mentir. Ele é honesto e te ama muito. Queres jogar tudo fora?
-- Não! Só que...
-- Nada de só que... Deixa de ser tão detalhista. Seja uma esposa alegre e gentil, carinhosa e sensual. Isso agrada ao marido, e o conserva perto de ti. É isso que queremos. Vocês se amam estão perdendo tempo, a vida passa muito ligeira...Não deixes o orgulho falar mais alto, vai luta...Vocês se amam. Aceita, minha querida, os meus conselhos. Agora depois que eu sair, toma um banho, te perfumas, veste uma roupa bonita e o espera com um sorriso. Manda fazer para o jantar algo que ele goste, enfim, agrade a teu marido. Eu vou indo tens muito que fazer.
E tia Augusta levantou-se deu um beijo em sua face e foi embora. Saiu aliviada, disse a ela o que ela precisava saber. Leonor era inteligente e esperta, iria seguir o seu conselho.
Leonor resolveu acatar a sugestão de tia Augusta. Chamou Genoveva e disse que arrumasse a mesa para eles na sala de jantar, que a enfeitasse com flores e fizesse uma boa comida. Ela queria que Luiza lhe preparasse um banho. E saiu para escolher um vestido.
Genoveva saiu batendo palmas, graças ao bom Deus sua patroa estava dando sinais de que estava melhor. Preparou tudo com Leonor pedira.
Era hora de Ronaldo chegar e para sua surpresa Leonor o estava esperando no jardim. Estava um fim de tarde quente e ela estava linda.
Ele a abraçou e a beijou sem se importar que alguém pudesse vê-los. Entraram de mãos dadas e foram para a sala de estar tomar um aperitivo, enquanto esperavam o jantar. Foi uma noite sublime, que terminou com eles se amando com antes, se envolvendo em caricias.
Estava próximo ao Natal e Ronaldo propôs que eles fossem viajar, ela concordou, mas queria ir para um lugar sossegado. Escolheram ir para a Europa.
Ronaldo estava feliz, estavam voltando a ser como eram antes.  A viagem fez muito bem. Quando voltaram estavam outra vez apaixonados um pelo outro.
Leonor passou mal, assustou a Genoveva que mandou chamar Rodolfo em seu escritório. Doutor Almir foi quem a examinou,  disse que não era nada, Leonor apenas estava grávida.
Ronaldo correu para Leonor, abraçou e ambos choraram de tanta felicidade...
                                       Maria Ronety Canibal

                                       Julho de 2017
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