quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

PORQUE É NATAL!


  

PORQUE É NATAL...

 

Era fim de tarde de uma sexta-feira, insuportavelmente quente. O calor dos últimos dias estava abrasivo, isso que o verão nem tinha começado, ainda estavam em fim de outubro. Silvana chegou do trabalho e ligou o ventilador e se atirou no sofá.

Ela adormeceu...

Acordou com o sinal de mensagem no telefone. Era a Taise, a convidando para sair àquela noite. Mais uma vez ela não aceitou o convite da sua melhor amiga.

Silvana sabia que a amiga tinha boas intenções. Preocupava-se com a sua solidão. Mas uma saída, numa noite, com esse calor, não iria resolver o seu problema.

Taise era a sua amiga desde os tempos difíceis, elas trabalharam juntas em uma pequena loja de bairro, e por conhecer a sua história, ela insistia em convencê-la de que um namorado a motivaria e lhe traria mais alegria. No entanto, o que a Taise desconhecia, era que o seu coração já estava ocupado, há muito tempo, e ela ficara desesperançada.

Silvana espreguiçou-se e foi tomar um banho, vestiu um short e uma blusinha de malha velha, que era a mais fresquinha, e foi para cozinha preparar um lanche para si.

Sentou à mesa com o telefone à sua frente. Enquanto comia, ela olhava os seus e-mails. Um chamou a sua atenção. Era da namorada do seu pai, a Rosana.

-- O que seria? – Pensou, já que elas não costumavam trocar e-mails.

Uma tristeza se apossou dela. Lembranças de dias felizes, que ficaram tão distantes... Época em que havia uma família... Uma vida feliz, antes da separação dos seus pais.

Ela tinha catorze anos quando ela foi levada de casa, por sua mãe Amanda, que decidiu afastá-la do pai, por achar que ele não era um bom exemplo.  A separação litigiosa dos pais, foi muito dolorosa para Silvana. Afinal, ela amava o pai muito mais, do que a mãe. Havia mais afinidade entre eles.

E ela foi obrigada a ficar com a mãe e tomar partido por ela. Silvana sentiu-se usada, nesta briga. A mágoa que carregava dentro de si, era ainda muito forte. E desde aquela época, ela nunca mais voltou a pequena cidade em que nasceu.  Nem lembrava mais como era viver naquele lugar.

Seis anos depois, ela estava sozinha no mundo. O pai tinha se afastado dela, por imposição da mãe, que o detestava, e consequentemente ela não o viu mais.

Silvana sentia-se manipulada pela própria mãe, para fazer maldade ao pai. Amanda, não permitia que a filha atendesse as ligações do pai, não permitia que ela passasse as férias na casa do pai. E depois de tanto insistir, ele desistiu.

Mais tarde, quando a mãe teve uma morte súbita, ocasionada por um enfarte, Silvana se viu completamente só, porque o pai tinha ficado distante de sua vida, e morando na Itália.

Naquele momento, Silvana tornou-se uma pessoa marcada pelo sofrimento e a solidão. As consequências, da morte de Amanda, foram desastrosas. Além de dividas a pagar, Silvana teve que deixar a faculdade de jornalismo, que tanto amava.

Atualmente, ela trabalhava numa editora, fazendo resenhas de livros. Como gostava muito de escrever, ela se contentava com o emprego e o salário que tinha. Conseguia se manter, mas o apartamento da mãe foi vendido, para acertar a conta. E o que sobrou foi muito pouco. Mas, ela sabia que o seu atual emprego, não seria duradouro. A editora estava com problemas financeiros e a qualquer momento ela podia ser despedida.

---

Ronaldo, o seu pai, era um homem elegante e não demorou muito para ele refazer a sua vida, ao lado de uma mulher amável e confiável. Silvana conheceu a namorada do pai casualmente, pois em um passeio pelo shopping eles se encontraram.

Desde então a ligação entre ela e o pai foi restabelecida. Ela sabia que era amada pelo pai, e que tudo o que aconteceu, no passado, foi consequência dos atos de desforra de sua mãe. Entretanto, o relacionamento não voltou a ser como antes.

O  seu pai voltou a viver na sua pequenina cidade, situada na encosta de serra gaúcha. Ele era enólogo e investiu em tecnologia, na pequena vinícola de sua propriedade, e passou a ter uma produção limitada de vinhos de alta qualidade.

---

Curiosa, Silvana abriu o e-mail da Rosana, que apenas dizia: “Tem casamento à vista. Te organiza para passar o dezembro conosco.”

Ela sorriu. A felicidade do pai era o que importava, e ele tinha escolhido uma boa mulher, talvez até um irmãozinho ela viria a ter. Realmente, era preciso se organizar para poder tirar uns dias de descanso.

O mês de dezembro era um mês de muita agitação, e ela tinha pelo menos dez livros para resenhar. Teria que fazer um mutirão de leitura. Mas, não importava, ela iria ao casamento do pai.

No entanto, inesperadamente, ela foi dispensada pela editora. Livre do trabalho, ela poderia passar tranquilamente o dezembro em casa.

Depois... era depois.

---

Silvana estava embarcando no ônibus rumo a sua cidade natal. Ela recostou-se no assento e observou as pessoas que entravam no veículo, e não reconheceu ninguém.

Já estavam na estrada, seus olhos ficaram pesados e ela cochilou. Acordou e começou a prestar atenção a paisagem, e aos poucos ela foi reconhecendo alguns pontos.

Mas a cidade estava irreconhecível. O ônibus estacionou na rodoviária e ela ficou sem saber para onde ir. Olhou em volta, e reconheceu o prédio da esquina, onde funcionava a farmácia do seu João.

Então, ela caminhou em direção a praça da igreja. Ali, a admiração foi grande, pois as árvores estavam frondosas, e os canteiros floridos. Sorriu ao lembrar dos tombos de bicicleta que teve na curva do canteiro central.

Silvana passou os olhos pela linda decoração de Natal espalhada pela praça. Agora havia algumas lojas, e todas bem enfeitadas com suas decorações natalinas, assim como as ruas adjacentes a praça. Até a torre da igreja estava decorada.

-- Amei. – Murmurou. Depois de admirar a sua cidade, ela tomou o rumo da Vinícola. Faria uma surpresa, pois não tinha avisado de sua chegada.

Depois de caminhar cerca oitocentos metros, ela chegou ao portão do lugar que amava, o lugar onde nasceu e cresceu. Ali ela que tinha vivido uma vida feliz. Silvana parou e olhou, a antiga casa de madeira, deu lugar a uma nova e bonita casa, que rodeada por um bem cuidado jardim, dividia o terreno com o prédio da vinícola, também um prédio novo, bem amplo em estilo italiano. Todo de pedra grés, o destaque estava na porta principal, que era arredondada em madeira toda trabalhada, com floreiras em ambos os lados.

Silvana adorou o que viu. Então encaminhou-se para a casa.

---

Ali diante da porta ela ficou em dúvida... Não sabia se entrava direto, ou se batia na porta. Decidiu que era mais educado bater, afinal não era mais a sua casa. Ela estava com o punho erguido para bater, quando a porta se abriu e um rapaz apareceu sorrindo. Que parou e a encarou. Dizendo:

-- Tu és a Silvana? Com esses lindos olhos, não há mais ninguém no mundo.  Como vais?

-- Sou...  Eu estou bem, obrigada. –- Disse ela sem saber quem era ele.

-- Não me reconheces? Eu sou o Lorenzo. – Disse ele a abraçando.

-- Lorenzo! Estás muito diferente. Como vais?

-- Eu estou muito bem.

-- Estás linda! – Observou ele a olhando de um jeito especial.

-- Obrigada. – Agradeceu envergonhada. Não estava acostumada a receber elogios, e suas faces ficaram quentes.

-- Que bons ventos te trazem aqui?

-- Um casamento...

-- Eu imaginei. Muito bom te reencontrar. Temos muito o que conversar. Só que agora eu estou atrasado. Vamos combinar um jantar e colocamos os assuntos em dia.

-- Está bem. – Murmurou sem acreditar no que estava acontecendo.

-- Até mais... – Disse caminhando apressado em direção ao prédio da vinícola.

Silvana entrou e fechou a porta, deixou sua valise no chão e devagar caminhou pela sala, tentando encontrar alguém. Na cozinha uma moça, muito bonita, comia uma taça de sorvete.

-- Olá! – Disse Silvana parada a porta. – Eu sou a Silvana. Aonde eu encontro a Rosana ou o meu pai?

-- Oi! Eu sou a Bruna, a sobrinha da Rosana. – Disse a moça bem animada. – Eles foram a Bento Gonçalves, falar com a organizadora de festas. Queres um pouco de sorvete?

-- Sim, eu aceito.  Onde tem um banheiro que eu possa usar.

-- Aquela porta.

Silvana e Bruna conversaram enquanto saboreavam o sorvete. E Silvana ficou sabendo que a sobrinha, na verdade não era sobrinha, e sim filha de uma amiga da Rosana, que estava passando uns dias ali, enquanto a mãe estava em viagem de negócios.

Ela também descobriu a moça estava “com as estruturas abaladas” por causa do Lorenzo. Que de fato, ele tinha se tornado um homem muito atraente.

Uma senhora apareceu, e se apresentou:

-- Eu sou a governanta da casa, me chamo Matilde, e quero te mostrar o quarto, em que vais ficar. Se queres descansar um pouco. O sr. Ronaldo vai chegar bem à tardinha.

Silvana aproveitou, pediu licença e foi para o seu quarto, pois já não aguentava a conversa fútil da Bruna. Enquanto acompanhava a senhora, ela viu que a casa era enorme. Tinha pelo menos cinco quartos, segundo pode observar. As salas na parte de baixo, ela já tinha visto, e eram grandes e bem decoradas.

Depois de ter tomado um banho, ela vestiu um vestido estampado de verão e ficou na janela apreciando o vinhedo. Então, viu o Lorenzo inspecionando as videiras.

-- Ele trabalha com o pai? – Perguntou-se.

Lorenzo foi seu colega de aula. Ela gostava dele, no entanto, o seu pai nunca permitiu que ela se aproximasse dele, dizendo que ele não era de boa família. Agora, ela não entendia mais nada.

Mas, ao chegar o encontrou saindo da casa, com tanta naturalidade...  é porque ele frequenta a casa de seu pai. Teria que descobrir. Não iria perguntar a ninguém.

O céu escureceu, e sem saber o que fazer, Silvana permaneceu em seu quarto. Ligou a TV e se distraiu vendo um programa bobo. Uma batida em sua porta, a fez levantar-se rapidamente. Ela abriu e diante de si, estava a pessoa que ela mais amava neste mundo. O seu pai.

-- Pai! – Disse ela sorrindo e o abraçando.

-- Minha querida! Faz tanto tempo... – Reclamou ele a abraçando e a beijando carinhosamente. – Estou muito feliz com a tua presença. Que bom que viestes uns dias antes do casamento. Poderemos desfrutar de um tempo juntos. Agora sim, posso sorrir, pois a minha amada filha está sob o meu teto.

-- Eu também estou feliz de estar aqui. Está tudo tão bonito...

-- Venha vamos jantar. Eu cheguei faminto. A Rosana está preparando as pizzas que trouxemos.

Os dois desceram as escadas abraçados. Rosana quando a viu, também demonstrou alegria. E a saudou calorosamente.

A mesa estava arrumada para cinco pessoas. Quem seria a outra pessoa? Inquiriu a si mesma, e nada falou. Então um vozerio veio da sala, era a conversa animada de Bruna e Lorenzo, que pareciam se dar muito bem, talvez fossem mais que amigos.

Lorenzo sentou-se ao lado de Bruna, e de frente para Silvana. E ele a olhou com discrição, durante a refeição. Aparentemente, ninguém notou a troca e olhares entre eles. Pois, todos bem animados, falavam sobre a festa de casamento.

Após a refeição, ainda sentados a mesa, Silvana percebeu que a Bruna estava monopolizando a conversa e a deixando de fora. Então levantou-se, deu boa noite e foi para o seu quarto, com a desculpa de que estava cansada.

Silvana estava emocionada, e de coração aflito, pois o que tinha acontecido, era que todo o sentimento que tinha por Lorenzo, desde a adolescência, despertou, e ressurgiu com força. Ela pensava que o tinha esquecido, lutou ferozmente contra esse amor que existia em seu peito, e acreditava que havia sumido. E agora ao vê-lo novamente, tudo voltou e com mais intensidade. Tanto que não suportou vê-lo dar tanta atenção a chata da Bruna.

Silvana atirou-se na cama e chorou...

---

Na manhã seguinte, Ronaldo convidou a filha para conhecer o novo parreiral. Eles caminhavam devagar, e ela escutava atenta todas as explicações do pai. Quando, de repente, Lorenzo apareceu sorrindo, os cumprimentando alegremente.

-- O Lorenzo é meu engenheiro agrônomo. Ele tem cuidado destas plantas com carinho, não é mesmo?

-- Sim. Eu gosto do que faço. E todo o trabalho dever ser bem feito. – Falou sorrindo para a Silvana e dando uma piscadela.

-- Eu quero ver se desperto o interesse da minha filha por esse vinhedo. Ela mora tão distante e sozinha, enquanto que poderia viver e trabalhar aqui conosco. Não achas que eu tenho razão, Lorenzo?

-- Sim, eu concordo com o senhor, mas se ela tiver alguém por lá?  -- Falou ele a contemplando como um ponto de interrogação.

-- Tens alguém, minha filha?

-- Não! Nunca tive tempo para diversões e muito menos para namorar. É só trabalho e casa. – Respondeu Silvana, olhando nos olhos de Lorenzo.

-- Vamos ao escritório, preciso conversar contigo em particular.

-- Até mais tarde. – Despediram-se.

Pai e filha saíram de braços dados, e caminharam entre as videiras para chegar ao prédio da vinícola pelos fundos. Lorenzo os viu se afastarem, e ficou pensando nas palavras de Silvana: nunca tive tempo para diversões. Isso significava que ela nunca teve outro namorado... Bem, eles nem chegaram a namorar, mas se gostavam muito, e ele ainda guardava esse sentimento em seu peito, fechado a sete chaves. Nenhuma outra mulher o conquistou. Ele esperava que a Silvana, aceitasse a oferta do pai.

Depois de levar a filha para conhecer todas as dependências da empresa, e explicar todo o processo, eles foram para o escritório. Ali, depois de tomar uma água, Ronaldo disse a filha:

-- Isso tudo é teu. Por isso quero que venhas para cá, minha querida.

-- Como tudo meu? E o que dirá a Rosana? – Indagou a Silvana, atônita com a declaração do pai.

-- Nosso casamento será com separação total de bens. A Rosana tem uma pousada e bens de família. O seu marido foi um homem de muitas posses, e como não tiveram filhos, tudo ficou para ela. Ela sabe que eu estou passando tudo para ti. Claro que vou te ajudar a gerir o negócio, no início.

Silvana ainda estava “digerindo” as palavras do pai. Não sabia o que responder, então o pai acrescentou:

-- Minha querida, não precisa assumir agora, aproveita esse período de férias aqui, e depois me responde. Sei que te peguei de surpresa, me pareces um pouco assustada. Entendo perfeitamente essa tua reação.

-- Obrigada. Realmente eu não esperava por algo assim. Segundo o que a mãe dizia, eu jamais receberia algo de ti.

-- A tua mãe é outra conversa. Tu não conheces a história e fostes carregada por ela como um escudo. Ela te usou para se defender. – Disse ele amargurado.

-- Desculpa, eu não sei mesmo. O que aconteceu?

-- É, está na hora de saberes a verdade. Lembras que o Lorenzo tinha um olho cumprido para ti, e eu te proibi de dar conversa a ele. Vocês eram ainda tão jovens...

-- Sim, inclusive achei estranha a presença dele aqui.

-- Ele é um bom rapaz. O pai dele era meu amigo, mas morreu muito cedo, num acidente de moto. A mãe dele, era uma moça bonita, e logo achou outro marido, e esse homem era um salafrário, que não valia nada! A pobre da Anita sofreu muito nas mãos dele, que era o amante da tua mãe. Foi um escândalo! Eles chegaram a um ponto, que não tinham mais respeito, e se encontravam abertamente no hotel em Bento Gonçalves. Na verdade, eu que fui traído. Tentei levar a vida adiante, por tua causa, mas a situação ficou insustentável, e a Amanda fugiu de casa te levando como proteção. Ela sabia que eu não iria fazer nada para te prejudicar, e te usou vergonhosamente. É a tua mãe, eu sei, mas precisas saber a verdade. Se duvidas, pergunte aos meus amigos mais antigos.

-- Ah pai... Foi tão difícil viver longe de ti. – Chorosa ela abraçou o pai, como se tivesse culpa. – Ela sempre quis me convencer de que tu não me amavas, e eu nunca acreditei. Sempre senti o teu amor... Sofri com a distância entre nós.

-- Meu amor, eu também, e agora vamos recuperar esse tempo perdido. – Completou ele a beijando na testa.

-- E como o Lorenzo acabou aqui?

-- Anita teve um câncer que a fez sofrer muito. O tal marido a abandonou. O Lorenzo estava terminando o segundo grau, e eu o convidei para vir para cá. Com a morte da mãe, ele ficou sozinho no mundo. O Lorenzo é a cópia do pai, é um rapaz honesto e sincero, incapaz de magoar alguém.  Enquanto cursava a faculdade, ele morou em Santa Maria e nas férias vinha para cá. Depois de formado, eu o convidei para trabalhar na vinícola. E não me arrependi. Ele tem recurso, as terras ao fundo são dele, e estão plantadas com videiras.

-- Agora entendi.

-- Essa conversa era necessária. Vamos sair e passear na cidade. Vamos deixar o passado no passado.

-- Vamos... – Respondeu ela com um sorriso.

Silvana sentia-se feliz, rever os lugares ao lado do pai, era muito especial, e terminar o passeio na sorveteria do seu Gaspar, foi demais.

No dia seguinte, Ronaldo levou a filha nas melhores lojas, de região, para comprar roupas novas, inclusive o vestido que usaria no casamento. Rosana a acompanhou e a ajudou nas escolhas.

Também foi ao salão de beleza para um novo corte de cabelo. Fez as unhas, os pés e massagem facial. Coisa que ela jamais imaginou, na sua vidinha de pobre.

Ela saiu renovada, e com a sua beleza em evidência.

Ao vê-la, o pai comentou:

-- Bah, agora eu quero ver como serão as reações de algumas pessoas... – Deu uma piscadela para a Rosana, que sorriu sacudindo afirmativamente a cabeça.

---

Bruna não dava folga, estava marcando o Lorenzo de perto. Embora se fingisse de boazinha, e sempre convidasse a Silvana para os acompanhar, ela não abria espaço para que o Lorenzo e a Silvana conversassem.  Como sempre ela precisava ser o centro das atenções.

Naquela noite, Silvana recusou o convite, dizendo que iria sair com o Marcelo, seu antigo colega de aula, que ela havia encontrado casualmente. Mais tarde, ela se apresentou na sala, usando um vestido novo, e com um novo visual ela surpreendeu a todos. E estava realmente muito bem, tanto que até a Rosana a elogiou. Estava bonita, mesmo!

Lorenzo a olhou e ficou encantado com a sua transformação. Ela sempre foi bonita, porém, agora a sua beleza estava realçada. E ele se encheu de ciúmes. Ainda mais que ele sabia que o Marcelo era o seu rival nos tempos de escola. Então, ele perguntou:

-- Aonde vocês vão? Pensei que poderíamos sair os quatro juntos.

-- Eu não sei. Ele apenas me chamou para sair sem dizer o lugar.

É claro que ela não iria mencionar que iriam jantar no clube. Ela queria que o Lorenzo se mordesse de ciúmes, porque ela tinha certeza de que ele sentia ciúmes dela. Pelo seu jeito de olhar e torcer a boca. Era como nos velhos tempos. Cada vez que o Marcelo se aproximava dela, na hora do recreio na escola, ele fazia essa cara e permanecia quieto. Ah... essa era noite da desforra. Ele que se decidisse!

-- Vamos. – Insistiu a Bruna o puxando pela mão. Lorenzo saiu da sala com os olhos virados para a Silvana, que permanecia na sua postura de princesa.

-- Tu vais sair com o Marcelo Damin? O solteiro mais cobiçado da região? –Perguntou a Rosana.

-- Não sei se é o solteiro mais cobiçado, mas é um antigo colega de aula, que eu encontrei por acaso. – Explicou ela.

-- Ele chegou... -- Anunciou o Ronaldo que estava próximo a janela da frente. – Tenha juízo, minha querida.

-- Sempre tenho, pai. – Afirmou Silvana, sentindo-se nervosa. Afinal, ela nunca tivera um encontro.

Educadamente, o Marcelo cumprimentou o Ronaldo e a Rosana, e só então foi até a Silvana, a tomou pela mão, despediu-se, e ambos deixaram a sala. Ele, com cortesia abriu a porta do carro para ela entrar.

Espiando pela janela, Rosana disse:

-- Esse rapaz é um verdadeiro cavalheiro. Ah, se todos fossem assim. – Disse querendo provocar o noivo.

-- Estás insinuando alguma coisa? – Respondeu Ronaldo rindo.

O casal estava feliz, dali a dois dias eles seriam marido e mulher, estariam regularizando a situação deles. Ambos eram viúvos, e iriam casar também na Igreja.

De mãos dadas eles caminharam pelo jardim, aproveitando a beleza da noite, quente e calma, iluminada pela luz da lua quase cheia. Um beijo os envolveu, naquele ambiente romântico.

---

Bruna ficou pasmada com a elegância da Silvana, e logo notou a reação do Lorenzo, que tinha ficado perturbado ao saber que ela iria sair com outro cara. E como consequência, a noite deles estava sendo “um porre”, já que ele se mantinha calado e distraído.

Ela tentou investir, porém a reação de Lorenzo foi inesperada, ao dizer:

-- Bruna pára! Eu não estou afim de ti. Tu bem sabes e fica insistindo. Vamos embora. – Disse ele fazendo um gesto para o garçom encerrar a conta. Ele pagou e levantou-se. Bruna não se mexeu. – Eu estou pronto para te levar para casa, se não queres ir, eu não vou te obrigar. Não vai te mexer? Tchau. – Completou ele saindo sem olhar para trás.

Ele pegou o carro e deu uma volta pelo lugar, queria descobrir aonde estava a Silvana. Mas não viu o carro do Marcelo em nenhum dos locais.

-- Com certeza ele a levou no clube, em Bento. – Resmungou para si mesmo. – Vou esperar ela chegar...

Furiosa Bruna entrou em casa, e foi direto para o seu quarto, arrumou as suas coisas, com o propósito de no dia seguinte ir embora.

---

A noite de Silvana foi agradável e divertida. Um jantar delicioso, complementado com uma sobremesa divina. Marcelo tinha uma boa conversa e falou sobre o seu tempo de estudante em Porto Alegre, onde cursara a faculdade de Medicina. Ele tinha histórias hilárias, deram muitas risadas.

Aquele adolescente chato tinha se tornado um homem fascinante, além de bonito, Marcelo era educado e atencioso. Ele era Neurocirurgião e atuava na região. Não era sem razão que ele era considerado o solteiro mais cobiçado.

A conversa foi interrompida inúmeras vezes por pessoas que queriam cumprimentá-lo, sobretudo, as mulheres. Cada vez que isso acontecia ele se desculpava com ela, mas Silvana estava se divertindo muito.

Em nenhum momento a conversa caiu no âmbito pessoal. Conversaram sobre si mesmos, rindo do seu tempo de colégio.

Já quando estavam se despedindo, ele perguntou:

-- Tens companhia para o casamento do teu pai?

-- Eu não sei. A Rosana não me disse nada, apenas disse que iria precisar de mim. Para quê? Não sei.

-- Se der eu gostaria de estar contigo... pois és uma companhia muito agradável, considero que tivemos uma noite bastante aprazível.

-- Eu concordo. Foi muito bom estarmos juntos.

-- Até mais – Disse a beijando na face. – Dorme com os anjos, porque um vou sonhar...

-- Boa noite! – Respondeu ela sorrindo.

Silvana ficou na porta esperando que ele desse a partida no carro, então acenou. Quando estava se voltando para entrar em casa, surgiu das sombras o Lorenzo.

-- Uiu... Queres me matar de susto? Que fazer aqui a essa hora?

-- Só queria ver se está tudo bem contigo.

-- Sim está. Eu tive uma noite muito divertida.

-- Eu sei, e o que mais?

-- Lorenzo tu andaste bebendo? Como ousas falar assim comigo?

-- Desculpe. Eu só quero te dizer que deu um basta na Bruna. Só isso.

-- Está bem. Amanhã falamos. Vai dormir...

-- Boa noite, dorme bem.

-- Obrigada. Boa noite.

Ela rapidamente entrou e trancou a porta. Subiu para seu quarto e foi a janela espiar, para ver se Lorenzo ainda estava por ali. O avistou a caminho de sua casa.

Ela despiu-se, tomou uma chuveirada e deitou-se a pensar. O sono chegou e Silvana dormiu serenamente.

Um pouco embriagado, Lorenzo chegou em sua casa e refletiu sobre a noite que tivera, sobretudo, a sua conversa com a Silvana. Relaxou e deitou-se mais tranquilo, depois de tanta tensão ele dormiu.  Sonhou com a mulher de sua vida, e acordou de bom humor. Estava pronto para um novo dia, um novo desafio. E esse desafio tinha nome, chamava-se Silvana.

Na manhã seguinte, Bruna acordou, desceu para tomar o café e ao encontrar com a Rosana, ela logo disse:

-- Não suporto ficar aqui nem mais um dia. – Afirmou ela indignada.

-- O que aconteceu? – Quis saber a Rosana, que ainda estava na cozinha, tomando um café.

-- Ora, o Lorenzo está insuportável, desde que a filhinha do papai chegou. E dessa vez, ele se superou. Passou a noite distraído, não conversou, só ficou pensativo. Não vou me sujeitar a essa situação. Quem termina a relação sou eu!

-- Não vais ficar para o casamento?

-- Peço perdão! Mas, tu me entendes, não é? Sei que a mãe vai ficar irritada comigo, no entanto não aguento ser humilhada.

-- Não posso te obrigar a ficar. És livre para ir embora a hora que quiseres. Só quero que saibas, que a Silvana não tem culpa de nada. Ela é uma moça boa e muito discreta. Ela jamais faria alguma coisa para te prejudicar. Só que esses dois, já se gostavam no tempo de escola. Nunca tiveram um compromisso, no entanto, é óbvio que ainda existe um sentimento forte. Basta ver o brilho no olhar deles, quando estão juntos.

---

Era o dia 15 de dezembro, o dia do casamento de Ronaldo e Rosana.

Silvana soube que formaria par com Lorenzo, como padrinhos do seu pai. Ela ligou para o Marcelo, pois havia prometido informá-lo.

Desde cedo a agitação era grande, na casa. A noiva, assim como a madrinha foram levadas para um spa, onde receberiam cuidados especiais, seriam penteadas, arrumadas e levadas a igreja.

Rosana tinha escolhido usar um vestido de corte reto, em seda italiana, na cor amarelo bem claro. Na cabeça um pequeno detalhe na cor do vestido.

Rosana tinha a pele bronzeada, os cabelos escuros e os olhos num tom de verde bem claro. Ela ficou deslumbrante. Ao ver a madrasta vestida, Silvana pensou no coração de seu pai, sorriu ao imaginar a emoção dele, ao vê-la surgir na porta da igreja.

Mas, ela também estava muito bem. Ao se olhar no espelho, Silvana não se reconheceu. Como ela tinha a pele clara, os cabelos e olhos cor de mel, o tom de azul do vestido a deixou fascinante, segundo falou a moça que a ajudou a vestir-se.

Confiante ela entrou no carro, que a levaria a igreja, que ficava cerca de 500 metros dali. Ao desembarcar do carro, um cavalheiro gentilmente a ajudou. Era Lorenzo.

-- Estás magnifica! Com certeza vais tirar o brilho da noiva. Eu serei o teu par, não só no cortejo, também na festa. Me aceitas?

-- Se eu não tenho escolha... – Respondeu ela sorrindo. – A noiva já vai chegar. Vamos tomar o nosso lugar.

Ronaldo já estava em seu lugar, no altar.

A noiva estava a porta da igreja, quando os pares formados por: Lorenzo e Silvana, Marli e João, entraram pela nave principal como padrinhos dos noivos.

Posicionados no altar, eles observaram a noiva entrar lentamente ao som da Ave Maria de Schubert. Rosana trazia um sorriso nos lábios e seus olhos tinham um brilho especial. Ela estava confiante e linda demais.

De onde estava, Silvana não conseguia ver expressão do pai, mas por seu gesto, ela percebeu que lágrimas de emoção escorriam em sua face. Que ele fosse muito feliz, dessa vez, pois ele merecia um casamento repleto de felicidade.

A cerimônia foi simples e envolvente, pois o padre celebrante era amigo da família e ele proferiu algumas palavras especiais para os noivos. Palavras que produziram fortes emoções, não só aos noivos, mas também aos convidados.

Os noivos deixaram a igreja sob uma chuva de arroz.

                                                          ---

A festa era para um grupo de convidados seletos. Aqueles que eram mais ligados ao casal. Contudo, havia cerca de 80 pessoas. Uma mesa especial para os noivos e padrinhos. Os demais em pequenas mesas para quatro pessoas.

Por isso, Silvana sentou-se entre o pai e o Lorenzo. Marcelo estava sentado muito próximo e a olhava com insistência, embora estivesse acompanhado por uma moça muito elegante.

Discursos e brindes aos noivos foram muitos.

Uma seleção de músicas, incentivou os pares irem para pista de dança. Lorenzo não perdeu a oportunidade de dançar com a sua princesa. Um intervalo fez com que voltassem a mesa.

Porém, Marcelo foi até a mesa principal, cumprimentar os noivos e quando a música retornou, ele olhou para a Silvana, e a convidou para dançar. Ela, gentilmente aceitou, e foi para pista dançar.

Lorenzo nada pode fazer. Silvana era livre... contudo, ele não gostou de vê-la nos braços de Marcelo, que a fazia sorrir com satisfação. Ele tomado de ciúme. Foi dançar com a Adriana, uma garota bonita e simpática, filha de um comerciante local. Essa moça era desconhecida de Silvana, pois a família mudou-se para ali, pouco tempo atrás.

Silvana percebeu o encantamento da outra por Lorenzo, e não gostou.

---

No dia seguinte, Lorenzo e Silvana, voltaram juntos para a vinícola. Eles comentaram sobre a festa, sem fazer referência ao Marcelo e tão pouco a Adriana.

Faltavam dez dias para o Natal, e os recém casados, só chegariam no dia 23 de dezembro. A família passaria o Natal junto. E neste plano estava incluído o Lorenzo, é claro.

Aqueles dias, Silvana passou na vinícola, tentando aprender como tudo funcionava. Ela estava inclinada a aceitar o convite do pai. Voltar a conviver com o pai era tudo o que mais almejava, ainda mais que estava sem emprego.

O grande problema seria conviver com o Lorenzo, sabendo que ele estava de namorico com aquela garota bonitinha. E todos os fins de tarde, após ele encerrar as suas atividades, ele ia para casa da Adriana.

Silvana sentia-se rejeitada, e de coração partido. Ela ainda o amava, no entanto, para ele era coisa do passado, um amor de adolescente. Pela primeira vez em sua vida, Silvana ficou sem saber como proceder.

Marcelo tinha ido para a Suíça participar de um Seminário de Neurologia, e estenderia a sua estadia em uma estação de esqui, até início do novo ano.

Sem companhia para sair, e sozinha em casa, Silvana assaltou a biblioteca do pai. Ali encontrou diferentes livros sobre vinhos, e os leu, com bastante interesse. Para atuar neste setor era necessário ter conhecimento.

Dona Matilde, também não estava, tinha aproveitado a ausência dos patrões para visitar a filha, que morava em Bom Jesus. Então, naquela manhã de sábado, Silvana resolveu testar as suas aptidões culinárias. Ela estava concentrada batendo um bolo, quando escuta:

-- Bom dia! – Saudou alegremente o Lorenzo. – Vim te convidar para um passeio até a cascata. Está um dia esplendido, vamos aproveitar e fazer uma trilha.

-- Oiii... – Respondeu– Eu não te esperava. Estou colocando o bolo no forno, e estou pensando em fazer um café, aceitas?

-- É claro que aceito. Um café é sempre bem-vindo. – Afirmou ele. – Não respondestes ao meu convite.

-- Um passeio até a cascata é bem atrativo, porém não quero magoar ninguém. Já basta a grande amargura que eu carrego.

-- O que foi agora? Estás falando de algo que eu não sei o que é. Por favor me explica. – Falou com os olhos cravados nela.

-- Vocês homens, são assim, ingênuos demais. Nunca sabem nada! Mas vou te desenhar, assim ficará mais fácil para entenderes. – Disse Silvana bastante contrariada. Ela não estava de bom humor, tinha ido para a cozinha para melhorar, e a presença de Lorenzo, só piorou. Ela estava servindo o café, com a cafeteira erguida, ela o olhou e pronunciou um nome: -- Adriana.

-- O que tem a Adriana com a nossa conversa?

-- Ah... não! Agora não sabe!

-- O que eu não sei? Assim vais me deixar louco. Eu só quero passear contigo.

-- Aonde está a Adriana, por que não a chama para te acompanhar? – Disse Silvana com voz alterada. Ela colocou a caneca sobre o balcão, recusando-se a entregá-la em suas mãos. – O café...

-- Obrigado. – Agradeceu pegando a caneca e provando o café fumegante. – Hum, agora entendi. Pensas que eu estou com a Adriana. Não há nada, entre mim e ela. Somos bons amigos, e eu estou a ajudando a elaborar um projeto de pomar, que ela quer implantar na propriedade da família. Por isso tenho ido todas as noites, na casa dela.

-- Ah... Pensei que estavam namorando. – Falou Silvana com um novo brilho no olhar, que ele percebeu.

-- O teu bolo está cheirando, será que já está bom? –Disse ele tentando mudar o assunto, para não a deixar constrangida.

Silvana virou-se para o forno e espiou.

-- Está quase. Vou fazer a cobertura de chocolate.

-- Tu sabes que eu sou fã de chocolate.

-- Eu também amo chocolate.

Um silencio tomou conta do ambiente. Ele ficou olhando-a cobrir o bolo com chocolate derretido e depois colocar alguns confeitos granulados para enfeitar. O bolo ficou bonito e apetitoso.

-- Uma prova? – Pediu o Lorenzo.

-- Na volta do passeio. – Respondeu ela sorrindo e bem animada.

---

A caminhada foi a desculpa que eles precisavam para sentirem-se bem. As coisas não andavam boas entre eles desde o dia em que o Marcelo a convidou para sair, pela primeira vez.

Lorenzo tinha ficado cheio de ciúmes, por isso deu atenção ao projeto da Adriana. Ao perceber, mais cedo, que ela tinha ficado com ciúme, ele se animou a aproveitar aquela manhã para definir ou estabelecer um compromisso entre eles. Já fazia muito tempo que se gostavam, se conheciam desde criança, e não precisavam esperar por mais nada. Ele a queria, e estava com muito medo de que ela fosse mais uma vez embora, e dessa vez, por conta própria. Era hora de agir.

O ambiente da cascata era repleto de recantos e trilhas. Ele conhecia muito bem e escolheu a trilha que levava ao pé da queda-d'água, onde havia uma piscina natural, que poderiam banhar-se.

Ali naquele lugar romântico, ele a testou, a tomou nos braços e a beijou. E a reação dela foi de aceitação e resposta positiva. Era tudo o que ele queria.

Ainda abraçados, ele murmurou:

-- Eu esperei por esse momento, desde o nosso tempo de escola. Nós nunca havíamos trocado um beijinho sequer.

-- Eu também esperei... – Admitiu a Silvana um pouco envergonhada.

-- Vamos seguir em frente, vamos assumir que nós nos gostamos, vamos planejar juntos o nosso futuro... Que achas?

-- Eu concordo.

-- Então vais aceitar o convite do teu pai?

-- Sim, eu vou ficar. – Confirmou ela sorrindo e o beijando suavemente.

Lorenzo a beijou com intensidade. De mãos dadas e felizes eles retornaram a casa para provar do bolo de chocolate.

---

Taise foi a primeira a saber dos novos planos de Silvana. Muito feliz, ela gritava no outro lado da linha.

-- Maravilha... Eu não sabia que tinhas um amor escondido no teu coração. Adorei. Se eu fosse escritora iria escrever uma história contando esse amor de vocês.

-- Vem passar o Natal aqui. Quero que conheças o meu lugar, a terra que eu tanto amo, o meu pai, e o Lorenzo. Dá um jeito e vem.

-- Está bem. Depois te confirmo. Um beijo, minha querida amiga.

-- Vou te esperar, te cuida. Beijos

---

Ronaldo e Rosana retornaram da lua de mel. A felicidade era visível, e ao saber da novidade, ele abraçou a filha e falou:

-- Eu tinha certeza que vocês iam se acertar. Esse rapaz sempre gostou de ti. Vocês vão ser felizes. E o melhor de tudo, é que ficarás aqui. Ah, minha querida, eu preciso da tua presença. A Rosana é o amor da minha vida, ela me faz muito bem, somos felizes, mas preciso de ti, muito mais do que podes imaginar.

-- Eu também preciso de ti, desse lugar... Senti muita falta de tudo isso. Mas agora vou trabalhar contigo e vamos recuperar o tempo perdido.

Ela nem tinha terminado de falar quando Lorenzo entrou na sala. Ronaldo o recebeu com um afetuoso abraço.

-- Até que enfim! – Disse rindo.

-- Até que enfim. – Repetiu o Lorenzo rindo.

Enquanto jantavam Silvana anunciou que convidara a sua amiga para passar o Natal na vinícola.

-- Ela é a minha melhor amiga, desde que a mãe a morreu, sempre foi ela que me deu apoio nas horas difíceis. Achei por bem chamá-la, já que também é sozinha, e nós sempre ficamos juntas em datas especiais, como o Natal.

-- Fizestes muito bem. Essa casa também é tua. Ficaremos felizes em recebê-la. – Afirmou Rosana. – Sempre comemoramos o Natal em família, apenas com os amigos mais íntimos.

-- Mas esse ano, temos outros motivos para comemorar. – Falou Ronaldo rindo.

-- Então vamos chamar mais alguém? Só faltam dois dias, não é educado convidar em cima da hora. – Falou a Rosana.

-- Quem sabe o Leonardo, ele não tem família, e ficará muito agradecido se o chamarmos. – Sugeriu o Ronaldo.

-- Eu falo com ele, se me permitirem. – Disse o Lorenzo.

-- Faça isso. – Pediu a Rosana mudando de assunto, e contando sobre os lugares que estivera.

A preparação da festa envolveu as duas mulheres da casa na confecção dos pratos. Rosana era uma boa cozinheira, gostava de fazer experiencias e criar novas combinações. E como Silvana sabia fazer doces, elas dividiram as tarefas. Claro que os homens ajudaram provando as iguarias.

---

Taise chegou na manhã do dia 24 de dezembro. Ao descer do ônibus foi atropelada pelo abraço de sua amiga Silvana. O encontro das duas demonstrava o quanto elas eram amigas.

Depois das apresentações Lorenzo as levou para um passeio pela pequena cidade, que apesar de ser minúscula, estava lotada de turistas. As pousadas decoradas com motivos natalinos, chamava a atenção. Taise adorou o lugar. E quando tomaram o rumo da vinícola, ela se encantou com a paisagem, que a vista alcançava ao longe os parreirais.

Rosana os esperava na porta. Sorriu ao ver a alegria dos jovens. Logo, o marido se juntou a ela e o casal recebeu a visitante com carinho. O almoço foi agitado, pois as duas conversavam e riam, e depois explicavam aos demais a situação narrada. Então Taise disse:

-- Tu lembras do Giovani Rosa?     Pois é, ele me pediu para te dizer que ele tem um bom emprego pra ti na gráfica que ele está montando. Não vão se ater a pequenos objetos, ele tem pretensão de editar livros de bolso, e está contando contigo para ser a corretora de textos. E acrescentou: ela é muito boa no que faz. Que tal? É um bom emprego.

-- Vais ter que dizer a ele que eu agradeço muito a oferta, e que até posso indicar a Milene. Transmite a ele que eu aceitei trabalhar com o meu pai.

-- Que legal. É tudo o que tu sempre quiseste.

---

Silvana escolheu usar naquela noite especial de Natal, o seu vestido novo. Ela olhou-se no espelho e viu refletida a sua nova imagem, a de uma pessoa feliz. Por isso ela estava bonita usando o tom de verde claro.

Quando chegou na sala encontrou a Taise conversando animadamente como seu pai e o Leonardo, que era um rapaz alto e bem apessoado.  Ele era químico e também trabalhava na vinícola.

Rosana estava na cozinha dando os últimos retoques. Silvana foi até lá e perguntou:

-- Tem algo que eu possa te ajudar?

Rosana virou-se para vê-la e parou com o que estava fazendo.

-- Como estás bonita! Hoje o pobre do Lorenzo vai enlouquecer. – disse ela rindo.

-- A intenção é essa... – Respondeu Silvana feliz.

-- Não, minha querida. Eu não preciso de ajuda, já estou terminando. Vai para a sala receber o teu namorado que já deve estar chegando.

Ela foi para a frente da casa. Queria cumprimentar o seu amor em particular. Silvana o avistou, ele caminha devagar assobiando. Também estava feliz.

Quando ele a viu, parou e a admirou. Seu coração disparou como se ainda fosse um adolescente. Sorriu e se aproximou dela.

-- Estás fabulosa. Essa noite vai ser uma tortura para mim. – Falou o Lorenzo a beijando carinhosamente. De mãos dadas ele adentraram a sala.

A noite estava agradável, e conversa rolava divertida e de repente, o clima de Natal envolvente mexeu com o Lorenzo. Ele levantou-se, tomou a Silvana pela mão e levou para o centro da sala. Ali diante dela e dos demais, ele ajoelhou-se de disse:

-- Desde a adolescência nós vivemos um amor esperançoso, depois ficamos afastados um longo tempo, mas nos reencontramos e os nossos corações se encheram de alegria. Nos entendemos, e por isso eu te pergunto: aceitas casar comigo?

Silvana ficou surpresa, não imaginou que seria pedida em casamento naquele dia. E olhando para ele, ela sorriu, e sacudiu afirmativamente a cabeça, e só então disse:

-- Sim, eu aceito.

Ele enfiou o lindo anel em seu dedo e a beijou.

-- Só quero saber uma coisa, por que fizestes o pedido hoje?

-- Ora, porque é Natal.

---

Um tempo depois...

A amizade entre Taise e Leonardo estava prosperando. Ela havia decidido mudar-se para Bento Gonçalves, onde havia uma proposta de trabalho.

Ronaldo e Rosana estavam felizes e a sua alegria contaminava o ambiente.

Silvana sentia-se a mulher mais feliz do mundo. Sentada na poltrona,  ela olhava amorosamente para a criança que estava amamentado, o pequeno Rafael, que parecia um anjo. Lorenzo olhava aquele quadro de felicidade, a sua família.

Era outra vez Natal.


                                                      Maria Ronety Canibal

                                                        Dezembro de 2023.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

COMO CRISTAL


 

COMO CRISTAL

 

Vanusa estava radiante de felicidade.

Era o dia do seu casamento, e seus pais haviam organizado uma grande festa, para comemorar o enlace.

Já vestida de noiva ela se olhava no espelho, onde sua bela imagem estava refletida. Sorriu feliz ao pensar no noivo.

Tobias...

Riu ao lembrar a forma como se conheceram. Tudo aconteceu tão rápido, e Vanusa só lembrava de ter escorregado e ter caído sentada no chão, em pleno calçadão da Rua da Praia. Estava pagando o maior mico. Lisette, a sua amiga, em vez de acudir, desatou a rir, com sonoras gargalhadas, como se fosse uma adolescente.

Então um rapaz, muito gentil, parou e estendeu a mão para ajudá-la a levantar. Muito preocupado ele perguntou:

-- Tu estás bem?

-- Sim, obrigada. – Respondeu a Vanusa muito envergonhada.

-- Eu sou o Tobias e tu como te chamas?

-- Vanusa, e a minha amiga é a Lisette.

-- Vamos tomar um café? – Disse o Tobias indicando a cafeteria que ficava logo adiante. – Assim tens tempo para te recompor e a tua amiga parar de rir.

-- Eu aceito, obrigada. – Disse Vanusa.

-- Eu não posso, tenho hora no dentista, já estou atrasada. – Disse Lisette, tentando sufocar o riso, e se afastando deles.

Tobias a conduziu até a cafeteria, escolheu uma mesa e a ajudou a sentar. Preocupado ele perguntou:

-- Tens certeza de que estás bem?

-- Sim, obrigada. Foi apenas um escorregão.

Aquele café serviu para deixar Vanusa fascinada pelo rapaz. Ele era gentil, educado e muito simpático. E até bonito! Na conversa, que fluiu como se fossem velhos conhecidos, ela descobriu que o Tobias era Formado Ciências da Computação e trabalhava na programação de drones. E que eles moravam bem próximos um do outro.

Sem reservas ela aceitou sair com ele no fim de semana. E assim eles começaram a namorar. E hoje, pouco mais de um ano, eles estavam se casando.

Vanusa reconhecia que tudo tinha sido muito rápido. Mas o amor que os envolveu era intenso, e eles não queriam protelar o namoro. Iriam casar direto.

Dona Ângela, a vó de Vanusa, achava que a neta estava se precipitando, que o casamento era coisa séria, e que ela precisava ter absoluta certeza de que estava se casando com a pessoa certa. O amor, muitas vezes, dizia a dona Ângela, nos conduz ao erro. Pois amamos a pessoa errada. E isso faz sofrer.

-- Vó, não te aflijas, nós estamos apaixonados, e eu não sou mais uma guriazinha. Já tenho 24 anos e sei o que quero. Ele é tudo o que eu preciso para ser feliz. – Disse Vanusa para a avó, e também para o pai, que concordava com a sogra, dizendo que eles estavam muito apressados.

-- Minha filha, se tu estivesses grávida, eu até concordaria com um casamento, agora, mas não é o teu caso. Espera mais um pouco. A paixão cega, e não te deixa enxergar a pessoa como ela realmente é.

-- Pai, tens alguma coisa contra o Tobias, ou a família dele?

-- Não, minha querida. Não tenho nada a dizer, mas também não os conheço bem.

-- Não perturbe a nossa filha... – Falou Beatriz ao marido. – Eles se gostam, e não há como prever o futuro. O casamento é construído no dia a dia, nas escolhas que fizemos a cada manhã. E se existe amor, as coisas se ajeitam. Quantas brigas sérias nós tivemos, e, no entanto, continuamos juntos, porque o amor nos mantém unidos. Esse é o segredo do bem viver. E a nossa filha sabe bem disso. Esse é o dia dela. Devias ter a convencido antes. Hoje nada conseguirás.

---

Era o seu grande dia!

Mas era também o grande dia para Tobias.

Parado a porta da igreja, ele relembrava o início do namoro, o modo como se conheceram, e como Vanusa mexeu com o seu íntimo, naquele primeiro instante, quando a ajudou levantar-se, no calçadão da Ru da Praia. Tobias estava convicto de que estava fazendo o que era certo. Eles se amavam e o casamento era o único caminho. Logo eles estariam unidos para sempre, na Lei de Deus e dos homens.

Ele reconhecia que sempre foi um“galinha”, contudo desde que Vanusa surgiu em sua vida, ele havia mudado, tinha amadurecido e o amor tinha tomado conta do seu coração.

Jorge, o seu primo, tinha perguntado:

-- Tens certeza do que estás fazendo? Sabes que o matrimônio é um laço que só a morte desfaz?

-- Eu sei disso. Já pensei a respeito.  Vanusa é a mulher da minha vida. – Afirmou Tobias.

Sentiu uma forte emoção ao pensar o quanto a amava.

-----

O carro que trazia a noiva dobrou e esquina.

Tobias acompanhado de sua mãe, entrou na igreja, pela nave principal, sob os olhares dos convidados, que lotavam o templo.

O som suave do órgão tocando a Ave Maria acompanhou a entrada de Vanusa na igreja. Ela estava encantadora vestida de noiva. Trazia um sorriso deslumbrante e seus olhos brilhavam de emoção.

Tobias tremeu ao recebê-la diante do altar.

De mãos dadas eles se aproximaram do celebrante. O padre fez uma breve reflexão sobre o sacramento de matrimonio, e deu início ao rito.

Tobias e Vanusa saíram da igreja felizes. Estavam casados!

A festa foi animadíssima, assim como os noivos que fizeram uma exibição de dança, ao ritmo alucinante do rock roll. Foram aplaudidos pelos convidados.

Então, os noivos deixaram a festa e rumaram para a lua de mel.

-----

Apesar da rotina estabelecida, o jovem casal vivia em plena felicidade. Tobias era um bom marido. Estava sempre preocupado com a esposa. Suas noites eram intensas, e o amor explodia em seus corações, os deixando cheios de júbilo.

Vanusa decidiu que se era para engravidar, que fosse logo, pois assim ficaria livre da tal incumbência. E seria uma única vez. 

E de brincadeira disse ao marido:

-- Eu quero apenas um filho, se achas que precisas de mais de um, vai procurar outra mulher.

-- Não quero outra mulher. Tu já preenches os meus dias. – Respondeu ele rindo.

Os dias passavam, e eram dias de intensa felicidade.

Mas aquele amor ardente tinha perdido o ardor. Já não era mais como antes. Tinham entrado na rotina. Mas felicidade reinava.

Enfim, ela engravidou. Foi uma gravidez tranquila, e Vanusa trabalhou até o último mês, já que seu trabalho era em casa. Ela fazia, sob encomenda, pães especiais. E ela era uma ótima padeira.

-----

Era madrugada de sábado, e chovia torrencialmente, quando a Vanusa despertou com fortes dores abdominais. Acordou o Tobias, e disse:

-- Acho que chegou a hora. Precisamos ir para o hospital.

-- Tens certeza. Escuta o barulho da chuva. É muita chuva para sair assim. – Protestou o marido.

-- As minhas contrações estão mais fortes e mais seguidas. – Explicou ela. – Se não queres me levar, vou chamar o meu pai.

-- Não! Eu sou o teu marido. Eu te levo. – Falou Tobias levantando-se rapidamente.

Minutos depois eles estavam no carro rumo ao hospital. Ruas alagadas dificultou o trajeto, mas enfim conseguiram chegar. Vanusa com fortes dores, logo foi colocada numa cadeira de rodas e levada para a ala da maternidade.

Tobias olhou o relógio e caminhou até a máquina de café. Pegou mais um capuccino e bebeu vagorosamente. Voltou e sentou no banco. Ele estava inquieto. Já amanhecia e fazia quase duas horas que eles tinham levado a sua mulher e ele estava sem nenhuma informação.

Ele teria que ligar para os pais da Vanusa. Mas ainda era muito cedo. Resolveu acordá-los. Estava preocupado e com receio de que as coisas não estivessem correndo bem. Precisava dividir a responsabilidade com a família dela.

Tão logo receberam o aviso, Beatriz e Guilhermo se apressaram em ir para o hospital. Quando lá chegaram encontraram Tobias, que muito nervoso, andava de um lado para o outro.

Tobias explicou que ainda não tinham avisado nada e fazia bastante tempo que Vanusa tinha entrado para ala da maternidade sentindo fortes dores. Beatriz, bem angustiada, saiu à cata de informações, porém não conseguiu. O remédio era esperar. E eles esperaram.

Uma enfermeira se aproximou dizendo que o marido estava autorizado a entrar. Beatriz indagou sobre a filha, e a moça disse:

-- Foi um parto difícil, mas agora mãe e filha passam bem. Logo o médico virá falar com vocês. – Virando-se para o Tobias, a enfermeira disse. – Vamos.

Ele a seguiu.

Vanusa estava exausta. Sua fisionomia era sofrida, mas tinha um sorriso no rosto, e olhava encantada para o pacotinho que trazia nos braços.

Tobias se aproximou e beijou a testa de esposa e olhando para a filha. Foi um momento mágico, e ele sentiu seu coração pulsar mais forte. Aquele pequeno ser era parte dele. Lágrimas afloraram em seus olhos e ele as deixou rolar. Aquela pequena criança, já era a dona do seu coração.

-- Paola... – Sussurrou ele. – Vamos chamá-la de Paola.

-- Eu tinha pensado em Estela. – Disse Vanusa sem convicção. – Mas se queres Paola, que seja.

-- Paola, minha princesinha. – Falou ele a tomando nos braços.

Vanusa observou o modo com o marido olhava para a filha. Era uma paixão avassaladora. E ela sentiu uma pontada de ciúme... não era mais o único amor na vida de Tobias. Paola tornou-se a sua rival.

Tobias foi convidado a se retirar, pois a Vanusa precisava descansar e a criança iria ser examinada pelo pediatra.

Mesmo estando em sua casa, Vanusa sentia-se uma inútil. Tobias havia tirado uns dias de folga no trabalho para dedicar-se a paternidade. Sua mãe, pai, irmã e demais parentes, tomaram conta de sua casa. Só lembravam dela na hora da Paola mamar.

Vanusa sentia-se uma vaca leiteira!

Estava revoltada por ter que permanecer de cama por causa da rotura perineal que tivera durante o parto. A parentada tinha invadido a sua casa, todos queriam conhecer a pequena Paola.

Os dias passaram, e agora Vanusa sentia-se solitária, pois sua casa tinha se tornado um deserto. Tobias tinha retornado ao trabalho, e os parentes tinham sumido. E Vanusa precisava assumir os cuidados da filha, muitas vezes sem saber o que deveria fazer, para acalmar um choro repentino.

Vanusa sentia amor por sua filha, assim como sentia ciúmes da atenção que o marido dedicava a pequenina. Tobias chegava do trabalho e mal olhava para esposa, queria apenas estar com a filha, e a mimava de todas as formas. Ela tinha consciência de que Paola merecia toda a atenção do pai, mas não era justo que ela, a mãe, ficasse em segundo plano.

O tempo foi passando, e Paola crescendo. Ela com um aninho, já dava os primeiros passos e balbuciava papa, quando via o pai se aproximara dela. Paola se tornara uma menina encantadora, porém muito travessa. Sua curiosidade fazia com que mexesse em tudo, até nas coisas de seu pai. E Tobias não gostou da teimosia da filha.

Aos poucos ele foi se distanciando da filha, assim como da esposa. Nas suas horas livres, Tobias não ficava mais em casa. Fazia academia, jogava futebol, e até mesmo alimentava seu novo passatempo: antiguidades.

Aos fins de semana Tobias saia para garimpar pequenos objetos antigos, em feiras e briques. Claro que era uma atividade que ele fazia sozinho.

Vanusa sentia-se cada dia mais apartada da vida do marido.

Ela não se queixava das atitudes de seu marido, para ninguém. Em primeiro lugar porque era orgulhosa, e seguidamente lembrava-se das palavras da avó e do pai, que eram de opinião que de ela precisava conhecer melhor o rapaz antes de casar.

A vida do casal virou uma rotina, e os momentos de intimidade, eram escassos. Mas a vida continua, pensava Vanusa, e ela dedicou-se inteiramente a filha.

Eles estavam completando 6 anos de casados. Bodas de Perfume. Seria a combinação entre dois elementos que representam a essência da vida.

-- Essência da vida?  Que piada! – Disse Vanusa para si mesma ao receber uma mensagem de sua mãe, a parabenizando pelo o aniversário de casamento.

Aquele dia passou sem que Tobias se lembrasse da data.

-- Homem é assim...  -- Comentavam as amigas, não ligam para as datas.

Mas Vanusa sentiu-se magoada. No entanto, não deixou transparecer.

---

Aquele verão tinha sido maravilhoso.

Tobias programou as férias da família de modo diferente. Em vez de ficaram hospedados na casa de mãe dele, na praia, ele propôs fazerem uma viagem de carro, pelas praias de Santa Catarina.

Foram dias de convivência familiar como nunca tiveram. A relação do casal retornou ao que era no início do casamento. E eles transaram muito. Tudo estava perfeito!

Paola também aproveitou a presença do pai. Os dois caminhavam pela praia, apostavam corridas e entravam no mar e divertiam-se. Vanusa observava a interação entre pai e filha. E perguntava-se:

-- O que aconteceu?  Claro que tudo estava fantástico, mas qual era a razão de uma mudança repentina e tão significativa?

Vanusa não encontrou uma resposta.

No entanto ela não iria desperdiçar esses momentos de felicidade familiar pensando... Iria curtir!

A família retornou das férias e voltou a rotina, porém com uma pequena diferença, Tobias estava mais presente. E isso, fazia toda a diferença, não só para ela, como também para a Paola que era apaixonada pelo pai.

Os dias foram de felicidade.

Tempo passou.

Paola estava na escola e numa tarde sombria, Vanusa decidiu arrumar os armários. Era uma tarefa que ela detestava, mas como ele tinha tempo naquela semana, resolveu se livrar dessa incumbência.

Começou pela parte do marido. Tirou todas as roupas, limpou o armário por dentro, se pôs a revisar as roupas dele. No bolso de um blazer de lã, ele encontrou uma folha de papel dobrada. Abriu e leu.

-- Não é possível! – murmurou.

“Te espero no lugar de sempre as 17h. Sempre tua M.”

Foi o que ela releu.

Sem saber como agir, ela colocou o bilhete de volta no bolso do casaco. Recolou as roupas no armário.

Foi para o chuveiro e chorou.

Se arrumou muito bem e antes de sair pediu para a dona Beatriz, a sua mãe, pegar a Paola na escola.

Resolveu ir de Uber. Estava muito agitada para dirigir.

Foi até o prédio da empresa onde seu marido trabalhava.

Sentou-se no saguão e esperou. Faltava pouco para o fim do expediente. Não demorou muito e ela viu o Tobias entrar no prédio acompanhado por uma mulher. Uma colega de trabalho bastante intima dele.

Ela a conhecia, e chamava-se Marina. Então era M de Marina.

Credo! Essa mulher havia estado na sua casa mais de uma vez... Ela era casada!

Será que eles eram tão descarados, a ponto de não se importarem com o que os colegas poderiam pensar, ou mesmo os seus superiores?

Ali diante dos fatos, ela agiu com frieza. Era assim que iria proceder. Ele não podia desconfiar que ela sabia que ele tinha um caso.

Vanusa não voltou para casa. Desligou o telefone e foi para o shopping fazer compras. E comprou muitas coisas. Ela chegou em casa muito tarde, com muitas sacolas.

Tobias a esperava bem preocupado.

-- Aonde estavas? Por que estas com o telefone desligado? Liguei mil vezes...

-- Eu precisava sair um pouco. Fui passear...

-- E gastou uma fortuna... – Disse ele olhando a quantidade de sacolas. – Deves ter estourado o cartão de credito.

-- É... Talvez... – Disse ela indo em direção ao quarto e anunciando. – Eu vou dormir sozinha. Hoje eu não te quero na minha cama. Amanhã não sei, mas hoje não! – Vanusa fechou a porta e trancou a chave.

Tobias estava espantado.

Não entendia a atitude de Vanusa. Ela sempre foi tão calma, tão fácil de manobrar, e agora se apresentava desse jeito... Algo tinha acontecido. Mas ele era tão cuidadoso... Nunca deixou nenhum rastro.

Tobias dormiu no sofá.

Na manhã seguinte ele saiu muito cedo de casa.

Ainda bem que ele sempre tinha uma muda de roupa no escritório. Tomou uma chuveirada e vestiu-se, só então pediu uma entrega de café com bolinho.

Ele não ligou para casa, e tão pouco recebeu algum telefonema de Vanusa ou algum familiar. Uma situação muito estranha.

Ao fim do dia ele voltou sem saber o que encontrar. Estava curioso e ao mesmo tempo receoso.

Tobias entrou em casa e sentiu o cheiro de carne de porco assada. Era o seu prato favorito. Respirou aliviado, a Vanusa tinha voltado ao normal. Bem, nem tanto, pois a Paola não estava em casa.

-- Olá! – Disse a porta da cozinha. – Tudo bem por aqui? Onde está a minha filha?

-- A nossa filha está na casa da minha mãe. E tudo muito bem por aqui. Como passastes o dia?

-- Bem, e com muito trabalho. Reuniões e reuniões. – Queixou-se.

-- Tudo normal, então. – Disse Vanusa em tom de deboche.

-- O que está acontecendo contigo?

-- Nada. Vamos jantar depois conversamos. Aliás fiz esse prato especial para celebrar.

-- Celebrar o quê?

-- Come, logos saberás.

Tobias começou a comer e se surpreendeu com o sabor, não se conteve e comentou:

-- Humm... Está muito bom! Hoje tu te superaste. Parabéns!

-- Obrigada! Essa era a intenção. – Respondeu Vanusa sorrindo.

Quando ele terminou de comer a sobremesa, ela falou:

-- Eu quero um tempo.

-- Como assim, queres um tempo? – Indagou ele surpreso.

-- Eu preciso pensar, rever a minha escolha. – Explicou ela calmamente.

-- Tu estás me traindo. – Afirmou ele a olhando com raiva.

-- Não sou dessa laia. Sou leal e honesta. Por isso estou te pedindo para sair desta casa agora. As tuas coisas já estão arrumadas. É só pegar a mala e te mandar.

-- Se estás pensando que...

-- Vai embora agora – Disse Vanusa com firmeza -- Eu não vou discutir contigo. E essa casa é minha, não esquece. Aqui mando eu.

Indignado, Tobias pegou a maleta e foi embora.

Ele não estava preparado para essa situação. Teria que ir para um hotel. Não iria para a casa de seus pais. Era ridículo!

---

Paola sentia saudades do pai.

Já se passara um mês e Tobias não tinha ido visitar a filha. Ele continuava indignado com a esposa. Ele mandou investigar, colocou um detetive para vigiá-la e a esposa seguia com a sua vida normal. Nem de casa saia. Só saia para cumprir a rotina, ou seja, fazer as compras da casa, levar e buscar a filha na escola, uma vez por semana ir ver mãe.

O que tinha acontecido? A Vanusa sempre foi apaixonada por ele, por isso ele andava com a Marina, pois tinha certeza que a esposa seria sempre submissa, pois o amava muito.

A Marina não era compromisso. Era uma mulher bonita, sensual e fácil. Ela tinha marido, que era 35 anos mais velho, e não se importava com as folias da esposa. Por isso Marina era a amante ideal.

Então, ele se perguntou:

-- Por que eu tenho uma amante? A minha esposa não é bonita, carinhosa e sincera? Por que eu fiz essa loucura? E será que a Vanusa me quer de volta?

Passado o tempo que Vanusa tinha pedido, Tobias a procurou. Eles marcaram um encontro no shopping.

-- Aceitas mais um café? – Perguntou o Tobias, tentando esticar a tarde.

-- Não, obrigada. Só preciso te dizer que eu pensei muito e não quero mais me sujeitar a vida que eu tinha. Ser tua esposa não é para mim. Vamos providenciar a nossa separação legal.

-- Tens certeza? O que eu te fiz de tão grave?

-- Se tu não tens a capacidade de reconhecer os teus erros, procura ajuda profissional. Eu não vou me rebaixar, jamais. Meu advogado vai entrar em contato contigo.

-- Não estou te entendendo. – Disse Tobias.

-- A relação de um casal é como cristal. Depois que se quebra não fica mais igual. Não adiante tentar colar. Se quebrou!

Tobias entrou numa crise existencial.

---

Um ano depois, após tratamento psicológico, Tobias procurou por Vanusa. Ele a queria de volta. Reconhecia que tinha feito tudo errado, que ele a amava, amava a filha e sentia muita falta da vida que eles tiveram. Ele queria ter uma chance de recomeçar.

Vanusa estava segura de si. Estava em paz. Mesmo sendo assediada por um antigo namorado, que estava divorciado, ela inda não queria envolvimento.

Não estava pronta para um novo amor. Seu coração ainda estava se refazendo do terrível golpe que sofrera.

Ainda estava convalescente!

Vanusa escutou tudo o que Tobias tinha para lhe dizer. Ela até sentiu pena dele, no entanto foi firme em sua decisão. Paola estava bem, também estava tendo acompanhamento psicológico, e ela não queria estragar a vida da filha mais uma vez.

Vanusa foi muito clara ao repetir:

-- O amor é como cristal... Depois que quebrou não tem como restaurar.

                                                                             

                                                                      Maria Ronety Canibal

                                                                                     Julho 2023.