domingo, 1 de outubro de 2017

COM AMOR

                                                              COM AMOR


As lembranças de um tempo feliz sempre vinham à mente de Paula. Recordações do  tempo em que ela era uma adolescente encabulada que ficava muito zangada quando um determinado guri, que morava na mesma rua que ela, e que sempre que passava por ela  dizia: “Oi, bonitinha.”
Não gostava de recordar a razão por  sua família ter se mudado daquela casa que ela tanto amava. Tinha vergonha dos acontecimentos, pois tinha sido um escândalo. E sua mãe fugiu com ela para casa de sua avó.
Seu pai era alcoólatra, e naquele dia chegou em casa e a puxou para o colo dele e começou a molestar, tocando a acariciando suas partes intimas. Ela ficou assustada, chorosa  queria se afastar, mas ele tinha mais força e ela não conseguia se livrar. Até que sua mãe entrou na sala e viu a cena, e com um cabo de vassoura o agrediu. Então seu pai a soltou e começou a agredir sua mãe. Paula gritava por socorro, então os visinhos acudiram e as livraram dele.
E desse dia em diante tudo mudou em sua vida. Trocou de bairro, de escola, e ficou sem amigas e passou a ter uma visa solitária, porque sua mãe não a deixava sair, porque tinha receio  do que seu pai poderia fazer se a encontrasse.
Ainda hoje, doze anos depois ela era insegura, não confiava nos homens e não os deixava chegar perto. Sua terapeuta havia dito que ela superaria essa dificuldade,  quando encontrasse o amor, então sua vida teria outra dimensão. Paula lutava para se livrar de seus traumas. Agora ela era farmacêutica e desde que  se formara ela optou por trabalhar e morar sozinha, mesmo sob protesto de sua mãe.
Ela estava dividindo um apartamento com Marisa, que era  sua colega de faculdade. Ambas trabalhavam na mesma rede de farmácias, na mesma loja do shopping, porém em horários diferentes. Paula estava bem, tranqüila e curtia muito seu trabalho. Marisa era mais agitada e gostava de sair e sempre convidava a Paula para ir junto. Mas ela sempre recusava. Marisa namorava Lucas há muito tempo. Eles estavam pensando em casar e como o apartamento era de Marisa, então Paula estava procurando uma quitinete para ela.
Dessa vez Paula não tinha como evitar, teria que ir à festa que estavam preparando para Marisa. Era aniversário e noivado dela. Foram os pais de Marisa quem organizaram a reunião em um restaurante.
Naquele dia após sair do trabalho Paula foi escolher um vestido, pois não tinha nada adequado para ir a festa de Marisa. Provou vários modelos, mas o que mais gostou foi vestido simples, reto, cavado e com decote V, na cor verde mar bem claro. Escolheu uma sandália preta para compor o traje.
Ela não era muito alta, tinha um corpo esguio e pernas longas. Cabelos e olhos cor de mel. Sua pele era clara tendendo para o bronzeado. E segundo a vendedora, a cor assentava muito bem nela.
Paula chegou ao restaurante um pouco atrasada, tinha trabalhado e  até se aprontar... Marisa sabia que ela não chegaria na hora marcada então protelou um pouco para esperar a amiga.
O salão de festa ficava na parte superior do restaurante, era totalmente privado, com um ambiente acolhedor e com espaço para danças.  Ela entrou no recinto e ficou parada olhando tudo, e só então foi na direção de Marisa. A abraçou e perguntou:
-- Cadê a aliança? Não colocaram ainda?
-- Não, eu estava te esperando.
-- Que bom, não queria perder essa.
-- Venha cá, vou te apresentar os amigos de Lucas.
-- Ok.
-- Olha gente, essa é a minha amiga Paula. Tem lugar para ela ai?
-- Sim. Aqui do meu lado... – falou um rapaz simpático.
Paula agradeceu se sentou. Engraçado, ela pensou, quando olhou para  o rapaz que estava na ponta de mesa e achou que o conhecia de algum lugar. Mas de onde? Ela não iria perguntar. A conversa rolava, e diziam muita bobagem e todos riam.
Foi servido o jantar, depois houve o brinde e os noivos declararam seu amor mútuo e colocaram as alianças. E depois um tecladista começou a tocar e muitos casais foram dançar. Na mesa ficou apenas ela. Os demais estavam dançando.
Ela estava distraída quando ouviu uma voz dizer:
-- Oi bonitinha, vamos dançar?
O coração de Paula quase saiu pela boca, ela virou-se e viu que era Marcus o rapaz que estava sentado na ponta da mesa. Ela olhou e disse:
-- Eu não sei dançar...
-- Vem, eu te ensino.
E ele a enlaçou e foi guiando seus passos e logo ela estava acompanhando o ritmo da musica. Ela queria perguntar se ele era aquele guri da adolescência que a chamava de bonitinha, mas estava com vergonha. Era melhor deixar pra lá.
Mas Marcus leu seu pensamento e perguntou:
-- Tu  morava na rua Américo Vespúcio?
-- Sim – e em seu pensamento ela estava vibrando, era ele, e ele se lembrava dela...
-- Tu te lembras de mim?
-- Sim.
-- Eu te incomodava muito? – disse ele  rindo.
-- Um pouco...
-- Um pouco? Os teus olhos me fuzilavam...
-- Verdade?
-- Sim. Mas eu gostava de te provocar. Depois te mudastes e eu não tive mais com quem implicar. E hoje quando tu chegaste e ficaste, parada ali no topo da escada, eu vi que era a minha bonitinha. Tinha certeza. Ainda é o mesmo rosto.
-- Eu quando sentei a mesa achei que te conhecia de algum lugar, mas não consegui saber de onde.
-- Ah que dor... Ela não me reconheceu... Pensei que tinha te incomodado o bastante para me tornar inesquecível, mas não foi o suficiente.
E ambos riram. E seguiram dançando, agora música mais ligeira para dançar separados. Ele propôs sentarem um pouco para  tomarem algo. Estavam sedentos. E o resto da noite eles ficaram conversando.
Então ela soube que ele era amigo de Lucas, que era engenheiro elétrico e juntos  eles tinham um escritório de planejamento e execução de sistemas de geração, transmissão e distribuição de  energia. E Paula pode perceber como ele gostava do seu trabalho, pois falou com entusiasmo dos projetos que eles tinham elaborado e que agora estavam implantando. Ela também falou de sua profissão. Ela gostava muito do que fazia. Estava realizada.
A festa estava chegando ao fim, alguns convidados já haviam ido embora, mas mesmo assim a tecladista continuava tocando, agora músicas lentas e ele a levou para dançar novamente.  Ela estava à vontade com ele. Ele era divertido, bem falante e muito simpático. Não era bonito, mas ele tinha um algo mais...
Quando estavam saindo ele disse:
-- Eu te dou uma carona.
-- Eu vou com a Marisa, eu  divido o apartamento com ela.
-- Não vai não... Deixa os noivos curtirem. Não devias nem ir para o apartamento para eles ficarem mais a vontade.
-- Será? Vou falar com ela.
-- Te espero aqui.
Ela foi falar com Marisa que rindo concordou com Marcus. E Paula ficou pensando para onde ela iria? Ela foi até Marcus e com uma cara engraçada disse para ele;
-- O pior é que eu não tenho para onde ir.
-- Não te preocupa, vamos dar uma esticada por ai e depois mais tarde te levo para casa.
-- Certo.
Ele a levou para curtir uma noite diferente. Ela nunca tinha saído pra noite, tudo era novidade. Ele achou engraçado e perguntou:
-- Em que mundo tu vives? Como nunca saiu?
-- Não nunca!
-- Nunca ficastes com um cara, nunca namorastes?
--Não.
-- Que coisa! Tu vieste de outro planeta? Mas eu estou gostando de ter o prazer de te apresentar o mundo a noite. Pode confiar em mim. Vamos a um lugar onde dá para dançar.
Já era quase cinco da manhã quando ele a deixou na porta do prédio em que morava. E disse que viria buscá-la para almoçarem juntos.
Paula tomou um banho quando chegou, achou que dormiria melhor, mas puro engano. Ela não conseguiu conciliar o sono, pois Marcus estava em seu pensamento. Só depois de muito rolar na cama foi que dormiu. E acordou sorrindo... Foi uma noite e tanto!
Marisa estava terminando de se arrumar  para sair com seu noivo, quando Paula apareceu na porta do quarto. Ao olhar para a amiga sorrindo disse:
-- Tivemos uma noite e tanto. Obrigada amiga. E a tua como foi?
-- Foi bem. Mas agradeça ao Marcus, ele que me deu a dica. Tu sabes que eu não sou ligada em alguns detalhes.
-- Mas vais aprender. Vou-te dizer que gostei muito de te ver com o Marcus. Ele é um cara muito legal, um amigo de verdade.
-- Eu o conheci quando era guria. Depois nunca mais nos encontramos e ontem ele se lembrou de mim e até de como ele implicava comigo para me deixar zangada.
-- Hum... Então é um amor de longa data... Estou entendendo. Tchau bom domingo.
-- Tchau...
Paula olhou a hora e foi se arrumar, logo Marcus estaria ali para buscá-la. Ela olhou para suas roupas e ficou  desolada. Não tinha nada novo, nada bonito. Escolheu um vestido de malha azul marinho. Passou um pó no rosto e passou batom numa tonalidade rosa. Mal ela terminou de se arrumar e o interfone tocou. E ela desceu rapidamente.
-- Oi, bonitinha. Tudo certo?
-- Oi, tudo bem.
-- Aonde queres ir? O que gostas de comer?
-- Tu escolhes. Eu gosto de quase tudo.
-- Vamos comer uma massa
-- Ótima idéia. Vamos.
Eles foram a um lugar bem simples e acolhedor, nos arredores da cidade, mas com uma comida muito boa, bem feita. A especialidade da casa era massas.
Enquanto almoçava ela comentou que precisava com urgência encontrar um apartamento para ela. Pois só agora tinha se dado conta que ela atrapalhava os noivos. E Marcus se propôs ajudá-la a encontrar. De repente ele lembrou que um amigo estava indo de mudança para Curitiba e estava querendo alugar apartamento de um quarto mobiliado. Ele só não sabia o preço que ele estava pedindo. Se ela quisesse poderiam ir ver o apartamento, mais tarde, era só ligar para o Mauro.
Duas horas depois ela estava olhando o apartamento, que era bem localizado em relação ao seu emprego, até mais perto e com transporte a meia quadra. Ela ficou empolgada. Mauro estava se mudando na terça feira e ficaria muito bom se ela já acertasse com ele. E foi o que fizeram. No fim de semana ela estaria se mudando.
Paula não tinha muita coisa para transportar, e com Marcus ajudando foi rápido. No sábado mesmo tudo já estava pronto para ela ficar morando. Ao fim da tarde depois de tudo limpo e arrumado, Marcus a convidou para jantar fora. Mas ela estava cansada e propôs que eles fizessem qualquer coisa ali mesmo.
Marcus concordou. Enquanto ela descansava um pouco e tomava um banho, ele foi até em casa tomar um banho e depois passaria no super para comprar alguns ingredientes que ela não tinha. Ele viu que a despensa de Paula era muito pobre.
Quando ele retornou, ela estava o esperando sentada no sofá com ar de cansada, mas estava linda com os cabelos ainda úmidos, de cara lavada, e com uma roupa simples. Ele a achou muito sexy.
Marcus entrou cheio de pacotes. E Paula foi para a cozinha com ele. A medida que ele ia tirando as compras da sacola ela ia indagando:
-- Por que tudo isso?
-- Porque tu não tens quase nada na tua despensa.
-- Mas eu nem almoço em casa...
-- Não importa, mas eu gosto de comer, e pretendo freqüentar com assiduidade esse teu apartamento, se é que me entendes.
-- Sim. – respondeu Paula corando.
Marcus olhou para ela e sorriu e deu beijinho na ponta do nariz dela. E se pôs a preparar o jantar.  Montou uma lasanha para o outro dia e fez uma massa à carbonara. Que Paula de nota mil. Ele era um bom cozinheiro. Depois do jantar e de limpar a cozinha eles sentaram no sofá olhando TV.
Era como se já tivessem uma convivência de muito tempo, mas fazia apenas quinze dias que tinham se encontrado. Ele já descobrira algumas coisas sobre ela, Lucas havia contado para ele, sobre o trauma que ela tinha vivido, mas muito por alto, sem detalhes. E por isso ele sabia que deveria ser cuidadoso com ela. Tanto que Lucas ainda brincara com ele quando falou: “cara ela é completamente virgem.”. E ele sabia, gostava dessa idéia, mas também sabia que enfrentaria algumas dificuldades.
Enquanto assistiam ao filme, que era um drama muito complicado, Marcus pegou a mão de Paula que não se incomodou. Ele se aproximou mais dela e passou o braço por seus ombros e ela recostou a cabeça nele. Assim felá ficou até o final do filme. Já era passava da meia noite quando Marcus disse que ia embora. Ela concordou e ao sair ele disse:
-- Amanhã pelas onze horas estou por ai. Tchau bonitinha.
E arriscou um beijinho na face. Ela sorriu e esperou ele descer para fechar a porta. Ele estava com uma copia das chaves, então ela não precisava ir com ele até a porta da frente. Eram três chaves para ter acesso ao prédio.
Nessa noite Paula dormiu direto, estava muito cansada e nem pensou em Marcus como acontecia em outras noites. Mas sonhara com ele sonhos bons e bonitos. Quando acordou estava sorrindo e ai sim com o sonho na memória ficou um bom tempo pensando nele.
Marcus, porém teve muita dificuldade para dormir, pois ela estava em seus pensamentos, em sua imaginação e tudo isso o deixava aceso, sem sono. Na verdade ele estava gostando dela, aliás, desde guri ela ocupava seus pensamentos e agora ele estava preocupado com o tal do trauma que ela tinha vivido. Tinha vontade de perguntar a ela, mas tinha receio de ser muito cedo. Não queria arriscar. Precisa criar um pouco mais de intimidade com ela, mais companheirismo para ela se sentir segura e contar sobre sua vida para ele. Precisava de paciência. Nada de “amasso”, por enquanto.
Eram exatamente onze horas quando Marcus  entrou e ela disse;
-- Bah... Que pontualidade britânica. Tudo bem?
-- Tudo.  E tu descansaste, dormiu bem?
-- Sim muito bem, com direito a bons sonhos...
-- Ah é! Me conta...
Paula deu um sorriso malicioso e olhou para ele negando com o movimento de cabeça. Ele ficou com vontade de abraçá-la, pois ela estava encantadora  com aquele jeito zombeteiro. Era cedo para pensarem em almoço, o dia estava lindo com uma temperatura agradável e Marcus sugeriu que fossem dar uma caminhada. Paula aceitou e saíram de mãos dadas. Ela era alegre e divertida, ela era um bom papo, pois falava de vários assuntos com uma critica bem proveitosa. Ambos tinham a mesma linha de pensamento.  
Voltaram do passeio e prepararam o almoço juntos. Riram e divertiram-se. Depois do almoço assistiram um filme... E eles passaram um domingo maravilhoso. Quando a Marcus olhou o relógio deu um salto, era muito tarde. E Paula comentou:
-- Nossa, que domingo que passou rápido.
-- Claro em boa companhia – completou Marcus rindo. E continuou.
-- Essa semana vou  ficar fora, tenho que ver o andamento de alguns projetos. Se tudo der certo volto na quinta.  Nos falamos... Mas preciso te dizer que nem sempre o lugar em que eu estou tem sinal.
-- Sim, tudo bem.  Boa viagem te cuida.
-- Obrigada. Vem cá deixa eu te dar um beijinho de despedida.
E Paula ofereceu o rosto para ele beijar, ele beijou sua bochecha e a pegou pelo queixo e virou seu rosto de deu um beijo suave em seus lábios. Olhou para ela para ver sua reação, mas ela estava aceitando,  e deu mais beijo na testa. E foi embora.
Paula havia decidido que precisava de roupas novas. E naquela semana depois do trabalho ela percorreu várias lojas pesquisando preços e olhando as novidades. Por fim comprou algumas blusas e uma calça nova. Foi ao cabeleireiro renovar o corte de seu cabelo.   Estava feliz. Quando Marcus chegasse teria o que usar. Ela queria estar bonita para ele, ela queria surpreende-lo!
E conseguiu, pois ele notou tudo. Ele elogiou o cabelo, a blusa nova, ele era demais! E  foi mais um fim de semana que passou ligeiro.
 Paula sabia que estava completamente apaixonada por ele e tinha muita vontade  de estar perto dele e de ser beijada... E tocada por ele? Disso ela não tinha certeza. Ela tinha consciência de que teria que contar para ele, sobre seu problema, se o namoro seguisse em frente. Sabia que as caricias seriam mais ousadas... E ela sentia pavor só em pensar. Talvez ela devesse desistir dele. Ela não tinha condições para superar seu trauma.
 Amava ele, disso tinha absoluta certeza. Porém tinha duvidas quanto a ele, sentia que ele gostava dela, mas será que ele suportaria esperar  a superação dos problemas dela? Essa era a grande questão.
Naquele sábado, depois de estar ausente toda a semana Marcus estava com muitas saudades dela e quando a viu a abraçou e beijou com avidez. Paula que também sentira falta dele estava ansiosa por ser beijada de verdade,  retribuiu aos beijos. Ele percebeu que ela estava afim. Parou o beijo de deu as dicas necessárias para ela poder beijá-lo também. E eles chegaram à porta do paraíso.
Marcus ficou animado com a recepção que tivera. E pensou que poderia dar um passo a frente.  E já sentado no sofá e abraçado a ela a beijou novamente e ousou, desceu sua mão para uma caricia em seu seio. Mas ela o repeliu e começou a chorar.
Ele não sabia como fazer acalmá-la , pois ela chorava compulsivamente. Então resolveu levá-la para o quarto e acomodá-la na cama para ver se ela dormia e parasse de chorar. Ficou ali com ela um bom tempo ninando como se fosse uma criança. Por fim ela dormiu.
Marcus foi para a cozinha passou um café e enquanto bebia ficou pensando em como ajudá-la a superar tudo isso. Ele teria que a fazer falar. Esperou um bom tempo, foi espiar várias vezes para ver como ela estava e a cobriu, pois achou que ela estava gelada. Depois de quase três horas foi que Paula acordou.
Ela chegou a porta da sala toda inchada de tanto chorar e olhou para ele envergonhada. Ele foi até ela, a pegou pela mão e a fez sentar no sofá. Ofereceu a ela água que ela aceitou e perguntou se queria um café, mas ela recusou.
Então muito séria ela olhou para Marcus com os olhos rasos de água novamente e disse:
-- Eu não consigo. Acho que não podemos continuar com esse namoro. Eu não sou uma mulher normal.
-- Não vamos precipitar as coisas. Eu acho que tu devias  falar comigo,sobre toda esta questão que tanto te aflige. Eu quero te ajudar. Eu quero ficar ao teu lado.
-- Eu tenho vergonha de falar...
-- Mas é pra mim que tu vais contar, só pra mim...
-- É muito difícil...
-- Eu sei. Mas é preciso. Só assim eu poderei te ajudar a superar. Queres aquele café agora, ou outro copo de água.
-- Um café.
-- Fica quietinha ai que eu vou buscar.
Marcus retornou com duas canecas fumegantes de café. Puxou uma cadeira e sentou-se a frente dela. Precisava observar tudo nela. E aos poucos ela começou a falar e contou tudo para ele, os mínimos detalhes, coisas que ela nunca tinha dito para ninguém, ela falou para ele. Marcus segurava as mãos dela enquanto ela falava.
Ele estava revoltado, indignado com tudo o que ela passara e com todo aquele sofrimento. Ele estava disposto a ajudá-la a superar tudo aquilo, ela valia a pena. Ele a amava muito. E ela terminou dizendo:
-- Viu como eu sou complicada, não vou conseguir ser a namorada que tu desejas.  Por isso é preciso parar por aqui. Não dá, não quero mais.
-- Eu posso esperar o tempo que tu necessitas para avançar. Um dia nós vamos conseguir fazer amor. É isso que tu precisas entender, o que nós estamos fazendo, ou querendo fazer,  é por causa do amor que sentimos um pelo outro. E o amor é divino, é puro, é sublime, é maravilhoso. É o amor que nos torna um só, o ato de amor nos completa. Deus fez assim.
-- Preciso ficar sozinha.
-- Não! Hoje eu vou ficar aqui contigo, não vou para casa. E pode ficar tranqüila que nem vou chegar perto de ti, só se tu quiseres. Vou te cuidar.
-- Não precisa...
-- Está decidido. Porque não tomas um banho para relaxar. Eu vou ficar aqui vendo TV. Vai...
Paula ainda protestou, mas Marcus foi firme. Ele preparou algo leve para eles comerem e após ficou assistindo TV ao lado dela. Mais tarde ele viu que ela estava cansada e a mandou para cama. Ela concordou, mas antes trouxe um travesseiro e coberta para ele.
No meio da noite Marcus  escutou um choro e foi  até o quarto com a intenção de acalmar Paula, mas para sua surpresa ela estava dormindo e chorava, com certeza era um sonho ruim.
Ele ficou parado olhando sem saber que atitude tomar. Resolveu  não acordá-la, mas fazer algo, então pegou sua mão e afagou seu rosto. Talvez desse certo. E deu. Cessou o choro e ela se aninhou perto dele se seguiu dormindo. E Marcus permaneceu um bom tempo ali com ela.
No outro dia cedo, ela acordou com um cheiro de café que vinha da cozinha, então se lembrou  de que Marcus estava lá com ela. Paula vestiu um roupão e foi para cozinha. Ela entrou sorrindo, dizendo que  primeiro tivera um sonho triste, mas depois o sonho mudou e foi muito bom. Tanto que acordou bem disposta.
Marcus serviu o café. Estava começando a chover e ela disse:
-- Eu tinha planejado te convidar para dar uma caminhada, mas não vai dar.
-- É, mas vamos curtir essa chuva ali no sofá...
O tempo corria , já se passara seis meses e no próximo sábado seria o casamento de Marisa e Lucas. Paula e Marcus seriam padrinhos dos noivos. Todos estavam muito envolvidos na preparação da cerimônia. Naquela semana teriam que fazer o ensaio na igreja e D. Rosa, mãe de Marisa tinha convidado os padrinhos para um jantar na quarta feira. Marisa tinha deixado o trabalho na farmácia. Decidiu trabalhar em um laboratório e iria iniciar no novo emprego depois que voltasse da lua de mel.
Era o dia do casamento e Marcus todo arrumado foi buscar Paula. E quando ele a viu ficou sem palavras. Ela estava muito linda dentro daquele vestido de seda na tonalidade azul Royal. Tinha feito um jeito diferente no cabelo que a deixou deslumbrante. Ele deu um beijo em sua testa e disse:
-- Oi minha bonitinha. Estas demais... Muito linda. Vou ficar com ciúmes se os outros homens te olharem muito.
-- Mas eu vou estar é contigo, isso que importa meu bonitão. Está um gato de terno.
E saíram rindo. Estavam felizes, e Marcus estava confiante, sabia que eles superariam as dificuldades.  O casamento foi lindo, a festa muito alegre e divertida. E eles dançaram muito. Antes dos noivos deixarem a festa, todos fizeram um brinde com champanhe ao casal. Tudo maravilhoso.
Enquanto dançavam Paula pediu a Marcus que ficasse com ela naquela noite. Ela queria tentar avançar na relação. E Marcus concordou. Ele sabia que ela estava um pouco “alta”, mas era ela que estava pedindo e ele na recusaria um pedido desses. Paula queria superar o problema, vinha pensando nisso a um bom tempo. E só na pratica é que ela saberia qual seria seu grau de aceitação.
Já era madrugada quando chegaram. Marcus pensou em a deixar tomar a iniciativa e ir até onde ela suportava. Não iria forçar. E disse:
-- Eu vou fazer só o que queres que eu faça. Tu vai  me orientado. Certo?
-- Sim. Eu preciso tentar, Pode dar tudo errado, mas eu preciso.
-- Eu sei, eu te amo, e com amor nós vamos chegar lá. Vamos dar um passo de cada vez.
-- Obrigada. Eu te amo por tudo isso.
Ele a abraçou e a levou para o quarto, e vagarosamente foi a despindo e beijando e acarinhando seus ombros, pescoço e suas mãos se moviam nas costas de Paula, que tremia, mas continuava querendo. Ela fez o mesmo com ele, tirou sua roupa e o beijou no peito e no lóbulo da orelha.
Depois de tirar toda a roupa dela, Marcus a deitou com cuidado, e acomodou-se a seu lado e foi aos poucos chegando aos seios, que acariciou e beijou e foi avançando um pouco mais. Mas então Paula sussurrou um não. Paula queria retribuir os carinhos, mas não conseguiu ficou bloqueada.
Então Marcus a puxou para perto de si, passou seu braço por sobre os ombros dela e ficaram assim abraçados enquanto ele falava ao seu ouvido dizendo coisas de amor. E dormiram assim abraçados.
Paula acordou antes dele e se ajeitou de maneira que pudesse olhar aquele corpo nu e admirar a sua beleza, mesmo em estado de inércia. Mas ela tinha percebido a potencia que havia nele. Ela queria consumar o ato. Estava se esforçando para isso.
Ele abriu os olhos e sorriu, e ela o beijou e murmurou:
-- Vamos continuar o que começamos?
-- Se queres? Só preciso usar o banheiro antes. Me dá licença?
Ele voltou e deitou-se e falou:
-- Vamos nos tocar, vamos aos poucos avançando, não te preocupa tanto.
-- Mas tu ficas em uma situação...
-- E que situação! – falou rindo dela.
E mais uma vez com muito amor Marcus foi tocando no corpo dela e deixando que ela o tocasse. Ficou a disposição da curiosidade dela. Mas de repente ela parou. Começou a tremer. E ela abraçou e ela se sentiu segura e se acalmou.
Estavam progredindo.
Mais uma semana passou e no sábado ele dormiu novamente com Paula e se tocaram sem consumar o ato de amor. O domingo passou, e Marcus avisou que teria que viajar. E não sabia o tempo que levaria para cumprir a programa de viagem. Despediram-se como de costume.
No sábado a tarde, Marcus tentou falar com Paula e não conseguiu. Ligou para a farmácia e lá disseram que ela não tinha vindo trabalhar e nem no dia anterior e nem tinha avisado nada. Ele ficou preocupado e ligou para a mãe de Paula, dona Silvia. Ela também não tinha falado com Paula. Mas disse que iria lá ver o que estava acontecendo. Marcus agradeceu e ficou de telefonar mais tarde.
Dona Silvia encontrou a filha em estado de depressão. Só chorando, sem querer abrir a janela, toda desalinhada, sem comer e sem tomar banho desde quinta feira. Foi a sua conclusão. Paula não respondia as suas perguntas e falava coisas desconexas. Então a levou para a clinica médica onde ela  já havia se tratado. E ela ficou internada.
Marcus ligou várias vezes até que d. Silvia atendeu. Ela contou a situação para ele e disse, por conta própria, que ele estava prejudicando a filha, que se afastasse dela. Marcus ficou chocado, e inconformado.
Procurou falar com Marisa que já estava sabendo da internação da amiga. Ela já tinha pedido para falar com  o médico responsável, pois não confiava na mão de Paula. Achava que d. Silvia não dava as informações corretas e sua mente era muito criativa. Enfim, Marisa, disse para Marcus, que sempre achou que d. Silvia não ajudava a filha, ao contrárioe a colocava para baixo.
Falar com Marisa deixou Marcus  mais calmo, pois ele era da mesma opinião, achava que a mãe prejudicava a Paula. Ele ainda não tinha terminado seu serviço, mais um dia e então voltaria para perto dela.
Marcus chegou e foi direto a clinica, queria conversar com o médico e precisava vê-la.  O médico foi atencioso com ele e perguntou tudo o que precisava saber, para Marcus, que falou tudo o que havia se passado entre eles para ajudar na recuperação dela. O dr. Davi permitiu que Marcus a visse na presença dele, queria analisar as reações dela.
Quando Paula viu Marcus ela abriu um sorriso e correu para ele, que a abraçou com carinho. Ela se aconchegou em seu peito e assim ficou, enquanto conversavam.
Dr. Davi ficou satisfeito com o que viu, dava para perceber que eles se amavam e muito e que ela confiava nele. Que aquele era o caminho de cura para ela. Mas também sabia que mãe dela só atrapalhava o tratamento, toda hora lembrando o fato acontecido na adolescência. 
Restava saber o que tinha acontecido para ela ficar daquele jeito. Ela ainda não tinha falado nada. Mas esperava que ela contasse para Marcus. Por isso saiu da sala e os deixou sozinhos. E Marcus orientado pelo médico perguntou e ela respondeu:
-- Eu acordei e estava me preparando para ir trabalhar, e lembrei que tinha que ligar para minha mãe, porque tinha deixado milhões de recados na minha caixa. E isso me deixou tensa, porque em todos os recados ela falava que tinha receio que eu encontrasse com  meu pai, que era para eu voltar a morar com ela, porque só ela sabia como me proteger, mais ninguém. Que eu agora andava com um homem que procederia como meu pai.
-- Meu amor, vamos contar isso para o doutor. Ele precisa saber, e eu acho que quem precisa de tratamento é a tua mãe. Onde está teu telefone° No apartamento?
-- Acho que sim.
-- Depois vou lá pegar e trazer para o doutor.
Paula contou para o médico e Marcus foi até o apartamento para pegar o telefone.  Mas não retornou. Esperaram... Ligaram... Foram ao apartamento dela... Ao apartamento dele... E ele não dava sinal algum.
Muito preocupado Lucas saiu a sua procura.
 Lucas procurou nos hospitais, ligou para diversas pessoas, clientes, foi ao prédio em que ele morava, entrou em contato com família dele, que morava no interior e ninguém sabia de Marcus. Então foi a delegacia registrar seu desaparecimento.
Marisa estava preocupada com sua querida amiga que estava tão bem,  conforme o médico disse, ela estava se estabilizando com o carinho e o cuidado do namorado. E agora ele some. Simplesmente desaparece assim do nada. Paula ainda estava na clinica, mas devido a essa situação o doutor iria a deixar baixada por mais uns dias. E Paula não sabia de nada, pensou que ele estava viajando.
Os dias passavam em nada... E Paula deixou a clinica
Então Marisa resolveu ficar com ela, não a deixaria com sua mãe, ainda mais agora que d. Silvia estava sendo avaliada pelo dr. Davi. Mas ela teria que contar a Paula sobre o sumiço de Marcus. Só precisava de coragem.
Quando Lucas chegou em casa, ela pediu a ele que a ajudasse a contar para Paula o que estava acontecendo, e foi Lucas quem contou com simplicidade o que tinha ocorrido e relatou para Paulo todos os procedimentos que tiveram. Agora estavam aguardando noticias.
Paula chorou, mas depois disse;
-- Não vamos perder a esperança. Ele vai aparecer, tenho certeza. Vou publicar na internet fotos dele, pode ser que alguém o tenha visto. Como podemos saber o que houve com ele. Uma coisa eu sei, ele jamais se afastaria de mim, assim.

 Naquele dia, em que Marcus foi procurar o telefone de Paula em seu apartamento, e não encontrou, quando  ele saia do prédio e entrava no carro, ele foi assaltado, colocado no porta mala do carro e deixado desacordado em outra cidade. Sem o carro, sem documentos, sem dinheiro, machucado e desnorteado.
Ele acordou, com muitas dores pelo corpo. Viu que estava amarrado, com esforço se desvencilhou da corda  e olhou ao seu redor.  Ele não tinha noção de onde estava. Era um lugar deserto, talvez uma antiga mina, ou pedreira. Com dificuldade se levantou e foi caminhando devagar tentando achar um rumo.
Escutou barulho de motores e foi na direção. Chegou a uma estrada, mas não viu ninguém, ou alguma casa. Tudo ermo.  Caminhou com dificuldade pela estrada em direção ao sol. Avistou um posto de gasolina. Lá chegando perguntou que lugar era aquele, um rapaz muito brincalhão disse:
-- Aqui é o fim do mundo.
E o rapaz perguntou;
-- Para onde queres ir?
E Marcus pensou e disse:
-- Eu não sei...
-- Oi cara para tu curar esse porre, tomar um café e comer alguma coisa. Tem dinheiro?
Marcus procurou por tudo e não achou nada. E o rapaz percebeu que tinha algo errado e disse:
-- Tu foste roubado?
-- Roubado?
-- Vem cá , eu tenho café e bolo aqui, vou te dar e tu vai ficar me devendo essa.
Marcus sentou num banco e tomou o café e comeu o bolo. E o rapaz olhava para ele, e disse se ele quisesse poderia ficar por ali. 
E Marcus ficou por ali. Sentia dores e tinha febre. Waldemar, o rapaz da oficina ficou “encucado” com aquilo. Ele estava machucado, podia ser briga de “cachorro grande” ou vitima de seqüestro, ou assalto. E percebeu que o rapaz estava meio bobo, atordoado. Deixou ele ficar.
Depois de uma semana parou um caminhoneiro  para consertar o pneu, olhou para Marcus e disse;
-- É o cara da foto!
-- Que foto? – perguntou Waldemar.
--Essa aqui, deixa eu achar, esse cara está sumido e família anda atrás dele. Parece que ele foi assaltado, porque o carro dele foi achado. Olha foto...
-- Mas é ele mesmo. Como vamos fazer para avisar a família? Tem um número ai para a gente ligar?
-- Vou tirar uma foto dele e enviar para a família com a localização. Para eles saberem que não é blefe.
-- Isso faz assim. Pobre gente. Ele é educado...
-- É Marcus, segundo está aqui. Eu vou seguir viagem, mas tu segura ele por ai.
-- Sim, obrigado... Boa viagem.
E no outro dia Lucas foi buscar seu amigo, e percebeu que Marcos estava zonzo. Agradeceu a Waldemar e deu uma boa gorgeta.
Lucas o levou direto para uma clinica, precisava de cuidados médicos, e ele tinha umas marcas muito feias nas costas. Deve ter apanhado dos assaltantes.
Marcus foi examinado e ficou internado, estava enfraquecido, e muito machucado e com  inflamação devido às pauladas que levou. E precisava também passar por uma avaliação para identificar a razão de sua tontura.. Dona Ana e Sr. Ivo, pais de Marcus vieram da chácara para cuidar dele.
Marcus foi diagnosticado com ruptura no baço, e precisa ser operado com urgência. Todos ficaram muito apreensivos. No momento em que todos achavam que Paula iria desmoronar, ela foi forte e confiante. Tinha certeza de que ele ficaria bom.
Enquanto ele estava na mesa de cirurgia, Paula foi para capela do hospital, para pedir ao Senhor que olhasse por ele e  o protegesse. Ela também pediu para que ela conseguisse superar seu problema, porque a felicidade deles dependia disso.
 Ela tinha recebido uma carta de seu pai, que não tinha tido a coragem de abrir, então ali na capela, entre lágrimas,  ela  leu o que sei pai lhe  escrevera. Ele pedia à filha que fosse feliz, que superasse as dificuldades causadas por ele, que ele se arrependia amargamente. Que ele estava no fim da vida, com cirrose e logo morreria, por isso pedia perdão por todo o mal que tinha causado. Mas que ele, seu pai, a amava muito.
Paula já tinha entendido que precisava perdoar seu pai, não podia viver alimentando o ódio como sua mãe. Dessa forma nunca ficaria curada. E hoje sabia que seu pai era doente, pois o alcoolismo é uma doença.
Por tudo isso, ali na capela, diante de Deus, ela perdoou seu pai.
No outro dia Paula foi com Marisa ao hospital para visitá-lo. Marisa estava apreensiva e Paula muito ansiosa. E quando pôs os olhos nele, com uma determinação extrema, foi até ele e o chamou pelo nome. Ele abriu os olhos e olhou para ela e sorriu. E murmurou:
-- Oi bonitinha.
Foi um alivio geral. Ele esta melhorando.
Marcus ficou ainda mais uns dias no hospital, mas ainda precisava ter certos cuidados, não poderia voltar logo a o trabalho. E Paula o levou para seu apartamento, iria cuidar dele.
Nesse ínterim, Mauro ligou dizendo que estava colocando o apartamento à venda. E se Paula quisesse comprar ela tinha a preferência, senão teria que deixar o corretor mostrar aos interessados.
Paula gostava do apartamento, mas não queria comprar. Para comprar ela pretendia um apartamento de dois quartos e com garagem. E ela tinha fundos para isso. Então disse a Marcus:
-- Bem, vou começar a procurar outro lugar, porque se ele vender logo, terei que entregar.
-- Posso te dar uma sugestão. Espera um pouco. Ele não vai vender assim tão ligeiro.
-- Mas por que esperar?
-- Porque tu pode ir morar comigo, se for necessário. Mas o que eu quero mesmo é casar. Tu aceitas casar comigo?
-- Casar?
-- Sim. Eu preciso ajoelhar para fazer o pedido?- disse rindo.
-- Não! Mas casar?
-- Por que a surpresa?
-- Não sei se deveríamos casar?
-- Te explica, achei que ias cair em braços e dizer sim...
-- É a minha vontade, mas...
-- O que é que está acontecendo, não me queres mais?
-- Eu te quero muito, tu sabes que eu te amo, mas é que não consigo me livrar do meu trauma...
-- Com o meu amor, eu vou fazer tu esquecer tudo isso. Vamos ser muito felizes e vamos ter nossos filhos., que achas?
-- Filho... Eu bem que gostaria...
-- Então, esse é o nosso objetivo, e vamos ter que trilhar o caminho...
-- Sim, eu quero me casar contigo.
E chorando Paula se atirou em seus braços. Eles se amavam, iam formar uma família. E com o coração transbordando de esperança começaram a fazer planos.
Marcus notou que Paula estava diferente. Ela estava com mais vivacidade, mais confiante. Ele percebia uma melhora nela. Não sabia a que atribuir. Mas o fato é que ela demonstrava um jeito novo de ser e agir. E ele estava percebendo nela uma nova mulher, muito mais interessante e cativante.
Ele ainda estava se recuperando da operação e sem poder fazer esforço, eles não tinham mais trocado caricias. Mas ele imaginava que quando chegasse a hora ela iria ter uma nova atitude e conseguiriam ir até o fim.
Passado uns dias, e Marcus já estava bem, e em condições de voltar ao trabalho. Ele já tinha avisado a Paula que, no domingo voltaria para seu apartamento e a convidou para ir morar com ele. Ela não respondeu, apenas escutou e ficou pensando. Como sempre ele não a pressionou.  E no sábado ela disse:
-- Eu andei pensando, e vou te fazer uma proposta.
-- Sou todo ouvido...
-- Tu já me pediste em casamento, já me convidou para morar contigo, mas eu acho que antes de tudo nós tínhamos que ter certeza de que eu estou curada. Eu me acho melhor, certos pensamentos não me vêm mais a cabeça, e me sinto leve e livre desde o dia que recebi a carta de meu pai, e lá na capela do hospital, enquanto orava por ti, também pedi por mim, para que pudéssemos ser felizes. E eu tinha recebido a carta naquela manhã e ainda não tinha tido a coragem de abrir. Então diante do Sacrário  eu a li e decidi, ali diante de Jesus, perdoar meu pai e procurar esquecer tudo o que aconteceu. Ele era um doente, dependente do álcool e não tinha noção do quanto ele poderia me prejudicar.  Ele pediu perdão a mim, pediu que eu fosse feliz, e está muito doente, no fim da vida. Minha mãe sempre me  fez  alimentar ódio por ele, e foi isso que me deixou tão vulnerável, foi o ódio que eu fui induzida a sentir que perturbou minha vida. Minha mãe e ele tinham problemas de relacionamento, e ela se aproveitou de mim para externar sua infelicidade. E ela sempre me responsabilizou pela separação deles. Mas eu tinha apenas onze anos, era ainda uma criança... E eu quero te pedir uma coisa.
-- Diga...
-- Eu quero ir ver meu pai, e peço que me acompanhes, porque só assim eu ficarei com minha consciência tranqüila.
-- Eu vou contigo. E acho que está certa. Se quiseres andar para frente não podes mais ficar olhando para o passado, ficar voltada para trás. E tu sabes onde está?
-- Eu acho que sim, no remetente  tem um endereço e eu andei pesquisando é uma tipo de asilo para homens.
-- E quando queres ir?
-- Ainda essa semana, antes que voltes a trabalhar. Já indaguei aos domingos  é aberto para visitas.
-- Ok, amanhã pela manhã nos vamos lá.
Era cedo quando eles saíram rumo ao asilo. Chegaram e foram atendidos por uma religiosa, que muito cordial os levou até ele. Quando Paula viu seu pai, ela começou a tremer, Marcus segurou firme sua mão e sussurrou ao seu ouvido:
-- Coragem, eu estou aqui contigo.
O homem magro e enfraquecido estava em cima de uma cama, e quando eles se aproximaram abriu os olhos e os olhou, mas fixou seu olhar em Paula e com muito esforço disse:
-- Minha filha, me perdoa...
E Paula chorando pegou sua mão e sacudiu a cabeça afirmativamente e ao mesmo tempo em seus lábios brotou um sim. Pai e filha se olharam e ambos estavam muito emocionados. Seu pai deu um suspiro de alivio e fechou os olhos e dormiu. Até Marcus sentiu um nó na garganta ao assistir a cena. Paula ficou um pouco ainda olhando para seu pai, fez um carinho em sua face e foi embora.
Quando estavam saindo, a irmã que os recebera os chamou, e contou que ele estava muito mal, que talvez fosse questão de horas, mas que ele sempre chamava pela filha. Quando ele chegou aqui ele ainda não estava neste estado terminal e pediu que eu escrevesse uma carta para sua filha. Mas demoramos a encontrar o seu endereço, Mas enfim conseguimos, e hoje tu vieste, ele vai morrer em paz, e tu vais viver em paz. O perdão é essencial para a felicidade. E acrescentou:
-- Obrigado por ter vindo, isso foi um ato de amor. Ele pecou, mas se arrependeu amargamente. Vai em paz...
-- Obrigada irmã. Aqui está o meu telefone, me avise...
E Paula saiu  renovada. Marcus que não disse nada apenas a acompanhou e observou, percebeu um algo novo em seu olhar, não sabia definir o que era, mas era algo bom.
Chegaram em casa e Paula não comentou mais nada. Era como se tivesse se desligado de alguma coisa que a incomodava. Definitivamente ela estava diferente.
Almoçaram e ela arrumou a cozinha enquanto Marcus descansava deitado no sofá, e até cochilou e quando ele acordou, a encontrou organizando a roupa dele. Ela estava tranqüila com uma fisionomia de serenidade.
Ele se aproximou dela e a abraçou, Paula olhou para ele e o beijou, e o convidou para irem para cama, ela estava se sentindo tão bem, que queria provar a ele que era uma nova pessoa, que era a mulher que ele tanto queria.
E fizeram amor com muita paixão, sem restrições e com muito amor e com carinho Marcus a desvirginou, e ela  emocionada chorou de alegria. Agora eles seriam felizes.
Na semana seguinte Paula recebeu a noticia de que seu pai falecera e ela foi ao seu enterro acompanhada de Marcus, Marisa e Lucas. E ao sair a irmã Maria veio lhe entregar um envelope.
Quando chegou em casa ela abriu o envelope e leu o documento que dizia que ela Paula era a única herdeira de Cássio Miranda. Que deixava para ela três casas que rendiam aluguel, e mais o valor em dinheiro que tinha  no banco.
Marcaram a data do casamento para dali a três meses. Os preparativos eram grandes.
Depois de  quinze meses...
Quando Marcus chegou, viu sua mulher que estava encantadora, e cada dia mais bonita, sedutora, mesmo com aquela imensa barriga onde gerava um casal de gêmeos, seus filhos Liane e Leonel.
Foi até ela e a beijo e sussurrou ao seu ouvido:
-- Oi bonitinha...
                                                         Maria Ronety Canibal

                                                            Outubro de 2017
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