sábado, 23 de março de 2024

AOS 30 ANOS




AOS 30 ANOS

 

Elena olhou-se no espelho e não gostou da sua imagem. Escolheu outro vestido, e mais uma vez se achou horrorosa. Nada ficava bem em seu corpo gordo. Chorosa ela despiu-se, vestiu o pijama e pegou o telefone para avisar que não iria ao aniversário da sua prima Jessica.

Não demorou, e a sua mãe ligou:

-- Por que não vais no jantar da tua prima? É uma data importante para a família, pois vão anunciar o noivado.

-- Eu estou indisposta, cheguei do trabalho com dor de cabeça... – Explicou ela a mãe.

-- Não adianta, tu estás sempre me envergonhando. Claro, passas o dia comendo, e só podes ficar indisposta. Não sei mais o que dizer a tua tia, que sempre pergunta por ti. Ela é a única pessoa que realmente gosta de ti, tu fazes essa desfeita. – Disse dona Clarinda desligando o telefone.

-- Blá, blá, blá...  – Resmungou Elena.

Ela pegou o computador e começou escrever. Tinha muito trabalho, pois precisava aprontar o prefacio do novo livro, de Dom Augusto, intitulado: Como comer bem.

Elena trabalhava em uma editora, seu sonho era escrever o seu próprio livro, mas fora contratada para corrigir e reescrever trechos dos livros de outros autores.

Aliás, a sua vida era uma chatice. Nada era como sonhara. Não gostava da sua aparência, pois além de ser gorda, não era alta como gostaria de ser; seu cabelo era ondulado, e ela amava cabelos lisos; seu rosto era redondo, feito uma lua cheia, e as feições embora fossem delicadas, não se destacavam, já que eram só bochechas.

Cursou a faculdade de Letras para ser escritora, e hoje o seu emprego era numa editora de renome, ganhava pouco, trabalhava muito e não tinha nenhuma de suas histórias completa, eram várias iniciadas e não concluídas. Não tinha tempo para dedicar-se aos seus escritos.

Morava em uma pensão, porque por imposição de sua mãe, precisou sair de casa, sem ter condições de se manter. Aceitou o primeiro trabalho que surgiu e se instalou no lugar mais barato.

E já estava com 30 anos e continuava sozinha na obscuridade. “Não teve nem capacidade de arranjar um namorado, como a sua mãe dizia. Sua prima sim era esperta, sempre tinha bons pretendentes, ela podia até escolher...” “Também ela se cuida, é magra e elegante. E tu és uma balofa, descuidada. Claro, que homem nenhum vai te querer.”

Ela era um verdadeiro fracasso!

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O que ninguém sabia era que Elena era apaixonada pelo seu chefe. Ele era um quarentão muito charmoso.  Ela tremia de nervoso toda a vez que ele a olhava. E não era um olhar qualquer, era um olhar penetrante, e principalmente para o seu grande traseiro.

Naquela manhã o sr. Tomás Simon, a chamou para uma reunião em sua sala. Ela levantou-se apressada, pegou o tablet e caminhou pelo corredor da gráfica, apressadamente.

-- Com licença... – Disse Elena abrindo a porta lentamente.

-- Entre. – Falou ele a olhando de cima a baixo. Franzindo o cenho ele continuou. – Por que usas essas roupas tão esquisitas?

Elena ficou sem saber o que dizer. Ela estava vestida como de costume: uma saia de lã xadrez marrom e bege, larga e cumprida até abaixo do joelho, uma blusa de malha marrom de gola alta, e casaco bege, para combinar com a saia. Calçava mocassim marrons com meias de lã bege.

-- O que tem a minha roupa? – Indagou ela.

-- Tu és jovem e te vestes como velha. Escondes as tuas curvas. Renova -te use roupas mais atuais. – Aconselhou ele.

-- Obrigada pelo conselho. É só isso?

-- Não. Quero preparar a reunião semanal.

Elena sentou-se diante dele, abriu o tablet e começou e relatar sobre o andamento dos textos dos livros que seriam publicados naquele semestre.                       

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As palavras de Tomás, sobre as suas roupas, estavam borbulhando em seu pensamento. Ela ficara intrigada e uma pergunta surgiu:

-- Ele me acha gostosa? Será?

Chegando em casa, a primeira coisa que Elena fez foi revisar o seu armário. E encontrou uma calça jeans que sua mãe a tinha dado de presente no ultimo aniversário. Experimentou, olhou-se no espelho e decidiu usá-la no dia seguinte. Dessa vez tinha certeza de que as suas curvas ficariam em evidência.

Usando uma calça justa e uma camisa branca e um casaco vermelho ela sentiu-se atraente. O teste seria feito no ambiente de trabalho. Ela estava atrasada de propósito, pois queria chegar na sala de reuniões quando todos já estivessem lá.

E seu plano deu certo. Tomás falava ao telefone em pé perto da janela, e quando ela entrou na sala ele a olhou de cima a baixo, como era o seu costume, só que de modo diferente. E não só ele, os colegas também a olharam com interesse.

Elena sentou-se em seu lugar indiferente aos olhares, mas no seu íntimo ela estava vibrando. A reunião seguiu a pauta, e no final, o Tomás pediu que ela permanecesse. Depois que todos se retiraram, ele se aproximou e a olhou mais de perto, e falou:

-- E todo esse material estava escondido debaixo de uma saia horrorosa. Aceitas jantar comigo?

-- Eu aceito. – Respondeu ela cheia de coragem.

-- Vamos ter uma noite e tanto... – Comentou ele sorrindo e se afastando.

Era meio da tarde quando uma linda mulher irrompeu no escritório da gráfica. Ela era alta, elegante e bem vestida. Os cabelos bem penteados em um coque, tipo banana, brincos pingentes dourados, batom vermelho, e um sorriso no rosto.

-- Boa tarde! Aonde posso encontrar o meu marido, vim fazer-lhe uma surpresa. – Perguntou ela educadamente.

-- Boa tarde. – Respondeu Elena – Quem é o teu marido?

-- Ora, o Tomás Simon, o dono de tudo isso.

-- Ah... Eu não te conhecia. – Disse Elena se levantando – É por aqui...

Ao alcançar a porta do escritório de Tomás, Elena bateu suavemente, e abriu e anunciou:

-- A sua esposa, patrão.

Tomás ergueu-se rapidamente, e foi ao encontro da sua mulher.

-- Querida, que surpresa! Pensei que só voltarias amanhã...

Elena o olhou com desdém, fechou a porta e voltou para a sua mesa de trabalho. Sentou-se diante do computador, olhou para tela, mas nada viu. Seu pensamento estava distante.

Seu pai havia traído a sua mãe, quando ela tinha 10 anos, por isso se separaram, e a sua vida virou de cabeça para baixo. Nada, nunca mais foi como antes.

Ela amava o pai, ele era seu companheiro e aos domingos pela manhã, sempre saiam, só os dois, para passear. Era tão bom...  No entanto, depois do divórcio, o pai foi trabalhar em São Paulo, e desde então, eles ficaram distantes. Quase não se encontravam e raramente falavam.

Quando se tornou adulta, Elena jurou a si mesma, que nunca olharia para um homem casado. Pois, provocar a separação de um casal, desmanchar uma família era muito triste, era pura maldade!

Elena fechou o computador, pegou as suas coisas e avisou que estava saindo um pouco mais cedo. Depressa deixou a gráfica... Ah, se ela pudesse, trocaria de emprego.

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Ela já estava no ponto do ônibus, quando decidiu que não iria para o seu pequeno quarto. Hoje, faria algo inédito. Estava desiludida, braba consigo mesma e sentindo-se a perfeita idiota. Ora, acreditar em elogios, ainda mais vindo de uma cara como o Tomás.

Caminhou dois quarteirões e entrou num bar.

Dirigiu-se ao balcão, sentou no tamborete e pediu uma bebida sem álcool. Não estava acostumada a beber, e não estava com a intensão de passar por um vexame.

Elena notou que o bar começou e encher, era o tal “happy hour” que tanto os seus colegas falavam. Ao seu lado sentou um rapaz, um tipo esquisito, despenteado, roupas desleixadas, e simpático. Ele logo puxou conversa:

-- Olá, eu sou o Caio...

-- Olá! – Respondeu – Eu sou a Elena.

-- Nunca te vi por aqui...

-- É, eu quase não saio...

-- Então, vamos comemorar, hoje é um dia importante, viestes aqui. – Completou ele erguendo a sua bebida.

Elena, nada disse, erguei o seu copo e apenas sorriu. Não queria dar muita trela a um estranho, e seu objetivo era apenas não ir cedo para o seu cantinho. Ela terminou a sua bebida, e saiu sem se despedir do Caio, que tinha ido cumprimentar um amigo.

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O dia seguinte amanheceu chuvoso, era uma sexta feira 13, e Elena escolheu vestir a roupa mais horrível que tinha. Uma bota preta, com uma saia preta de lã, riscada de verde e branco, e um blusão verde. Penteou os cabelos para trás e colocou uma tiara branca.

Ela olhou-se no espelho e sorriu, era o quadro da dor... Era isso que almejava. Ficar bem feia. Pois, não queria ter que aguentar os olhares insinuantes do cretino do seu chefe. Colocou uma capa por cima e enfrentou a chuvarada.

Ao chegar na gráfica, notou que todos a olharam e esconderam o riso.  Elena sentiu vontade de soltar uma gargalhada, mas não podia, apenas acenou cordialmente aos seus colegas e foi para a sua sala.

Concentrou-se no trabalho. Aquela manhã não havia nenhuma reunião marcada. E o trabalho rendeu. Ela conseguiu terminar tudo que estava pendente.

No intervalo do almoço, ela ouviu uma conversa, sobre um emprego em uma livraria. Ela discretamente anotou os dados e voltou para a sua sala. Telefonou e acertou a entrevista por videoconferência e foi aceita. Começaria a trabalhar logo, já que em poucos dias a loja seria inaugurada. Era o tempo perfeito para ela se livrar do compromisso com a gráfica. Já ela era independente, portanto, não tinha nenhum compromisso.

Um pouco antes do fim do expediente, ela entregou todos os livros que estavam sob aos seus cuidados, com o trabalho pronto e bem-feito, e acrescentou a sua superiora:

-- Estou deixando a gráfica. Vou passar no financeiro e receber o que tenho a receber, e se Deus me ajudar, nunca mais piso neste chão.

-- Vais nos deixar? Mas por quê? Teu trabalho é excelente, embora eu saiba que a tua vontade seja escrever o teu próprio livro... O Tomás vai ficar furioso, ele te aprecia muito.

-- Eu sei, mas apareceu outro trabalho... Obrigada por tudo. Tu sempre foste muito correta comigo. – Acrescentou Elena a abraçando. -- Até mais...

-- Boa sorte... Tchau – Disse Magali sem saber o que fazer. Quem iria substituir a competente Elena? Quem?

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A vida tinha melhorado para Elena. Ela estava gostando de trabalhar na livraria, ali tinha oportunidade de ler, e conversar sobre literatura, já que uma vez por semana era realizada a: RODA DA LITERATURA.

Elena havia mudado muito, o ambiente de trabalho era alegre e acolhedor, e andar entre as estantes de livros a tornava completamente feliz. Tudo isso a incentivava a escrever. E seu livro já estava tomando forma, a estrutura da história já estava montada e 10 capítulos estavam escritos.

O casamento de sua prima estava marcado para o sábado seguinte. Elena conseguiu uma folga. Comprou um vestido novo, mas nada muito ousado, pois não era o seu estilo.

Ela usava um vestido de chifon azul noite, que se moldou ao seu corpo curvilíneo. Elena sentiu-se bem, usando aquele traje. Ela foi para igreja de Uber.

Chegou em cima da hora. A noiva estava descendo do carro. Ela correu e entrou no templo e se postou no ultimo banco para ver a prima entrar.  Jessica estava muito linda, sua expressão de alegria a deixava encantadora. Elena, ali naquele momento desejou a prima toda a felicidade do mundo.

Parada em um dos primeiros bancos, Clarinda, sinalizava a filha para que fosse sentar junto dela. E caminhado pela lateral, Elena se juntou a mãe.

-- Até que estás bonita, hoje, com esse vestido. – Afirmou Clarinda, cumprimentando a filha. – Olhas como a Jéssica está bonita...

-- Sim, é pura felicidade. Espero que perdure. – Sussurrou a Elena.

A recepção seria no salão paroquial. Nada sofisticado, apenas uma comemoração com os parentes e amigos mais íntimos. Enquanto se dirigiam para o local, Elena deu o braço para mãe.

Após o coquetel, dona Clarinda pediu a palavra, pois queria saudar os noivos, e falou:

-- Desejo ao casal toda a felicidade do mundo. Estou muito contente em ver a alegria que irradia de vocês. Ambos estão plenos de felicidade. Só peço ao senhor Deus que me dê essa alegria, de poder ver a minha Elena desencalhada.

O riso foi geral, e Elena discretamente deixou o salão, foi refugiar-se no saguão. Não percebeu que alguém a seguia. Ela sentou num banco que ali havia e baixou a cabeça, quando escutou:

-- Tu és a prima encalhada?

-- Sim. – Disse ela sorrindo e olhando para o rapaz.

-- Mas, eu te conheço... És a moça fujona, que me deixou só, outro dia. A Elena.

-- Caio?!

-- Sim, eu mesmo. Eu sou o primo “esquisito” do noivo.

-- Esquisito? Por quê?

-- Ora, porque não sou conforme o padrão da família. Não cursei faculdade e mexo com computador. Sou um zero à esquerda, na família. Sobretudo para o meu primo, que se acha um sabichão. Coisas de família.

-- Sim, cada família tem uma especialidade. A minha é casar aos 20 anos, como já passei dos vinte, sou considerada solteirona. Mas quem disse que eu almejo casar? No entanto, sou classificada dessa maneira e por isso me afastei de todos. Minha mãe me acha horrorosa, sou gorda e disforme. Nunca vou atrair o sexo oposto.

-- Acho que ela não entende nada sobre o assunto. Vamos sair daqui, já que somos a parte descartável da família, ou vais querer pegar o buquê da noiva? – Disse ele rindo.

-- Nem morta. Vamos embora. – Disse Elena animada.

                                                                  ---

No dia seguinte dona Clarinda, ligou para filha.

-- Por que saíste tão cedo a festa? Eu conheci um rapaz que é o ideal para ti. O Romeu, é farmacêutico e tem a sua própria farmácia. Um bom partido. Ele ficou interessado em te conhecer, me confessou que gosta de mulheres gordinhas.

-- Mãe, eu já te pedi para não bancar a casamenteira comigo. Eu não quero que ninguém interfira na minha vida.

-- Ah... bobagem. Eu sou a tua mãe e quero o melhor para ti. Precisas escolher um homem de posses, que possa te dar conforto e segurança. Esses pés rapados, não têm futuro. Na quarta feira quero que venhas jantar comigo, assim poderás conhecer o Romeu.

-- Mãe! Para com isso. Eu vou desligar, estou cansada, quero dormir...

-- Quem é aquele mal elemento que conversava contigo, ontem?

-- Não conversei com nenhum mal elemento... Tchau... – Disse Elena desligando o telefone.

                                                                   ---

Elena estava descobrindo que o Caio era uma boa companhia. Eles estavam se encontrando diariamente, e amizade se fortalecendo. Frequentemente ele ia a livraria comprar livros. E isso não era só para vê-la, porque ele era um leitor voraz. Suas escochas eram assuntos sobre religião, filosofia, sociologia e alguns romances.

-- Hoje, eu quero que tu me mostres o livro que comprarias para ler. Quero conhecer o teu gosto literário. – Pediu o Caio. Percorrendo os corredores entre as estantes de livros.

-- Se eu pudesse compraria essa série, gosto muito do estilo desse autor. É uma mistura de gêneros: tem romance, tem comédia e suspense. E o engraçado, que o meu estilo de escrever é totalmente diferente. Eu sou séria, meus temas são mais conservadores, são de época.

-- Eu nunca li esse autor. Vou levar para conhecer. Obrigada pela dica. – Disse sorrindo. – Bem ainda tem uma hora para tu saíres, vou te esperar no lugar de sempre, e vais me encontrar mergulhado na história.

Assim que o Caio efetuou a compra e deixou a livraria, a dona Clarinda se personificou a sua frente. A mãe ao encontrá-la a abraçou com efusão. Elena correspondeu ao abraço da mãe e disse ao seu ouvido:

-- Estou o meu ambiente de trabalho. Seja mais discreta, por favor.

-- Ahh... Desculpe. É que eu estou muito contente hoje, marquei com uma pessoa que quero que conheças. Vim te buscar para passear...

-- Mãe, ainda tenho uma hora de expediente... Vai dar uma volta por aí.

-- Não, vou aproveitar e escolher um livro. Me deixa a vontade. Vai atender os clientes que estão chegando.

Clarinda afastou-se da filha e foi para secção de livros de culinária. Tanto olhou, que acabou comprando dois. Esperando na porta da loja, pela filha, ela sorria sozinha. Estava feliz. Desta vez a sua filha iria desencalhar, pois o pretendente era um homem de boas posses. A sua Elena iria ter uma vida de abastança.

Sem poder se livrar da mãe, Elena a acompanhou, sem nem avisar ao Caio, que não ia encontrá-lo.

                                                              ---

Clarinda caminhava apressada, quase corria, tal era pressa de chegar ao lugar combinado. Elena seguia a mãe, sem entender a pressa. Enfim, dona Clarinda, diminuiu o passo. Estavam chegando e ela já o tinha visto.

Romeu sorridente levantou-se para receber as suas convidadas. Clarinda logo apresentou a filha:

-- Essa é a minha filha, ela não é uma gracinha?

-- Muito prazer. – Disse ele olhando a moça de cima a baixo. – Sem dúvida a Elena é muito bonita. – Completou ele sorrindo.

Elena sentindo-se avaliada como se fosse uma mercadoria, não gostou do jeito do amigo de sua mãe, mas o cumprimentou com educação.

-- Prazer em conhecê-lo. 

-- Sente-se. – Falou o homem, que continuava olhando para Elena, a deixando constrangida.

O garçom os serviu, e dona Clarinda, olhando o telefone, desculpou-se alegando uma urgência, despediu-se e os deixou sozinhos. Elena quis acompanhar a mãe, mas o homem a segurou pela mão dizendo:

-- Por favor, fique. Eu quero te conhecer melhor...

Atônita, Elena sentou-se novamente e ali permaneceu, respondendo as perguntas absurdas que o homem fazia. Ela só pensava no Caio... Depois de uma hora, ela conseguiu livrar-se, pegou um taxi e foi embora.

Já era tarde, quando Clarinda ligou para filha, perguntando sobre o encontro, se ela tinha gostado do Romeu, e tecendo grandes elogios a ele. Sobretudo, sobre a sua posição social, lembrando que ele era rico.

Elena não discutia mais com a mãe, mas pensava que o tal Romeu era um homem sem graça, só falava sobre doenças e remédios, nada entendia de literatura e odiava ler. Não tinham nada em comum!

Sua mãe estava querendo convencê-la de que o Romeu era um bom partido, mas em seu pensamento estava o Caio. E Elena deu-se conta que estava apaixonada por seu amigo.

Ah... se o Caio a quisesse... Não importava que ele era um “joão-ninguém”. Eles se entendiam, e isso bastava.

Mas ela tinha o deixado esperando, e agora que tinha descoberto qual era o seu sentimento por ele, não tinha coragem de ligar para o rapaz, para desculpar-se.

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Caio aguardou por Elena... permaneceu ali a esperando por muito tempo. Sem saber porque ela o tinha rejeitado, ele pegou os livros que comprara para presenteá-la, e foi para casa.

Tudo ia tão bem...

Por que Elena não foi sincera dizendo que não iria encontrá-lo?

Sem coragem de ligar para ela para despedir-se, ele viajou para participar de uma feira.

Seus planos era de voltar logo, no entanto, ele recebeu mais de um convite para palestrar sobre o seu aplicativo, recém lançado. E Caio ficou fora mais tempo do que previa.

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Elena andava triste. Sentia saudades do Caio. Ela tinha ligado para ele, mas ele não atendeu e tão pouco retornou as suas ligações. Sem saber onde mora e não tendo local de trabalho, Elena não sabia onde encontrar o seu querido amigo. Definitivamente eles tinham se afastado.

Por que a vida é assim? Perguntava a si mesma.

Toda vez que eu gosto de alguém, dá tudo errado?

Os dias passaram e Clarinda continuava insistindo para que Elena desse uma chance ao Romeu, e ponderava:

-- Minha filha, ninguém te quer, ninguém gosta de gorda, e agora aparece um homem que não se importa com a tua aparência, por que rejeitas?

-- O Romeu não se importa com ninguém, apenas com os seus medicamentos. Aposto que ele não sabe quem é o presidente do Brasil.

-- Estás exagerando, estás de má vontade. Imagina um homem educado como ele, tem uma beleza máscula, inteligente, formado e rico! Não te entendo. Não entendo mesmo!

-- Mãe, se gostas tanto dele, porque não pega ele para ti.

-- Que falta de respeito! Ora... onde já se viu dizer tamanha asneira para a própria mãe?

-- O caso que estás apaixonada por ele... O elogia tanto!

-- Chega desse assunto. Tu és uma solteirona convicta. Eu desisto de ti. Nunca serei avó, por tua culpa. – Disse Clarinda choramingando.

-- Por favor, isso é teatro, mãe, não tenho paciência. Vou embora.

Elena saiu da casa da mãe bastante contrariada. A mãe sempre foi muito mimada, e tudo deveria ser de acordo com a sua vontade. Mas a vida não era assim. Não iria ficar com alguém que não amasse. Nunca!

Era fim de tarde, de um feriado, e Elena saudosa do seu querido Caio, foi até o bar onde costumavam se encontrar. Sentou-se no tamborete do balcão e pediu uma bebida.

Bah, isso não era o seu habitual, mas como estava triste e desiludida com a vida, iria beber uma taça de vinho branco e depois iria para casa. Só queria relembrar os momentos agradáveis que vivera naquele ambiente. Todos com o Caio.

Ela bebericava quando escutou uma voz conhecida, pedir ao garçom:

-- Eu quero o mesmo que a moça está bebendo.

Sem acreditar, Elena virou a cabeça lentamente. Ali estava aquele olhar cativante, o sorriso amigo...ali estava o Caio.

-- Olá! – Disse ele a olhando nos olhos. – Sozinha por aqui, ou está esperando alguém?

-- Quem eu esperava acaba de chegar. – Respondeu ela.

-- Desculpe, não quero atrapalhar... – Falou o Caio pegando o seu copo. – Vou para a ponta do balcão.

-- Deixa de ser bobo. – Interrompeu ela o segurando pelo braço. – É a ti que eu estava esperando.

-- Mesmo? E o outro cara?

-- Que cara?

-- Aquele que tu estavas naquele dia que me deu o bolo. Eu te vi...

-- Aquilo foi coisa da minha mãe. Ela me carregou sem me dar chance de recusar, tentei te ligar, mas o telefone não fechou a ligação. E depois tu sumiste. Hoje, depois de muito tempo, resolvi vir aqui, com a esperança de te encontrar. – Explicou Elena num só folego.

-- Vou te confessar, que eu vim hoje aqui para lembrar de ti, das nossas conversas animadas. Sinto falta de ti...

-- Eu também sinto muita falta de ti.

-- Vamos sentar naquela mesa, e pedir o jantar. – Sugeriu ele, a conduzindo a mesa disponível.

Daquele dia em diante, tudo mudou.

Passaram a andar juntos como antes, e logo o namoro prosperou.

O namoro entre Elena e Caio foi criticado pelos dois lados da família. Carlinda estava muito contrariada com a escolha da filha, e comentava com a sua irmã:

-- Imagina, trocar um farmacêutico estabelecido, uma vida garantida, por um aventureiro como esse rapaz. Não me conformo! Desculpe, sei que ele é primo do marido da Jessica, mas a minha filha merece uma coisa melhor. Sei que ela gorda e feia, contudo, é inteligente e trabalhadora...

-- A Elena sempre foi teimosa, ao contrário da minha Jéssica, que além de bonita, é agradável e gentil, escutou os meus conselhos e arranjou um bom marido. Fez um ótimo casamento! Tenho muita pena da Elena. Eu gosto muito da minha afilhada, porém enxergo os seus defeitos. Ela nunca se cuidou, isso é relaxamento. Ora, não fazer uma dieta para ter um corpo atraente! A Jessica se cuida sempre. É esperta! Agora a  Elena é desleixada, como já disse, e aposto que esse tal Caio logo vai se cansar dela, e vai arranjar outra mais bonita. Não sei o que fez esse rapaz querer ficar com a Elena, com tanta moça bonita por aí...  E esse Caio é visto na família como um inconsequente, nem trabalho tem! Passa na frente do computador. Não do que ele vive. E a Elena ser trabalhadora e inteligente, como dizes que ela é, não conserva marido, todos só querem uma mulher de boa aparência, ou seja, uma mulher de causar inveja aos outros homens. É essa a realidade.

-- É tens razão, a minha filha via se dar mal, além de tudo escolheu um pobre, sem profissão definida. Vai ter que trabalhar para sustentar o preguiçoso do marido... Ao menos vai casar. – Desabafou Clarinda com tristeza. – Não nada do que eu sonhei para a minha Elena...

                                                             ---

Era uma manhã de domingo com temperatura agradável, o sol brilhava e Caio levou Elena para passear a beira do rio. Sentados em dos bancos do calçadão, eles apreciavam os veleiros que deslizavam na água. As velas coloridas davam um toque especial a  paisagem.

Foi diante daquele cenário magnifico, que Caio perguntou a Elena:

-- Tu aceitas ser a minha mulher, para sempre?

-- Isso é um pedido de casamento? – Indagou ela falando devagar e o olhando com seriedade.

-- Sim, queres casar comigo? – Falou a olhando com paixão.

-- Eu quero.  – Respondeu Elena sorrindo.

-- Muito bem, vamos casar em dois meses. – Disse ele a beijando.

-- Dois meses? É pouco tempo para me preparar, não tenho enxoval...

-- Bobagem. A gente sai e compra tudo o que precisa. Não vamos protelar por coisas irrelevantes. – Falou Caio com tranquilidade.

-- Não é assim, sai e comprar. Eu não tenho dinheiro para isso.

-- Mas eu tenho.

-- Que dinheiro?

-- Ora, o dinheiro que ganho com o meu trabalho. Preciso confessar que eu sou muito rico. O meu dinheiro vem dos aplicativos que criei, e continuo criando. Todo mundo fala mal de mim, na minha família sou considerado um inútil, vagabundo e todos esses adjetivos. E como não devo satisfação para eles, eu não conto a fortuna que lucro por ano. Sou sozinho no mundo, porque esses tios e primos são só pessoas que não gostam de mim, nunca gostaram. Quando a minha casou com o meu pai, eles também o desprezaram, e isso fez com que a minha falecida mãe sofresse muito.

-- Eu não sabia... E o teu pai?

-- Ele morreu cedo, eu era pequeno, pouco lembro dele. E a minha mãe trabalhou duro e me criou sem pedir nada a essa família, que nunca lhe alcançou um alfinete. São um bando de fofoqueiros. Por isso, nunca falei sobre a minha vida a eles.

-- E por que estavas no casamento, aquele dia?

-- Não sei... Acho que para te conhecer. 

                                                                 ---

O casamento de Elena e Caio foi uma cerimônia simples, para desespero de Clarinda. De convidados só os amigos verdadeiros, que eram poucos. Após, os noivos recepcionaram os amigos com uma festa num dos lugares mais chiques da cidade.

A lua de mel foi uma viagem de dois meses pela Europa.

Clarinda, agora tecia muitos elogios ao genro, sempre afirmando que ele era um homem de caráter, inteligente e muito rico...

                                                                 ---

Algum tempo depois Caio custeou a edição do livro de Elena, que foi um grande sucesso. Em virtude de sua nova vida, de esposa muito amada, e escritora reconhecida, Elena tinha se tornado uma mulher realizada, e muito bonita, A felicidade que irradiava a deixava deslumbrante, sem ter pedido uma grama. O marido gostava dela do jeito que era, cheia de curvas gostosas.

 

                                                             Maria Ronety Canibal

                                                                    Março 2024  

                                               

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sábado, 2 de março de 2024

E agora???


                                    E agora???

O casal recentemente havia festejado as Bodas de Pérolas, e a curiosidade de Jaciana, a fez pesquisar o significado do nome, e ficou sabendo que as pérolas estão fortemente conectadas ao amor, pois elas representam o comprometimento eterno, sabedoria, pureza e beleza.

A festa foi uma reunião de famílias, já que ambos tinham uma família numerosa, e com alguns amigos mais íntimos incluídos.  Muitos brindes foram feitos ao casal, que era considerado um exemplo de boa convivência, pois de fato, nunca nesse tempo de casados, tinham tido uma briga significativa.

Os gêmeos, Juarez e Júlio estavam acompanhados de suas esposas, Andreia e Leticia, que admiravam a sogra, por sempre ter sido uma pessoa abnegada à família.

Enfim, o casal Domenico e Jaciana tinha uma família linda, uma boa casa para morar, e o suficiente para viver bem, e ainda era muito estimado por todos.

                                                    ***

Contudo, ultimamente, a vida do casal não era mais tão harmoniosa. Havia algumas discussões e omissões que estavam os afastando. Domenico estava já estava aposentado, mas continuava trabalhando como motorista de Uber.

Com a saída dos filhos de casa, Jaciana, com a desculpa de que a casa estava vazia sem os filhos, foi trabalhar fora. Ela não tinha muito estudo, no entanto, conseguiu um emprego como balconista, numa loja de materiais de construção.

Agora ela estava mais satisfeita, pois não estava mais presa a lida da casa, e saia e conversava com outras pessoas. Foi nesse período, que o filho mais velho, o Juarez que trabalhava no Banco do Brasil, foi transferido para capital, e o Júlio, que trabalhava com o sogro, foi morar no campo, pois foi designado o responsável pela lavoura de trigo.

O tempo passava.

Logo, iriam completar mais um ano de casados.

Domenico não estava satisfeito com a situação. Pois a sua mulher estava a cada dia mais distante de tudo, não se importava mais com o cuidado da casa, com a sua alimentação, e até fazia algumas coisas que ele considerava maldade, como por exemplo, esconder as palmilhas do seu sapato. E obrigá-lo a ficar o dia inteiro com desconforto nos pés.

Domenico, incomodado com a sua vida atual, estava mais afastado dos irmãos, sentia-se envergonhado com o procedimento de Jaciana. Tinha receio de que suas irmãs descobrissem o quanto ele estava infeliz no casamento.

Domenico havia emagrecido muito, tanto que a Daniela, a sua irmã mais nova disse brincando:

-- Não te dão mais comida em casa? Estás muito magro...

-- Estou bem, não te preocupas comigo. – Respondeu ele humilhado, já que na verdade, Jaciana não cozinhava mais para ele. Às vezes, ele chegava em casa e não encontrava nada na geladeira. Então comia um pedaço de pão velho.

-- Não, não estás bem. Eu te conheço – Insistiu Daniela. – Tens uma preocupação no olhar. Os guris estão bem?

-- Sim, ontem o Juarez telefonou, eles estão bem. E o Júlio, esteve lá em casa no domingo. A Leticia parece que está grávida.

-- Isso é uma boa notícia. Vamos ter que nos reunir para brindar.

-- Não, ainda não. Não está confirmada. E como ela já falhou uma vez, ele me pediu sigilo, por enquanto.

-- Sim. Foi muito difícil para eles. Vamos esperar a confirmação. – Anui a irmã.

-- Bem, eu vou indo... Tenho umas voltas para dar. Um abraço para o Zeca.

Domenico entrou no carro e foi embora. Ele sabia que dessa irmã, ele não conseguia esconder nada, eles sempre foram muito ligados.

Ao chegar em casa, naquele fim tarde, ele encontrou a casa vazia. Jaciana ainda não tinha chegado. Aliás, ela seguidamente chegava muito tarde em casa. Após o trabalho ela ia visitar a sua irmã, que havia se separado do marido. Uma separação escandalosa, da parte dos dois, que gerou comentários por todos os cantos de Lagoa Vermelha.

O aniversário dele estava se aproximando, e Domenico não queria reunir a família, precisava pensar em uma desculpa. Talvez um serviço de viagem... fosse uma boa solução.

E inesperadamente uma viagem surgiu. Levar um senhor para visitar os irmãos em Santa Catarina, na cidade de Joaçaba. Ele precisaria ficar à disposição, e havia hospedagem e alimentação garantida. Domenico aceitou e pediu um valor alto, pelo trabalho. E o homem aceitou o preço sem regatear.

O dia do aniversário do Domenico foi muito agradável, ele passou entre pessoas estranhas, mas que o trataram com afabilidade. Até um bolo a dona Flora fez para ele.

                                                       ***

A vida continuava e os problemas se agravavam.

Chegou o dia do aniversário de Jaciana, e ela declarou em alto e bom som, que não faria nada. Iria sair com os colegas de trabalho, iriam comer uma pizza. E ao marido disse:

-- Tu podes ir trabalhar como sempre. Eu vou estar bem. Não preciso da tua presença.

Domenico escutou a recomendação e pensou que alguma coisa estava muito errada. Ele circulou pela cidade, e viu em qual pizzaria o grupo estava.

Naquela noite ele chegou mais tarde, era véspera de feriado, e sempre tinha mais movimento. Quando ele entrou na sala, a encontrou completamente bêbada no sofá.

Domenico, a levou para cama e depois voltou e pegou o telefone dela que estava aberto, e ele viu a mensagem de um tal Belo, dizendo que não iria, pois, a sua filha estava doente e ele ficaria com a esposa, cuidando da filha.

Ele foi para o outro quarto.

Era óbvio que ela estava tendo um caso com o seu colega de trabalho, o Belo, que também era casado. Em vista das evidências ele iria pedir a separação litigiosa. Ora, já tinha acontecido com a cunhada, Janine, por que agora seria diferente?

Naquela noite ele dormiu no quarto dos guris.

Na manhã seguinte ela acordou muito mal. Ele tentou conversar, e ela não entendia o que ele falava, ou se fazia de desentendida. Então ele resolveu sair de casa.

Era feriado, iria pegar a estrada e almoçar em algum lugar, caminhar e pensar. Sua família era muito conservadora, uma separação seria um choque para seus irmãos e irmãs.

Como faria? Talvez depois desse desengano ela sossegasse. Afinal, já não era mais uma jovem, já tinha completado 52 anos.

Sim, daria um tempo. Talvez tudo se acomodasse, embora não tinha mais pretensão de dormir na mesma cama com ela. Ele sabia que intencionalmente, ele havia sido traído, se de fato aconteceu, ele não tinha certeza. Iria só manter as aparências do casamento.

Dias depois, Jaciana deixou o emprego. Domenico não sabia se ela tinha sido despedida, ou se tinha pedido a demissão. Eles quase não se falavam, apenas o essencial, e ele não iria perguntar nada! Mais adiante descobriria.

Jaciana, sem alternativa ficou em casa, cuidou da casa, até cozinhou para o marido, parecia que tudo tinha voltado ao normal. Ela tentou seduzi-lo com uma lingerie sensual, e levá-lo para cama dela, mas Domenico resistiu, não cairia no jogo dela, não confiava mais.

Até que um dia  ela conseguiu um novo emprego. Agora mais longe de casa, também em uma loja de matérias de construção. E tudo voltou a ser como antes. Desleixo com a casa, com a alimentação, sem horário para chegar... Enfim, Jaciana, mais uma vez estava levando uma vida desregrada.

Ela estava muito magra, sem brilho, e suas roupas não eram mais de uma senhora de meia idade casada. Ela estava vestindo-se como se fosse uma jovem de 20 anos. Saias curtíssimas, blusas burlescas, cabelos longos e mal tratados, unhas pintadas em cores estranhas... Era a decadência que tinha chegado.

                                                  ***

Naquele dia, Júlio e a esposa o convidaram para almoçar. Eles tinham vindo a cidade para o acompanhamento da gravidez da Leticia.  O jovem casal estava feliz, dessa vez tudo estava dando certo, e o exame anunciou que uma menina estava a caminho.

Domenico ficou feliz, ele iria ser avô de uma menina. Enquanto almoçavam a conversa girava sobre diferentes assuntos, até que o filho perguntou:

-- A mãe está na crise da meia idade? Ela está usando uma roupa ridícula, a convidei para vir almoçar conosco e ela recusou, afirmando que estava comprometida com uma colega. Ela está tão estranha, o que está acontecendo, pai?

-- Não sei. E concordo contigo, ela está muito diferente. Agora, que trabalha, que conseguiu a independência, como ela mesma diz, ela mudou da água para o vinho. Não é mais a mesma, até parece que está perturbada das ideias.

-- Pai, eu vou te confessar que fiquei envergonhado ao vê-la vestida como se fosse uma guria de 15 anos.

-- O que queres que eu faça? Também acho errado, mas... Se eu disser ou fazer alguma coisa serei acusado de machista, e tem essa tal lei que protege a insensatez feminina... Nada posso fazer!

-- Desculpe eu me meter... – disse a Leticia – mas eu acho que a dona Jaciana está com algum problema existencial. Talvez devesse procurar ajuda de um profissional. Um psicólogo...

-- E quem vai dizer isso a ela? – Inquiriu o Domenico

-- É o pai tem razão. Ela vira bicho quando é contrariada. – Afirmou o Júlio. – Talvez o Juarez que sempre foi queridinho dela...

Após o almoço o casal pegou a estrada para voltar para a fazenda. E Domenico ficou pensando no que a sua nora havia sugerido. Uma ajuda profissional, talvez fosse necessária.

                                                      ***

Uma viagem a Porto Alegre, foi a oportunidade de Domenico ir conhecer o lugar onde o filho morava. Era um apartamento pequeno, aconchegante e bem cuidado. E Andreia logo preparou um lugar para o sogro dormir.

Como o pai da Andreia estava em tratamento, o Juarez havia pedido uns dias de folga para tratar de problemas particulares. E naquele dia tinha sido concedido.

E ao ver o pai chegar em sua casa foi logo dizendo:

-- Descansa bem e amanhã tomamos rumo da nossa querência. Consegui uns dias de folga. A Andreia que ir ver o pai, que não está respondendo bem ao tratamento, vamos a Nova Prata, a deixou lá e vou até Lagoa Vermelha ver a mãe.

-- Bah, eu fico ainda mais dois dias, eu acho. Então retorno com o sr. Vanin. Vão vocês.

-- Nós vamos amanhã, mas o senhor fica hospedado aqui. A geladeira está abastecida. E fique à vontade. – Disse Andreia.

-- Obrigado. Eu vou aceitar.

-- Eu não vou avisar a mãe, vou fazer uma boa surpresa a ela.

-- Sim, vais fazer uma bela surpresa! – Repetiu Domenico pensativo.

Logo a Andreia serviu um lanche a conversa ficou animada.

                                                ***

Conforme havia planejado, Juarez chegou a Nova Prata no meio da tarde, visitou o sogro que estava hospitalizado, e depois rumou para a sua cidade natal.

Já era noite quando chegou. Estava faminto, e antes de ir para a casa, parou numa lancheria e comeu uma ala minuta. Enquanto bebia uma cerveja, viu pela TV os comentários sobre a dupla gre-nal. Só então pagou a conta e foi ao encontro da mãe.

A casa estava com a luz dos fundos ligada, a televisão também estava ligada, pois dava para ouvir do lado de fora. Como fazia nos tempos de guri, ele usava uma técnica para abrir a porta sem fazer barulho.

Juarez sorria, lembrava do seu tempo de noitadas, quando chegava de madrugada e não queria que os pais o ouvissem entrar. Ele abriu a porta vagarosamente e quando entrou na sala, ele se deparou com a pior visão que poderia ter. Jamais em sua vida iria esquecer o que os seus olhos viram, ali na casa onde nasceu e cresceu, uma cena nojenta e degradante.

A sua mãe se esfregando num homem e ambos estavam nus. Eles estavam tão entretidos não perceberam a presença dele.

-- O que está acontecendo aqui? – Gritou Juarez indignado.

Ele empurrou o homem de cima de sua mãe. O homem assustado pegou as calças e correu.

Jaciana se cobriu com as almofadas, e olhou horrorizada para o filho. E agora??? Pensou ela, o que será de mim. O Domenico é sonso e eu manobro, mas esse aí... Ele jamais vai me perdoar.

Juarez estava tão transtornado que não conseguia pensar e tão pouco falar. Simplesmente virou as costas e foi embora. Não precisava de explicações, não havia o que explicar. Ele a pegou em fragrante.

O seu pensamento correu para o pai. Ele estava sendo traído por aquela mulher, que infelizmente era a sua mãe. Há quanto tempo? E será que ele sabia? E não se importava?!

Céus!

Ele tinha visto aquela cena, ninguém contou!

Precisava falar com o irmão. Ligou para o Júlio avisando que estava indo para a fazenda. Eles tinham muito o que conversar.

                                                      ***

Jaciana não sabia o que fazer.

Agora seria o seu fim.

No trabalho as coisas não estavam dando certo. Já tinha perdido o outro emprego por falta de decoro, e agora que ela estava conseguindo a atenção do patrão, aconteceu esse desastre.

A cidade não era muito grande, e logo todos saberiam da sua falta de sorte. O filho a tinha pego na hora H. O divórcio era certo. Como ela viveria? Esse arranjo estava tão bom. O Caio vinha todas as noites, e saia antes do Domenico chegar. Ninguém desconfiava...

A primeira reação dela foi chorar, mas logo secou as lágrimas. Ela precisava pensar. A bobagem já estava feita. E ela precisava consertar. Rapidamente ela jogou umas roupas na sacola, chamou um taxi e foi para a casa de sua irmã, Janine.

Olhou a hora, faltavam 15 minutos para meia noite.

A porta do prédio ela chamou pelo interfone.

-- Quem é? – Era a voz de sua sobrinha Niele.

-- Sou a tua tia, abre.

-- O que faz aqui a essa hora?

-- Eu preciso falar com a tua mãe, vamos abre essa porta.

-- Calma. Já vou abrir.

Jaciana entrou apressada no prédio, não queria ser vista. Talvez pudesse criar a álibi, diante do marido. Janine a recebeu na porta.

-- O que aconteceu, criatura. Tu estás transtornada!

-- Fui pega em fragrante pelo Juarez.

-- O Juarez?! Credo, que azar. Me conta tudo.

Janine relatou tudo a irmã, e a Niele escondida, escutou cada palavra. Que enrascada a sua tia estava metida. A sua mãe também não era santa, e como o sangue é forte, ela também já tinha as suas aventuras com homens casados. Assim era mais tranquilo, não corria risco de se ver comprometida. Que família! Ela sorriu ao pensar nas mulheres da família Aquiles. Elas gostavam de viver perigosamente.

                                                    ***

Juarez contou tudo ao irmão, que se negava a acreditar.

-- Não pode ser! A nossa mãe, não!

-- Eu fotografei. Olha aqui, e vê que não estou imaginando coisas.

-- Como tu pensastes em fotografar?

-- Ora, o que estava diante dos meus olhos era demais, e eu tinha que fazer uma prova do fato, se não seria a minha palavra contra dela.  

-- E agora o que faremos?

-- Eu vou esperar o pai chegar e vou contar a ele. Não quero que ele permaneça casado com uma mulher que não o respeita, nem a casa e tão pouco os filhos. É muito sério tudo isso. E vou te dizer, para mim a dona Jaciana morreu essa noite. Não quero mais saber dela.

-- Mas ela é nossa mãe...

-- Mas não nos levou em consideração. Lembra da tia Janine, o escândalo que ela causou. O Marcio e Mateus não perdoaram. Foram para o Paranã com o tio. É vergonhoso aceitar uma situação dessas.

-- É verdade, A Niele está trilhando esse caminho também. É chamada de vadia. É especialista em homens casados.

-- Bah, ainda bem que eu sai dessa cidade. É a minha terra natal, mas não quero mais nem voltar aqui, depois dessa noite, eu me sinto muito envergonhado.

De repente a Leticia entrou na sala, ainda fechando o chambre e perguntou:

-- O que aconteceu?

Os dois irmãos se olharam, e Júlio disse a esposa.

-- Volta a dormir. Amanhã eu te conto. Não te preocupa, está tudo mundo vivo. É outro assunto.

-- Está bem, o Juarez pode dormir no quarto dos fundos. No armário tem  cobertas e lençol.

-- Obrigada. – Falou o Juarez – Não te preocupa comigo. Eu estou bem. Vai descansar.

-- Boa noite. – Leticia voltou para a cama estava muito cansada para ficar de conversa fiada com aqueles dois.

                                                    ***

Na manhã seguinte, Juarez saiu cedo, e foi direto para Nova Prata. Tinha necessidade de abraçar a sua esposa, ela era parte dele, a melhor parte de sua vida.

Depois da decepção que tivera, estava difícil de encarar a vida, as pessoas, os amigos. E até os parentes. O que diria a dona Angelina, a sua sogra, que era toda certinha. O que seria de sua família. Ainda bem que não tinha filhos.

Quando ele estacionou o carro, a Andreia correu até ele. Ele a abraçou e chorou. Ela não sabia o que tinha acontecido, mas o acolheu e o consolou. Aos poucos ele se acalmou. Abraçados eles entraram na casa.

-- Estamos sozinhos. Me conta o que aconteceu. – Pediu a esposa com carinho. – Eu vou preparar um café para ti.

-- Depois. Senta aqui no meu lado. É muito triste o que tenho para te dizer.

Andreia escutou calada. Aquilo não podia ser verdade. A sogra que ela tanto admirava... agir como uma vagabunda! Não! Era tudo um pesadelo. Logo tudo isso iria passar.

                                                ***

Uma mudança de planos, fez com Domenico retornasse a Lagoa Vermelha antes do previsto. Júlio foi para cidade, assim como o irmão, pois eles queriam contar, antes que alguma conversa atravessada se espalhasse pela cidade. Um lugar onde todos se conheciam. A cidade tinha crescido e se desenvolvido, mas continuava uma aldeia, onde todos, sabiam da vida dos outros.

Domenico chegou em casa e viu o carro dos filhos estacionados, logo pensou que alguma coisa grave tinha acontecido com a Jaciana. Ele entrou e viu os filhos sentados na sala com cara de enterro.

-- O que aconteceu? Onde está a mãe de vocês?

-- Só Deus sabe. – Respondeu Juarez em tom de indignação.

-- Ela está lá com a tia Janine. – Disse o Júlio.

-- Pai, tu estas bem. Fizeste uma refeição, na viagem? – Quis saber o Júlio.

-- Sim, eu estou bem. Vocês não vão me dizer o que está acontecendo? – Inquiriu o Domenico angustiado. – Estão com muito rodeio. Eu sei que a coisa é grave.

-- Sim, e muito grave. O Juarez é que sabe dos detalhes, ele vai te contar. – Completou o Júlio, querendo sossegar o pai.

-- Naquele dia eu deixei a Andreia em Nova Prata e vim para cá...

Domenico escutou o relato do filho sem mexer um musculo. Ele já estava adivinhando que a mulher tinha aprontado, só não esperava que fosse na própria casa, e muito menos que o filho tivesse presenciado uma cena tão grotesca.

-- Eu lamento, meu filho. Eu já estava desconfiado dela. Alguns fatos aconteceram e eu pensei que ela estivesse se acalmado. Mas esse sangue que ela carrega é muito forte. As mulheres dessa família são libertinas demais. Tem histórias da avó delas, sempre achei que eram lorotas, mas hoje acredito que seja tudo verdade. Vou providenciar o divórcio, mas como provar?

-- Pai, eu não sei por que, mas eu fotografei a cena. Se queres ver, está aqui.

-- Eu preciso ver, para poder afirmar a sua traição.

                                               ***

Domenico conversou com seus irmãos, relatou os fatos e pediu ajuda de sua cunhada, a Lorena que era advogada. O encaminhamento estava sendo feito, ela seria notificada.  

-- Vocês só têm a casa, ou tem mais algum bem imóvel? – Indagou a advogada.

-- A casa foi vendida para os filhos. Naquela época em que adoeci, para não precisar fazer um empréstimo e hipotecar a casa, os guris me deram o valor que eu precisava e eu passei para o nome deles. Ela também assinou. Já está até passada no registro de imóveis.

-- Não tem bens, não filho menor, logo estarás livre. – Disse a Lorena.

Jaciana não esperava que tudo fosse tão rápido. Tinha esperanças de que o Domenico adiasse o andamento do divórcio. Mas enganou-se.

-- O que tu esperavas? – Perguntou a Janine. – Não esquece que foi o Juarez que te pegou... Se tivesse sido o Júlio poderia ter sido diferente.

-- Eu não sei o que vai ser de mim. Não tenho nem lugar para morar. – Lamentou-se a Jaciana.

-- Já vou te avisando. Aqui não vais ficar. – Disse a Niele.

-- Vais ter que pedir abrigo na casa do pai. Ele vai te acolher, mas terás que obedecer às regras da casa... Tu bem sabes como é. Nós casamos cedo para nos livrar das rédeas do velho. – Falou a Janine.

-- Que inferno! Deu tudo errado na minha vida. – Disse Jaciana sem saber para onde ir, e sem dinheiro para se sustentar.

-- Também, tu foste burra. Trazer homem para dentro da tua casa. Era óbvio que em algum momento iria dar errado. Tu tinhas casa, comida, e um trouxa para te sustentar. E agora??? Tu não tens nada.

-- Eu sei. O que eu ganho é uma merreca... Ou eu pago aluguel ou eu me alimento. Não é bastante para eu me sustentar... Não sei o que fazer. Que fria!

                                             ***

Os tramites foram rápidos e dias depois Domenico e Jaciana estavam diante do juiz assinando o divórcio. Ela voltou a ter o nome de solteira, para o alivio de todos.

Juarez voltou para sua rotina de vida, assim como o Júlio.

Domenico pensou que tinha se livrado daquele fardo, mas a cada dia chegava aos seus ouvidos o relato de um feito das aventuras sua ex esposa.

Ela foi despedida, no primeiro emprego, por assediar um cliente. No segundo emprego ela foi despedida por ter sido pega na mesa do escritório do patrão em situação comprometedora, pela esposa dele. Agora que ele estava separado dela as pessoas contavam o que sabiam ou que tinham escutado sobre as peripécias dela.

Em vista disso, Domenico resolveu mudar-se dali. Iria viver em Porto Alegre, onde poderia continuar trabalhando com Uber de viagem.

Os seus irmãos e irmã, não ficaram satisfeitos, mas se era o melhor para ele, eles aceitavam. E ele estaria perto do filho.

Júlio sentiu a mudança do pai, mas sua família estava aumentando e mais uma criança estava a caminho. Aconselhado pela esposa, ele foi visitar a mãe. Todavia, foi uma situação tão estranha, uma conversa tão artificial, que ele nunca mais a procurou.

Jaciana voltou a morar com o pai. E era tratada como se fosse uma débil mental. Ele a sustentava, mas ela não podia sair sozinha para nada. Ele pagava um salário de doméstica, para que ela fizesse companhia para mãe, que estava doente.

Jaciana pensava muito em tudo o que tinha feito. Como tinha sido leviana em jogar fora um casamento de mais de trinta anos, se distanciado dos filhos e dos netos. Pensava que por uma louca aventura tinha colocado em risco a sua velhice. Quem cuidaria dela?

Arrependia-se profundamente de ter sido tão inconsequente.

E agora???

Ela estava sozinha...

                                  Maria Ronety Canibal

                                        Março 2024

Nota da autora: O texto é baseado em fatos reais.