Juliana adorava passar as férias de verão na casa da avó Augusta. Ela morava em uma fazenda, bem distante da cidade, mas perto de um córrego, onde a criançada costumava banhar-se nas tardes quentes.
Ela era uma menina bem ativa, preferia
brincar com os meninos, pois era muito mais divertido; já que as gurias só se
interessavam em brincar de casinha e boneca. Ela gostava de correr, subir em árvores,
pescar entre outras brincadeiras. Até futebol ela jogava.
Ela estava ansiosa e todos os dias
perguntava para Camila, sua mãe, qual era o dia que iriam. Órfã de pai, Juliana
vivia com sua mãe em um pequeno apartamento, e sua mãe trabalhava o dia inteiro
como funcionaria da Loja DELAS.
Camila desde o acidente que matou seu
marido Paulo, trabalhava muito, e tinha alcançado o cargo de gerencia. Ganhava
mais, mas também trabalhava mais.
Ela havia prometido a filha Juliana que a
levaria para casa da avó, assim que as aulas encerrassem, mas estava tão
envolvida com o trabalho, que não cumpriu a promessa.
Diante de mais uma pergunta da filha, ela
respondeu:
-- Minha querida, sei que não cumpri o
prometido, e estou tão cheia de trabalho, que não sei como farei. Mas uma
solução eu vou arranjar.
-- Mãe, eu não gosto de ficar sozinha em
casa.
-- Eu sei, vou dar um jeito amanhã. Talvez
eu consiga carona para ti com o seu Manuel.
-- Ah, mãe... Tomara que consiga. – Disse
Juliana entusiasmada abraçando e beijando a mãe.
No dia seguinte, Camila entrou em casa
sorrindo, abraçou a filha e falou:
-- Vamos arrumar tuas coisas. Amanhã bem cedo
o seu Manuel passa por aqui para te pegar. Vais ter as tão esperadas férias com
a tua avó. Não sei se poderei estar no Natal...
-- Ah... mãe...
-- O Natal é para as crianças. Eu vou ficar
bem, e tu estarás com a tua avó e com as crianças. Pensas em mim, só o que te
peço.
-- Vou pensar e rezar todas as noites.
-- E eu também vou pensar e rezar por ti,
todas as noites. Agora vamos pegar a valise...
Na manhã seguinte Juliana acordou muito cedo.
Sua mãe ainda dormia, então ela se vestiu e colocou na valise o seu estojo de
desenho, um caderno e o seu material de higiene. Fechou e olhou o quarto.
Estava levando tudo o que precisava.
Quando Camila levantou ficou admirada com
tudo o que Juliana já tinha preparado, pois até a mesa do café estava pronta. O
café pronto na cafeteira. Ela abraçou a filha e sussurrou:
-- Bom dia, meu amor. Vejo que acordastes
bem cedo.
-- Sim, não posso fazer o seu Manuel
esperar.
-- Com certeza não é educado fazer as
pessoas esperarem. Vamos tomar o nosso café.
As duas conversaram alegremente enquanto
faziam a primeira refeição do dia. Camila arrumou uma merenda para filha e para
o seu Manuel. E recomendou:
--
Minha querida, não deixe de oferecer um sanduiche para o teu companheiro de
viagem.
-- Sim mãe. Acho que ele chegou... – Disse
ela correndo até a janela para espiar. – Sim, ele chegou. Vamos mãe, rápido!
Já na calçada, Juliana abraçou e beijou sua mãe,
e entrou na camionete. Ela estava radiante, seus olhos brilhavam de felicidade.
O veículo arrancou e ela abanou para mãe com um sorriso imenso. Estava feliz,
iria encontrar seus amigos e tudo seria muito divertido.
Com seu jeito tagarela, Juliana encantou seu
Manuel. Ela estava tão empolgada contando suas histórias, que quando viu já
estavam chegando no pátio das casas. Ela desceu do carro e correu para abraçar
sua amiga Duda, logo os meninos se aproximaram, e o Lipe sorrindo falou:
-- Até que enfim chegastes.
-- Minha mãe não tem tempo de vir, eu
precisei arranjar uma carona.
-- Bah, essa guria... outra vez. – Falou
Toni a olhando de longe.
Juliana olhou para ele com os olhos
merejados... Aquele menino era sempre muito mal educado com ela. Mas ela virou
as costas para ele, e foi em direção à casa de sua avó. A alegria voltou a sua
fisionomia quando ela recebeu o afetuoso abraço da vó Augusta.
-- Que saudades, minha querida. Como
crescestes! Estás linda... e parecida com a tua mãe nesta idade. Aonde está a
tua valise?
-- Bah, está na camionete. Vou pegar... --
Ela saiu correndo em busca de suas coisas. Mas encontrou Toni no meio do
caminho, com a valise;
-- Esquecestes, seu Manuel me pediu para te
entregar. – Disse o menino gentilmente.
-- Obrigada! – Disse Juliana tentado pegar a
valise.
-- Não, eu levo para ti – Afirmou Toni que
caminhou ao lado dela até a porta da casa onde dona Augusta os esperava.
Depois que entregar, Toni tentou sair, mas
dona Augusta falou:
-- Venha fazer um lanche com a Juliana.
Um tanto constrangido o menino aceitou. Os
dois sentados à mesa bebiam uma gostosa limonada e comiam um pedaço de bolo de
chocolate. Dona Augusta gostava daquele menino, ele era o mais velho dos
irmãos, era um pouco tímido, mas inteligente e educado. Implicava muito com a
sua neta, mas isso era bom sinal.
Depois de terminarem de comer, Juliana
disse:
-- Me espera. Vou colocar a minha roupa de
brincar.
Sentado muito compenetrado, Toni esperou por
Juliana. Ela voltou em seguida e eles correram em direção a Duda que descansava
deitada em uma rede no arvoredo. Todos sentaram no chão e conversaram sobre os
acontecimentos do ano, pois fazia muito tempo que não se encontravam.
Os dias passavam e Juliana estava feliz. O
Natal estava se aproximando e dona Eniale estava preparando uma grande festa.
Esse ano seria diferente. Ela reuniria todas as crianças da fazenda e haveria
distribuição de presentes para todos. Um Papai Noel estava contratado, e ele
iria chegar de moto.
Ao meio dia seria servido um almoço para as
famílias, que também receberiam um presente. Eniale deu-se ao trabalho de
comprar um presente para cada um. Artur e a esposa Eniale eram pessoas solidárias.
Eles pagavam bem seus empregados, mas gostavam de festejar o Natal com todos os
moradores da fazenda.
Eles residiam na capital, e só nas férias de
verão de vinham para a fazenda. Mas mesmo à distância Eniale acompanhava os acontecimentos.
Artur vinha seguidamente, por causa de administração.
Depois da morte do Getúlio, o seu gerente,
ele nunca mais conseguiu outra pessoa capacitada para gerenciar o gado e a
lavoura. Getúlio e sua esposa Augusta sempre moraram na fazenda e cuidavam de
tudo. Por isso ele permitia que a viúva permanecesse na casa que sempre foi
deles, desde o tempo de seu Antônio.
O dia de Natal amanheceu quente e com céu
límpido. Não se avistava nenhuma nuvem. A festa seria embaixo do arvoredo. As
mesas já estavam armadas e uma arvore havia sido escolhida pelas crianças para
ser enfeitada com laços de fitas, feito pelas meninas, e correntes de papel,
feitas pelos meninos.
A cozinha do casarão estava movimentada,
assim como na casa de dona Augusta que ainda enfeitava um bolo em forma de
pinheiro. Juliana ajudava a sua avó, e quando ficou pronto, a menina vibrou de
felicidade.
-- Vai ser uma festa bonita, não é vó?
-- Sim, minha querida. Agora vou me arrumar.
Cuida o bolo para nenhuma mosca pousar. Vó... não podemos esquecer de pegar a
lata com os biscoitos que fizemos...
-- Sim, já está sobre o balcão.
Um minuto mais e Juliana acompanhada de sua
avó foi para o arvoredo. Ela levava a lata e a vó o bolo, que agora estava
acondicionada em um prato e coberto com um tule para proteger dos insetos. Elas
colocaram sobre a mesa e foram cumprimentar as pessoas que por ali já estavam.
Juliana estava usando um vestido novo. Sua
avó tinha costurado, era de algodão cor de rosa com enfeites de renda branca.
Dona Augusta penteou a neta de modo diferente. Puxou tudo para trás e teceu uma
grossa trança. A menina estava muito bonita.
Sua pele morena e os cabelos escuros
realçavam a cor do vestido. Os olhos castanhos brilhavam de ansiedade. Ela
acomodou-se ao lado a avó, pois estava recomendada para se comportar como uma
menina e não como um moleque. Pois ela na verdade era muito travessa.
Logo
Duda, que também estava toda enfeitada, chegou e ficou ao lado dela e as duas
conversavam animadamente, quando Lipe e Toni também sentaram por ali. Toni que
estava de frente para as gurias, observava Juliana e a irmã. Lipe conversava
com os guris da lavoura.
Seu Artur chegou com uma máquina
fotográfica, e tirou várias fotos, e uma das fotos ele pediu para os filhos
ficaram juntos, mas Toni puxou Juliana para junto deles. E ela saiu na foto de
família.
Foi um alvoroço quando eles escutaram o barulho
da moto do papai Noel. Toni com doze anos já não acreditava mais, Lipe com onze
anos tinha dúvidas, mas a Eduarda e a Juliana, ambas com dez anos, ainda
acreditavam em Papai Noel, e que o bom velhinho morava no polo norte.
Elas estavam ansiosas e temerosas e Toni se
divertia vendo o medo das gurias. Lipe ficou quieto, pois sentia um pouco de
medo também...
Juliana ganhou uma pasta para pintura
completa, já que ela era a desenhista da turma. Na verdade, Eniale quando viu
os desenhos da menina, ficou surpreendida. Ela era ainda uma criança, que nunca
tinha estudo artes e apresentava a perspectiva das coisas corretamente. Pensou
que deveria incentivar o dom natural da menina.
Juliana adorou o presente, e mostrava para
todos muito orgulhosa. Toni que tinha ajudado a mãe a escolher, ficou feliz.
-- Olha, o que eu ganhei... Não é lindo Toni?
– Perguntou ela.
-- Muito legal. Agora podes pintar. Vamos
andar pelas margens do riacho para escolher um lugar bonito para pintar.
-- Tu vais comigo? – Perguntou Juliana sem
acreditar no que escutou.
-- Sim. Está prometido. Queres que eu leve
até a tua casa para guardar.
-- Eu vou contigo.
Juliana saltitava de felicidade. Aquele guri
nunca tinha a tratado bem, e agora a levaria para escolher uma paisagem
legal...
-- O que tu ganhaste? – Indagou ela
-- Uma bússola.
-- Para que queres uma bússola?
-- Ora para me localizar... – Disse Toni sem
mais explicações.
Os dias passavam e Toni
cumpriu a promessa, a levou até a barranca do rio e permaneceu ali junto,
enquanto ela pintava a paisagem. Ela já estava com uma coleção de aquarelas, e
um dia ela perguntou:
-- Tu gostas dos meus quadros?
-- Eu gosto. Por que?
-- Quero te dar um. Escolhe...
-- Esse. Mas quero que assines, senão não
tem valor. Escreve teu nome e a data.
-- Tu achas que preciso colocar meu nome em
todos?
-- Sim. Todo artista assina a sua obra.
-- E tu assina as coisas que escreves?
-- Ainda não, mas vou assinar quando eu
publicar os meus livros.
-- Por que antes tu implicavas comigo?
-- Não sei, só para te ver furiosa... Era
engraçado. Mas eu cresci, não sou mais moleque.
-- Minha vó me disse que quando um menino
implica com uma menina é porque gosta dela. Tu gostas de mim?
Toni a olhou e não responde, mas seu rosto
ficou vermelho, então perguntou:
-- Tu gostas de mim?
Juliana sentiu o seu rosto ficar quente, devia
estar vermelha. Ela olhou para ele e respondeu:
-- Eu gosto. Tinha vontade de bater toda
vez que tu me maltratavas.
-- Eu sei – Disse ele rindo
Aquelas foram as últimas férias de Juliana
na fazenda. Sua avó morreu no início do outono. Ela ainda voltou até fazenda
com a mãe para pegar as coisas da avó. Enquanto Camila arrumava as coisas de dona
Augusta, Juliana andou sozinha pelos lugares que tinha retratado em suas telas.
Muitas lembranças boas surgiram.
Ela escolheu alguns objetos que foram da
avó, para levar como lembrança. Coisas simples, mas que significavam muito. O
dedal de costura, o espelho de toucador de prata e o livro de oração. Arrumou
numa caixa colocou em sua valise.
As poucas coisas que pertenciam a mãe,
Camila selecionou, reservou algumas para si, e o que sobrou ela deixou para
doação. Desde o seu casamento, Augusta tinha vivido naquela casa, pois Getúlio
sempre trabalhou na fazenda Bom Jesus. Viveram felizes servindo aos patrões.
Depois da morte súbita do marido, que era cardíaco, ela continuou ali, por
generosidade do patrão. Já doente, com
deficiência pulmonar, Augusta, não trabalhava mais, vivia de sua aposentadoria.
Só em pensar que nunca mais voltaria aquela
casa, Camila sentia um aperto no coração. Com sua vida corrida, ela quase não
convivia com a mãe. Suspirou e secou as lágrimas, não podia mostrar fraqueza
diante da filha. Juliana estava muito abalada. Ela amava a sua avó com paixão.
Os outros avós nunca se interessaram em
conhecer a neta. Sempre foram contra o casamento do filho. Não aceitavam Camila
por causa de sua condição social. “Imagina o filho de um comerciante abastado,
casar com uma moça pobre.”
Paulo havia se afastado de sua família, e
largado a faculdade, pois não tinha mais como pagar os estudos, depois que os
pais cortaram o dinheiro dele, mas ainda assim eles casaram. Para sustentar a
família, Paulo passou a trabalhar como vendedor, e utilizava moto para seu
deslocamento, por ser mais econômico. E numa tarde de tempestade, quando
retornava para casa, ele sofreu um acidente fatal.
Mais nada prendia Camila aquela pequena
cidade. Nas horas de folga ela iniciou uma pesquisa, para descobrir qual cidade
oferecia boas oportunidades de trabalho e qualidade de vida. Entre outras ela
escolheu Florianópolis.
Desligou-se da loja em que trabalhava e se
aventurou com a filha para um futuro incerto. Carregaram as poucas coisas que
tinham, e foram viver na praia. Camila estava cheia de esperanças de uma vida
melhor. Logo ela conseguiu um bom trabalho no shopping e conheceu Tiago... Ali
ela encontrou novamente a felicidade.
Tiago Mendonça tinha uma ótica, e Camila,
agora trabalhava com o marido, oferecendo dessa forma a filha, uma boa condição
de vida. A menina tinha além da escola, aulas de inglês e espanhol; aulas de
pintura e violão. Seu tempo livre era escasso, por isso aproveitava os domingos
para relaxar pintando seus quadros, que já eram muitos. Não eram mais
aquarelas, agora pintava com tinta a óleo.
Juliana mal lembrava do pai. Ela aceitava
muito bem, o novo marido de sua mãe. Formavam uma família feliz... nem tanto.
Ela sentia ciúme da mãe, pois até então, eram somente as duas em casa. Aos doze anos, ainda não entendia nada da vida
dos adultos, mas sentia-se intimidada com a relação carinhosa do casal.
Por isso, Juliana nos horários livres, ia
para praia e ali permanecia até o fim da tarde, sobretudo aos domingos, quando
Tiago passava o dia em casa. Camila preparava um lanche gostoso, para a filha, com
pasteis, suco e guloseimas. A prainha
onde moravam era pequena e tranquila, por isso Camila ficava tranquila, sabia
onde estava a filha.
Dez anos depois...
Sentada no chão de seu quarto, Juliana
embalava as suas coisas. Estava saindo da casa de sua mãe. Formada em Belas Artes,
ela iria para Porto Alegre onde faria o mestrado, e também trabalharia como
professora em um Curso de Artes.
Ela estava feliz, pois estava buscando o seu
futuro. Embora estivesse triste com a separação, Camila admitia que Juliana
estaria fazendo o que mais amava, estaria estudando e trabalhando com a sua
pintura.
Remexendo suas coisas, Juliana encontrou a
foto do último Natal na fazenda. Seu coração se apertou, ainda sentia muita
saudade de sua avó. Sorriu ao lembrar uma cena de sua infância.
Ela lembrava perfeitamente, até do som da
voz da vó Augusta, no dia que a encontrou sentada no degrau da cozinha
chorando:
-- Por que estás chorando? – perguntou a
avó.
-- Porque o Toni me chamou de chata e disse
que não gosta de mim...
-- Não ficas triste, pois vou te contar um
segredo: meninos quando dizem essas coisas para as meninas é porque gostam
muito delas, como não sabem como agir, então eles as espantam.
-- É verdade? Então o Toni gosta de mim...
eu também gosto dele.
-- Eu sei, minha querida... Agora levanta
daí, seca esses olhos e vamos tomar uma limonada bem gelada.
-- Onde estaria o Toni? Perguntou-se olhando a foto. Olhou o verso e
lá estava escrito: “Para a Juliana. Esse é o dia em que nos entendemos.”
Aquela tinha sido as últimas férias...
Ela nem sabia o nome todo nome dele. Usavam
os apelidos e como era criança, nunca se interessou em saber mais sobre a
família que era dona da fazenda. Lembrava de seu Artur, um homem bom; dona
Eniale era bonita; a Duda deveria ser Eduarda; Lipi deveria ser Felipe e Toni
deveria ser Antônio. Mas saber isso não bastava. Precisava perguntar para sua
mãe.
Guardou com carinho a foto, em um lugar
especial. Terminou de embalar e foi tomar banho. Tiago havia programado um
jantar especial de despedida, iriam em um restaurante na lagoa.
Já no restaurante, enquanto aguardavam o
serviço, Juliana perguntou a mãe:
-- Hoje vi uma foto das últimas férias na
fazenda, senti saudades... E me dei conta que não sei nada sobre eles, os donos
da fazenda. Tu sabes?
-- Aquela fazenda era do pai da Eniale. O
Artur é paulista, e eles se conheceram na faculdade. Ambos são advogados. Eles
têm uma banca de advocacia.
-- Fazenda Bom Jesus, esse é o nome. – Falou
Juliana – Isso eu lembro.
-- Eniale foi criada pelo avô, que se
chamava Antônio Carlos Neves da Veiga. O pai dela eu não sei, pois ele foi
embora quando ela bem pequena, e nunca mais voltou. Isso é o que sei...
-- Credo! Então ela foi criada pelo avô e
não tem irmãos, por isso a fazenda era deles.
-- Acho que sim. Mas o sobrenome do Artur
eu não sei. Quando eles casaram, eu já não morava mais na fazenda, estava
fazendo o segundo grau e morava na cidade, na pensão da dona Marilda.
-- Marilda! Aquela senhorinha que era nossa
vizinha?
-- Sim, ela mesma.
-- Acho que vamos ter que fazer uma
investigação para saber o nome dos teus amigos de infância, -- disse Tiago
rindo – pois a tua mãe não sabe nada.
-- Concordo. – Respondeu Juliana sorrindo.
-- Mais uma coisa, o nome do arroio era
Abranjo?
-- Sim, ali ele se encontrava com o rio
Camaquã. Lembra a beleza do lugar?
-- Claro que lembro. Fiz muitos desenhos,
alguns ficaram na fazenda. A dona Eniale tinha pedido para olhar, e eu esqueci
de pedir de volta. Não tem importância, era só as nossas brincadeiras.
-- Tiago, tu não tens ideia, desde muito
pequena ela desenhava tudo o que via. Incrível! – Explicou ela ao marido.
Na manhã seguinte Juliana tomou o avião com
destino a Porto Alegre. As suas coisas seriam despachadas depois que ela já
tivesse encontrado um apartamento para morar.
Do aeroporto ela foi direto para o hotel
que Tiago tinha reservado. Estava receosa... pois, de agora em diante era tudo
por sua conta. Nunca tinha ficado sozinha, e Camila sempre foi uma mãe zelosa.
Na segunda-feira pela manhã Juliana foi
conhecer o seu local de trabalho e iria procurar um lugar para morar naquelas
proximidades. Ao chegar à Escola de Artes, ela foi recebida pela Taise, a filha
dos donos da escola. Logo a seguir conheceu os demais professores. Ela gostou
do local e das pessoas com quem iria trabalhar.
Saiu dali acompanhada pela Lais, que estava
procurando alguém para dividir o apartamento. Depois de ver o lugar, Juliana
falou:
-- Vou querer dividir contigo. Como o
apartamento é grande, acho que teremos a nossa individualidade e privacidade
mantida.
-- Sim.
O apartamento era antigo, mas estava todo
reformado e mobiliado; e os três quartos foram transformados em duas suítes com
closet; a cozinha era ampla e integrada à sala de estar, que tinha uma bela
sacada com vista para o rio. Bem
situado, ficava próximo a lojas, supermercados, farmácias, transporte e o mais
importante da escola onde trabalharia.
Muito contente, a noite quando já estava no
hotel, ela ligou para casa, pedindo enviasse as suas coisas. Tiago ficou
surpreso com a rapidez com que Juliana encontrou um bom lugar para morar.
-- Será que é bom mesmo, e por esse preço –
Comentou ele.
-- Acho que sim. Ela está dividindo com uma
colega de trabalho. Olha Juliana enviou um vídeo.
Depois de olharem o vídeo enviado, eles
ficaram mais tranquilos. O apartamento era bom e ficava perto do trabalho.
Agora só faltava ela conseguir uma vaga no mestrado.
Os dias passavam e Juliana estava adaptada à
sua nova rotina. Lais mostrou ser uma boa companhia, era alegre e divertida,
mas também trabalhadora e responsável. A parceria estava ótima, e elas já eram
as melhores amigas.
Nos fins de semanas elas sempre saiam para a
balada. Lais gostava de dançar, Juliana era mais quieta, mas gostava de ver o
pessoal dançar. Fez novas amizades e conseguiu algumas paqueras, e não passava
disso.
-- Por que tu dispensaste o Marcelo? Bah...
ele é uma cara legal, bonito, odontólogo, e parece estar todo apaixonado por
ti. Não te entendo. – Quis saber Lais.
-- Porque ele não mexeu comigo. Não vou
namorar um cara só por namorar. Não sou assim.
-- Quem é o dono desse teu coração insensato?
– Falou a amiga rindo.
-- Não tenho ninguém, aliás, nunca tive um
namorado.
-- Nunca?!
-- Disse Lais espantada. – Que coisa mais antiga. Vamos ter que
modificar esse dado no teu currículo amoroso.
-- Não. Respeita o meu modo de ser. Sou assim
e pronto. E não vou me comprometer só para contentar a fofoca alheia. Já falei
que sou assim, e pronto! – Afirmou Juliana aborrecida.
Juliana chateada foi para o seu quarto. Não
demorou muito e Lais bateu à porta, dizendo:
-- Peço que me perdoe. Fui muito invasiva. Só
que fiquei muito surpresa, pois bonita como és, achei devias ter uma fila de
pretendentes.
-- Não precisa te desculpar. Eu sei que sou
fora do padrão. Mas não me importo.
-- Boa noite! – Disse Lais fechando a porta
do quarto.
Daquela noite em diante, Juliana evitou sair
com Lais. Coincidentemente, na semana seguinte, as aulas começaram e ela não
tinha mais muito tempo livre, por isso passava os fins de semana cumprindo as
atividades do curso. Também seu horário de trabalho estava alterado. E as duas
quase não se viam.
O tempo passou rapidamente, e Juliana agora
era mestre em Artes. Ela estava orgulhosa, assim como Camila e Tiago. Ele
propôs umas férias em família naquele verão. Mas Juliana recusou, tirou apenas
uns dias com eles. Logo teria que voltar ao trabalho.
Um convite para expor o seu trabalho, estava
sobre a sua mesa de trabalho. Seria no fim do ano em Helsinque, na Finlândia.
Juliana ainda não tinha respondido, mas o prazo estava se esgotando.
Vontade ela tinha de participar daquela
feira, mas faltava capital para bancar a viagem. Segundo as informações seria
uma feira de artes, onde haveria trabalhos em madeira, pedra, argila,
aquarelas, telas, livros ilustrados... O que era comum a todos, é que eram
novatos. Juliana pensou que seria interessante essa diversidade. Era uma
oportunidade para difundir seu trabalho e conhecer outras formas de arte e a
troca de experiências entre os artistas.
Resolveu pedir ajuda a sua mãe. Precisava
deixar seu orgulho de lado. Devolveria o dinheiro depois de vender seus
quadros. Animada ela ligou:
-- Mãe, como estás?
-- Oi... Tudo bem contigo? Nunca ligas durante
a semana...
-- Está tudo bem. É que tenho um assunto
urgente. Podes falar agora?
-- Sim... O que aconteceu?
-- Eu recebi um convite para participar de
uma exposição na Finlândia.
-- Na Finlândia?
-- Sim. É uma feira de artes, bem
diversificada. Me parece bem legal.
-- E tu vais?
-- Minha vontade é participar, mas meu
dinheiro não cobre os gastos. Porque preciso ir por minha conta. Hospedagem e
alimentação durante a feira eles dão. Mas para chegar lá custa muito caro, além
da passagem preciso de dólares.
-- Entendo... Qual é o valor já tens?
-- Aproximado. Vou te mandar por fax o
orçamento que eu fiz. Tenho que embalar e transportar o material, recomendam
fazer seguro. Enfim, a lista é um pouco longa. Olha e depois tu me ligas. Pode
ser?
-- Sim filha, ficarei aguardando. Vamos dar
um jeito. Beijos.
-- Beijo, mãe.
Tiago ao escutar a conversa, se aproximou da
esposa, a loja com o movimento calmo, ele perguntou:
-- O que a Juliana precisa?
-- Ela foi convidada a participar de uma
feira de artes na Finlândia e precisa de dinheiro, ela vai mandar por fax, o
orçamento que ela fez.
-- Hum. – Tiago ficou pensando. Ela admirava
muito Juliana, ele a tinha como uma filha, e faria o possível para ajudá-la.
Então chegou o fax.
Tiago correu para pegar o papel. Leu tudo com atenção e comentou com a Camila.
-- Realmente a soma dá um valor
considerável, eu achei que seria mais alto. Vamos proporcionar isso a nossa
querida Juliana, ela merece. Desde que a conheço ela se dedica a sua arte.
-- Sim. Eu também imaginei que fosse mais.
Vou ligar para ela confirmando.
-- Faça isso. E no próximo fim de semana
vamos visitá-la. Já avisa.
-- Vamos sim. Estou com saudades da minha
filhota.
Toda a preparação do material que iria para
exposição consumiu com as energias de Juliana, que três dias antes de embarcar,
decidiu tirar uma folga e dormir. O clima contribuiu, pois de depois de dias
seguidos de um calor intenso, caiu uma chuva mansa e refrescou; e a aquela
tarde de sono, num clima ameno, a deixou revigorada.
Embora tivessem planejado, Camila e Tiago não
puderam vir despedir-se de Juliana, sua mãe chorosa ligou:
-- Minha querida, não poderemos ir, o
movimento está grande, e eu não quero deixar o Tiago sozinho na loja. Tu sabes
como ele é desajeitado para fazer um simples embrulho, imagina pacotes para
presente.
-- Bah, não dá mesmo... – Disse Juliana
rindo. – Mãezinha não te preocupa, estou bem, todo aquele estresse passou.
Estou com tudo arrumado. Os quadros coloquei em uma caixa apropriada, e vão
chegar inteiros. Só terei que pagar por bagagem extra. Mas mesmo assim é mais
tranquilo do que despachar.
-- Também acho. – Concordou Camila. – Filha
te desejo muita sorte, que tudo dê certo. Me liga quando chegar, ou envia um e-mail.
Ficarei ansiosa. Deus te abençoe.
-- Não te preocupa mãe. Vai dar tudo certo.
Beijos.
Ainda era madrugada quando Juliana foi para
o aeroporto, para enfrentar uma longa viagem para o mundo desconhecido. Com o
coração descompassado, um medo repentino tomou conta dela, ela endireitou os
ombros, ergueu a cabeça e foi fazer o seu check-in. Foi para o portão de embarque, e sem ninguém
para acenar, ela entrou no avião.
Sentou-se em sua poltrona e orou. Estava
nervosa. Ao seu lado sentou uma garota, muito jovem, talvez quinze anos. Ela
estava eufórica, vibrava de satisfação e virando-se para Juliana, falou:
-- Eu sou a Marilyn, vou para Amsterdã. Estou
muito feliz de ter conseguido participar de um intercambio. Vou ficar na casa
de um casal. E tu vai para onde?
-- Eu me chamo Juliana, estou indo para
Helsinque, na Finlândia, para participar de uma feira de artes. Sou pintora de
telas em óleo e aquarela. Também estou muito feliz de sido convidada. É uma
ótima oportunidade na minha carreira.
-- Eu ainda não sei o que quero ser. Por
enquanto estou conhecendo o mundo. Já estive na California, no Chile, Portugal
e agora Holanda. Todas as férias eu vou para um lugar. Minha mãe diz que
importante eu conhecer diferentes realidades.
-- Com certeza. E o teu pai também te
incentiva?
-- Meu pai? Não sei quem é.
-- Desculpe.
-- Essa é a minha realidade. E o teu pai?
-- Mal
lembro dele. Ele morreu quando eu era ainda muito pequena.
-- Hum...
Para Juliana conversar com aquela guria foi ótimo.
A distraiu e o nervosismo passou, e ela curtiu a viagem.
Elas trocaram de avião no Rio de Janeiro, e
permaneceram em assentos próximos. Quando chegaram a Amsterdã, as duas
despediram-se. Ela avistou Marilyn sendo abraçada por um casal muito simpático.
Antes de irem embora. Marilyn virou-se a acenou para Juliana.
Como teria que esperar cerca de três horas,
Juliana circulou pelo aeroporto, e parou diante da vitrine de uma livraria. Uma
a imagem chamou a sua atenção. A capa era muito parecida com um dos seus
desenhos do tempo de menina. Havia uma característica própria. Era a forma de desenhar
as pessoas. Por isso ela reconhecia um desenho seu em qualquer lugar.
Ela olhou o nome do autor era Toni Cooper, e
o título do livro em inglês: Pranks Time, editado na Inglaterra recentemente.
Juliana entrou na livraria e procurou saber mais sobre o livro, mas descobriu
que estava lacrado. Uma observação sobre as ilustrações revelava que o
desenhista era um tal de Julian. Pesquisou e ficou sabendo que aquele era o
único livro do referido autor. Ela olhou mais uma vez para capa do livro e saiu
da loja. Pensativa ela tomou um café com uma fatia de bolo. Arrependeu-se de
não ter comprado o livro. Mas agora não tinha mais tempo, já estava na hora de
embarcar.
Durante o percurso até Helsinque, Juliana
lembrou os bons tempos de sua infância, das férias na casa de sua avó, das
estrepolias que fazia junto com os seus amigos. E pensou de maneira especial em
Toni. Ela gostava muito dele, ficava triste quando ele a menosprezava, até a
sua avó Augusta, revelar qual era a fraqueza dos meninos. Então Juliana
entendeu que ele tinha um carinho especial por ela.
Mas aquele tempo tinha passado, e ficou
muito distante no passado.
Aquela
tinha sido a sua última estada na fazenda. E ela nunca mais soube nada sobre
seus queridos amigos, nunca mais viu o Toni. Seu coração se entristeceu... A
vida era incompreensível... pois de repente tudo mudava, as pessoas queridas
morriam, e os melhores amigos eram afastados.
Juliana rejeitou esses pensamentos nefastos.
Estava a caminho de um sonho, o seu sonho de ser reconhecida como pintora. Na
verdade, ela tinha consciência, que estava esperando muito dessa feira, talvez
não devesse sonhar tão alto.
De sua poltrona ela avistou a cidade, estavam
se aproximando Helsinque. Uma emoção tomou conta dela. Não havia ninguém à sua
espera. Teria que pegar um taxi para o hotel. Esperava poder se comunicar
tranquilamente em inglês.
Enfim ela chegou ao hotel. Foi muito bem
recebida, as acomodações eram muito boas, mas o frio era intenso. Ela precisava
urgentemente de roupas mais apropriadas. Descobriu que podia alugar. E foi o
que fez.
Ela entrou em contato com os organizadores e
como tinha um dia livre, e estava uma manhã de sol, ela comprou um guia e
caminhou pela cidade apreciando os monumentos, praças e as construções do
centro histórico de Helsinque. Visitou algumas lojinhas, fez um lanche numa
confeitaria tradicional e provou os sabores da terra.
Voltou cansada para o hotel. Ao chegar na
portaria, lhe foi entregue um convite para jantar com o grupo de artistas
participantes da feira. Um carro viria buscá-la. Juliana tomou um banho bem
quente para repor as energias, vestiu-se e foi para o saguão do hotel, estava
bem na hora.
Quando ela, foi avisada de que o carro havia
chegado, ela se dirigiu para a porta, ela cruzou com um homem que a olhou com
atenção. Ao olhar de relance para ele parecia alguém conhecido, mas quem?
Virou-se para trás e o homem estava parado olhando para ela. Juliana
apressou-se a seguir o motorista. Ela entrou no carro pensando naqueles olhos,
naquele olhar... Era conhecido, disso tinha certeza, mas quem era?
A organização reuniu todos, no local onde
seria a mostra, e sorteou os lugares. De forma que naquele momento eles puderam
avaliar o espaço e projetar como fariam a apresentação de seus trabalhos.
Juliana gostou do seu lugar, estava bem próxima a entrada e isso era muito bom,
pois teria bastante visibilidade.
O jantar foi animado e divertido. O grupo de
participantes era eclético, e todos eram graduados em Belas Artes. Esse era o
ponto comum entre eles. Cada um seguindo uma linha artística, mesmo na pintura
havia uma diversidade de estilos. Juliana sentiu-se bem entre eles. A maioria
era europeu, apenas ela era sul americana, havia um rapaz africano e uma jovem asiática.
Quando retornou ao hotel, já me seu quarto,
Juliana organizou o seu material, pois, cedo iria para a feira e arrumar os
seus quadros e aquarelas. Deitou-se e voltou a pensar no rapaz com o qual havia
cruzado no saguão do hotel. Aqueles olhos, aquele olhar... Dormiu pensando no
seu Toni.
Juliana acordou cedo e bem disposta. Estava
ansiosa... Vestiu-se, desceu, tomou o seu café e retornou ao quarto. Mesmo com
o pensamento voltado para a feira, ela não deixou de prestar a atenção nos
demais hospedes. Precisava reencontrar o rapaz de olhos sedutores.
Foram dois dias intensos. A feira foi um
sucesso, e não apenas ela, mas todos os participantes venderam as suas artes.
Somente duas aquarelas não foram vendidas, pois ela as tirou da mostra. Eram
lembranças muito fortes de seu tempo de traquinagens na fazenda Bom Jesus.
Pensar em Toni, a deixou emotiva... Aquelas peças ficariam com ela.
Com um bom dinheiro no bolso, naquela tarde,
véspera de Natal, ela saiu para comprar um presente para si mesma. Passou por
uma livraria e lá estava o tal livro. Pensou consigo mesma: “Esse é o meu
presente”. Entrou e comprou um exemplar de Pranks Time de Toni Cooper. Quando
estava no caixa, o rapaz que a atendia falou:
-- Se quiser o autor está autografando no
fundo da loja.
-- Ah... Obrigada. Vou aproveitar essa
oportunidade.
Juliana seguiu a indicação e entrou em uma
sala, onde algumas pessoas aguardavam a sua ver de receber o autografo de jovem
autor. De onde estava, ela não conseguia enxergar o autor.
Mas quando chegou à sua vez, ela teve uma
surpresa. Ali estava o rapaz de olhos cativantes. Um nervosismo tomou conta
dela. Ele também a olhou, sorriu e pediu:
-- O seu nome?
-- Juliana. – Respondeu ela.
Ele a olhou e sorriu. Olhou em volta e como
não havia mais pessoas esperando, ele virou-se para o seu auxiliar e disse:
-- Por hoje basta. Depois de moça eu vou
encerrar. – Voltando-se para Juliana, e antes de fazer a dedicatória ele
indagou. – Aceitas conversar comigo. Tens algo que mexe com o meu passado.
-- Aceito. – Disse ela sorrindo e pensando,
que ele também mexia com ela.
Toni autografou, fechou o livro e entregou a
ela. Levantou-se e pegou seu casaco e conduziu pela saída lateral da loja. Logo
eles estavam em uma galeria. Ele a levou a uma chocolataria e ali sentaram,
pediram chocolate quente acompanhado de biscoitos de chocolate.
Toni a olhou demoradamente e pediu a ela:
-- Me fale sobre a tua infância, Juliana.
Ela achou um pouco estranho, mas não se
importou de falar.
De repente ela a interrompeu falando:
-- Aquele foi último verão. Tua avó morreu.
E naquele mesmo ano minha mãe adoeceu, Leucemia. Dois anos mais tarde ela
faleceu. Lembra-te dela? Ela chamava-se Eniale, um nome bem diferente.
-- Sim eu lembro perfeitamente dela, do Lipe
e da Duda, do teu pai. Lembro de tudo, sinto saudades daqueles dias.
-- Vocês saíram da cidade. – Afirmou ele. –
Eu te procurei...
-- Procurou? – Falou Juliana admirada. –
Minha mãe decidiu ir para Florianópolis, em busca de melhores oportunidades.
Casou novamente, e vivemos bem. Eu estou em Porto Alegre, porque depois que me
formei em Belas Artes, fui para lá trabalhar e fazer o mestrado. Recebi o
convite para participar da feira de arte, e aqui estou. – Completou ela rindo.
– Me fala sobre ti. Esse livro é sobre nós? A capa é o meu desenho. Eu
reconheci...
-- Sim, mas eu coloquei o teu nome, só que
na impressão saiu Julian. Tenho muitas lembranças daquele tempo, boas
recordações; e resolvi colocar tudo no papel, e acabei fazendo um livro
juvenil. Inseri alguns dos teus desenhos que tinham ficado com a mãe. Lembra?
-- Sim, eu lembro de tudo. – Afirmou
Juliana. – Continua...
-- Depois que a mãe morreu, tudo ficou
diferente. Não fomos mais para a fazenda. Eu estava com
com dezessete anos, quando meu pai casou novamente. Então as coisas
mudaram. Terminei o ensino médio e vim para a Inglaterra, já que temos raízes
inglesas, e até hoje moro em Kent.
-- E os teus irmãos?
-- O Felipe optou por cuidar da fazenda.
Formou-se me Medicina Veterinária, e a Eduarda, casou e mora no Chile, o marido
é executivo de uma multinacional do transporte marítimo. Portanto tão cedo não
sairão de lá. Mas eles estão bem.
Estiveram aqui no mês passado.
-- Como foi que ela achou um chileno?
-- Ele não é chileno, é americano. Se
conheceram em Bariloche. Foi um amor repentino. Segundo a Duda fala, foi a
primeiríssima vista. E decidiram casar logo. A Duda estava louca para sair de
casa, pois também não aguentava mais a Morgana. Que realmente é insuportável.
-- O Felipe está casado, também? – Quis
saber Juliana.
-- Sim, a Melissa, como ele, é veterinária e
eles criam cavalos. O Felipe já é pai de uma linda menina, a Larissa. Ainda é
bebê, nasceu em junho. Está com seis meses. Estão muito felizes...
-- E tu estás sozinho? – Quis saber Juliana
e esperando a resposta com grande expectativa.
-- Sim. – Respondeu Toni a olhando nos
olhos. – E tu tens alguém?
-- Não. Nunca tive tempo para o amor. Me
dediquei inteiramente a minha arte. Eu precisava apostar no futuro. Tu bem
sabes que sou pobre. O marido de minha é comerciante, está bem de vida, mas não
é nada meu. Por isso desde cedo eu lutei por um futuro mais promissor.
-- E estás conseguindo. Parabéns. – Disse
ele tocando em sua mão por sobre a mesa. – Quando nos cruzamos no saguão do
hotel e achei que podia ser a minha querida amiga de infância. E tu mudastes
bastante. Mas os olhos não mudam. Estou feliz que nos encontramos.
-- Eu também estou feliz. Aquela noite eu
fiquei pensando que conhecia aquele olhar, mas não podia afirmar que eras tu.
Tua lembrança surgiu em minha mente, mas fiquei em dúvida.
Os dois mantiveram silencio, com as mãos
unidas eles se olharam e seus pensamentos voaram. Uma sensação de paz os
envolveu. Então Toni falou:
-- Amanhã cedo eu vou para a Lapônia, a
terra do Papai Noel. Por que não vens comigo?
-- Eu devo retornar no dia 26. Mas bem que
gostaria de ir, ter um Natal inédito, e ver a aurora boreal.
-- Vamos transferir a tua passagem. ficas
esses dias comigo. – Pediu ele. – Eu dou um jeito pra ti.
Juliana estava balançada. Sabia que era uma
oportunidade única. E estar com o seu Toni... bah, era tudo o que mais
desejava. Então disse:
-- Eu vou contigo. Só preciso avisar a minha
mãe.
-- Essa é a minha garota. Não refuga uma
aventura. Vamos providenciar ... – Disse ele erguendo o braço e pedindo a
conta.
Ao chegar no hotel, Toni entrou e contato
com seu guia e inseriu Juliana no grupo. Depois ligou para a companhia de
aviação e deixou a passagem sem data marcada. Enquanto isso, Juliana telefonava
para casa da mãe.
Na manhã seguinte, bem cedinho, em meio a uma
nevasca, eles chegaram ao aeroporto, embarcaram na aeronave e partiram rumo ao
norte.
Juliana estava emocionada, por todos os
motivos: passar o Natal na companhia de Toni; conhecer a aldeia do Papai Noel;
ver a aurora boreal; e estar muito próxima do círculo polar ártico. Como uma
criança ela ria sozinha.
Feliz, Toni a observava. Ele também estava
sensível a presença dela. Afinal, ela sempre foi a menina dos seus sonhos. Se
até o momento, ele ainda estava sozinho, era porque nenhuma outra ocupou o seu
coração. Pensava que deveria agir com cautela, mas também com firmeza. Deveria
ter a astúcia e fazer acontecer na hora certa. Toni não podia negar que estava
ansioso.
Eles aterraram na capital da Lapônia.
Toni tinha se desligado do grupo de viagem.
Preferiu estar com a sua boa amiga Juliana. Assim poderiam passear pela cidade
e escolher os lugares aos quais queriam visitar. Só manteve a sua barraca
noturna para observar a aurora boreal.
Vestidos com roupas especiais, eles
caminharam de mãos dadas pela aldeia do papai Noel. Juliana parecia uma
criança. Estava deslumbrada com tudo o que via. Toni ficou contagiado pela alegria
dela e aproveitou o passeio.
-- Isso aqui é maravilhoso... – Dizia
Juliana.
-- Estou com fome, precisamos escolher um
lugar para comer. – Sugeriu Toni.
-- Acho deveríamos ir a um restaurante
típico.
-- Sim. Vamos sentar ali, e procurar no
guia.
Toni abriu o livreto e descobriu que estavam
diante de restaurante mais bem conceituado. Rindo ele disse:
-- Aqui. Vamos entrar.
Antes de irem para a cabana, eles compraram
uma cesta de natal com comidas variadas e bebidas. Juliana acrescentou uma
garrafa de água.
Ela tinha comprado para ele um presentinho.
Algo divertido. Afinal estavam comemorando o Natal, embora fosse de um jeito
bem inédito.
Eles se acomodaram na barraca. A noite
estava escura e fria. Mas ali havia calor, sobretudo calor humano. Toni
sentou-se ao lado dela. A proximidade gerava calor. Cobriram-se com o cobertor.
Ela estava radiante com tudo o que estava vivento.
-- Jamais imaginei passar o Natal dessa
forma. Vim para cá convencida de que essa seria uma noite solitária, que talvez
eu até chorasse de saudades da minha mãe. A vida apronta para gente. – Comentou
ela.
-- Tens razão. Eu já estava programado para
estar aqui. Mas não imaginava que teria o presente mais lindo do mundo, a tua
presença. Eu sempre gostei muito de ti, mesmo quando implicava.
-- Eu sei. Dona Augusta me dizia que essa
era fraqueza dos meninos. Que quando eles gostavam, implicavam para disfarçar...
-- Dona Augusta era uma sábia. – Disse ele a
abraçando. – Vamos brindar a esse momento.
Toni tirou uma garrafa de vinho e serviu nas
taças, enquanto que Juliana abria o pacote dos sanduiches de bacalhau.
-- Tim. Tim. –- Disse ele. Tocando levemente
na taça dela.
-- Tim-Tim. – Respondeu ela sorrindo.
Comeram e beberam. Diminuíram a luz e se
recostaram. Toni a mantinha bem junto dele. Estavam prontos para a
observação. A proximidade os deixou
perturbados. Sem esperar eles beijaram-se. Um beijo suave que foi aprofundado
carinhosamente.
-- Eu te amo... – Sussurrou Toni. – Sempre
te amei...
-- Eu também te amo... desde menina... –
Murmurou ela.
Mais um beijo os envolveu.
Juliana remexeu-se e pegou um pequeno pacote
e entregou a ele dizendo:
-- Feliz Natal.
-- Feliz Natal – Respondeu ele.
Toni abriu o pequeno presente tirou um
bonequinho de neve, mas havia, também um pacote, ele abriu e diante dele estava
uma pequena pintura, que retrava os dois nadando no arroio que cortava as
terras da fazenda.
-- Somos nós! Eu lembro desse dia. Foi o dia
em que a Duda caiu nas pedras... Como... Não sei como tens isso aqui...
-- Veio com as minhas coisas. E quando eu
estava arrumando as peças me deparei com esse quadro e outro, um pouco maior,
do nosso jogo de críquete. Então separei. E como me convidastes eu resolvi te
dar de presente.
-- Eu também tenho uma coisa para ti. Claro
que é simbólico. – Falou ele rindo.
-- Simbólico? Não estou entendendo...
Já vais entender, disse Toni se
movimentando e colocando-se de joelho diante dela, e entregando uma lata de
biscoitos de Natal.
-- Obrigada. – Disse ela. – Lembra que eu ajudava
a minha avó a fazer os biscoitos...
-- Eu não esqueci de nada, sobretudo o que
está relacionado contigo. Eu tenho uma proposta...
-- Que tipo de proposta? – Perguntou
Juliana intrigada.
-- Do tipo que ficas perto de mim para
sempre. – Disse Toni rindo.
-- Então... Qual é a proposta?
-- Quero que venhas morar comigo na
Inglaterra.
-- Morar na Inglaterra... Nunca pensei em
algo assim.
-- Venha pelo menos conhecer o lugar. Tu
vais amar. A natureza é exuberante e terás muitos jardins para pintar. E fica
muito perto de Londres. Vamos adiar a tua volta.
-- A ideia me fascina... Preciso pensar um
pouco. Tenho compromissos no Brasil, minha mãe, meu trabalho.
-- Eu sei. Mas daremos um jeito. Eu não
quero mais te perder. E estou fazendo o meu doutorado em Literatura. Sou formado em Literatura, Ciências Humanas e
Sociais.
-- Entendi.
Toni ficou decepcionado, pois imaginava que
ela aceitaria morar com ele, e ficaria feliz. Mas ele sabia, que desde criança,
ela era muito centrada. Então a envolveu num abraço e falou:
-- Vamos nos concentrar a aurora boreal...
Olha as primeiras luzes estão surgindo.
Eles admiraram as cores que natureza
proporcionava. Foi algo inimaginável para Juliana. Que murmurou:
-- Ah... se eu pudesse pintar...
Eles retornaram para Helsinque de trem. Foi
uma longa viagem, mas puderam conhecer um pouco da região, que mesmo coberta de
neve era muito atraente. Já na capital Toni a levou para um passeio na cidade
medieval de Porvoo. Um lugar pitoresco com suas casas de madeira pintadas de
vermelho.
Toni precisava retornar e Juliana decidiu ir
com ele. Depois da virada do ano, ela voltaria para a sua terra natal, então
refletiria com calma.
Ele ficou feliz com a decisão dela de ir
com ele. Pelo menos teria a oportunidade de conhecer o lugar onde ele morava,
onde escrevia seus livros de história juvenil. Ele já estava vivendo dos
recursos obtidos com a venda de seus livros.
Como
Toni havia previsto, Juliana se encantou com o lugar onde ele vivia. Era uma
pequena casa e bastante antiga, toda de pedra com janelas quadradas pintadas de
vermelho, assim como a porta. Era composta de uma sala conjugada com a cozinha,
dois quartos e um banheiro. Um dos quartos Toni usava como escritório. Na
frente um pequeno jardim colorido pelas flores completava o quadro.
-- Que casa acolhedora. Como conseguiste?
-- Essa casa pertenceu ao meu avô. Só que
depois da grande guerra, ele decidiu deixar a Europa, não queria mais pensar em
guerras. Ele serviu como motorista e viu muita dor e flagelo. Então decidiu ir
para um lugar distante, do outro lado do oceano. Foi para o Brasil com a sua
namorada. Eles eram jovens e queriam aventuras. Antes de deixar a Inglaterra o
vô tinha recebido essa propriedade de herança de seu padrinho, um bom homem que
morreu sem herdeiros. Eu conhecendo a história, quando aqui cheguei, fui ao cartório
e descobri que ainda estava no nome de John Willian Cooper. Munido de
documentos eu consegui passar para o meu nome. Claro, que com a anuência dos
meus irmãos, e o pagamento dos impostos. Desde então é aqui que eu vivo.
-- Eu adorei esse lugar. Tens razão quando
dizes que é um lugar inspirador.
-- Já te imaginastes, saíres por ai, com o
teu cavalete pintando essa paisagem?
-- Sim. Não me provoca.
-- Estou ansioso pela tua decisão.
-- Antes de qualquer decisão eu preciso
voltar para casa, e ajeitar as coisas por lá. Tenho um emprego, a minha mãe...
Três dias depois, Juliana partiu sem definir
nada. Toni não sabia se estavam comprometidos, se ela viria morar com ele, ou
se nunca mais voltaria.
Tiago e Camila foram receber Juliana em São
Paulo. Eles estavam com muitas saudades e curiosos para saber como tinha sido a
estadia dela na Finlândia. Fariam uma surpresa.
Emocionada, ao ver sua mãe, Juliana chorava copiosamente no saguão do
aeroporto, abraçada a sua mãe e seu padrasto.
Eles ficaram uns dias em São Paulo, depois
tomaram o caminho para o sul. Viajavam sem pressa. Tiago era boa companhia e
Juliana aproveitou aqueles momentos de felicidade.
Camila era uma boa observadora, e percebeu
que a filha tinha uma ruga na testa, que significava ser uma grande
preocupação. O que teria acontecido? Juliana tinha a mania de resolver tudo
sozinha, ela nunca se abria, não falava com ninguém. E isso não era bom.
Eles tinham chegado em Florianópolis.
Juliana tinha prometido ficar dois dias com eles. E Camila estava procurando o
momento certo para conversar com a filha e descobrir qual era o seu problema.
A convidou para caminhar na praia.
Mãe e filha depois de uma boa caminhada,
sentaram na areia e olhavam para o mar. Era o momento apropriado, então
perguntou:
-- O que aconteceu na Finlândia? Se a feira
foi um sucesso, vendestes todos os teus quadros, o que te preocupa?
-- Mãe... Tu não fazes ideia de quem eu
encontrei lá. Lembra do Toni, o filho mais velho da dona Eniale?
-- Sim. Aquele que te fazia chorar?
-- Esse mesmo. Pois é, nos encontramos por
acaso. Eu comprei o livro dele e fui para a fila de autógrafos, e ele me
convidou para tomar um café, e conversamos. E nós nos achamos. Passamos o Natal
juntos, depois fui até a Inglaterra, onde está morando. É tudo muito lindo
naquela região. E ele me convidou para ir morar com ele...
-- Vocês se gostam? – Perguntou Camila, não
entendendo a conversa.
-- Sim. Desde quando éramos crianças. –
Explicou Juliana – Eu sempre pensei muito nele, sempre sem esperança de
revê-lo. Mas agora o acaso nos reuniu, e eu não sei o que fazer.
-- Vamos por partes. Eu não sabia dessa tua
paixão. Por que nunca me falastes?
-- Não sei... E de que adiantaria
falar?
-- Se ele te ama, por que nunca te
procurou?
-- Ele me procurou, mas nós tínhamos saído
da cidade. E ele não sabia o meu sobrenome, assim como eu não sabia o dele. A
mãe dele morreu, teve Leucemia...
-- Eu soube que ela estava bem doente.
Um silencio reinou por alguns instantes.
-- Minha filha se esse rapaz é o amor de
tua vida, não deixe nada ser mais importante. Tu podes trabalhar em qualquer
lugar... Já estás construindo o teu futuro como pintora. Portanto trabalho não
é problema.
-- Se eu for para longe, tu ficarás
sozinha...
-- Minha querida, eu não ficarei sozinha.
Eu tenho um marido que é muito bom para mim. Eu quero que penses na tua
felicidade. Não quero que acabes sozinha. – Disse Camila abraçando a filha. –
Além do mais, se fores para lá, vocês vão ter a oportunidade de se conhecerem
melhor. Hoje vocês são adultos, têm opiniões e manias, que às vezes, atrapalham
convivência. Vai lá tira tudo isso a limpo. Se não der certo, pelo menos vais
ter o consolo de que tentastes. Se não for assim poderás te arrepender para o
resto de tua vida. Não jogue fora a felicidade, meu amor.
-- Eu sei, tenho pensado muito nisso. Sei
que os covardes não enfrentam o desconhecido.
-- E tu és covarde? – Perguntou Camila a
provocando.
Uma nostalgia havia tomado conta de Juliana.
Lembranças de sua infância, lembranças de uma noite venturosa, de um Natal
especial. Toni a queria perto dele, e o que ela estava fazendo tão distante
dele? Por que não tomava coragem, e telefonava dizendo que estava prestes a
embarcar, para a maior aventura de sua vida?
Por quê?
Juliana tentava encontrar respostas... No
fundo ela sabia que era medo. Medo de não dar certo e seus sonhos ruírem.
Enquanto estivesse no sonho, havia esperança de um futuro feliz.
-- Isso é loucura! – Dizia ela para si
mesma.
Pegou o livro para ler. Pranks Time. Esse
era o título em inglês, que significava Tempo de Travessuras. Ela olhou a capa,
e examinou cada detalhe de seu desenho infantil. Continha tudo... as
brincadeiras, as árvores, o rio, a prainha, as casas... da fazenda Bom Jesus.
Abriu, e leu a primeira linha: “At the
South of Brazil there is a farm called Goog Jesus...” (No sul do Brasil existe
uma fazenda chamada Bom Jesus...). Ela não conseguiu ir adiante, pois
lágrimas embaralharam a sua visão.
Fechou o
livro.
Toni estava triste e desiludido da vida.
Antes de encontrar Juliana, ele vivia cheio de esperanças, sonhava com o dia em
que se reencontrariam. Enfim, eles
haviam se encontrado, por obra do acaso. Mas nada deu certo. Ela não o aceitou,
foi embora e agora fazia alguns dias que ela não respondia as suas mensagens.
A triste realidade era essa, ele estava
sozinho e sem ilusões. Precisava tirar Juliana de seu pensamento, arrancá-la de
seu coração.
Aquela manhã fria de janeiro, Toni levantou
cedo, e saiu de casa. Precisava de ar. Decidiu ter um dia especial, onde ele
faria companhia para si mesmo. Arrumou uma cesta com uma garrafa de vinho,
alguns pães, queijo e linguiça. Pegou um livro, uma coberta e saiu. Iria passar
o dia a beira do rio. Precisava estar em paz consigo mesmo. Para conforto de
Toni, o frio amenizou, depois que o sol apareceu, e o dia tornou mais colorido
e aquecido.
Antes do entardecer ele tomou o caminho de
volta para casa. Depois de muito refletir sobre todos os acontecimentos, ele regressava
mais conformado com a situação. Sabia que tinha feito de tudo para tê-la ao seu
lado, bem perto de si, porém Juliana não quis, e afastou-se definitivamente
dele.
Ele tinha uma boa história para o seu
próximo livro. Um romance.
Ao se aproximar de casa, ele notou que havia
luz na sala... Como? Ele não lembrava de
ter acendido a luz naquela manhã. O que estava acontecendo? Viu um vulto
através da vidraça. Seria ladrão? Se fosse não entraria sozinho.
Voltou até o posto policial, que ficava na
esquina e pediu ajuda. A policial Suellen se prontificou a acompanha-lo. Do
portão ambos viram o vulto que se movia pela sala. Ela empunhou a arma e abriu
a porta de supetão. Toni a seguiu.
Assustada a pessoa gritou:
-- Não
atire! – Virou-se ela assustada.
-- Juliana?
-- Ela sua conhecida? – Perguntou a
policial.
-- Sim. Uma amiga que mora no Brasil. –
Disse Toni se desculpando com a policial. – Só não sei como ela entrou. Nem
sabia que ela vinha.
-- Eu quis te fazer uma surpresa. – Disse
Juliana.
-- E fez. – Disse a policial, mal humorada.
– Bem, acho que está tudo bem. Estou indo...
-- Obrigado! Desculpe... – Disse Toni, a
policial, envergonhado.
-- Passe bem. – Despediu-se a policial.
-- Como entraste?
-- Eu lembrei que escondes, sempre, uma
chave embaixo de um vaso... Procurei e achei. – Disse Juliana rindo. – Peço que
me perdoe, só queria te deixar surpreso. E acho que consegui...
-- Sim. De fato, eu fiquei...
-- Acho que não foi uma boa ideia. – Disse
ela envergonhada.
-- Vem cá, me dá um abraço... Foi uma ótima
surpresa. – Disse ele a abraçando carinhosamente. – O que trouxe a Inglaterra?
-- A vontade de ser feliz, aceitar a tua
proposta, se é que ainda está valendo. – Respondeu ela cheia de dúvidas.
-- Mas é claro que está. Fico feliz que
tenhas optado por vir. – Ele a apertou contra si, e a beijou com emoção. – Por que
demorou tanto?
-- Porque eu sou uma criatura estranha. –
Disse ela rindo. --
Juliana logo adaptou-se a nova rotina.
Enquanto Toni estava na faculdade ela, com o seu material embaixo do braço, saia
a procura de algum lugar para ser retratado.
Estavam trabalhando juntos. Ele escrevia
histórias juvenis e ela ilustrava. Estavam felizes. A harmonia existente entre
eles era perfeita. E por causa disso uma tarde, enquanto tomavam um chá, na
confeitaria da cidade, Toni falou:
-- Eu preciso te confessar uma coisa...
-- O que andastes fazendo?
-- Nada de mais. Apenas pensando...
-- Pensando! Em que?
-- Em nós. Eu sempre te amei, desde os
tempos de crianças, tu bem sabes. Quando nos reencontramos, eu vibrei, mas ao
mesmo tempo tive receio de que, como adultos, não teríamos uma boa convivência.
Sim, porque gostar não significa entendimento. E desde que tu estás aqui, ao
meu lado, eu estou muito feliz, há harmonia entre nós, não sei se sentes o
mesmo...
-- Eu sinto, sim. Também tive medo, no
início.
-- Por tudo isso, eu acho que chegou a hora
de passarmos para a outra etapa.
-- Outra etapa? Não estou entendendo.
-- A hora de consolidar a nossa união.
Aceitas casar comigo?
-- Sim, eu aceito...
Camila estava comovida. Ver a sua filha
realizar o seu sonho de amor, era uma emoção muito forte. Juliana realizava o
seu sonho venturoso.
Maria Ronety Canibal
Novembro 2021
IMAGEM VIA INTERNET