terça-feira, 1 de junho de 2021

NO PARAISO


NO PARAISO




 Transcorria o ano de 1920, na região central do estado.

Helena pulou da cama e abriu a janela de seu quarto e se deparou com  uma linda manhã de primavera, o sol brilhava desde cedo e a temperatura estava amena. Depois de quase uma semana de tempo chuvoso, e sem poder sair para caminhar, Helena desceu as escadas apressada, não queria perder tempo. Passou pela cozinha pegou uma maçã na fruteira e saiu para o pátio à procura de seu cão Ares, seu companheiro de caminhada.

Celina, sua avó, parada a porta da cozinha, chamava a neta para tomar café. Mas Helena acenou lhe mostrando a maçã que levava no bolso. Ares ia bem faceiro de ao seu lado de sua dona.

Celina ficou olhando a neta se afastar. Ela tinha se tornado uma moça muito linda. Sua mãe tinha se dedicado a fazer dela uma verdadeira dama. Embora tivesse esse jeito moleca, ela, aos 18 anos, sabia ser determinada e sabia o que queria para si.

Desde que sua mãe morrera, ela estava em casa de sua avó, que a amava muito, mas achava que não era o lugar próprio para sua amada neta, pois, ela morava muito isolada em uma pequena vila onde nada acontecia. Mas seu genro assim decidiu. Ele saiu em viagem, logo que ficou viúvo. Justificou-se dizendo que precisava de novos ares, por estar sofrendo muito.  E partiu em um navio, numa viagem sem destino definido, iria percorrer o mundo; e fazia algum tempo que não mandava notícias.

Celina estava inclinada e mandar sua neta para passar o verão na casa de Clarissa, a melhor amiga de sua falecida e querida filha. Celina mantinha uma correspondência regular com Clarissa, que era muito social. E manifestou essa preocupação, em uma de suas cartas, e logo veio o convite, para Helena passar uma temporada em sua casa. Ela não morava muito distante, e tinha uma filha com mesma idade de Helena. Uma amiga era o ela precisava. Celina já estava até com a carta pronta, onde agradecia e aceitava o convite para sua neta, só faltava selar e enviar. Ela faria isso logo.

Celina deu algumas ordens à cozinheira e voltou para sala, e retomou seu crochê. E ficou pensando que era preciso conversar com Helena sobre a parte que herdara da mãe. Sua neta precisava saber. Ela não confiava muito no genro. E depois chamaria seu advogado para regularizar tudo. Também seria sua única herdeira, e já estava determinado em testamento. Com esse montante, Helena havia se tornado uma moça muito rica. E haveria muitos moços interessados em ganhar sua atenção. Era preciso alertá-la para não se deixar iludir por algum ambicioso. Celina suspirou satisfeita e pegou sua agulha e retomou seu trabalho.

Depois de uma semana, Helena foi chamada por sua avó para uma conversa. Ela estava apreensiva, não tinha feito nada de errado, e, não tinha noção do que se tratava. A conversa foi a portas fechadas e com a presença do advogado.

Os empregados da casa estavam curiosos, e faziam muitas conjecturas:

-- A nossa menina vai embora, garanto que aquele pai dela mandou buscá-la. -- Disse Florinda muito triste.

-- Será? -- Perguntou Ernestina.

-- Não, ela vai ficar noiva. Arranjaram um casamento para a ela. -- Afirmou Leocádia.

-- Nada disso. Ela deve estar recebendo a herança da mãe. A Nossa menina está muito rica. -- Disse Deodato.

Então era isso. E cada um voltou aos seus afazeres. Florinda correu para suas panelas, Ernestina foi arrumar a mesa para o chá e Leocádia foi passar roupa enquanto que, Deodato foi colher pêssegos no pomar.

Os dias passavam tranquilos.

Helena todos os dias cedo da manhã fazia o seu passeio pelos campos e Celina estava aguardando a carta de Clarissa que determinava a data da viagem.

Após o almoço, Helena pegou um livro para ler, e foi se acomodar na área de frente onde havia sombra. Estava tão atenta a leitura que não percebeu sua avó se aproximando com uma carta endereçada a ela.

Um sorriso se estampou em seu rosto e muito alegre ela disse:

-- Uma carta de meu pai.

-- Não minha querida, e de Clarissa Poentes Xavier.

-- Quem? Não conheço ninguém com esse nome.

-- Sua mãe tinha uma amiga chamada Clarisse, ela mora não muito longe daqui, e sempre foi à melhor amiga de sua mãe.  Abra e logo vamos saber do que se trata.

Helena leu carta e depois entregou para sua avó ler. À medida que Celina lia seu rosto se iluminava. Quando terminou de ler disse a neta:

-- É a Clarisse te convidando para uma temporada em sua fazenda.  Com certeza quer fazer um agrado para ti. Ela tem uma filha da tua idade. Vamos mandar fazer roupas novas para ti. Ela é muito rica.

-- Eu não sei se quero ir. E onde fica esse lugar?

-- Será bom, vai conhecer outras pessoas, vai ter festas... Eu fiquei contente por ela ter se lembrado de ti.  Ela é ótima, tu vais gostar dela. Vou escrever confirmando tua presença. Ela mora na região sudoeste, cerca de 200 km daqui.

-- E como eu irei.? É muito longe...

-- Vou indagar para saber se podes ir de trem. Senão vou alugar um carro para te levar.

Aqueles dias foram incomuns para Helena. Celina a levou, para Santa Maria, a cidade mais próxima, para escolher tecidos para seus novos vestidos, e compraram chapéus, sapatos, enfim sua avó mandou fazer um enxoval para ela.

Por fim chegou o dia da viagem.

Helena iria de trem até a estação mais perto da fazenda em que morava Clarissa, que a mandaria buscar. Estava tudo muito bem combinado. Nada daria errado.

Celina despediu-se da neta na porta de casa. Deodato a levaria até a estação, que ficava há uma hora dali. A bagagem de Helena eram dois baús. Até parecia que ela estava de mudança.

O trem chegou, ela acomodou-se na sua cabine, onde tinha seu assento reservado, e Helena pensou que viajaria sozinha, que aquele espaço, era todo para ela. De repente a porta se abriu e um moço se acomodou no banco em frente ao dela.

Helena ficou furiosa, e disse:

-- Cavalheiro, o senhor deve estar enganado, esse espaço está reservado apenas para mim.

-- Engano seu, senhorita! Esse assento é meu.

-- Vou chamar o cabineiro para verificar.

-- Não é necessário, foi ele mesmo que me conduziu até aqui.  Farei o possível para não a perturbar.

-- Já perturbou. Mas mantenha-se calado. Não costumo conversar com estranhos.

-- Bem, então devemos nos apresentar. Eu sou Gustavo. Estou encantado em conhecê-la. – disse levantando-se fazendo uma reverência.

-- Sou Helena...  – disse sorrindo.

-- Tens um sorriso lindo, devias estar sempre sorrindo. Viajas sozinha?

-- Sim. Mas te confesso que estou um pouco amedrontada. É a primeira vez que saio assim.

-- Sou pessoa de bem, pode confiar. Eu te protejo.

-- Obrigada. Se me der licença eu vou ler meu livro.

Gustavo inclinou a cabeça para ler o título do livro e disse:

-- A Moreninha, e tu te identificas com a personagem principal? Pois Carolina é impossível...

-- Um pouco, a Carolina é bem divertida.

-- Que bom! Eu gosto de gente alegre... E tu és?

-- Acho que sim... Me deixa ler, por favor.

-- E eu vou dar uma cochilada.

Enquanto ela lia seu livro, Gustavo que fingia dormir, mas a observava e percebeu que ela era muito bonita e elegante. Um pouco atrevida, mas isso o agradava. Ela tinha as feições delicadas, a pele clara, os cabelos eram num tom de castanho claro, os olhos verdes e uma boca rosada, perfeita!

Porém Gustavo acabou dormindo de verdade e então Helena aproveitou para olhar para ele. E viu um homem forte, de ombros largos, rosto com as feições bem marcadas e o achou muito bonito. Sua pele era clara, mas seus olhos e cabelos eram escuros. Ele estava bem vestido, era educado e ela tinha gostado dele.

As horas passaram, o trem parou na estação e Gustavo a convidou para ir até o restaurante para almoçar. Mas ela recusou. Tinha receio de enjoar. Ele demorou a retornar o que deu oportunidade para ela ir à toalete.

Quando ele voltou para a cabine Helena estava recostada dormindo. Gustavo sentou e pegou o jornal para ler.  O trem  seguiu viagem e de repente parou e Helena acordou assustada, pois tinha medo de passar da sua estação.

 Gustavo fez menção de sair para ver o que estava havendo, porém Helena pediu para que ficasse ela estava com medo, e não queria ficar só.

-- Não tenhas receio. Só vou me informar o que houve. – disse Gustavo gentilmente.

-- Está bem. – respondeu Helena, mas sua expressão era de temor.

Gustavo voltou rapidamente, e disse:

-- É uma obstrução na estrada. Vai demorar um pouco.

-- Isso sempre acontece, ou é uma emboscada? – perguntou Helena.

-- Não sei responder. A sua imaginação é bastante fértil. Deves ler muitos livros de aventura.

-- Não. Leio apenas romances. Mas há muitas histórias de rapto de donzelas...

Gustavo deu uma sonora gargalhada. Ela era divertida... Depois de algum tempo o trem voltou a andar, mas já era quase fim de tarde.  Gustavo conversou bastante com ela, falando sobre a sua cidade e como estava feliz em voltar para casa, ele havia terminados seus estudos recentemente. Até que disse:

-- Eu vou descer na próxima estação. Sinto muito, mas terás que seguir sozinha. Gostei muito de te conhecer.

-- Oh! Que pena... Foi bom te conhecer.

-- Até mais...

Helena não sabia onde estava. Mas estava confiando no cabineiro que ficou de avisá-la e ajudar com sua bagagem. Já era noite, o trem estava fora do horário previsto. E será que estariam esperando por ela?

Ela estava nervosa, sentindo-se só e sem saber como agir. O remédio era aguardar os acontecimentos. Para acalmar seus pensamentos, o cabineiro bateu à porta e avisou que ela desceria na próxima estação.

Helena suspirou aliviada. Enfim estava chegando. Pegou suas coisas, e olhou para ver se não tinha ficado nada, quando viu que o Gustavo havia esquecido um pacote.

O que ela deveria fazer? Deixar ali, ou levar com ela? Ela não sabia sequer o sobrenome dele. Mas talvez d. Clarissa pudesse ajudar, já que devia conhecer as pessoas das redondezas. Então pegou o embrulho e foi atrás do cabineiro que puxava seus baús, que estavam um sobre o outro num carrinho.

O trem parou, ela desceu, e o trem partiu. Helena olhou em volta, aquilo não era uma estação, e sim uma plataforma. Estava vazia, não tinha uma viva alma ali, apenas um lampião a querosene que mal iluminava o local.

Helena se recusava a chorar. Sentou em um dos baús e ficou pensando como sairia dali. A questão era que não tinha a noção de qual direção deveria tomar. Tentou enxergar alguma iluminação ao longe, que pudesse indicar alguma casa, ou um rumo a tomar. Nada!

Ela estava com sede, fome e muito medo. Fechou os olhos e começou a rezar. Foi quando ela escutou um trotar de cavalo, seu coração se animou.

Logo apareceu seu Delmar, que foi logo dizendo:

-- Senhorita Helena! Hoje esse trem me fez de bobo. Eu esperei até o anoitecer, então desisti. E tive que voltar. A senhora me desculpe.

-- Está tudo bem. O trem estava completamente fora do horário. Vamos então.

Delmar colocou os baús na carroça e ajudou Helena a subir. E pela a escuridão da noite, eles seguiram. Tanto o homem como os cavalos conheciam perfeitamente o caminho.

Helena foi recebida com muito carinho por Clarissa. Logo foi providenciado uma refeição para ela, a família já havia jantado, e após  o lanche, ela foi conduzida ao seu quarto, que era muito confortável e espaçoso e anexo tinha um quarto de banho, onde já estava tudo preparado para ela se banhar. Depois de um relaxante banho, ela deitou-se, estava cansada, mas teve dificuldade para conciliar o sono, pois Gustavo não saía de seu pensamento.

Na manhã seguinte, Helena desceu para o café, e só então que ela conheceu Francisca e seu irmão mais velho Felipe.  Fernando o caçula estava no internato, e só voltaria para casa, em dezembro.

Francisca era uma linda moça, porém muito tímida, tanto que praticamente não falava. Felipe também era bonito, alto e forte, e de poucas palavras. Clarissa era simpática, alegre e gostava de conversar. Justificou-se dizendo que os filhos puxaram seu falecido marido. Eram de pouca conversa.

Depois do café, Helena sugeriu a Francisca, uma caminhada pelo campo, estava um dia lindo e com a anuência da mãe, Francisca foi com a sua nova amiga andaram pelo jardim.

Helena falava tão animadamente sobre tudo, que contagiou Francisca, que aos poucos, foi expondo seu coração. E contou sobre a paixão de tinha por seu primo, e que com o apoio da família, logo estariam colocando as alianças, assumindo assim o compromisso oficial com o noivado.

Francisca acrescentou que eles estavam prometidos desde que eram crianças, e que ela nunca tinha olhado para outro rapaz. Nas festas ela sempre se recusava a dançar, pois só dançaria com seu primo.

Então Helena indagou:

-- Têm muitas festas por aqui?

-- Sim. Agora começa a época das festas. São ao ar livre e é colocado um tablado para as danças. No próximo sábado será aqui.

-- Ah é!... Que bom. Eu nunca fui a festas. Não sei nem dançar.

-- Por que tu nunca foste a nenhuma festa?

-- Bem, primeiro eu não tinha idade, segundo meu pai, depois minha mãe adoeceu e depois de longo período, ela faleceu. E eu fui morar com minha avó, num lugar onde nada acontece.

-- Acho que tu vais gostar da nossa festa. Eu te ensino a dançar.

-- Que bom. Agora já passou o período de luto.

À medida que a semana avançava, o alvoroço era maior na casa. A cozinha sempre exalando o aroma de doces, um mais cheiroso que o outro. Homens trabalhando no jardim, montando o tablado e mesas com bancos.

Helena estava encantada com tudo isso. Era Clarissa quem determinava tudo. E convocou as meninas para elaborarem as correntes de papel, que iriam decorar o tablado. Enquanto trabalhavam as moças tagarelavam. Francisca não parava de falar, surpreendendo sua mãe, que nunca tinha visto a filha, assim tão animada.

Foi Francisca que falou em Felipe, embora Helena estivesse curiosa para saber mais a respeito do irmão mais velho, ela não se atrevia a perguntar, com receio de ser mal interpretada. Mas ele havia sumido. Só o tinha visto, na manhã seguinte a sua chegada.

-- Desde que meu pai morreu, é Felipe quem cuida de tudo. Sempre vai para cidade onde, permanece alguns dias, cuidando do escritório de advocacia da família. Ele é advogado e está noivo de uma moça na cidade. O pai dela é juiz e não são daqui, são paulistas.  E estão morando na cidade cerca de dois anos. Mas meu irmão a conheceu e logo se apaixonou. Minha mãe tem algum receio, porque não conhece a família da moça. Mas ela é bonita, simpática e eu gosto dela.

-- Então eles vão casar?

-- Acho que sim. Por isso ele está me incomodando para acertar logo o meu compromisso com o  primo. Porque ele acha que eu deveria casar antes, assim ele estaria livre de minha tutela.

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Gustavo sabia que precisava tomar uma decisão sobre sua vida. Mas a moça do trem não saia do seu pensamento. E ele estava confuso. Embora sua mãe insistisse, ele não assumiria nenhum compromisso, sem ter certeza de seu futuro.

Foi o seu irmão, Geraldo, que era o mais velho, quem assumiu a administração das propriedades, depois que seu pai ficou senil, e era agora o chefe da família. Só que   ele não pretendia viver dependente do irmão. Geraldo estava casado e morava na fazenda principal, com os pais. Foi ali que eles tinham nascido e crescido. Gustavo amava aquele lugar, mas queria formar sua própria família e seu próprio lar.

Ele estava formado em medicina e queria montar seu consultório, e para isso era necessário esperar um pouco mais, pois ainda tinha que esperar o seu registro como médico. Ele iria se estabelecer ali em Alegria do Sul, ficando dessa forma, próximo aos seus familiares.

Desde o dia que havia chegado, Gustavo estava inquieto e além do mais, tinha esquecido seu pacote no trem e não havia como recuperar. Ele que tinha tido tanta dificuldade para conseguir aquele livro, agora teria que encomendar novamente.

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Gustavo tivera uma conversa difícil com seu irmão, que não queria liberar o valor necessário para montar seu consultório, alegando que seria dinheiro mal empregado, pois aquele povo se curava com chás. E Geraldo terminou dizendo:

-- Trata de casar com uma herdeira rica e não precisarás trabalhar, curando feridas dos outros.

-- Tu não entendes, mesmo. A minha vocação é cuidar das pessoas que precisam recuperar a saúde. Isso é ciência. – respondeu Gustavo com impaciência.

-- Bobagem. Aproveita e sábado agora, ajeita a tua vida com a nossa prima, e fica tudo resolvido. Ela herdou um bom pedaço de terra, que já é dela.

-- Acho que nem vou a tal festa. – disse Gustavo desanimado.

-- Deixa disto. Precisas ir, a nossa mãe quer te ver casado. Seja um filho obediente como eu fui. Eu fiz a vontade da mãe ao casar com Marilda, e estou feliz.

-- Eu não sou como tu. Eu vou me casar com a mulher que eu escolher, porque eu quero amar a minha mulher e ser feliz. E não vou abrir mão disso. Nem adianta ficar insistindo.

-- Então fala isso para Dona Cenira.

-- É o que eu vou ter que fazer. Aliás, a mãe só quer esse casamento por causa do sobrenome que Francisca carrega. Um nome muito importante na região, devido a política, mas o nosso nome também é tradicional, somos ricos e temos destaque na região.

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Sábado amanheceu cheio de sol e a temperatura estava amena. E desde muito cedo os empregados corriam por todo o lado, dando o toque final.

Clarissa acordou cedo e passou pelo quarto da filha para acordá-la, e quando entrou no quarto de Helena, ela já a encontrou acordada. A moça estava com dúvidas sobre qual vestido devia escolher, e Clarissa prontamente a ajudou.

Helena vestiu o escolhido e olhou-se no espelho, sorriu, a veste era em azul claro, enfeitada com bordado inglês. Escolheu também o chapéu de palha, no qual ela colocou a fita azul e fez um bonito laço com as pontas caídas para trás.

As duas moças chegaram juntas a sala de almoço e ambas estavam lindas. Francisca usava um vestido amarelo, que realçava seu tom de pele. Seu chapéu era de abas largas na mesma tonalidade do vestido. Elas tomaram café de foram para o jardim. Os primeiros convidados já estavam chegando.

Clarissa se juntou a elas para receber os vizinhos e amigos que chegavam bem animados para a festa. Francisca estava nervosa, pois seu irmão ainda não tinha chegado e isso não era bom. Ele deveria receber os convidados junto com a mãe.

Finalmente, Francisca avistou seu irmão se aproximando, mas ele não vinha sozinho. Com ele estava Maria Inês, sua noiva e mais um moço que ela não conhecia. Era um rapaz bonito, alto, loiro de olhos azuis, com um sorriso atrevido que a deixou fascinada. Ela cutucou Helena e disse:

-- Olha como ele é lindo! Eu não sei quem é...

-- Logo vai saber, ele está vindo para cá. – disse Helena sorrindo.

Felipe se aproximou da mãe e a beijou na face, cumprimentou a irmã, também com um beijo e fez uma mesura para Helena, que retribuiu do mesmo modo. E se virando para o amigo, disse:

-- Esse é o meu amigo Inácio. E eu o convidei para passar uns dias conosco. Ele é primo de Maria Inês, e veio tirar uma temporada no sul.

-- Prazer, disse Inácio, olhando para todas e fixando seu olhar em Francisca.

-- Maria Inês e Inácio sejam bem vindos. – disse Clarissa.

-- Inês fica aqui, enquanto levo Inácio até seu quarto. Logo voltamos. Falou Felipe.

-- Com licença, senhoras, disse Inácio, seguindo Felipe.

Francisca ficou com as faces rosadas e suas mãos tremiam ante o olhar penetrante de Inácio. Helena, percebeu e disse ao ouvido da amiga:

-- Ele vai te convidar para dançar e tu vais recusar?

-- Não! Ele é um hóspede, não posso recusar uma dança – respondeu ela com um sorriso tímido.

-- E o primo já está aqui? Mostra-me quem é ele.

-- Não. Ainda não chegou. Só o Geraldo e Marilda, com a tia que estão chegando. Aqueles ali perto do portão.

-- Hum. Ele não vem?

-- Não sei. Mas eu soube que já faz uns dias que ele chegou...

-- E não veio te visitar?

-- Não.

-- E tu não ficas chateada?

-- Um pouco. Eu não o vejo há muito tempo.

Helena não falou mais nada a respeito, mas se o primo estivesse interessado nela, com certeza teria feito uma visita. Será que era do jeito que ela tinha falado? Será que ele gostava mesmo dela?

Logo haviam muitas pessoas conversando animadas, o almoço estava sendo servido e as pessoas estavam se acomodando em torno das mesas. E Inácio havia se estabelecido ao lado de Francisca, a quem ele fazia sorrir com frequência.

Clarissa foi para junto de Helena e sussurrou ao seu ouvido:

-- Nunca vi Francisca desse jeito. Ela está encantada com o rapaz.

-- Eu vi, até me afastei.

-- Venha comigo, vamos dar uma volta por entre os convidados.

Helena fez muito sucesso entre os solteiros presentes. Clarissa estava feliz com o sucesso da moça. De fato, ela era muito linda, educada e tinha um ar atrevido, que a deixava encantadora.

Elas já estavam terminando a volta pelo jardim quando Helena avistou Gustavo, que vinha em sua direção. Seu coração se agitou e ela inconscientemente pegou a mão de Clarissa que olhou para ela e disse:

-- O que houve menina. Estás pálida e com a mão gelada.

-- Nada, acho que estou um pouco nervosa...

-- Bom dia! Logo que chego avisto duas belas mulheres – disse Gustavo sorrindo e olhando para Helena.

-- Olá, meu querido. Estava sentindo tua falta, disse Clarissa abraçando o rapaz. Oh... Deixa-me te apresentar a Helena, filha de uma querida amiga.

-- Como vai? – Disse Gustavo, não revelando que já a conhecia.

-- Olá. -- Respondeu Helena.

Nisso Clarissa pediu licença e foi atender ao chamado de um de seus empregados, deixando os dois sozinhos.

Gustavo olhou para Helena e disse:

-- Eu jamais imaginei te encontrar aqui, na casa de minha madrinha. Por que não me falaste que vinhas para cá?

-- Mas como eu ia adivinhar? Eu peguei o teu pacote que ficou esquecido no banco.

-- Ah! Que bom! Obrigado. Outro dia eu venho pegar, assim tenho desculpa para vir te ver. Disse ele dando uma piscada de olho para ela. - Vamos sentar ali, estou com fome.

-- Vamos.

-- E como foi tua chegada aqui, estavam te esperando?

-- Sim e não.

-- Como assim, me explica...

E Helena começou a contar tudo para ele, desde o momento que ele saiu do trem. Ele dava boas risadas do jeito que ela se expressava. Clarissa viu os dois de longe e resolveu não interromper a conversa. Ela sabia que Gustavo não estava interessado em Francisca, ele dava mil desculpas para não se comprometer. E sua filha estava tão encantada pelo Inácio, que era melhor deixar as coisas andar por si. Ela não ia mais interferir e nem deixar Felipe pressionar a irmã. Se Felipe estava tão apaixonado por Maria Inês, que casasse logo... Ela só queria a felicidade de seus filhos. Clarissa sentou junto a sua irmã Cenira e nenhuma delas falou sobre os filhos. Havia um entendimento tácito entre elas.

As horas passavam e as danças começaram. Felipe dançou com sua irmã e logo os demais casais invadiram o tablado. Inácio dançava, propositalmente, com Maria Inês, e logo Felipe pediu para trocar de par. E assim Francisca se viu dançando com aquele homem deslumbrante. Estava encabulada com as coisas que ele falava para ela, mas estava gostando de saber que ele a achava muito bonita.

Quando Francisca viu seu primo, Gustavo, dançando com Helena, não se sentiu enciumada, pelo contrário, gostou de ver o belo casal que eles formavam. Porém quem não gostou foi Felipe.

Enquanto os jovens dançavam, Geraldo deixou sua esposa, que estava em adiantada gravidez, acompanhada da mãe e foi dar um giro pelo jardim. Conversar com seus vizinhos.

Foi quando viu seu irmão dançando com uma desconhecida. Parecia que Gustavo não entendia que já estava mais do que na hora de firmar compromisso com sua prima. E aquele era o momento propicio.

Então ele se aproximou de Felipe que tinha parado de dançar e disse:

-- Me diga primo, como faremos para esses dois se decidirem?

-- Eu não sei. Convidei meu colega Inácio para ficar uns dias aqui em casa, por causa de nossa hóspede. Queria apresentá-la para ele, mas vejo que minha estratégia não deu certo. Francisca foi quem monopolizou a atenção dele. E agora?

-- E agora, o problema é que, tua hospede, está dançando com Gustavo.

-- Vamos interromper as danças e anunciar o noivado. Que achas?

-- Não seria constrangedor para eles?

-- Tia Cenira nos apoiaria, mas minha mãe não. Ela faz gosto no namoro de Francisca e Gustavo, mas já declarou que não vai forçar nada. Eu mesmo me apaixonei por Maria Inês, e mamãe aceitou.

-- Então só nos resta esperar..., mas não de braços cruzados. Eu vou agir do meu jeito.

Geraldo se afastou do primo, e continuou seu giro pelo jardim. Notou que a moça, que era amiga da prima, estava sozinha, Gustavo havia se afastado dela. Ele foi até ela e disse:

-- Olá. Seja bem vinda. Eu sou Geraldo, irmão de Gustavo.

-- Boa tarde, Senhor.

-- Vim te dar um aviso. Meu irmão é um inconsequente e o problema é que  ele está comprometido com outra moça. Por isso não se iluda com os galanteios dele.

-- Sim. – Respondeu Helena com os um olhar assustado.

-- Estás avisada. Com licença... -- Geraldo afastou-se da moça com um sorriso nos lábios.

Clarissa que de longe observava Helena,  logo, percebeu a sua fisionomia, que a medida, que Geraldo falava a expressão da jovem mudava. De repente ela ficou pálida e foi se refugiar dentro de casa. Sem saber o que tinha havido, Clarissa foi atrás dela. Encontrou-a no quarto chorando. E com carinho perguntou:

-- O que foi que meu sobrinho te falou que te deixou assim?

-- Nada demais. Eu que sou muito boba.

-- Venha, enxugue essas lágrimas e vamos voltar para a festa.

-- Se a senhora não se importa eu vou ficar aqui. Estou com um pouco de dor de cabeça.

-- Queres um chá?

-- Não obrigada. Vou me recostar e logo deve passar. Não estou acostumada com festas.

-- Bem, qualquer coisa manda me chamar. Vou mandar a Glorinha ficar aqui contigo.

-- Não precisa. Obrigada. Eu vou ficar bem.

Clarissa retornou ao jardim e foi saber de Geraldo, e com rispidez perguntou:

-- O que tu disseste a Helena que a deixou perturbada?

-- Nada demais. Apenas elogiei sua beleza.

-- Tem certeza que foi apenas isso?

-- Sim, minha querida tia...

Gustavo que tinha deixado Helena sozinha por um instante, pois precisava se aliviar, quando voltou ao jardim não a encontrou. E foi perguntar a sua tia, quando ouviu a conversa dela com seu irmão.

-- O que houve tia? Aonde está Helena?

-- Ela foi para seu quarto, pois não está se sentindo bem.

-- Mas há pouco ela estava tão bem... Que estranho!

Como Helena havia se retirado da festa, Gustavo decidiu ir embora. E já estava alcançando o portão, quando Francisca o chamou:

-- Já está indo embora? Não gostaste de festa?

-- Estava tudo muito bom. Mas eu estou cansado, vou pra casa.

-- Mas amanhã venha. Estamos combinando um piquenique.

-- Está bem. Eu virei...

Gustavo tomou o caminho de casa. Ele estava encantado com Helena, ela era tão divertida, um pouco zombeteira e suas respostas eram as mais inesperadas. Ela tinha tocado seu coração. Agora ele sabia o que era gostar de uma mulher de verdade. Ele estava apaixonado por Helena. E conversaria com sua mãe, para deixar bem claro, que ele nunca iria se comprometer com Francisca. Não queria magoar ninguém, queria apenas procurar a sua felicidade.  E já a encontrara.

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Helena não saiu mais do quarto, e quando Francisca foi vê-la no fim da tarde, ela fingiu que dormia. Estava decepcionada e muito triste, por isso não queria falar com ninguém.

Na verdade, ela pouco dormiu aquela noite. Gustavo estava presente em seu pensamento. Ele era tão gentil, educado e respeitador, e por isso, não podia ser o galanteador que seu irmão afirmou.  Ela tinha gostado tanto de conversar com ele, que era alegre e divertido, inteligente e bonito...

Na manhã seguinte ela desceu cedo, pegou uma fruta e saiu para caminhar pelos campos. Sentia falta de Ares, seu companheiro de caminhadas. Mas se contentou com Dragão um galgo inglês.

Helena andou até encontrar um riacho e o atravessou pulando sobre algumas pedras que formavam uma passagem sem molhar os pés. Mais adiante sentou embaixo de uma frondosa árvore, que ela conhecia com angico, e comeu as duas maçãs, que tinha pegado na cozinha.

 

Daquele local ela tinha uma visão muito bonita da casa. Era um casarão, com muitos quartos e salas. Ela tinha ficado de queixo caído quando conheceu a casa. O salão de visitas era enorme, muito bem decorado com finos móveis e as paredes pintadas em tom pastel e o teto era todo trabalhado com lindos afrescos. A sala de jantar também era ricamente mobiliada. Os quartos, um mais lindo do que o outro, com as camas cobertas com colchas de seda bordadas.

Ela tinha sido criada em uma bela casa, com todo o conforto e muito bem mobiliada, e com muito luxo, mas não tinha o esplendor dessa morada.  A propriedade de sua família cobria três léguas de campos, e era toda povoada de gado.

Helena deixou seu pensamento voar, e não viu o tempo passar. Deveria tomar o caminho de volta, pois D. Clarissa com certeza estava aflita com sua ausência.

Ela levantou-se chamou por Dragão e esperou pelo cão. Bateu as suas saias, para tirar os fiapos de grama, e foi em direção a casa. Ao atravessar novamente a sanga, ela resvalou na pedra e caiu na água. Ficando totalmente molhado, da cabeça aos pés. Helena ficou furiosa consigo mesma.

Estava a meio do caminho quando avistou um homem a cavalo. Não queria ser vista por ninguém, e se agachou atrás de um arbusto. Mas Dragão ficou parado esperando por ela, o que fez o cavaleiro ir até lá ver o que o cão estava sinalizando.

Helena tinha fechado os olhos, como fazia quando era criança, quando se escondia. E não viu o homem apear do cavalo e se aproximar devagar. Ela só escutou uma gargalhada bem conhecida dela. Abriu os olhos e viu Gustavo a sua frente ainda rindo:

-- O que a senhorita está fazendo aí? Céus! Tu estás toda molhada? O que aconteceu?

-- Eu caí na água. E me escondi quando vi que alguém se aproximava, mas esse cão não colaborou...

-- Estás machucada? – disse Gustavo com ar preocupado.

-- Não. Só molhada.

-- E por que estás aqui sozinha e tão longe da casa?

-- Eu saí para caminhar... Nem percebi que estava tão distante.

-- Aqui é longe e isolado. É perigoso.

-- Eu não me dei conta que estava tão longe. Eu gosto de caminhar...

Gustavo pegou as rédeas do cavalo e foi andando ao lado dela. Ele ainda tinha muita vontade de rir, mas estava se controlando. Era óbvio que ela estava encabulada.

Helena ia de cabeça baixa. Não queria conversar e apenas respondia as perguntas que ele fazia. Queria chegar logo em casa. Estava horrível, com o cabelo pingando, e o vestido grudado em seu corpo e sujo de barro. Como entraria sem ser vista.

Como se estivesse lendo os pensamentos dela, Gustavo falou:

-- Se tu entrares pela porta lateral e subir a escada de serviço não será vista por ninguém. Eu vou entrar e vou distraí-los, que nessa hora, devem estar todos reunidos em torno da mesa do café.

-- Obrigada. Vou ficar te devendo essa.

-- Não, fica pelo pacote do trem. Estamos quites.

-- Que bom! Não gosto de ficar devendo para ninguém.

Helena chegou ao seu quarto e pediu para a arrumadeira que providenciasse um banho para ela. A mulher olhou para ela e não se atreveu a perguntar o que tinha acontecido. Foi ligeiro preparar o banho.

Depois de um tempo, Helena entrou na sala de café, limpa e perfumada, seus cabelos lavados e arrumados em uma grossa trança, que caia a suas costas e terminava com um laço de fita combinando com o vestido. Seu vestido era na cor verde água, bem claro. As mangas eram curtas e o decote quadrado.

Gustavo olhou para ela e sorriu, e em seu íntimo tinha vontade de gritar que ela estava linda demais. Quase expressou publicamente seu sentimento. Mas se conteve.

-- Bom dia! – disse Helena.

-- Bom dia! –todos murmuraram.

-- Enfim acordaste. Eu já estava preocupada contigo...  que bom que passou a indisposição.  – Disse Clarissa.

Helena olhou de soslaio para Gustavo, que ergueu a sobrancelha e ficou esperando a resposta que ela daria a sua tia. Ele estava contendo o riso.

-- Sim eu acordei muito bem hoje. Obrigada por sua atenção. – respondeu Helena enquanto tomava lugar a mesa, ao lado de Inácio e bem à frente de Gustavo.

-- Primo, por que tu não ficas essa semana aqui em casa? Posso pedir para o Jerônimo ir a tua casa buscar algumas roupas. – Falou Felipe.

-- Eu vou ficar sim. Obrigado pelo convite – respondeu Gustavo e olhou na direção de Helena que baixou a cabeça para seu prato.

A conversa estava animada, Clarissa gostava de ver a casa cheia de jovens. Pediu licença e foi para cozinha dar algumas ordens. Felipe mandou chamar Jerônimo...

A programação para aquele domingo era um piquenique no jardim, a sombra do arvoredo.  Helena estava no alpendre olhando o horizonte quando escutou uma conversa entre Felipe e Inácio que a deixou chocada. Não queria acreditar no que estava ouvindo. Felipe tinha convidado Inácio, apenas por causa dela?  Para fazer companhia para ela? Mas o rapaz tinha gostado de Francisca? Será que dona Clarissa sabia das artimanhas do filho? Helena ficou furiosa. Ela não precisava da companhia de homem algum. Ela sabia se distrair sozinha.

Helena caminhou devagar para o outro lado da área para não ser vista pelos dois que ainda conversavam, agora, outros assuntos. Encontrou um banco onde sentou para ler seu livro.

Francisca e Maria Inês a chamaram para ajudar a escolher o lugar aonde iriam ficar. Helena deixou seu livro sobre o banco e foi com elas. Elas arrumaram as toalhas bem no meio do arvoredo, onde havia uma clareira.  Gustavo chegou trazendo um cesto de comida e Felipe e Inácio carregavam cestos com pratos, talheres e copos e garrafas de refresco.  

Felipe ajudou sua noiva a sentar no chão e acomodou-se ao seu lado. Gustavo se apressou e tomou a mão de Helena para lhe prestar ajuda, e tomou seu lugar perto dela.  E Inácio se virou para Francisca e com gentileza ajudou a moça a sentar e ficou perto dela.

Francisca estava feliz, e olhava para seu irmão com um ar desafiador, querendo insinuar que ele não mandava nela. Maria Inês olhava para um e outro sabendo que seu noivo não estava gostando do olhar da irmã. Então Maria Inês propôs um jogo, que um começava contar uma história e os outros continuavam sendo que cada um acrescentava um tanto.

Foi divertido e todos participaram com criatividade. Depois comeram e falaram muita bobagem e deram muitas risadas. Foi um domingo agradável, Helena estava feliz, pois tinha conhecido o lado brincalhão de Gustavo, que também tinha percebido que Helena era muito inteligente e que também sabia o provocar.

No fim da tarde, quando voltavam para casa, Gustavo tirou do bolso, o livro que Helena havia deixado sobre o banco e entregou para ela.

-- Eu encontrei sobre o banco e logo soube que só poderia ser teu, pois és a única leitora assídua por aqui. – Gustavo a olhava com ternura e um lindo sorriso.

-- Obrigada. Eu estava lendo quando as gurias me chamaram... – Helena retribui o olhar e o sorriso.

Após o jantar todos foram para a sala de estar. Francisca tocou piano e Clarissa pediu que Helena tocasse também. Maria Inês tinha uma voz belíssima e as acompanhou no canto.

Gustavo não tirava os olhos de Helena, embora ele estivesse em pé do outro lado da sala, ela sentia a intensidade de seu olhar. Clarissa e Felipe perceberam a troca de olhares entre Helena e Gustavo. Helena estava se sentindo observada por Felipe, e resolveu  ir para seu quarto. Despediu-se de todos e subiu. Deitou-se, estava cansada, e logo dormiu.

Helena tinha o costume de acordar muito cedo. Enquanto todos ainda dormiam, ela vestiu-se e saiu pela porta dos fundos. Naquele dia em particular, ela precisava ficar só.  E como sempre fazia pegou uma fruta e foi caminhar. Não viu o Dragão e foi sozinha.

Enquanto caminhava devagar, Helena deixava as suas lágrimas rolarem livremente. Ela não gostava de demonstrar seus sentimentos, por isso buscava a solidão.

Gustavo acordou cedo, naquela manhã, abriu a janela de seu quarto, e viu Helena, sozinha, se afastando da casa pelo caminho que levava a estrada de ferro. Vestiu-se apressadamente, desceu e passou pela cozinha e pegou dois pães e foi atrás de Helena.

Ele com seus passos largos, a alcançou, e quando chegou próximo dela, viu que ela estava chorando. Seu coração se contraiu, qual seria o motivo de sua tristeza. Helena se assustou com a presença dele e logo limpou o rosto, não queria que ele percebesse sua tristeza. Mas ele já tinha visto e perguntou:

-- Quem te deixou tão triste?

-- Ninguém.

-- Então porque estas assim? Diga-me. Talvez eu possa te ajudar...

-- Hoje é dia do aniversário de minha mãe... E eu tenho muita saudade dela. Sinto-me muito só.

-- Me fale sobre tua mãe... Eu gostaria de saber um pouco sobre ela... Venha vamos sentar ali na plataforma do trem. Tem um banco.

Gustavo a conduziu e Helena falou sobre sua mãe, contou que ela era linda, carinhosa e alegre. Sempre tinha um sorriso e uma palavra de bondade. Mas que de repente, sua mãe ficou triste, adoeceu e morreu rapidamente. E que tudo isso por causa de seu pai...

Helena se deu conta que estava falando demais. Não poderia contar para um estranho a má conduta de seu pai. Sua avó tinha sido categórica sobe isso. Havia dito: Segredos de família, permanecem em família.

Gustavo, logo percebeu, qual seria a razão da tristeza da mãe dela. Comoveu-se e a abraçou com carinho e Helena se deixou envolver naquele abraço. Ela estava carente. Fazia muito tempo que não recebia um abraço. Sua avó era muito boa, mas não tinha esses gestos de atenção.

Depois que ela se aclamou, ele ofereceu um dos pães para Helena e ambos comeram em silêncio.

Gustavo queria animá-la, então começou a falar sobre sua infância naqueles campos, de suas cavalgadas com seu avô, e assim conversando eles retornaram para a casa da fazenda. Mas quando eles estavam chegando, ele pegou pelo cotovelo e a faz olhar para ele.

-- Sei que tu gostas de levantar cedo e sair para caminhar. Mas não saia mais sozinha. E muito perigoso. Por esses campos cruzam muitos homens...

-- Mas eu sempre fiz isso...

-- Aqui é outra região e estamos muito perto da fronteira com o Uruguai. Tu podes se raptada. Eu fiquei aflito quando, hoje cedo, te avistei tão distante da casa. Se quiseres caminhar eu te acompanho, se quiseres cavalgar e vou contigo.

-- Desculpe...

-- Não é questão de te desculpar, é para te proteger que eu estou falando assim contigo. Eu me preocupo muito contigo. Tu te tornaste importante para mim. Tu entendes o que eu estou querendo dizer?

-- Sim, eu entendo, respondeu Helena baixando a cabeça.

-- Olhe para mim...

Ela levantou a cabeça e olhou nos olhos dele, e não conseguiu definir o olhar penetrante com que ele a mirava. Gustavo suspirou e disse com uma voz rouca:

-- Helena, eu sou importante para ti?

Ela ruborizou. Gustavo era muito importante para ela, pois estava ocupando todo o espaço de seu coração, não ia dizer isso a ele, mas precisava responder de uma forma que não se comprometesse. Então, muito baixinho respondeu:

-- Sim, tu és o meu único amigo...

-- Amigo? Apenas amigo... Murmurou ele.

Ele soltou seu braço e entraram no jardim. Helena estava preocupada com a situação entre eles. Não sabia se voltariam a conversar com naturalidade. E ela gostava tanto de suas pilhérias.

Enquanto andavam pela aleia do jardim, Helena o olhou e viu que ele a fitava e mais uma vez sentiu suas faces queimarem. Chegou a levar as mãos ao rosto. E vendo esse gesto, Gustavo sussurrou ao seu ouvido:

-- Assim ficas mais bonita...

Helena voltou seu olhar para ele, Gustavo deu uma piscada e sorriu. O seu coração encontrou alivio. Ele não estava aborrecido com ela. Entraram pela porta lateral e Helena foi para seu quarto, enquanto que Gustavo foi tomar seu café. Mas pediu a copeira que levasse uma bandeja de café para Helena em seu quarto.

Helena tomou o café, certa de que foi Gustavo o responsável por isso. Sentou-se a sua escrivaninha e escreveu uma carta para sua avó e colocou seu diário em dia.

Ainda escrevia, quando Clarissa entrou no quarto, queria ter uma conversar sossegada com ela. Sentou na poltrona, olhou para Helena e falou:

-- Hoje é o dia do aniversário de Luiza. Eu rezei a Nossa Senhora e coloquei uma rosa no meu altarzinho em homenagem a minha querida amiga. Eu sempre...

E começou a contar para Helena sobre a amizade dela com sua mãe, que foram internas na mesma escola, e dividiam o mesmo quarto, e sempre foram confidentes, uma da outra. Casaram e mantinham correspondência, porém em determinado momento, Luiza, sua mãe, não respondeu mais as suas cartas e só depois foi que Clarissa ficou sabendo que ela adoecera...

-- Se eu tivesse sabido, antes, eu teria ido ver a minha querida amiga. Uma irmã para mim. Foi nesta mesma época, que meu marido morreu, e as coisas por aqui ficaram difíceis, porque meu filho Felipe assumiu a chefia da casa e ele não tem o mesmo carisma do pai. Eu tive muitos aborrecimentos. Agora estamos bem...

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Os dias transcorreram tranquilos, Inácio, Felipe e Maria Inês na manhã seguinte voltariam para a cidade. Gustavo ainda estava por lá, e Helena escutou uma conversa entre Felipe e Gustavo, onde Felipe mais uma vez cobrava de seu primo o anuncio de compromisso com sua irmã, Francisca.

Agora, Helena sabia, que Gustavo era o primo prometido. Em seu pensamento, ela achou esquisito o comportamento de Francisca em relação a Gustavo e vive versa, pois não se mostravam interessados um pelo outro, sobretudo, depois que Francisca conheceu Inácio.

Clarissa também, não demonstrava ser essa a sua vontade. E naquela tarde, depois de uma conversa com seu irmão, Francisca saiu do escritório chorando e foi para seu quarto sem falar com ninguém. Gustavo que estava jogando xadrez com Helena, também viu, mas não disse nada. Apenas ficou com um semblante preocupado. E disse:

-- Amanhã eu vou embora. Tenho coisas a resolver.

-- Oh... Vou sentir tua falta.

-- Eu também, mas pretendo voltar assim que puder. Espera-me. –Disse ele esboçando um sorriso para Helena.

-- Vou esperar. Respondeu ela com voz sumida.

No dia seguinte a casa estava vazia. Francisca muito aborrecida, não queria fazer nada, e ficou horas sentada quieta olhando pela janela. E como Helena tinha prometido a Gustavo, ela não saia mais para caminhar. Foi conversar com Francisca, tentando distraí-la.

-- Vamos andar pelo jardim. Está um dia tão agradável – convidou Helena.

-- Não obrigada. Mas fica aqui comigo, eu quero saber a tua opinião. – disse Francisca.

-- Sobre o que?

-- Sobre Gustavo.

-- Gustavo?

-- Sim, vocês ficaram bons amigos, e eu não senti nada quando vi que ele deu toda atenção para ti, tanto na festa como nos outros dias. Então, eu concluo que não gosto dele.

-- Talvez, eu não sei como era a relação de vocês...

-- Eu gostei muito de estar com Inácio. Ele é lindo, me disse coisas maravilhosas, e eu prefiro a sua companhia, a de Gustavo que é um chato.

-- Eu acho que deves te aconselhar com tua mãe.

-- Inácio vai ficar mais um tempo,  eu acho que ele gostou de mim.

-- Que bom! Mas tua família tem planos...

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Depois de um abafamento, a chuva caiu torrencialmente por três dias, e segundo, Clarissa, os passos estavam cheios e ninguém conseguiria cruzar as estradas. E como ela havia previsto, não receberam visita por vários dias. E as festas todas foram adiadas.

Gustavo não voltou com tinha dito, e Helena soube que ele tivera uma discussão muito forte com Felipe, que o havia proibido de ir a sua casa.

Helena estava se sentindo desconfortável. Sabia que sua amizade com Gustavo estava tumultuando as relações na família. E se sentiu como uma intrusa. E decidiu ir embora. Já fazia mais de mês que estava por lá.

Conversou com dona Clarissa e ela muito afável mandou comprar uma passagem e enviar um aviso para dona Celina. Helena partiria em dois dias.

                                        

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Helena chegou à casa de sua avó muito diferente. Não era mais aquela garota alegre e divertida. Tinha um olhar longínquo, que demonstrava saudade. Celina não tinha perguntado nada para ela, esperava que sua neta contasse sobre a sua paixão.

As manhãs eram quentes, e Helena saia muito cedo de casa para fazer suas longas caminhadas, mas até seu cachorro percebeu sua mudança, e Ares ia quieto ao lado de sua dona.

Era quase Natal, e naquela manhã, quando Helena entrou em casa, encontrou sobre a mesa uma caixa endereçada a ela. Ela olhou para sua avó, com um olhar indagador, mas Celina disse:

-- Chegou por um mensageiro. Abra.

-- Não tenho noção de quem possa ser. O que será? É pesado...

Helena abriu a caixa e se deparou com alguns romances de Machado de Assis, entre eles Helena. Abriu um lindo sorriso e disse a sua avó:

-- Só pode ser de Gustavo. Ele sabe que eu gosto de ler romances.

-- Gustavo! Me fale sobre esse moço.

Então Helena contou tudo para sua avó, que a escutou e depois falou:

-- Fizestes bem em vir para casa. Se ele está interessado em ti, ela virá até aqui. Esse presente é ousado, mas revela os sentimentos dele por ti. Vamos aguardar que logo ele está entrando por aquela porta.

-- É tudo o que eu quero...

 

Helena não sabia que Gustavo havia escrito para dona Celina, pedindo permissão para enviar um presente para Helena, e para ir visitá-la no Natal.

Entre os livros havia uma carta, que ela pegou e ela foi ler em seu quarto.  Ela sentou-se em sua poltrona perto da janela, suas mãos tremiam, cheirou o envelope e então abriu. Eram umas poucas linhas, mas para ela tinham muito valor.

Helena!

Não pude cumprir o prometido, de ir te visitar. Circunstâncias alheias a minha vontade me impediram. Mas vou lutar para me libertar, de um compromisso que não é meu. Por isso estou dando novo ruma â minha vida. Espero que tenhas uma boa leitura. Meu coração anseia por ti.

Almejo poder te ver em breve.

Com todo o meu amor

Gustavo.

Helena dobrou com cuidado a carta e a guardou em seu diário. Mas ficou curiosa em saber o que significava realmente, aquela frase “Mas vou lutar para me libertar de um compromisso que não é meu”. Isso era o mais importante. Ela estava mantendo correspondência com Francisca e com dona Clarissa, não devia fazer nenhum tipo de pergunta a respeito. Era preciso esperar...

Naquele mesmo dia, Deodato, que tinha ido a vila, e chegou com a novidade:

-- Dona Celina, dizem que tem um novo médico na cidade.

-- Mesmo? Que bom! O doutor Walter já está muito velho.

-- E conseguiste as mercadorias?

-- Sim. Tudinho, como a senhora pediu. Aqui a correspondência que chegou.

-- Ué, essas chegaram separadas?

-- Não sei.

Quando Helena retornou à sala, sua avó entregou-lhe uma carta de Francisca, que abriu um sorriso e disse:

-- Tudo no mesmo dia.

-- Sim, que engraçado. Completou dona Celina, que abria uma carta de seu genro. Primeiro queria ler, para depois falar para neta que seu pai havia dado sinal de vida.

Helena e Francisca tinham se tornado boas amigas. E trocavam muitas cartas. E nessa última carta Francisca contava seus dissabores, pois seu irmão continuava não permitindo que Inácio se aproximasse dela, embora, Maria Inês, sua noiva, estivesse contrariada com sua atitude. Desiludido, Inácio havia retornado para São Paulo, e prometeu escrever para ela. E as cartas dele estavam chegando através de Inês. Gustavo tinha brigado com a sua mãe e tinha ido embora de casa. Ninguém sabia onde ele estava, e nem como estava se sustentando. Sua mãe Clarissa estava muito triste com toda a essa situação. E Francisca terminou a sua carta contando que chorava por causa de Inácio, pois estava morrendo de amores por ele.

Helena foi até a sala, onde estava sua avó, para contar as novidades, e a encontrou chorando:

-- O que aconteceu, por que está chorando?

-- Nem todas as notícias são boas, minha querida. Teu pai está complicando nossa vida.

-- Meu pai? Ele escreveu para a senhora? E não para mim!

-- Sim. Ele quer dinheiro. Diz que foi passado para trás. Que foi ludibriado por teu avô. Vou ter que chamar o advogado para resolver tudo.

-- Meu pai não se importa comigo.

-- É verdade, minha querida. Ele só pensa em dinheiro e mulheres... E isso foi que matou amada minha filha.

-- Eu sei. Mas isso me dói. Como ele pode dizer que foi enganado?

-- Quando ele se aproximou de sua mãe, seu avô mandou investigar quem ele era, pois apareceu por aqui como representante comercial. Ele era um moço bonito, simpático e tua mãe se encantou por ele. Claro que seu pai sabia que como única filha, sua mãe iria herdar uma fortuna. E logo fez “a corte” a minha Luiza, que caiu de encantos por ele, o aceitou e logo noivaram. Queriam casar e eu e seu avô, alertamos sua mãe sobre a origem dele, que não era de uma família tradicional. Mas Luiza estava apaixonada, e nós cedemos. Casaram. Mas logo que tu nasceste teu avô fez um testamento te deixando como a maior herdeira dele. Então como tua mãe faleceu, o que foi destinado a ela, a metade é tua, e de forma que teu pai ficou com pouca coisa. A fazenda é toda tua. Aqueles documentos que assinamos quando tu fizeste 18 anos, foi para tu tomar posse de tudo. O que ficou para teu pai foram alguns prédios na capital e um valor em dinheiro. E é isso que o deixou indignado. Ele achou iria ficar com tudo. Seu avô foi esperto. Mas está tudo correto e legal. Ele não tem do que reclamar. Mas vai querer te explorar. Toma cuidado minha querida, ele vai se aproximar de ti, para pegar o teu dinheiro.

-- Pode ficar tranquila, minha avó, eu não vou me deixar envolver. Já fui muito magoada por meu pai. E tem outra coisa, eu quero aprender a administrar o que é meu. Sei que o Sr. Vasco faz um bom trabalho, mas acho que sempre é bom saber, para não ter problemas no futuro.

-- Tu estás certa. Vamos conversar com o Sr. Vasco e com o Dr. Monteiro, nosso advogado. Agora chega dessas coisas.  Conta-me o que Francisca diz na carta.

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A Vila Maria era uma pequena cidade, muito próxima do vilarejo chamado Paraiso, onde morava dona Celina.  A fazenda que Helena herdara, se estendia por toda a região, visto que era muito grande e emprestava seu nome ao povoado.

Gustavo depois de brigar com sua família, resolveu se afastar de todos, e por isso não mais se estabeleceria em Alegria do Sul. Escolheu  a região mais central do estado, para ficar perto de Helena. Ainda não estava nada definido entre eles, mas Gustavo estava apostando em um futuro feliz junto dela.

Ao chegar à pequena cidade, ele procurou o médico do lugar e se ofereceu para ajudar, em troca de um salário e um lugar para morar.

Doutor Walter já estava velho e ficou satisfeito com a oferta do rapaz, que inclusive já era registrado no conselho de medicina, e por isso o aceitou prontamente.

Walter e sua esposa moravam em uma casa enorme, onde ficava também o consultório. Então, o Dr. Walter conversou com sua mulher e ajeitaram para o rapaz um quarto com banheiro e uma sala adjacente, com saída direto para o jardim lateral; assim o rapaz teria conforto e independência, visto que ele era fino e educado. Gustavo ficou bem satisfeito com o arranjo de dona Frida. E logo começou a trabalhar, sobretudo, atendendo interior.

 Ao ter contato com os moradores, Gustavo, logo ficou sabendo que a campos dos Morgados, se estendiam por de três léguas. Era uma enorme fazenda, muito maior do que a da família dele. Que ironia, pois sua mãe o estava forçando a casar com sua prima por causa das terras.

Como um vento forte a notícia do novo médico se espalhou pelo lugar, e que  além de tudo, era jovem,  bonito e solteiro, fez as moças casadouras ficaram em alerta. Todas estavam sentindo-se adoentadas e precisavam ir ao médico.

Gustavo atendeu a todas elas com atenção, mas ele estava imune aos sorrisos e olhares provocadores das moças da cidade, pois seu coração já tinha sido entregue para Helena.

Dona Frida achou graça e disse:

-- Meu rapaz teu sucesso já começou. Essas moças não querem mais ser atendidas pelo meu velho. Estão, mesmo, muito atrevidas... – E saiu da sala rindo.

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Helena sentia saudades de Gustavo, ainda não sabia que ele estava tão próximo dela, e para amenizar a sua falta, ela desenhava. Ela era uma verdadeira artista. Tinha facilidade para fazer retratos, tanto a crayon como em pintura a óleo, sobretudo miniaturas. E ela retratou Gustavo, de memória, de todos os jeitos.

Na tarde que antecedia o dia de Natal, Helena perguntou para sua avó:
-- Seria muito imprudente eu enviar para Gustavo um presente em retribuição aos livros que ele me deu?

-- O que queres dar para ele?

-- Eu o retratei. Vou buscar para a senhora ver.

Quando ela apresentou para avó os desenhos, dona Celina se emocionou, ao perceber o amor que a neta nutria por aquele rapaz. Ela o amava de verdade, pois, aquele trabalho era perfeito. Não conhecia o rapaz, para saber se o retrato era fiel a sua fisionomia, mas diante dos detalhes que Helena tinha se preocupado em colocar de fundo, aquela miniatura era algo espetacular, digno de uma exposição. O talento dessa menina era mesmo muito forte.

-- São lindos, minha querida! Tu és muito talentosa. Escolhe o que mais gostas, enquanto eu penso um pouco sobre isso.

-- Está bem.

-- Eu convidei o novo médico, que chegou a cidade, para vir jantar conosco, hoje. Não sei quem é, mas devemos ser acolhedoras com os que chegam. Ainda mais que o rapaz é sozinho. Frida mandou me dizer que ele é ótimo, e não queria deixá-lo sozinho, já que vão passar as festas com a filha na capital. Aliás, eu o convidei para permanecer aqui até domingo. Portanto te arruma bem bonita, coloque o vestido novo, porque ele é jovem e soube que é muito bonito.

-- Mas a senhora sabe que não tenho interesse em conhecer esse moço. Quando vi prepararem o quarto de hóspedes, pensei que fosse para o padre João...

-- Esse ano o padre vai ficar na casa dos Seils.

-- Vó, eu vou pedir licença e me retirar bem cedo. Já estou lhe avisando.

-- Nunca se sabe, minha querida. Não planeje antes... Vá se preparar. Logo ele estará chegando. Eu também vou me trocar.

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Quando Helena chegou ao seu quarto, Ernestina já estava com seu banho preparado, e tinha colocado um perfume na água, o vestido estava passado e colocado sobre a cama.

Helena demorou-se no banho. Não tinha pressa. Estava se vestindo quando escutou o barulho de um carro chegando. Devia ser o convidado de sua avó. Ernestina ainda estava por ali, queria fazer um lindo penteado, mas Helena havia lavado e os cabelos estavam molhados, e agora só restava fazer uma trança. Mas Ernestina tinha dons para arrumar cabelos e fez uma trança toda elaborada e que ficou muito bem.  Não resistiu e disse:

-- A minha menina, estás linda. Vai conquistar o coração do doutor...

-- Obrigada, mas não estou interessada. – Disse Helena já saindo do quarto.

Desceu a escada devagar. Havia um silencio no andar de baixo. Onde estaria o visitante. Com certeza sua avó o levara para o jardim. Mas ela não iria atrás, ficaria na sala esperando.

Entrou displicentemente na sala e se deparou com Gustavo. Ela ria e chorava ao mesmo tempo. Gustavo se aproximou dela e a abraçou de disse baixinho:

-- Até que enfim. Eu estava contando os minutos para te ver. E tu estás linda demais...

-- Eu não sabia que eras tu o convidado de minha avó... Como tu estás aqui? Minha avó me disse que o convidado era o novo médico da cidade... Tu és o novo médico, é isso?

-- Sim. Estabeleci-me na Vila. Estou trabalhando com o doutor Walter, moro na casa dele, ele me cedeu umas peças.  Agora estamos próximos.

-- Que bom! Obrigada pelos livros. Já estou lendo as Memórias Póstumas de Brás Cubas. É um modo de narração bem diferente...

-- Estás gostando?

-- Sim, muito.

Helena estava flutuando de tanta felicidade. Nisso sua avó entrou na sala, e vendo a conversa animada disse:

-- Vejo que já se conheceram?

-- Vó, esse é o Gustavo, o meu amigo...

-- Ah é... – disse Celina piscando para Gustavo que estava gostando de ver a brincadeira de dona Celina.

-- Sim. Ele mudou para cá. Isso a senhora sabe.

A noite foi muito animada. Os jovens conversando e dona Celina percebendo como eles tinham afinidades, e como se gostavam. Não havia dúvidas quanto a isso. Esse rapaz não era interesseiro.

Depois do jantar dona Celina disse a neta:

-- Minha querida, tu não tinhas feito algo para entregar ao doutor?

-- Sim. Vou pegar.

Helena subiu quase correndo as escadas, parecia uma criança que tinha ganhado um presente muito esperado. E voltou com uma caixa forrada de papel azul, que entregou ao rapaz. Ele abriu e se deparou com o seu retrato, pintado por Helena. Ele enxugou uma lágrima antes de falar:

-- Tu fizeste isso de memória? Eu não sabia que pintavas... É lindo demais. Obrigada.

-- Acho que ficou bem parecido, o que acha vó?

-- Se ele tivesse pousado não teria ficado melhor... Está perfeito!

Gustavo olhava para Helena com encantamento. Tinha vontade de apertá-la em seus braços e a beijar. Mas simplesmente tomou sua mão e a beijou.

Na manhã seguinte, dia de Natal, o padre João chegou cedo para rezar a missa, e estavam todos reunidos. A família, os empregados da casa, e os trabalhadores do campo com suas esposas e filhos. Formavam um grupo grande que enchia a capela da fazenda.

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No dia primeiro do novo ano de 1921, Gustavo conversou com dona Celina pedindo permissão para assumir compromisso com sua neta. Dona Celina concedeu, mas com a condição de pelo menos um ano de namoro, para depois colocarem as alianças e marcar a data do casamento. E Gustavo concordou e aceitou a proposta dela.

Assim teria tempo suficiente para se firmar como médico na cidade, já que o doutor Walter tinha dito que queria parar de clinicar. Estava velho e cansado.

Gustavo queria comprar uma casa para ele e Helena morarem, na cidade. Ele sabia que ela tinha uma fortuna imensa, porém, seu orgulho não permitia que ele usufruísse dela, ele tinha uma profissão para trabalhar e se sustentar.

À medida que o tempo passava, a clientela de Gustavo aumentava e definitivamente, doutor Walter tinha deixado de atender, e até mudou-se para perto da filha e dos seus netos. E vendeu a casa para Gustavo.

A casa era boa, bonita e bem cuidada. Situada na rua principal com um lindo jardim ao fundo. O terreno era muito grande, tanto que o fundo dava para a outra rua.

Foi nesses dias que Gustavo recebeu a visita de um advogado, colega de seu primo Felipe. E veio com a missão de informar sobre a morte de seu pai, e resolver as questões de inventário.

Gustavo ficou chocado com a frieza do homem, que relatou a morte de seu pai como se falasse de um cavalo. “Ele estava muito velho, já sem memória, e só estava dando trabalho a família, o senhor que é médico entende. Morreu dormindo.” Uma tristeza se abateu sobre ele, que amava seu pai e foi forçado por seu irmão a ficar longe, sem poder lhe dar atenção nos últimos dias.

As questões da herança era outro problema criado por sua mãe, que queria que ele renunciasse a sua parte na herança em favor do irmão. Gustavo dispensou o advogado alegando que precisava pensar.

Decidiu conversar com Helena e dona Celina sobre a proposta que recebera de sua mãe. Helena ficou indignada e disse:

-- Mas que absurdo! Tu és filho igual, tens direito, se ele quer a tua parte na fazenda, que te pague.

-- Além da fazenda há outras propriedades? Indagou Celina.

-- Sim. Que eu sei são cinco casas de aluguel, e alguns terrenos em Alegria do Sul, um apartamento na capital e Letras de Câmbio, que não sei exatamente qual o valor.

-- Vou pedir para o Monteiro, nosso advogado te instruir sobre isso. – Disse Celina.

-- Vó, nós temos que pedir uma missa pela alma de seu Leonel. Acho que ajudaria a Gustavo se confortar.

Gustavo olhou para Helena com ternura. Ela não estava preocupada apenas, com as questões materiais, ela estava preocupada com ele, com a tristeza que ele carregava em seu coração. Então pegou a mão da namorada e a apertou delicadamente, como um sinal de carinho.

Gustavo seguiu a sugestão de Helena. Se Geraldo queria tanto a fazenda, que pagasse o valor relativo à sua parte. Simples assim. E quando conversou com Monteiro,  foi só para avaliar o valor que deveria pedir. Uma opção era receber parte em dinheiro e parte em gado. E como Helena havia oferecido seus campos para depositar o gado, estava tudo resolvido.

Geraldo pagou o valor justo. Foi Cenira que escreveu ao filho, desaprovando sua atitude, pois a vontade dela era que ele abrisse mão de sua parte em favor do irmão.

Helena quando ficou sabendo ficou furiosa, mas não queria piorar a situação familiar de Gustavo. Então só escutou e nada disse. Foi dona Celina que acalmou o moço, quando disse:

-- Meu rapaz, não podemos querer mudar as pessoas, devemos aceitá-las como são. Tua mãe é assim. O pai de Helena não é muito diferente dela. Se isso serve para te consolar... Helena muito sofreu com as atitudes do pai.

Depois dessa situação, Gustavo compreendeu que não tinha mais ninguém com quem contar, apenas Helena em sua vida. Se antes havia uma briga, agora havia um rompimento total entre ele e sua família. E valorizou muito mais a sua Helena, que era tão sincera, gentil e carinhosa.

Nos primeiros dias de setembro, seria o aniversário de Helena, e ele queria noivar, para poder marcar a data do casamento. Ele não aguentava mais, queria sua amada vivendo com ele. Até o fim ano queria estar casado.

Conversou com Helena, que comunicou a sua avó. Dona Celina entendeu a solidão de Gustavo, e concordou com os planos dos jovens. Mas antes era preciso esclarecer a questão do compromisso dele com a prima. Prometeu escrever para Clarissa.

Mas Helena, no outro dia, recebeu uma carta de Francisca que contava todas mudanças que tinham acontecido por lá.

A carta de Francisca era longa, e contava muitas novidades, entre as quais, uma muito interessante: ela estava namorando Inácio. E fez o relato completo da discussão de Clarissa com Felipe, em favor da filhaTambém contou que a mãe, que é madrinha, estava impedida por Felipe, de entregar para Gustavo um valor bem significativo, que meu pai, tinha deixado para ele como presente de formatura. E que agora ela estava reivindicando em favor do afilhado, e iria remeter para Gustavo, o mais breve possível. Mas como Gustavo virou a mesa, e ele não aceitou as decisões de minha tia, que queria reger a sua vida, as coisas mudaram por aqui. Só que como desforra, a tia não avisou o Gustavo da morte do pai. Ela foi muito criticada por todos, até o padre passou um sermão na tia durante a missa. E ela quis ainda deixá-lo fora da herança, que, aliás, não é permitido por lei, segundo Felipe alertou. Parece até que tia Cenira enlouqueceu. Pobre do meu primo Gustavo, ainda bem que ele tem a ti, minha queria amiga. E assim parece que tudo está tomando o rumo certo, para a nossa felicidade, minha querida. Eu espero que Gustavo consiga tudo o que ele almeja. Meu irmão Felipe ficou furioso, pois foi derrotado em suas pretensões. Até Maria Inês protestou, pois ele estava rejeitando a família dela, já que Inácio é primo em primeiro grau.

E a carta seguia com Francisca agradecendo Helena por ter se tornado sua amiga, e  a ter ajudado a perceber que estava sendo induzida por seu irmão para um casamento, sem amor, com seu primo. E seguia falando do Inácio.

Helena terminou de ler, estava sorrindo, pois Francisca era muito engraçada no modo de colocar as palavras. Mas também estava feliz. Se Gustavo não estava amarrado a vontade da mãe, ela logo estaria casada.

                                                  ---    ---    ---    ---    ---

O casamento foi marcado para dezembro.

Gustavo tinha decidido casar com separação de bens, devido ao montante da fortuna de Helena, que ficou ofendida com sua proposta. E disse:

-- Ou eu confio em ti ou não me caso.

-- Mas meu amor, isso é para demonstrar o quanto eu te amo, e que não me importo com teu dinheiro.

-- Eu não penso assim. Se o fosse ao contrário, e eu me negasse a aceitar o teu dinheiro, tu concordarias?

-- É diferente. Eu sou homem, e devo prover a casa e a família.

-- É a mesma coisa. Eu confio em ti.

-- Mas tua mãe também confiava em teu pai...

-- São situações diferentes. Vamos perguntar a opinião da dona Celina.

Dona Celina que estava entrando na sala quis saber sobre o que falavam e quando soube o que era disse:

-- Minha filha estava iludida. Tanto que quando se deu conta do marido que tinha arranjado, adoeceu de tristeza. O que a segurou um pouco foi que Helena ainda era muito jovem e precisava dela. Mas ela perdeu o brilho, o sorriso e gosto pela vida. Antes de ela descobrir os “casos” do marido, ele ainda procurava aparentar uma vida regular no casamento. Mas depois, esqueceu que tinha uma esposa e uma filha. E foi isso que a matou. Quando eles casaram, ela era só uma jovem herdeira.

-- Pois é, mas me sinto constrangido diante da fortuna de Helena.

-- Bobagem, meu rapaz. Vocês se amam. É diferente. O noivo de Luiza não a amava, e isso, meu marido e eu a alertamos. Mas ela insistiu e nós só queríamos a felicidade dela, e permitimos o casamento. Mas vocês são apaixonados um pelo outro, e começou mesmo antes de saber que Helena era uma moça rica.

-- Nisso a senhora tem razão. Foi no trem, quando ela disse que tinha alguma coisa parecida com a Carolina, do livro A Moreninha, foi naquele instante que eu me apaixonei por sua neta.

-- Então está tudo resolvido. Vamos dar andamento a este casamento.

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O casamento de Helena e Gustavo foi o acontecimento da região. Foi uma linda festa com muitos convidados, e Clarissa veio para ser testemunha de seu querido sobrinho, também Francisca e Inácio seriam as testemunhas de Helena.

Os jardins da casa da família Morgados, na pequena vila Paraíso, foram o cenário da feliz união do jovem casal, que receberam os convidados com alegria, desde os trabalhadores da fazenda com suas famílias, até os vizinhos mais abastados da região.    

Dona Celina estava feliz. Sua neta era a noiva mais bonita que ela já tinha visto e tinha encontrado um homem bom e honesto para seu marido. Eles seriam muito felizes.

                                              Maria Ronety Canibal

                                                Maio de 2018.

                                                

 

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Transcorria o ano de 1919, na região central do estado.

Helena pulou da cama e abriu a janela de seu quarto e se deparou com  uma linda manhã de primavera, o sol brilhava desde cedo e a temperatura estava amena. Depois de quase uma semana de tempo chuvoso, e sem poder sair para caminhar, Helena desceu as escadas apressada, não queria perder tempo. Passou pela cozinha pegou uma maçã na fruteira e saiu para o pátio à procura de seu cão Ares, seu companheiro de caminhada.

Celina, sua avó, parada a porta da cozinha, chamava a neta para tomar café. Mas Helena acenou lhe mostrando a maçã que levava no bolso. Ares ia bem faceiro de ao seu lado de sua dona.

Celina ficou olhando a neta se afastar. Ela tinha se tornado uma moça muito linda. Sua mãe tinha se dedicado a fazer dela uma verdadeira dama. Embora tivesse esse jeito moleca, ela, aos 18 anos, sabia ser determinada e sabia o que queria para si.

Desde que sua mãe morrera, ela estava em casa de sua avó, que a amava muito, mas achava que não era o lugar próprio para sua amada neta, pois, ela morava muito isolada em uma pequena vila onde nada acontecia. Mas seu genro assim decidiu. Ele saiu em viagem, logo que ficou viúvo. Justificou-se dizendo que precisava de novos ares por estar sofrendo muito.  E partiu em um navio, numa viagem sem destino definido, iria percorrer o mundo; e fazia algum tempo que não mandava notícias.

Celina estava inclinada e mandar sua neta para passar o verão na casa de Clarissa, a melhor amiga de sua falecida e querida filha. Celina mantinha uma correspondência regular com Clarissa, que era muito social. E manifestou essa preocupação, em uma de suas cartas, e logo veio o convite, para Helena passar uma temporada em sua casa. Ela não morava muito distante, e tinha uma filha com mesma idade de Helena. Uma amiga era o ela precisava. Celina já estava até com a carta pronta, onde agradecia e aceitava o convite para sua neta, só faltava selar e enviar. Ela faria isso logo.

Celina deu algumas ordens à cozinheira e voltou para sala, e retomou seu crochê. E ficou pensando que era preciso conversar com Helena sobre a parte que herdara da mãe. Sua neta precisa saber. Ela não confiava muito no genro. E depois chamaria seu advogado para regularizar tudo. Também seria sua única herdeira, e já estava determinado em testamento. Com esse montante, Helena havia se tornado uma moça muito rica. E haveria muitos moços interessados em ganhar sua atenção. Era preciso alertá-la para não se deixar iludir por algum ambicioso. Celina suspirou satisfeita e pegou sua agulha e retomou seu trabalho.

Depois de uma semana, Helena foi chamada por sua avó para uma conversa. Ela estava apreensiva, não tinha feito nada de errado, e, não tinha noção do que se tratava. A conversa foi a portas fechadas e com a presença do advogado.

Os empregados da casa estavam curiosos, e faziam muitas conjecturas:

-- A nossa menina vai embora, garanto que aquele pai dela mandou buscá-la. -- Disse Florinda muito triste.

-- Será? -- Perguntou Ernestina.

-- Não, ela vai ficar noiva. Arranjaram um casamento para a ela. -- Afirmou Leocádia.

-- Nada disso. Ela deve estar recebendo a herança da mãe. A Nossa menina está muito rica. -- Disse Deodato.

Então era isso. E cada um voltou aos seus afazeres. Florinda correu para suas panelas, Ernestina foi arrumar a mesa para o chá e Leocádia foi passar roupa enquanto que, Deodato foi colher pêssegos no pomar.

Os dias passavam tranquilos.

Helena todos os dias cedo da manhã fazia o seu passeio pelos campos e Celina estava aguardando a carta de Clarissa que determinava a data da viagem.

Após o almoço, Helena pegou um livro para ler, e foi se acomodar na área de frente onde havia sombra. Estava tão atenta a leitura que não percebeu sua avó se aproximando com uma carta endereçada a ela.

Um sorriso se estampou em seu rosto e muito alegre ela disse:

-- Uma carta de meu pai.

-- Não minha querida, e de Clarissa Poentes Xavier.

-- Quem? Não conheço ninguém com esse nome.

-- Sua mãe tinha uma amiga chamada Clarisse, ela mora não muito longe daqui, e sempre foi à melhor amiga de sua mãe.  Abra e logo vamos saber do que se trata.

Helena leu carta e depois entregou para sua avó ler. À medida que Celina lia seu rosto se iluminava. Quando terminou de ler disse a neta:

-- É a Clarisse te convidando para uma temporada em sua fazenda.  Com certeza quer fazer um agrado para ti. Ela tem uma filha da tua idade. Vamos mandar fazer roupas novas para ti. Ela é muito rica.

-- Eu não sei se quero ir. E onde fica esse lugar?

-- Será bom, vai conhecer outras pessoas, vai ter festas... Eu fiquei contente por ela ter se lembrado de ti.  Ela é ótima, tu vais gostar dela. Vou escrever confirmando tua presença. Ela mora na região sudoeste, cerca de 200 km daqui.

-- E como eu irei.? É muito longe...

-- Vou indagar para saber se podes ir de trem. Senão vou alugar um carro para te levar.

Aqueles dias foram incomuns para Helena. Celina a levou, para Orion, a cidade mais próxima, para escolher tecidos para seus novos vestidos, e compraram chapéus, sapatos, enfim sua avó mandou fazer um enxoval para ela.

Por fim chegou o dia da viagem.

Helena iria de trem até a estação mais perto da fazenda em que morava Clarissa, que a mandaria buscar. Estava tudo muito bem combinado. Nada daria errado.

Celina despediu-se da neta na porta de casa. Deodato a levaria até a estação, que ficava há uma hora dali. A bagagem de Helena eram dois baús. Até parecia que ela estava de mudança.

O trem chegou, ela acomodou-se na sua cabine, onde tinha seu assento reservado, e Helena pensou que viajaria sozinha, que aquele espaço, era todo para ela. De repente a porta se abriu e um moço se acomodou no banco em frente ao dela.

Helena ficou furiosa, e disse:

-- Cavalheiro, o senhor deve estar enganado, esse espaço está reservado apenas para mim.

-- Engano seu, senhorita! Eu esse assento é meu.

-- Vou chamar o cabineiro para verificar.

-- Não é necessário, foi ele mesmo que me conduziu até aqui.  Farei o possível para não a perturbar.

-- Já perturbou. Mas mantenha-se calado. Não costumo conversar com estranhos.

-- Bem, então devemos nos apresentar. Eu sou Gustavo. Estou encantado em conhecê-la. – disse levantando-se fazendo uma reverência.

-- Sou Helena...  – disse sorrindo.

-- Tens um sorriso lindo, devias estar sempre sorrindo. Viajas sozinha?

-- Sim. Mas te confesso que estou um pouco amedrontada. É a primeira vez que saio assim.

-- Sou pessoa de bem, pode confiar. Eu te protejo.

-- Obrigada. Se me der licença eu vou ler meu livro.

Gustavo inclinou a cabeça para ler o título do livro e disse:

-- A Moreninha, e tu te identificas com a personagem principal? Pois Carolina é impossível...

-- Um pouco, a Carolina é bem divertida.

-- Que bom! Eu gosto de gente alegre... E tu és?

-- Acho que sim... Me deixa ler, por favor.

-- E eu vou dar uma cochilada.

Enquanto ela lia seu livro, Gustavo que fingia dormir, mas a observava e percebeu que ela era muito bonita e elegante. Um pouco atrevida, mas isso o agradava. Ela tinha as feições delicadas, a pele clara, os cabelos eram num tom de castanho claro, os olhos verdes e uma boca rosada, perfeita!

Porém Gustavo acabou dormindo de verdade e então Helena aproveitou para olhar para ele. E viu um homem forte, de ombros largos, rosto com as feições bem marcadas e o achou muito bonito. Sua pele era clara, mas seus olhos e cabelos eram escuros. Ele estava bem vestido, era educado e ela tinha gostado dele.

As horas passaram, o trem parou na estação e Gustavo a convidou para ir até o restaurante para almoçar. Mas ela recusou. Tinha receio de enjoar. Ele demorou a retornar o que deu oportunidade para ela ir à toalete.

Quando ele volta para a cabine Helena estava recostada dormindo. Gustavo sentou e pegou o jornal para ler.  O trem parou e Helena acordou assustada, pois tinha medo de passar da sua estação.

 Gustavo fez menção de sair para ver o que estava havendo, porém Helena pediu para que ficasse ela estava com medo, e não queria ficar só.

-- Não tenhas receio. Só vou me informar o que houve. – disse Gustavo gentilmente.

-- Está bem. – respondeu Helena, mas sua expressão era de temor.

Gustavo voltou rapidamente, e disse:

-- É uma obstrução na estrada. Vai demorar um pouco.

-- Isso sempre acontece, ou é uma emboscada? – perguntou Helena.

-- Não sei responder. A sua imaginação é bastante fértil. Deves ler muitos livros de aventura.

-- Não. Leio apenas romances. Mas há muitas histórias de rapto de donzelas...

Gustavo deu uma sonora gargalhada. Ela era divertida... Depois de algum tempo o trem voltou a andar, mas já era quase fim de tarde.  Gustavo conversou bastante com ela, falando sobre a sua cidade e como estava feliz em voltar para casa, ele havia terminados seus estudos recentemente. Até que disse:

-- Eu vou descer na próxima estação. Sinto muito, mas terás que seguir sozinha. Gostei muito de te conhecer.

-- Oh! Que pena... Foi bom te conhecer.

-- Até mais...

Helena não sabia onde estava. Mas estava confiando no cabineiro que ficou de avisá-la e ajudar com sua bagagem. Já era noite, o trem estava fora do horário previsto. E será que estariam esperando por ela?

Ela estava nervosa, sentindo-se só e sem saber como agir. O remédio era aguardar os acontecimentos. Para acalmar seus pensamentos, o cabineiro bateu à porta e avisou que ela desceria na próxima estação.

Helena suspirou aliviada. Enfim estava chegando. Pegou suas coisas, e olhou para ver se não tinha ficado nada, quando viu que o Gustavo havia esquecido um pacote.

O que ela deveria fazer? Deixar ali, ou levar com ela? Ela não sabia sequer o sobrenome dele. Mas talvez d. Clarissa pudesse ajudar, já que devia conhecer as pessoas das redondezas. Então pegou o embrulho e foi atrás do cabineiro que puxava seus baús, que estavam um sobre o outro num carrinho.

O trem parou, ela desceu, e o trem partiu. Helena olhou em volta, aquilo não era uma estação, e sim uma plataforma. Estava vazia, não tinha uma viva alma ali, apenas um lampião a querosene que mal iluminava o local.

Helena se recusava a chorar. Sentou em um dos baús e ficou pensando como sairia dali. A questão era que não tinha a noção de qual direção tomar. Tentou enxergar alguma iluminação ao longe, que pudesse indicar alguma casa, ou um rumo a tomar. Nada!

Ela estava com sede, fome e muito medo. Fechou os olhos e começou a rezar. Foi quando ela escutou um trotar de cavalo, seu coração se animou.

Logo apareceu seu Delmar, que foi logo dizendo:

-- Senhorita Helena! Hoje esse trem me fez de bobo. Eu esperei até o anoitecer, então desisti. E tive que voltar. A senhora me desculpe.

-- Está tudo bem. O trem estava completamente fora do horário. Vamos então.

Delmar colocou os baús na carroça e ajudou Helena a subir. E pela a escuridão da noite, eles seguiram. Tanto o homem como os cavalos conheciam perfeitamente o caminho.

Helena foi recebida com muito carinho por Clarissa. Logo foi providenciado o jantar para ela, a família já havia jantado, e após a leve refeição, ela foi conduzida ao seu quarto, que era muito confortável e espaçoso e anexo tinha um quarto de banho, onde já estava tudo preparado para ela se banhar. Depois de um relaxante banho, ela deitou-se, estava cansada, mas teve dificuldade para conciliar o sono, pois Gustavo não saía de seu pensamento.

Na manhã seguinte, Helena desceu para o café, e só então que ela conheceu Francisca e seu irmão mais velho Felipe.  Fernando o caçula estava no internato, e só voltaria para casa, em dezembro.

Francisca era uma linda moça, porém muito tímida, tanto que praticamente não falava. Felipe também era bonito, alto e forte, e de poucas palavras. Clarissa era simpática, alegre e gostava de conversar. Justificou-se dizendo que os filhos puxaram seu falecido marido. Eram de pouca conversa.

Depois do café, Helena sugeriu a Francisca, uma caminhada pelo campo, estava um dia lindo e com a anuência da mãe, Francisca foi com a sua nova amiga andar pelo jardim.

Helena falava tão animadamente sobre tudo, que contagiou Francisca, que aos poucos, foi expondo seu coração. E contou sobre a paixão de tinha por seu primo, e que com o apoio da família, logo estariam colocando as alianças, assumindo assim o compromisso oficial com o noivado.

Francisca acrescentou que eles estavam prometidos desde que eram crianças, e que ela nunca tinha olhado para outro rapaz. Nas festas ela sempre se recusava a dançar, pois só dançaria com seu primo.

Então Helena indagou:

-- Têm muitas festas por aqui?

-- Sim. Agora começa a época das festas. São ao ar livre e é colocado um tablado para as danças. No próximo sábado será aqui.

-- Ah é!... Que bom. Eu nunca fui a festas. Não sei nem dançar.

-- Por que tu nunca foste a nenhuma festa?

-- Bem, primeiro eu não tinha idade, segundo meu pai, depois minha mãe adoeceu e depois de longo período, ela faleceu. E eu fui morar com minha avó, num lugar onde nada acontece.

-- Acho que tu vais gostar da nossa festa. Eu te ensino a dançar.

-- Que bom. Agora já passou o período de luto.

À medida que a semana avançava, o alvoroço era maior na casa. A cozinha sempre exalando o aroma de doces, um mais cheiroso que o outro. Homens trabalhando no jardim, montando o tablado e mesas com bancos.

Helena estava encantada com tudo isso. Era Clarissa quem determinava tudo. E convocou as meninas para elaborarem as correntes de papel, que iriam decorar o tablado. Enquanto trabalhavam as moças tagarelavam. Francisca não parava de falar, surpreendendo sua mãe, que nunca tinha visto a filha, assim tão animada.

Foi Francisca que falou em Felipe, embora Helena estivesse curiosa para saber mais a respeito do irmão mais velho, ela não se atrevia a perguntar, com receio de ser mal interpretada. Mas ele havia sumido. Só o tinha visto, na manhã seguinte a sua chegada.

-- Desde que meu pai morreu, é Felipe quem cuida de tudo. Sempre vai para cidade onde, permanece alguns dias, cuidando do escritório de advocacia da família. Ele é advogado e está noivo de uma moça na cidade. O pai dela é juiz e não são daqui, são paulistas.  E estão morando na cidade cerca de dois anos. Mas meu irmão a conheceu e logo se apaixonou. Minha mãe tem algum receio, porque não conhece a família da moça. Mas ela é bonita, simpática e eu gosto dela.

-- Então eles vão casar?

-- Acho que sim. Por isso ele está me incomodando para acertar logo o meu compromisso com o  primo. Porque ele acha que eu deveria casar antes, assim ele estaria livre de minha tutela.

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Gustavo sabia que precisava tomar uma decisão sobre sua vida. Mas a moça do trem não saia de seu pensamento. E ele estava confuso. Embora sua mãe insistisse, ele não assumiria nenhum compromisso sem ter certeza de seu futuro.

Seu irmão, Geraldo, que era o mais velho, e foi quem assumiu a administração das propriedades, depois que seu pai ficou senil, e era agora o chefe da família. Só que   ele não pretendia viver dependente do irmão. Geraldo estava casado e morava na fazenda principal, com os pais. Foi ali que eles tinham nascido e crescido. Gustavo amava aquele lugar, mas queria formar sua própria família e seu próprio lar.

Ele estava formado em medicina e queria montar seu consultório, e para isso era necessário esperar um pouco mais, pois ainda tinha que esperar o seu registro como médico. Ele iria se estabelecer ali em Alegria do Sul, ficando dessa forma, próximo aos seus familiares.

Desde o dia que havia chegado, Gustavo estava inquieto e além do mais tinha esquecido seu pacote no trem e não havia como recuperar. Ele que tinha tido tanta dificuldade para conseguir aquele livro, agora teria que encomendar novamente.

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Gustavo tivera uma conversa difícil com seu irmão, que não queria liberar o valor necessário para montar seu consultório, alegando que seria dinheiro mal empregado, pois aquele povo se curava com chás. E Geraldo terminou dizendo:

-- Trata de casar com uma herdeira rica e não precisarás trabalhar, curando feridas dos outros.

-- Tu não entendes, mesmo. A minha vocação é cuidar das pessoas que precisam recuperar a saúde. Isso é ciência. – respondeu Gustavo com impaciência.

-- Bobagem. Aproveita e sábado agora, ajeita a tua vida com a nossa prima, e fica tudo resolvido. Ela herdou um bom pedaço de terra, que já é dela.

-- Acho que nem vou a tal festa. – disse Gustavo desanimado.

-- Deixa disto. Precisas ir, a nossa mãe quer te ver casado. Seja um filho obediente como eu fui. Eu fiz a vontade da mãe ao casar com Marilda, e estou feliz.

-- Eu não sou como tu. Eu vou me casar com a mulher que eu escolher, porque eu quero amar a minha mulher e ser feliz. E não vou abrir mão disso. Nem adianta ficar insistindo.

-- Então fala isso para Dona Cenira.

-- É o que eu vou ter que fazer. Aliás, a mãe só quer esse casamento por causa do sobrenome que Francisca carrega. Um nome muito importante na região, devido a política, mas o nosso nome também é tradicional, somos ricos e temos destaque na região.

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Sábado amanheceu cheio de sol e a temperatura estava amena. E desde muito cedo os empregados corriam por todo o lado, dando o toque final.

Clarissa acordou cedo e passou pelo quarto da filha para acordá-la, e quando entrou no quarto de Helena já a encontrou acordada. A moça estava com dúvidas sobre qual vestido devia escolher, e Clarissa prontamente a ajudou.

Helena vestiu o escolhido e olhou-se no espelho, sorriu, a veste era em azul claro, enfeitada com bordado inglês. Escolheu também o chapéu de palha, no qual ela colocou a fita azul e fez um bonito laço com as pontas caídas para trás.

As duas moças chegaram juntas a sala de almoço e ambas estavam lindas. Francisca usava um vestido amarelo, que realçava seu tom de pele. Seu chapéu era de abas largas na mesma tonalidade do vestido. Elas tomaram café de foram para o jardim. Os primeiros convidados já estavam chegando.

Clarissa se juntou a elas para receber os vizinhos e amigos que chegavam bem animados para a festa. Francisca estava nervosa, pois seu irmão ainda não tinha chegado e isso não era bom. Ele deveria receber os convidados junto com a mãe.

Finalmente, Francisca avistou seu irmão se aproximando, mas ele não vinha sozinho. Com ele estava Maria Inês, sua noiva e mais um moço que ela não conhecia. Era um rapaz bonito, alto, loiro de olhos azuis, com um sorriso atrevido que a deixou fascinada. Ela cutucou Helena e disse:

-- Olha como ele é lindo! Eu não sei quem é...

-- Logo vai saber, ele está vindo para cá. – disse Helena sorrindo.

Felipe se aproximou da mãe e a beijou na face, cumprimentou a irmã, também com um beijo e fez uma mesura para Helena, que retribuiu do mesmo modo. E se virando para o amigo, disse:

-- Esse é o meu amigo Inácio. E eu o convidei para passar uns dias conosco. Ele é primo de Maria Inês, e veio tirar uma temporada no sul.

-- Prazer, disse Inácio, olhando para todas e fixando seu olhar em Francisca.

-- Maria Inês e Inácio sejam bem vindos. – disse Clarissa.

-- Inês fica aqui, enquanto levo Inácio até seu quarto. Logo voltamos. Falou Felipe.

-- Com licença, senhoras, disse Inácio, seguindo Felipe.

Francisca ficou com as faces rosadas e suas mãos tremiam ante o olhar penetrante de Inácio. Helena, percebeu e disse ao ouvido da amiga:

-- Ele vai te convidar para dançar e tu vais recusar?

-- Não! Ele é um hóspede, não posso recusar uma dança – respondeu ela com um sorriso tímido.

-- E o primo já está aqui? Mostra-me quem é ele.

-- Não. Ainda não chegou. Só o Geraldo e Marilda, com a tia que estão chegando. Aqueles ali perto do portão.

-- Hum. Ele não vem?

-- Não sei. Mas eu soube que já faz uns dias que ele chegou...

-- E não veio te visitar?

-- Não.

-- E tu não ficas chateada?

-- Um pouco. Eu não o vejo há muito tempo.

Helena não falou mais nada a respeito, mas se o primo estivesse interessado nela, com certeza teria feito uma visita. Será que era do jeito que ela tinha falado? Será que ele gostava mesmo dela?

Logo haviam muitas pessoas conversando animadas, o almoço estava sendo servido e as pessoas estavam se acomodando em torno das mesas. E Inácio havia se estabelecido ao lado de Francisca, a quem ele fazia sorrir com frequência.

Clarissa foi para junto de Helena e sussurrou ao seu ouvido:

-- Nunca vi Francisca desse jeito. Ela está encantada com o rapaz.

-- Eu vi, até me afastei.

-- Venha comigo, vamos dar uma volta por entre os convidados.

Helena fez muito sucesso entre os solteiros presentes. Clarissa estava feliz com o sucesso da moça. De fato, ela era muito linda, educada e tinha um ar atrevido, que a deixava encantadora.

Elas já estavam terminando a volta pelo jardim quando Helena avistou Gustavo, que vinha em sua direção. Seu coração se agitou e ela inconscientemente pegou a mão de Clarissa que olhou para ela e disse:

-- O que houve menina. Estás pálida e com a mão gelada.

-- Nada, acho que estou um pouco nervosa...

-- Bom dia! Logo que chego avisto duas belas mulheres – disse Gustavo sorrindo e olhando para Helena.

-- Olá, meu querido. Estava sentindo tua falta, disse Clarissa abraçando o rapaz. Oh... Deixa-me te apresentar a Helena, filha de uma querida amiga.

-- Como vai? – Disse Gustavo, não revelando que já a conhecia.

-- Olá. -- Respondeu Helena.

Nisso Clarissa pediu licença e foi atender ao chamado de um de seus empregados, deixando os dois sozinhos.

Gustavo olhou para Helena e disse:

-- Eu jamais imaginei te encontrar aqui na casa de minha madrinha. Por que não me falaste que vinhas para cá?

-- Mas como eu ia adivinhar? Eu peguei o teu pacote que ficou esquecido no banco.

-- Ah! Que bom! Obrigado. Outro dia eu venho pegar, assim tenho desculpa para vir te ver. Disse ele dando uma piscada de olho para ela. - Vamos sentar ali, estou com fome.

-- Vamos.

-- E como foi tua chegada aqui, estavam te esperando?

-- Sim e não.

-- Como assim, me explica...

E Helena começou a contar tudo para ele, desde o momento que ele saiu do trem. Ele dava boas risadas do jeito que ela se expressava. Clarissa viu os dois de longe e resolveu não interromper a conversa. Ela sabia que Gustavo não estava interessado em Francisca, ele dava mil desculpas para não se comprometer. E sua filha estava tão encantada pelo Inácio, que era melhor deixar as coisas andar por si. Ela não ia mais interferir e nem deixar Felipe pressionar a irmã. Se Felipe estava tão apaixonado por Maria Inês, que casasse logo... Ela só queria a felicidade de seus filhos. Clarissa sentou junto a sua irmã Cenira e nenhuma delas falou sobre os filhos. Havia um entendimento tácito entre elas.

As horas passavam e as danças começaram. Felipe dançou com sua irmã e logo os demais casais invadiram o tablado. Inácio dançava, propositalmente, com Maria Inês, e logo Felipe pediu para trocar de par. E assim Francisca se viu dançando com aquele homem deslumbrante. Estava encabulada com as coisas que ele falava para ela, mas estava gostando de saber que ele a achava muito bonita.

Quando Francisca viu seu primo, Gustavo, dançando com Helena, não se sentiu enciumada, pelo contrário, gostou de ver o belo casal que eles formavam. Porém quem não gostou foi Felipe.

Enquanto os jovens dançavam, Geraldo deixou sua esposa, que estava em adiantada gravidez, acompanhada da mãe e foi dar um giro pelo jardim. Conversar com seus vizinhos.

Foi quando viu seu irmão dançando com uma desconhecida. Parecia que Gustavo não entendia que já estava mais do que na hora de firmar compromisso com sua prima. E aquele era o momento propicio.

Então ele se aproximou de Felipe que tinha parado de dançar e disse:

-- Me diga primo, como faremos para esses dois se decidirem?

-- Eu não sei. Convidei meu colega Inácio para ficar uns dias aqui em casa, por causa de nossa hóspede. Queria apresentá-la para ele, mas vejo que minha estratégia não deu certo. Francisca foi quem monopolizou a atenção dele. E agora?

-- E agora, o problema é que, tua hospede, está dançando com Gustavo.

-- Vamos interromper as danças e anunciar o noivado. Que achas?

-- Não seria constrangedor para eles?

-- Tia Cenira nos apoiaria, mas minha mãe não. Ela faz gosto no namoro de Francisca e Gustavo, mas já declarou que não vai forçar nada. Eu mesmo me apaixonei por Maria Inês, e mamãe aceitou.

-- Então só nos resta esperar..., mas não de braços cruzados. Eu vou agir do meu jeito.

Geraldo se afastou do primo, e continuou seu giro pelo jardim. Notou que a moça, que era amiga da prima, estava sozinha, Gustavo havia se afastado dela. Ele foi até ela e disse:

-- Olá. Seja bem vinda. Eu sou Geraldo, irmão de Gustavo.

-- Boa tarde, Senhor.

-- Vim te dar um aviso. Meu irmão é um inconsequente e o problema é que  ele está comprometido com outra moça. Por isso não se iluda com os galanteios dele.

-- Sim. – Respondeu Helena com os um olhar assustado.

-- Estás avisada. Com licença... -- Geraldo afastou-se da moça com um sorriso nos lábios.

Clarissa que de longe observava Helena,  logo, percebeu a sua fisionomia, que a medida, que Geraldo falava a expressão da jovem mudava. De repente ela ficou pálida e foi se refugiar dentro de casa. Sem saber o que tinha havido, Clarissa foi atrás dela. Encontrou-a no quarto chorando. E com carinho perguntou:

-- O que foi que meu sobrinho te falou que te deixou assim?

-- Nada demais. Eu que sou muito boba.

-- Venha, enxugue essas lágrimas e vamos voltar para a festa.

-- Se a senhora não se importa eu vou ficar aqui. Estou com um pouco de dor de cabeça.

-- Queres um chá?

-- Não obrigada. Vou me recostar e logo deve passar. Não estou acostumada com festas.

-- Bem, qualquer coisa manda me chamar. Vou mandar a Glorinha ficar aqui contigo.

-- Não precisa. Obrigada. Eu vou ficar bem.

Clarissa retornou ao jardim e foi saber de Geraldo, e com rispidez perguntou:

-- O que tu disseste a Helena que a deixou perturbada?

-- Nada demais. Apenas elogiei sua beleza.

-- Tem certeza que foi apenas isso?

-- Sim, minha querida tia...

Gustavo que tinha deixado Helena sozinha por um instante, pois precisava se aliviar, quando voltou ao jardim não a encontrou. E foi perguntar a sua tia, quando ouviu a conversa dela com seu irmão.

-- O que houve tia? Aonde está Helena?

-- Ela foi para seu quarto, pois não está se sentindo bem.

-- Mas há pouco ela estava tão bem... Que estranho!

Como Helena havia se retirado da festa, Gustavo decidiu ir embora. E já estava alcançando o portão, quando Francisca o chamou:

-- Já está indo embora? Não gostaste de festa?

-- Estava tudo muito bom. Mas eu estou cansado, vou pra casa.

-- Mas amanhã venha. Estamos combinando um pic-nic...

-- Está bem. Eu virei...

Gustavo tomou o caminho de casa. Ele estava encantado com Helena, ela era tão divertida, um pouco zombeteira e suas respostas eram as mais inesperadas. Ela tinha tocado seu coração. Agora ele sabia o que era gostar de uma mulher de verdade. Ele estava apaixonado por Helena. E conversaria com sua mãe, para deixar bem claro, que ele nunca iria se comprometer com Francisca. Não queria magoar ninguém, queria apenas procurar a sua felicidade.  E já a encontrara.

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Helena não saiu mais do quarto, e quando Francisca foi vê-la no fim da tarde, ela fingiu que dormia. Estava decepcionada e muito triste, por isso não queria falar com ninguém.

Na verdade, ela pouco dormiu aquela noite. Gustavo estava presente em seu pensamento. Ele tão gentil, educado e respeitador, e por isso, não podia ser o galanteador que seu irmão afirmou.  Ela tinha gostado tanto de conversar com ele, que era alegre e divertido, inteligente e bonito...

Na manhã seguinte ela desceu cedo, pegou uma fruta e saiu para caminhar pelos campos. Sentia falta de Ares, seu companheiro de caminhadas. Mas se contentou com Dragão um galgo inglês.

Helena andou até encontrar um riacho e o atravessou pulando sobre algumas pedras que formavam uma passagem sem molhar os pés. Mais adiante sentou embaixo de uma frondosa árvore, que ela conhecia com angico, e comeu as duas maçãs, que tinha pegado na cozinha.

 

Daquele local ela tinha uma visão muito bonita da casa. Era um casarão, com muitos quartos e salas. Ela tinha ficado de queixo caído quando conheceu a casa. O salão de visitas era enorme, muito bem decorado com finos móveis e as paredes pintadas em tom pastel e o teto era todo trabalhado com lindos afrescos. A sala de jantar também era ricamente mobiliada. Os quartos, um mais lindo do que o outro, com as camas cobertas com colchas de seda bordadas.

Ela tinha sido criada em uma bela casa, com todo o conforto e muito bem mobiliada, e com muito luxo, mas não tinha o esplendor dessa morada.  A propriedade de sua família cobria três léguas de campos, e era toda povoada de gado.

Helena deixou seu pensamento voar, e não viu o tempo passar. Deveria tomar o caminho de volta, pois D. Clarissa com certeza estava aflita com sua ausência.

Ela levantou-se chamou por Dragão e esperou pelo cão. Bateu as suas saias, para tirar os fiapos de grama, e foi em direção a casa. Ao atravessar novamente a sanga, ela resvalou na pedra e caiu na água. Ficando totalmente molhado, da cabeça aos pés. Helena ficou furiosa consigo mesma.

Estava a meio do caminho quando avistou um homem a cavalo. Não queria ser vista por ninguém, e se agachou atrás de um arbusto. Mas Dragão ficou parado esperando por ela, o que fez o cavaleiro ir até lá ver o que o cão estava sinalizando.

Helena tinha fechado os olhos, como fazia quando era criança, quando se escondia. E não viu o homem apear do cavalo e se aproximar devagar. Ela só escutou uma gargalhada bem conhecida dela. Abriu os olhos e viu Gustavo a sua frente ainda rindo:

-- O que a senhorita está fazendo aí? Céus! Tu estás toda molhada? O que aconteceu?

-- Eu caí na água. E me escondi quando vi que alguém se aproximava, mas esse cão não colaborou...

-- Estás machucada? – disse Gustavo com ar preocupado.

-- Não. Só molhada.

-- E por que estás aqui sozinha e tão longe da casa?

-- Eu saí para caminhar... Nem percebi que estava tão distante.

-- Aqui é longe e isolado. É perigoso.

-- Eu não me dei conta que estava tão longe. Eu gosto de caminhar...

Gustavo pegou as rédeas do cavalo e foi andando ao lado dela. Ele ainda tinha muita vontade de rir, mas estava se controlando. Era óbvio que ela estava encabulada.

Helena ia de cabeça baixa. Não queria conversar e apenas respondia as perguntas que ele fazia. Queria chegar logo em casa. Estava horrível, com o cabelo pingando, e o vestido grudado em seu corpo e sujo de barro. Como entraria sem ser vista.

Como se estivesse lendo os pensamentos dela, Gustavo falou:

-- Se tu entrares pela porta lateral e subir a escada de serviço não será vista por ninguém. Eu vou entrar e vou distraí-los, que nessa hora, devem estar todos reunidos em torno da mesa do café.

-- Obrigada. Vou ficar te devendo essa.

-- Não, fica pelo pacote do trem. Estamos quites.

-- Que bom! Não gosto de ficar devendo para ninguém.

Helena chegou ao seu quarto e pediu para a arrumadeira que providenciasse um banho para ela. A mulher olhou para ela e não se atreveu a perguntar o que tinha acontecido. Foi ligeiro preparar o banho.

Depois de um tempo, Helena entrou na sala de café, limpa e perfumada, seus cabelos lavados e arrumados em uma grossa trança, que caia a suas costas e terminava com um laço de fita combinando com o vestido. Seu vestido era na cor verde água, bem claro. As mangas eram curtas e o decote quadrado.

Gustavo olhou para ela e sorriu, e em seu íntimo tinha vontade de gritar que ela estava linda demais. Quase expressou publicamente seu sentimento. Mas se conteve.

-- Bom dia! – disse Helena.

-- Bom dia! –todos murmuraram.

-- Enfim acordaste. Eu já estava preocupada contigo...  que bom que passou a indisposição.  – Disse Clarissa.

Helena olhou de soslaio para Gustavo, que ergueu a sobrancelha e ficou esperando a resposta que ela daria a sua tia. Ele estava contendo o riso.

-- Sim eu acordei muito bem hoje. Obrigada por sua atenção. – respondeu Helena enquanto tomava lugar a mesa, ao lado de Inácio e bem à frente de Gustavo.

-- Primo, por que tu não ficas essa semana aqui em casa? Posso pedir para o Jerônimo ir a tua casa buscar algumas roupas. – Falou Felipe.

-- Eu vou ficar sim. Obrigado pelo convite – respondeu Gustavo e olhou na direção de Helena que baixou a cabeça para seu prato.

A conversa estava animada, Clarissa gostava de ver a casa cheia de jovens. Pediu licença e foi para cozinha dar algumas ordens. Felipe mandou chamar Jerônimo...

A programação para aquele domingo era um pic-nic no jardim, a sombra do arvoredo.  Helena estava no alpendre olhando o horizonte quando escutou uma conversa entre Felipe e Inácio que a deixou chocada. Não queria acreditar no que estava ouvindo. Felipe tinha convidado Inácio, apenas por causa dela?  Para fazer companhia para ela? Mas o rapaz tinha gostado de Francisca? Será que dona Clarissa sabia das artimanhas do filho? Helena ficou furiosa. Ela não precisava da companhia de homem algum. Ela sabia se distrair sozinha.

Helena caminhou devagar para o outro lado da área para não ser vista pelos dois que ainda conversavam, agora, outros assuntos. Encontrou um banco onde sentou para ler seu livro.

Francisca e Maria Inês a chamaram para ajudar a escolher o lugar aonde iriam ficar. Helena deixou seu livro sobre o banco e foi com elas. Elas arrumaram as toalhas bem no meio do arvoredo, onde havia uma clareira.  Gustavo chegou trazendo um cesto de comida e Felipe e Inácio carregavam cestos com pratos, talheres e copos e garrafas de refresco.  

Felipe ajudou sua noiva a sentar no chão e acomodou-se ao seu lado. Gustavo se apressou e tomou a mão de Helena para lhe prestar ajuda, e tomou seu lugar perto dela.  E Inácio se virou para Francisca e com gentileza ajudou a moça a sentar e ficou perto dela.

Francisca estava feliz, e olhava para seu irmão com um ar desafiador, querendo insinuar que ele não mandava nela. Maria Inês olhava para um e outro sabendo que seu noivo não estava gostando do olhar da irmã. Então Maria Inês propôs um jogo, que um começava contar uma história e os outros continuavam sendo que cada um acrescentava um tanto.

Foi divertido e todos participaram com criatividade. Depois comeram e falaram muita bobagem e deram muitas risadas. Foi um domingo agradável, Helena estava feliz, pois tinha conhecido o lado brincalhão de Gustavo, que também tinha percebido que Helena era muito inteligente e que também sabia o provocar.

No fim da tarde, quando voltavam para casa, Gustavo tirou do bolso, o livro que Helena havia deixado sobre o banco e entregou para ela.

-- Eu encontrei sobre o banco e logo soube que só poderia ser teu, pois és a única leitora assídua por aqui. – Gustavo a olhava com ternura e um lindo sorriso.

-- Obrigada. Eu estava lendo quando as gurias me chamaram... – Helena retribui o olhar e o sorriso.

Após o jantar todos foram para a sala de estar. Francisca tocou piano e Clarissa pediu que Helena tocasse também. Maria Inês tinha uma voz belíssima e as acompanhou no canto.

Gustavo não tirava os olhos de Helena, embora ele estivesse em pé do outro lado da sala, ela sentia a intensidade de seu olhar. Clarissa e Felipe perceberam a troca de olhares entre Helena e Gustavo. Helena estava se sentindo observada por Felipe, e resolveu  ir para seu quarto. Despediu-se de todos e subiu. Deitou-se, estava cansada, e logo dormiu.

Helena tinha o costume de acordar muito cedo. Enquanto todos ainda dormiam, ela vestiu-se e saiu pela porta dos fundos. Naquele dia em particular, ela precisava ficar só.  E como sempre fazia pegou uma fruta e foi caminhar. Não viu o Dragão e foi sozinha.

Enquanto caminhava devagar, Helena deixava as suas lágrimas rolarem livremente. Ela não gostava de demonstrar seus sentimentos, por isso buscava a solidão.

Gustavo acordou cedo, naquela manhã, abriu a janela de seu quarto, e viu Helena, sozinha, se afastando da casa pelo caminho que levava a estrada de ferro. Vestiu-se apressadamente, desceu e passou pela cozinha e pegou dois pães e foi atrás de Helena.

Ele com seus passos largos, a alcançou, e quando chegou próximo dela, viu que ela estava chorando. Seu coração se contraiu, qual seria o motivo de sua tristeza. Helena se assustou com a presença dele e logo limpou o rosto, não queria que ele percebesse sua tristeza. Mas ele já tinha visto e perguntou:

-- Quem te deixou tão triste?

-- Ninguém.

-- Então porque estas assim? Diga-me. Talvez eu possa te ajudar...

-- Hoje é dia do aniversário de minha mãe... E eu tenho muita saudade dela. Sinto-me muito só.

-- Me fale sobre tua mãe... Eu gostaria de saber um pouco sobre ela... Venha vamos sentar ali na plataforma do trem. Tem um banco.

Gustavo a conduziu e Helena falou sobre sua mãe, contou que ela era linda, carinhosa e alegre. Sempre tinha um sorriso e uma palavra de bondade. Mas que de repente, sua mãe ficou triste, adoeceu e morreu rapidamente. E que tudo isso por causa de seu pai...

Helena se deu conta que estava falando demais. Não poderia contar para um estranho a má conduta de seu pai. Sua avó tinha sido categórica sobe isso. Havia dito: Segredos de família, permanecem em família.

Gustavo, logo percebeu, qual seria a razão da tristeza da mãe dela. Comoveu-se e a abraçou com carinho e Helena se deixou envolver naquele abraço. Ela estava carente. Fazia muito tempo que não recebia um abraço. Sua avó era muito boa, mas não tinha esses gestos de atenção.

Depois que ela se aclamou ele ofereceu um dos pães para Helena e ambos comeram em silêncio.

Gustavo queria animá-la, então começou a falar sobre sua infância naqueles campos, de suas cavalgadas com seu avô, e assim conversando eles retornaram para a casa da fazenda. Mas quando eles estavam chegando, ele pegou pelo cotovelo e a faz olhar para ele.

-- Sei que tu gostas de levantar cedo e sair para caminhar. Mas não saia mais sozinha. E muito perigoso. Por esses campos cruzam muitos homens...

-- Mas eu sempre fiz isso...

-- Aqui é outra região e estamos muito perto da fronteira com o Uruguai. Tu podes se raptada. Eu fiquei aflito quando, hoje cedo, te avistei tão distante da casa. Se quiseres caminhar eu te acompanho, se quiseres cavalgar e vou contigo.

-- Desculpe...

-- Não é questão de te desculpar, é para te proteger que eu estou falando assim contigo. Eu me preocupo muito contigo. Tu te tornaste importante para mim. Tu entendes o que eu estou querendo dizer?

-- Sim, eu entendo, respondeu Helena baixando a cabeça.

-- Olhe para mim...

Ela levantou a cabeça e olhou nos olhos dele, e não conseguiu definir o olhar penetrante com que ele a mirava. Gustavo suspirou e disse com uma voz rouca:

-- Helena, eu sou importante para ti?

Ela ruborizou. Gustavo era muito importante para ela, pois estava ocupando todo o espaço de seu coração, não ia dizer isso a ele, mas precisava responder de uma forma que não se comprometesse. Então, muito baixinho respondeu:

-- Sim, tu és o meu único amigo...

-- Amigo? Apenas amigo... Murmurou ele.

Ele soltou seu braço e entraram no jardim. Helena estava preocupada com a situação entre eles. Não sabia se voltariam a conversar com naturalidade. E ela gostava tanto de suas pilhérias.

Enquanto andavam pela aleia do jardim, Helena o olhou e viu que ele a fitava e mais uma vez sentiu suas faces queimarem. Chegou a levar as mãos ao rosto. E vendo esse gesto, Gustavo sussurrou ao seu ouvido:

-- Assim ficas mais bonita...

Helena voltou seu olhar para ele, Gustavo deu uma piscada e sorriu. O seu coração encontrou alivio. Ele não estava aborrecido com ela. Entraram pela porta lateral e Helena foi para seu quarto, enquanto que Gustavo foi tomar seu café. Mas pediu a copeira que levasse uma bandeja de café para Helena em seu quarto.

Helena tomou o café, certa de que foi Gustavo o responsável por isso. Sentou-se a sua escrivaninha e escreveu uma carta para sua avó e colocou seu diário em dia.

Ainda escrevia, quando Clarissa entrou no quarto, queria ter uma conversar sossegada com ela. Sentou na poltrona, olhou para Helena e falou:

-- Hoje é o dia do aniversário de Luiza. Eu rezei a Nossa Senhora e coloquei uma rosa no meu altarzinho em homenagem a minha querida amiga. Eu sempre...

E começou a contar para Helena sobre a amizade dela com sua mãe, que foram internas na mesma escola, e dividiam o mesmo quarto, e sempre foram confidentes, uma da outra. Casaram e mantinham correspondência, porém em determinado momento, Luiza, sua mãe, não respondeu mais as suas cartas e só depois foi que Clarissa ficou sabendo que ela adoecera...

-- Se eu tivesse sabido, antes, eu teria ido ver a minha querida amiga. Uma irmã para mim. Foi nesta mesma época, que meu marido morreu, e as coisas por aqui ficaram difíceis, porque meu filho Felipe assumiu a chefia da casa e ele não tem o mesmo carisma do pai. Eu tive muitos aborrecimentos. Agora estamos bem...

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Os dias transcorreram tranquilos, Inácio, Felipe e Maria Inês na manhã seguinte voltariam para a cidade. Gustavo ainda estava por lá, e Helena escutou uma conversa entre Felipe e Gustavo, onde Felipe mais uma vez cobrava de seu primo o anuncio de compromisso com sua irmã, Francisca.

Agora, Helena sabia, que Gustavo era o primo prometido. Em seu pensamento, ela achou esquisito o comportamento de Francisca em relação a Gustavo e vive versa, pois não se mostravam interessados um pelo outro, sobretudo, depois que Francisca conheceu Inácio.

Clarissa também, não demonstrava ser essa a sua vontade. E naquela tarde, depois de uma conversa com seu irmão, Francisca saiu do escritório chorando e foi para seu quarto sem falar com ninguém. Gustavo que estava jogando xadrez com Helena, também viu, mas não disse nada. Apenas ficou com um semblante preocupado. E disse:

-- Amanhã eu vou embora. Tenho coisas a resolver.

-- Oh... Vou sentir tua falta.

-- Eu também, mas pretendo voltar assim que puder. Espera-me. –Disse ele esboçando um sorriso para Helena.

-- Vou esperar. Respondeu ela com voz sumida.

No dia seguinte a casa estava vazia. Francisca muito aborrecida, não queria fazer nada, e ficou horas sentada quieta olhando pela janela. E como Helena tinha prometido a Gustavo, ela não saia mais para caminhar. Foi conversar com Francisca, tentando distraí-la.

-- Vamos andar pelo jardim. Está um dia tão agradável – convidou Helena.

-- Não obrigada. Mas fica aqui comigo, eu quero saber a tua opinião. – disse Francisca.

-- Sobre o que?

-- Sobre Gustavo.

-- Gustavo?

-- Sim, vocês ficaram bons amigos, e eu não senti nada quando vi que ele deu toda atenção para ti, tanto na festa como nos outros dias. Então, eu concluo que não gosto dele.

-- Talvez, eu não sei como era a relação de vocês...

-- Eu gostei muito de estar com Inácio. Ele é lindo, me disse coisas maravilhosas, e eu prefiro a sua companhia, a de Gustavo que é um chato.

-- Eu acho que deves te aconselhar com tua mãe.

-- Inácio vai ficar mais um tempo,  eu acho que ele gostou de mim.

-- Que bom! Mas tua família tem planos...

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Depois de um abafamento, a chuva caiu torrencialmente por três dias, e segundo, Clarissa, os passos estavam cheios e ninguém conseguiria cruzar as estradas. E como ela havia previsto, não receberam visita por vários dias. E as festas todas foram adiadas.

Gustavo não voltou com tinha dito, e Helena soube que ele tivera uma discussão muito forte com Felipe, que o havia proibido de ir a sua casa.

Helena estava se sentindo desconfortável. Sabia que sua amizade com Gustavo estava tumultuando as relações na família. E se sentiu como uma intrusa. E decidiu ir embora. Já fazia mais de mês que estava por lá.

Conversou com dona Clarissa e ela muito afável mandou comprar uma passagem e enviar um aviso para dona Celina. Helena partiria em dois dias.

                                        

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Helena chegou à casa de sua avó muito diferente. Não era mais aquela garota alegre e divertida. Tinha um olhar longínquo, que demonstrava saudade. Celina não tinha perguntado nada para ela, esperava que sua neta contasse sobre a sua paixão.

As manhãs eram quentes, e Helena saia muito cedo de casa para fazer suas longas caminhadas, mas até seu cachorro percebeu sua mudança, e Ares ia quieto ao lado de sua dona.

Era quase Natal, e naquela manhã, quando Helena entrou em casa, encontrou sobre a mesa uma caixa endereçada a ela. Ela olhou para sua avó, com um olhar indagador, mas Celina disse:

-- Chegou por um mensageiro. Abra.

-- Não tenho noção de quem possa ser. O que será? É pesado...

Helena abriu a caixa e se deparou com alguns romances de Machado de Assis, entre eles Helena. Abriu um lindo sorriso e disse a sua avó:

-- Só pode ser de Gustavo. Ele sabe que eu gosto de ler romances.

-- Gustavo! Me fale sobre esse moço.

Então Helena contou tudo para sua avó, que a escutou e depois falou:

-- Fizestes bem em vir para casa. Se ele está interessado em ti, ela virá até aqui. Esse presente é ousado, mas revela os sentimentos dele por ti. Vamos aguardar que logo ele está entrando por aquela porta.

-- É tudo o que eu quero...

 

Helena não sabia que Gustavo havia escrito para dona Celina, pedindo permissão para enviar um presente para Helena, e para ir visitá-la no Natal.

Entre os livros havia uma carta, que ela pegou e ela foi ler em seu quarto. Helena foi para seu quarto ler a carta que Gustavo havia enviado dentro do pacote. Ela sentou-se em sua poltrona perto da janela, suas mãos tremiam, cheirou o envelope e então abriu. Eram umas poucas linhas, mas para ela tinham muito valor.

Helena!

Não pude cumprir o prometido, de ir te visitar. Circunstâncias alheias a minha vontade me impediram. Mas vou lutar para me libertar, de um compromisso que não é meu. Por isso estou dando novo ruma â minha vida. Espero que tenhas uma boa leitura. Meu coração anseia por ti.

Almejo poder te ver em breve.

Com todo o meu amor

Gustavo.

Helena dobrou com cuidado a carta e a guardou em seu diário. Mas ficou curiosa em saber o que significava realmente, aquela frase “Mas vou lutar para me libertar de um compromisso que não é meu”. Isso era o mais importante. Ela estava mantendo correspondência com Francisca e com dona Clarissa, não devia fazer nenhum tipo de pergunta a respeito. Era preciso esperar...

Naquele mesmo dia, Deodato, que tinha ido a Orion, e chegou com a novidade:

-- Dona Celina, dizem que tem um novo médico na cidade.

-- Mesmo? Que bom! O doutor Walter já está muito velho.

-- E conseguiste as mercadorias?

-- Sim. Tudinho, como a senhora pediu. Aqui a correspondência que chegou.

-- Ué, essas chegaram separadas?

-- Não sei.

Quando Helena retornou à sala, sua avó entregou-lhe uma carta de Francisca, que abriu um sorriso e disse:

-- Tudo no mesmo dia.

-- Sim, que engraçado. Completou dona Celina, que abria uma carta de seu genro. Primeiro queria ler, para depois falar para neta que seu pai havia dado sinal de vida.

Helena e Francisca tinham se tornado boas amigas. E trocavam muitas cartas. E nessa última carta Francisca contava seus dissabores, pois seu irmão continuava não permitindo que Inácio se aproximasse dele, embora, Maria Inês, sua noiva, estivesse contrariada com sua atitude. Desiludido, Inácio havia retornado para São Paulo, e prometeu escrever para ela. E as cartas dele estavam chegando através de Inês. Gustavo tinha brigado com a sua mãe e foi embora de casa. Ninguém sabia onde ele estava, e nem como estava se sustentando. Sua mãe Clarissa estava muito triste com toda a essa situação. E Francisca terminou a sua carta contando que chorava por causa de Inácio, pois estava morrendo de amores por ele.

Helena foi até a sala, onde estava sua avó, para contar as novidades, e a encontrou chorando:

-- O que aconteceu, por que está chorando?

-- Nem todas as notícias são boas, minha querida. Teu pai está complicando nossa vida.

-- Meu pai? Ele escreveu para a senhora? E não para mim!

-- Sim. Ele quer dinheiro. Diz que foi passado para trás. Que foi ludibriado por teu avô. Vou ter que chamar o advogado para resolver tudo.

-- Meu pai não se importa comigo.

-- É verdade, minha querida. Ele só pensa em dinheiro e mulheres... E isso foi que matou amada minha filha.

-- Eu sei. Mas isso me dói. Como ele pode dizer que foi enganado?

-- Quando ele se aproximou de sua mãe, seu avô mandou investigar quem ele era, pois apareceu por aqui como representante comercial. Ele era um moço bonito, simpático e tua mãe se encantou por ele. Claro que seu pai sabia que como única filha, sua mãe iria herdar uma fortuna. E logo fez “a corte” a minha Luiza, que caiu de encantos por ele, o aceitou e logo noivaram. Queriam casar e eu e seu avô, alertamos sua mãe sobre a origem dele, que não era de uma família tradicional. Mas Luiza estava apaixonada, e nós cedemos. Casaram. Mas logo que tu nasceste teu avô fez um testamento te deixando como a maior herdeira dele. Então como tua mãe faleceu, o que foi destinado a ela, a metade é tua, e de forma que teu pai ficou com pouca coisa. A fazenda é toda tua. Aqueles documentos que assinamos quando tu fizeste 18 anos, foi para tu tomar posse de tudo. O que ficou para teu pai foram alguns prédios na capital e um valor em dinheiro. E é isso que o deixou indignado. Ele achou iria ficar com tudo. Seu avô foi esperto. Mas está tudo correto e legal. Ele não tem do que reclamar. Mas vai querer te explorar. Toma cuidado minha querida, ele vai se aproximar de ti, para pegar o teu dinheiro.

-- Pode ficar tranquila, minha avó, eu não vou me deixar envolver. Já fui muito magoada por meu pai. E tem outra coisa, eu quero aprender a administrar o que é meu. Sei que o Sr. Vasco faz um bom trabalho, mas acho que sempre é bom saber, para não ter problemas no futuro.

-- Tu estás certa. Vamos conversar com o Sr. Vasco e com o Dr. Monteiro, nosso advogado. Agora chega dessas coisas.  Conta-me o que Francisca diz na carta.

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Orion era uma pequena cidade, muito próxima do vilarejo chamado Paraiso, onde morava dona Celina.  A fazenda que Helena herdara, se estendia por toda a região, visto que era muito grande e emprestava seu nome ao povoado.

Gustavo depois de brigar com sua família, resolveu se afastar de todos, e por isso não mais se estabeleceria em Alegria do Sul. Escolheu Orion, região mais central do estado, para ficar perto de Helena. Ainda não estava nada definido entre eles, mas Gustavo estava apostando em um futuro feliz junto dela.

Ao chegar à pequena cidade, ele procurou o médico do lugar e se ofereceu para ajudar, em troca de um salário e um lugar para morar.

Doutor Walter já estava velho e ficou satisfeito com a oferta do rapaz, que inclusive já era registrado no conselho de medicina, e por isso o aceitou prontamente.

Walter e sua esposa moravam em uma casa enorme, onde ficava também o consultório. Então, o Dr. Walter conversou com sua mulher e ajeitaram para o rapaz um quarto com banheiro e uma sala adjacente, com saída direto para o jardim lateral; assim o rapaz teria conforto e independência, visto que ele era fino e educado. Gustavo ficou bem satisfeito com o arranjo de dona Frida. E logo começou a trabalhar, sobretudo, atendendo interior.

 Ao ter contato com os moradores, Gustavo, logo ficou sabendo que a campos dos Morgados, se estendiam por de três léguas. Era uma enorme fazenda, muito maior do que a da família dele. Que ironia, pois sua mãe o estava forçando a casar com sua prima por causa das terras.

Como um vento forte a notícia do novo médico se espalhou pelo lugar, e que  além de tudo, era jovem,  bonito e solteiro, fez as moças casadouras ficaram em alerta. Todas estavam sentindo-se adoentadas e precisavam ir ao médico.

Gustavo atendeu a todas elas com atenção, mas ele estava imune aos sorrisos e olhares provocadores das moças da cidade, pois seu coração já tinha sido entregue para Helena.

Dona Frida achou graça e disse:

-- Meu rapaz teu sucesso já começou. Essas moças não querem mais ser atendidas pelo meu velho. Estão, mesmo, muito atrevidas... – E saiu da sala rindo.

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Helena sentia saudades de Gustavo, ainda não sabia que ele estava tão próximo dela, e para amenizar a sua falta, ela desenhava. Ela era uma verdadeira artista. Tinha facilidade para fazer retratos, tanto a crayon como em pintura a óleo, sobretudo miniaturas. E ela retratou Gustavo, de memória, de todos os jeitos.

Na tarde que antecedia o dia de Natal Helena perguntou para sua avó:
-- Seria muito imprudente eu enviar para Gustavo um presente em retribuição aos livros que ele me deu?

-- O que queres dar para ele?

-- Eu o retratei. Vou buscar para a senhora ver.

Quando ela apresentou para avó os desenhos, dona Celina se emocionou, ao perceber o amor que a neta nutria por aquele rapaz. Ela o amava de verdade, pois, aquele trabalho era perfeito. Não conhecia o rapaz, para saber se o retrato era fiel a sua fisionomia, mas diante dos detalhes que Helena tinha se preocupado em colocar de fundo, aquela miniatura era algo espetacular, digno de uma exposição. O talento dessa menina era mesmo muito forte.

-- São lindos, minha querida! Tu és muito talentosa. Escolhe o que mais gostas, enquanto eu penso um pouco sobre isso.

-- Está bem.

-- Eu convidei o novo médico, que chegou a cidade, para vir jantar conosco hoje. Não sei quem é, mas devemos ser acolhedoras com os que chegam. Ainda mais que o rapaz é sozinho. Frida mandou me dizer que ele é ótimo, e não queria deixá-lo sozinho, já que vão passar as festas com a filha na capital. Aliás, eu o convidei para permanecer aqui até domingo. Portanto te arruma bem bonita, coloque o vestido novo, porque ele é jovem e soube que é muito bonito.

-- Mas a senhora sabe que não tenho interesse em conhecer esse moço. Quando vi prepararem o quarto de hóspedes, pensei que fosse para o padre João...

-- Esse ano o padre vai ficar na casa dos Seils.

-- Vó, eu vou pedir licença e me retirar bem cedo. Já estou lhe avisando.

-- Nunca se sabe, minha querida. Não planeje antes... Vá se preparar. Logo ele estará chegando. Eu também vou me trocar.

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Quando Helena chegou ao seu quarto, Ernestina já estava com seu banho preparado, e tinha colocado um perfume na água, o vestido estava passado e colocado sobre a cama.

Helena demorou-se no banho. Não tinha pressa. Estava se vestindo quando escutou o barulho de um carro chegando. Devia ser o convidado de sua avò. Ernestina ainda estava por ali, queria fazer um lindo penteado, mas Helena havia lavado e os cabelos estavam molhados, e agora só restava fazer uma trança. Mas Ernestina tinha dons para arrumar cabelos e fez uma trança toda elaborada e que ficou muito bem.  Não resistiu e disse:

-- A minha menina, estás linda. Vai conquistar o coração do doutor...

-- Obrigada, mas não estou interessada. – Disse Helena já saindo do quarto.

Desceu a escada devagar. Havia um silencio no andar de baixo. Onde estaria o visitante. Com certeza sua avó o levara para o jardim. Mas ela não iria atrás, ficaria na sala esperando.

Entrou displicentemente na sala e se deparou com Gustavo. Ela ria e chorava ao mesmo tempo. Gustavo se aproximou dela e a abraçou de disse baixinho:

-- Até que enfim. Eu estava contando os minutos para te ver. E tu estás linda demais...

-- Eu não sabia que eras tu o convidado de minha avó... Como tu estás aqui? Minha avó me disse que O convidado era o novo médico da cidade... Tu és o novo médico, é isso?

-- Sim. Estabeleci-me em Orion. Estou trabalhando com o doutor Walter, moro na casa dele, ele me cedeu umas peças.  Agora estamos próximos.

-- Que bom! Obrigada pelos livros. Já estou lendo as Memórias Póstumas de Brás Cubas. É um modo de narração bem diferente...

-- Estás gostando?

-- Sim, muito.

Helena estava flutuando de tanta felicidade. Nisso sua avó entrou na sala, e vendo a conversa animada disse:

-- Vejo que já se conheceram?

-- Vó, esse é o Gustavo, o meu amigo...

-- Ah é... – disse Celina piscando para Gustavo que estava gostando de ver a brincadeira de dona Celina.

-- Sim. Ele mudou para Orion. Isso a senhora sabe.

A noite foi muito animada. Os jovens conversando e dona Celina percebendo como eles tinham afinidades, e como se gostavam. Não havia dúvidas quanto a isso. Esse rapaz não era interesseiro.

Depois do jantar dona Celina disse a neta:

-- Minha querida, tu não tinhas feito algo para entregar ao doutor?

-- Sim. Vou pegar.

Helena subiu quase correndo as escadas, parecia uma criança que tinha ganhado um presente muito esperado. E voltou com uma caixa forrada de papel azul, que entregou ao rapaz. Ele abriu e se deparou com o seu retrato, pintado por Helena. Ele enxugou uma lágrima antes de falar:

-- Tu fizeste isso de memória? Eu não sabia que pintavas... É lindo demais. Obrigada.

-- Acho que ficou bem parecido, o que acha vó?

-- Se ele tivesse pousado não teria ficado melhor... Está perfeito!

Gustavo olhava para Helena com encantamento. Tinha vontade de apertá-la em seus braços e a beijar. Mas simplesmente tomou sua mão e a beijou.

Na manhã seguinte, dia de Natal, o padre João chegou cedo para rezar a missa, e estavam todos reunidos. A família, os empregados da casa, e os trabalhadores do campo com suas esposas e filhos. Formavam um grupo grande que enchia a capela da fazenda.

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No dia primeiro do novo ano de 1921, Gustavo conversou com dona Celina pedindo permissão para assumir compromisso com sua neta. Dona Celina concedeu, mas com a condição de pelo menos um ano de namoro, para depois colocarem as alianças e marcar a data do casamento. E Gustavo concordou e aceitou a proposta dela.

Assim teria tempo suficiente para se firmar como médico na cidade, já que o doutor Walter tinha dito que queria parar de clinicar. Estava velho e cansado.

Gustavo queria comprar uma casa para ele e Helena morarem, na cidade. Ele sabia que ela tinha uma fortuna imensa, porém, seu orgulho não permitia que ele usufruísse dela, ele tinha uma profissão para trabalhar e se sustentar.

À medida que o tempo passava, a clientela de Gustavo aumentava e definitivamente, doutor Walter tinha deixado de atender, e até mudou-se para perto da filha e dos seus netos. E vendeu a casa para Gustavo.

A casa era boa, bonita e bem cuidada. Situada na rua principal com um lindo jardim ao fundo. O terreno era muito grande, tanto que o fundo dava para a outra rua.

Foi nesses dias que Gustavo recebeu a visita de um advogado, colega de seu primo Felipe. E veio com a missão de informar sobre a morte de seu pai, e resolver as questões de inventário.

Gustavo ficou chocado com a frieza do homem, que relatou a morte de seu pai como se falasse de um cavalo. “Ele estava muito velho, já sem memória, e só estava dando trabalho a família, o senhor que é médico entende. Morreu dormindo.” Uma tristeza se abateu sobre ele, que amava seu pai e foi forçado por seu irmão a ficar longe, sem poder lhe dar atenção nos últimos dias.

As questões da herança era outro problema criado por sua mãe, que queria que ele renunciasse a sua parte na herança em favor do irmão. Gustavo dispensou o advogado alegando que precisava pensar.

Decidiu conversar com Helena e dona Celina sobre a proposta que recebera de sua mãe. Helena ficou indignada e disse:

-- Mas que absurdo! Tu és filho igual, tens direito, se ele quer a tua parte na fazenda, que te pague.

-- Além da fazenda há outras propriedades? Indagou Celina.

-- Sim. Que eu sei são cinco casas de aluguel, e alguns terrenos em Alegria do Sul, um apartamento na capital e Letras de Câmbio, que não sei exatamente qual o valor.

-- Vou pedir para o Monteiro, nosso advogado te instruir sobre isso. – Disse Celina.

-- Vó, nós temos que pedir uma missa pela alma de seu Leonel. Acho que ajudaria a Gustavo se confortar.

Gustavo olhou para Helena com ternura. Ela não estava preocupada apenas, com as questões materiais, ela estava preocupada com ele, com a tristeza que ele carregava em seu coração. Então pegou a mão da namorada e a apertou delicadamente, como um sinal de carinho.

Gustavo seguiu a sugestão de Helena. Se Geraldo queria tanto a fazenda, que pagasse o valor relativo à sua parte. Simples assim. E quando conversou com Monteiro,  foi só para avaliar o valor que deveria pedir. Uma opção era receber parte em dinheiro e parte em gado. E como Helena havia oferecido seus campos para depositar o gado, estava tudo resolvido.

Geraldo pagou o valor justo. Foi Cenira que escreveu ao filho, desaprovando sua atitude, pois a vontade dela era que ele abrisse mão de sua parte em favor do irmão.

Helena quando ficou sabendo ficou furiosa, mas não queria piorar a situação familiar de Gustavo. Então só escutou e nada disse. Foi dona Celina que acalmou o moço, quando disse:

-- Meu rapaz, não podemos querer mudar as pessoas, devemos aceitá-las como são. Tua mãe é assim. O pai de Helena não é muito diferente dela. Se isso serve para te consolar... Helena muito sofreu com as atitudes do pai.

Depois dessa situação, Gustavo compreendeu que não tinha mais ninguém com quem contar, apenas Helena em sua vida. Se antes havia uma briga, agora havia um rompimento total entre ele e sua família. E valorizou muito mais a sua Helena, que era tão sincera, gentil e carinhosa.

Nos primeiros dias de setembro, seria o aniversário de Helena, e ele queria noivar, para poder marcar a data do casamento. Ele não aguentava mais, queria sua amada vivendo com ele. Até o fim ano queria estar casado.

Conversou com Helena, que comunicou a sua avó. Dona Celina entendeu a solidão de Gustavo, e concordou com os planos dos jovens. Mas antes era preciso esclarecer a questão do compromisso dele com a prima. Prometeu escrever para Clarissa.

Mas Helena, no outro dia, recebeu uma carta de Francisca que contava todas mudanças que tinham acontecido por lá.

A carta de Francisca era longa, e contava muitas novidades, entre as quais, uma muito interessante: ela estava namorando Inácio. E fez o relato completo da discussão de Clarissa com Felipe, em favor da filha.  Também contou que a mãe, que é madrinha, estava impedida por Felipe, de entregar para Gustavo um valor bem significativo, que meu pai, tinha deixado para ele como presente de formatura. E que agora ela estava reivindicando em favor do afilhado, e iria remeter para Gustavo, o mais breve possível. Mas como Gustavo virou a mesa, e ele não aceitou as decisões de minha tia, que queria reger a sua vida, as coisas mudaram por aqui. Só que como desforra, a tia não avisou o Gustavo da morte do pai. Ela foi muito criticada por todos, até o padre passou um sermão na tia durante a missa. E ela quis ainda deixá-lo fora da herança, que, aliás, não é permitido por lei, segundo Felipe alertou. Parece até que tia Cenira enlouqueceu. Pobre do meu primo Gustavo, ainda bem que ele tem a ti, minha queria amiga. E assim parece que tudo está tomando o rumo certo, para a nossa felicidade, minha querida. Eu espero que Gustavo consiga tudo o que ele almeja. Meu irmão Felipe ficou furioso, pois foi derrotado em suas pretensões. Até Maria Inês protestou, pois ele estava rejeitando a família dela, já que Inácio é primo em primeiro grau.

E a carta seguia com Francisca agradecendo Helena por ter se tornado sua amiga, e  a ter ajudado a perceber que estava sendo induzida por seu irmão para um casamento, sem amor, com seu primo. E seguia falando do Inácio.

Helena terminou de ler, estava sorrindo, pois Francisca era muito engraçada no modo de colocar as palavras. Mas também estava feliz. Se Gustavo não estava amarrado a vontade da mãe, ela logo estaria casada.

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O casamento foi marcado para dezembro.

Gustavo tinha decidido casar com separação de bens, devido ao montante da fortuna de Helena, que ficou ofendida com sua proposta. E disse:

-- Ou eu confio em ti ou não me caso.

-- Mas meu amor, isso é para demonstrar o quanto eu te amo, e que não me importo com teu dinheiro.

-- Eu não penso assim. Se o fosse ao contrário, e eu me negasse a aceitar o teu dinheiro, tu concordarias?

-- É diferente. Eu sou homem, e devo prover a casa e a família.

-- É a mesma coisa. Eu confio em ti.

-- Mas tua mãe também confiava em teu pai...

-- São situações diferentes. Vamos perguntar a opinião da dona Celina.

Dona Celina que estava entrando na sala quis saber sobre o que falavam e quando soube o que era disse:

-- Minha filha estava iludida. Tanto que quando se deu conta do marido que tinha arranjado, adoeceu de tristeza. O que a segurou um pouco foi que Helena ainda era muito jovem e precisava dela. Mas ela perdeu o brilho, o sorriso e gosto pela vida. Antes de ela descobrir os “casos” do marido, ele ainda procurava aparentar uma vida regular no casamento. Mas depois, esqueceu que tinha uma esposa e uma filha. E foi isso que a matou. Quando eles casaram, ela era só uma jovem herdeira.

-- Pois é, mas me sinto constrangido diante da fortuna de Helena.

-- Bobagem, meu rapaz. Vocês se amam. É diferente. O noivo de Luiza não a amava, e isso, meu marido e eu a alertamos. Mas ela insistiu e nós só queríamos a felicidade dela, e permitimos o casamento. Mas vocês são apaixonados um pelo outro, e começou mesmo antes de saber que Helena era uma moça rica.

-- Nisso a senhora tem razão. Foi no trem, quando ela disse que tinha alguma coisa parecida com a Carolina, do livro A Moreninha, foi naquele instante que eu me apaixonei por sua neta.

-- Então está tudo resolvido. Vamos dar andamento a este casamento.

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O casamento de Helena e Gustavo foi o acontecimento da região. Foi uma linda festa com muitos convidados, e Clarissa veio para ser testemunha de seu querido sobrinho, também Francisca e Inácio seriam as testemunhas de Helena.

Os jardins da casa da família Morgados, na pequena vila Paraíso, foram o cenário da feliz união do jovem casal, que receberam os convidados com alegria, desde os trabalhadores da fazenda com suas famílias, até os vizinhos mais abastados da região.    

Dona Celina estava feliz. Sua neta era a noiva mais bonita que ela já tinha visto e tinha encontrado um homem bom e honesto para seu marido. Eles seriam muito felizes.

                                              Maria Ronety Canibal

                                                Maio de 2018.

                                                

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