terça-feira, 24 de março de 2020

TEUS OLHOS


                                            TEUS OLHOS

Maria Alice andava pela cidade e olhava as árvores, as flores, os prédios, cada detalhe de sua amada cidade, da qual ela ficara ausente mais de dez anos. Era um reencontro. Sentada no banco da praça ela sorria, enquanto se lembrava de cada tombo da bicicleta que ali levou. Algumas marcas ainda permaneciam em seus joelhos. Sua família morava em uma das casas que circundavam aquela praça. Sua casa não existia mais, foi substituída por um prédio de nove andares. Foi uma infância feliz...
Mas de repente tudo mudou, e a sua adolescência foi um período muito triste. Sua mãe havia morrido fazia alguns meses, quando seu pai foi mandado como adido militar junto à embaixada brasileira em Roma. E sua vida se transformou...

 Perdida em suas lembranças, surgiu a sua frente a imagem de um rapaz, que havia tocado seu coração. Ela tinha apenas treze anos, ainda uma menina, e ele dezesseis anos quando se viram pela última vez.
Lágrimas afloraram em seus olhos. Nunca mais tivera notícias dele. Mas ele ainda permanecia em seu coração, em seus sonhos de amor...
                                                         
                                                                       *****   *****

 O clube que ela e seus amigos frequentavam, fazia os melhores bailes de carnaval, da cidade. E Maria Alice decidiu ir ao baile, usando o seu Kaftan em tecido dourado e bordado com pedrarias, que seu pai havia comprado em Casablanca. Embora fosse um traje largo, as mulheres marroquinas o utilizavam com um cinto largo, do mesmo tecido, dando assim, evidência a silhueta feminina. As sandálias que ela usava, também eram douradas.
Aurora sua prima, estava casada com Dante, um velho amigo de infância. E era na companhia deles que Alice iria ao baile. O casal estava fantasiado de Arlequim e Colombina.
 Alice tinha os cabelos muito bonitos, na cor louro escuro com ondas soltas que dava volume e fazia um belo contorno ao rosto de feições delicadas, e realçavam seus olhos da cor de avelãs com um halo na tonalidade das esmeraldas.  
Ela usava com o traje marroquino uma joia feita com correntes de ouro e algumas pedras que era para ser colocada sob os olhos e apoiada nas orelhas fazendo o efeito de brincos. Era uma peça muito linda e completamente diferente. E com o rosto parcialmente coberto, ela estava irreconhecível.
Alice entrou no salão e todos os olhos se voltaram para ela, pois estava deslumbrante, e despertou a atenção e curiosidade sobre si. Ela queria permanecer na incógnita, tanto que havia pedido a Aurora que a deixasse só. Ela tinha suas razões para agir dessa forma, foi a sua justificativa a prima.
Havia no salão, muitas fantasias luxuosas, e mais tarde teria o desfile de fantasias, inclusive com premiação e Maria Alice foi convidada a participar. Mas ela recusou.
O objetivo de Maria Alice era reconhecer, sem ser reconhecida. E ela procurava ansiosa por um rosto masculino, que povoava sua memória. Porém não tinha certeza, se teria como reconhecê-lo depois de tantos anos. Mas confiava em seu coração...
Até que seu coração disparou ao olhar aquele homem alto e forte, com os cabelos escuros penteados para trás e usava um traje de gala, que a olhava com curiosidade.
Era ele! 
Só podia ser... 
Ela dirigiu seu olhar para as mãos dele, para saber se havia alguma aliança que indicasse algum compromisso. Nada! Maria Alice suspirou aliviada.
Agora ela poderia ir embora. Iria avisar sua prima e procurar sair discretamente, antes que aquele homem lhe dirigisse a palavra. Ela ainda não estava pronta. Eram muitas emoções...
 Conrado ficou fascinado por aqueles olhos, que fez vibrar todo o seu ser. Ele percebeu que ela estava se retirando, tentou alcançá-la, e já fora do salão ele a viu entrar em um carro preto, que se afastava.
Conrado decidiu que também iria embora.
E desse dia em diante, ele passou a procurar a mulher de olhar sedutor.
                                                    

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O pai de Maria Alice tinha comprado um apartamento para ela em Porto Alegre, pois sabia que ela queria se estabelecer como decoradora de interiores e com uma loja de artigos de decoração.
Seu Luiz, havia casado outra vez, e, mais uma vez estava viúvo, e como já estava velho, se sentindo doente, ele resolveu morar em um sitio na zona sul da cidade. Lá, ele tinha uma vida calma e era cuidado por um casal competente. Ele gostava de cachorros e montou um canil da raça Basset Hounds. E essa atividade o deixava feliz, pois ele amava esses cães tão especiais.
E  Maria Alice estava tranquila em relação ao pai. Ela estava muito atarefada com a inauguração da loja. Victório, um italiano especialista em artes, que veio para o Brasil por causa  dela, insistia em provar seu amor e  sua intenção era firmar compromisso, queria muito casar com ela. 
Porém Alice rechaçava toda e qualquer possibilidade. Para ela Victório era um bom amigo, embora ele fizesse de tudo para conquistá-la.
Eles haviam se conhecido em Roma, quando ela fazia um curso sobre artes e decoração. Victório se apaixonou assim que a viu. E já fazia cerca de três anos que ele seguia.

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Foi no dia 13 de setembro de 1963 que Maria Alice inaugurou sua Loja de Decoração Marroquina, na Avenida Independência, com um coquetel oferecido a uma clientela selecionada.
Ela vinha com uma proposta inovadora, pois no mezanino da loja eram oferecidos cursos de arte,  especialmente sobre artes  marroquina, enfim, era uma nova janela para as artes na cidade.
Ela era apaixonada pela cerâmica marroquina, por seu artesanato, tapetes, joias e vestimentas. E acompanhada por seu pai ela foi várias vezes ao Marrocos, onde visitou os mercados em Marrakesh, Casablanca, Rabat e Fez e  comprou muitos objetos.
Ela mesma pintava. Tinha feito um curso na Itália e o que Maria Alice mais gostava era ensinar  a arte marroquina.
Os dias corriam calmos, mas seu coração estava angustiado.
                                                    
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Logo que concluiu seu curso de Direito, Conrado abriu seu escritório, no centro da cidade e em pouco tempo tinha se tornado bem conhecido, não só por sua capacidade profissional, mas por seu perfil de homem conquistador, que atraia a atenção feminina em qualquer ambiente.
Ele era um homem bonito e charmoso, e arrogante. E mesmo assim havia muitas mulheres que o queriam, pois além de tudo o mais, ele tinha uma imensa fortuna de família.
Conrado ainda pensava na mulher dos olhos sedutores. Seu ser ansiava por ela. Uma coisa inexplicável acontecia. Ele havia virado a cidade do avesso a sua procura. Mas foi em vão. Ninguém soube dar uma informação sequer sobre ela.
E ele estava cansado desta vida de “Don Juan”... Queria encontrar a mulher de seus sonhos, a mulher marroquina.
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As festas na casa do Comendador eram as mais esperadas pela sociedade seleta  da região. E esta, em especial, despertava o interesse dos apreciadores de arte oriental, pois a coleção particular do Comendador estaria aberta aos convidados.
Conrado, com uma fortuna pessoal bem considerável,  era um apreciador de artes e sua coleção era bem eclética. Ele não gostava de festas, embora sempre fosse convidado, eram raras as que ele participava. Mas desta vez ele iria apenas poder conhecer a famosa coleção do Comendador.
O que se comentava era que, recentemente, havia se estabelecido na cidade um grande conhecedor de artes, um famoso avaliador italiano.
Victório havia sido contratado para organizar e avaliar as peças, e apenas parte da coleção seria mostrada. As peças mais valiosas ficariam em uma sala reservada, e só um dos presentes teria o privilégio de conhecer a coleção completa.
A casa do Comendador era uma mansão localizada em um vasto terreno no bairro Moinhos de Vento. Ele tinha contratado seguranças para essa noite em especial.

Alice se vestiu com requinte. Escolheu um vestido verde claro que realçava seus olhos, Era um modelo simples em renda, na linha tubinho, com decote canoa. Deixou seus cabelos soltos caídos até altura dos ombros. Preferiu como adorno um conjunto de colar e brincos em ouro trabalhado. Ela estava elegante e discreta.
Victório estava acompanhado de  Alice, e enquanto ele acertava os últimos detalhes, ela ficou parada perto da porta de acesso ao escritório do Comendador. Dali ela tinha uma visão ampla dos convidados chegando, pois estava há alguns degraus acima.
O grupo de convidados era pequeno, cerca de setenta pessoas. A maioria já havia chegado e os garçons estavam servindo vinho e canapés.
Uma bela mulher que entrava neste instante chamou a atenção de  Alice, ela devia ser alguma artista de televisão, pois era muito bonita e estava vestida com ousadia. E quando seu acompanhante entrou  no recinto, ela tremeu. Era ele!  O homem que tinha atraído seu olhar no baile de carnaval. Será que aquele homem era o seu namoradinho de adolescência? Ela só sabia o seu apelido,  pois todos o chamavam de Dado.
A festa se desenrolava com alegria. Os convidados eram bem entrosados e conversavam animadamente. O Comendador anunciou que as peças seriam apresentadas por um especialista.
E  Maria Alice se afastou de Victório e ficou perto da parede, de onde avistava caixa de vidro que protegia as peças numeradas. Conrado estava parado junto à parede do outro lado e a olhava daquele jeito perturbador.
 Céus! Aqueles olhos o perturbavam tanto, traziam lembranças em seu coração... De repente sua mente limpou e Conrado se lembrou dos olhos  de sua querida Ali, como era chamada na infância. Sua namoradinha que tinha ido embora. Era ela! Ele tinha certeza, não haveria no mundo dois olhos com detalhes tão iguais.
Ela era a mesma moça do baile de carnaval. 
Claro que era ela! 
Só agora ele a reconheceu...  Ele a tinha encontrado...
Seu coração batia fora do compasso. Parecia até um adolescente diante da primeira namorada, e na verdade era como ele se sentia naquele momento. Conrado voltou a sua juventude, quando as tardes, na praça em frente a sua casa, ele a via andando de bicicleta, com suas tranças balançando nas curvas que ela fazia rapidamente.
Ele ia esperar, precisava falar com ela.
Foi quando Laila se aproximou dele pedindo para irem embora. Aquela festa estava muito chata. E ele a mandou para casa sem cerimônia.. Deu dinheiro para o táxi e a dispensou.

O Comendador tinha interesse  em mostrar as  peças para Conrado. Era um acerto que eles precisavam fazer, em nome de uma divida de jogo.
Conrado não tinha o hábito de jogar, ao contrário do Comendador que era um jogador inveterado, e parte se sua fortuna já estava comprometida, e cabia a Conrado, como advogado acertar as contas de seus clientes.
Foi o próprio Comendador que o levou para uma sala separada, aonde em uma das paredes havia uma estante com portas de vidros e ali estava a coleção completa, agora ordenada e catalogada por idade e origem.
Victório e Maria Alice se aproximaram  do Comendador  que os apresentou a Conrado, e eles se cumprimentaram como se não se conhecessem.  Alice agia com naturalidade conversando informalmente com ele, e discorreu com uma riqueza de  detalhes, sobre cada uma das peças ali expostas.
Conrado ficou impressionado com o conhecimento dela, e perguntou se ela era avaliadora, e ela teve que confessar que ela conhecia o valor de cada peça, mas não estava apta para certificá-las como avaliadora. E como era um processo judicial de cobrança, a pessoa certa era Victório.
Conrado percebeu que os dois estavam juntos e pelo modo como falavam eles eram muito íntimos. Ficou cheio de ciúmes. Mas era necessário se aproximar para descobrir qual era a relação entre ela e o avaliador.
Alice estava nervosa, e estava ciente de que ele a tinha reconhecido, pois seu jeito de olhar para ela, agora estava diferente. Ela não sabia explicar, mas os olhos de Conrado queriam comunicar algo mais.
Os demais convidados estavam se retirando e ela ficou sem saber onde ficar, pois o assunto entre Victório e Conrado era reservado por ser assunto de negócios.
Ela foi para a sala e sentada no imenso sofá ficou pensando em Conrado. Ele estava lindo demais, fazia um tipo sedutor e descomprometido, mas estava sempre sendo perseguido pelas mais belas mulheres...
Que chance ela teria? Não tinha experiência nenhuma para competir com aquelas beldades.  Ela aos 24 anos nunca tinha tido um namorado. Nunca nenhum homem fez seu coração pulsar forte. Ela sempre sonhou com o Dado, sempre foi ele, apenas ele.

Ela era independente, morava sozinha, tinha suas convicções, mas apesar de estar vivendo na década de 1960, que prometia muitas mudanças em relação à ,liberdade feminina, a sociedade era ainda muito conservadora. E no prédio em que morava, ela já era vista com uma mulher vulnerável. Muitas de suas vizinhas não a cumprimentavam. Isso que era um prédio de gabarito, feito para pessoas da classe alta.
E muitos boatos circulavam sobre ela. Hoje, nesta recepção ela pode sentir o quanto ela era mal vista. Ela iria enfrentar muitos dissabores, disso ela estava certa.
Victório queria casar com ela porque já havia percebido o quanto a sociedade aqui do outro lado mundo, ainda era reservada. Na Europa já havia sensíveis mudanças. O após-guerra criou um novo paradigma.
Mas na verdade , Alice havia recebido de seu pai uma educação tradicional e bastante rígida. Logo que chegou a Roma, ela ficou interna em uma escola de freiras por dois anos, e só nas férias que era liberada para sair; isso devido ao trabalho do pai, que precisava viajar constantemente.
 Maria Alice  sempre foi muito só, ela atravessou sua mocidade sem a mãe, da qual ela ainda sentia muita falta. Seu pai era ótimo, mas era homem. Com Adriana a segunda mulher de seu pai, ela tinha conseguido ter uma amiga, elas mantiveram um bom entendimento e houve entre elas uma amizade sincera; mas a Adriana após um acidente automobilístico, não resistiu e faleceu precocemente. 
E mais uma vez  Maria Alice e seu pai ficaram sós. 
Apenas os dois!
                                                            
                                                                         *****   *****

Victório tinha recebido uma proposta de trabalho muito atraente, e  como ele sabia que  Alice não o amava, decidiu aceitar  o trabalho e tentar esquecer a sua amada. Voltou para Itália.
Maria Alice passava os dias na loja, e aos fins de semana dava total atenção ao seu pai, que estava a cada dia mais fraco, embora não tivesse nenhuma doença.
Conrado, que não conseguia tirar Ali de seu pensamento, resolveu ir procurá-la na loja, com a desculpa de que queria aprimorar a decoração de seu escritório. Maria Alice aceitou o trabalho e eles passaram a se ver com freqüência.
Ela tinha feito um projeto muito simples, aproveitando os móveis que ele já tinha e incluindo algumas peças em estilo marroquino, para complementar o ambiente. E o escritório de Conrado ficou  agradável e requintado. E com isso ela ficou conhecida e obteve muitos outros clientes.
Mas neste período Conrado fez de tudo para estar perto dela o maior tempo possível. Ele a convidou para jantar inúmeras vezes. Porém ele não conseguia derrubar a barreira que havia entre eles. A sua Ali estava muito distante, dizia a si mesmo.
Ela era educada e gentil, mas não permitia que a conversa saísse do âmbito do trabalho. E isso o deixou perplexo. Onde estava aquela garota alegre e divertida que ele conheceu? Por que ela agia de modo tão insensível com ele? E ele estava completamente apaixonado por ela, sofria com a indiferença dela, e se propôs a conquistá-la.
Conrado que estava acostumado ter as mais belas mulheres aos seus pés, não entendia o que estava acontecendo. Ela era tudo o que ele queria. Uma mulher linda e recatada.
 Alice havia se decepcionado com Conrado. Em seu coração tinha ficado o jeito  do jovem Dado, que era simples, alegre e arrojado; que tinha se tornado um homem bonito e elegante, mas muito pernóstico e vaidoso.
Enquanto o trabalho estava em andamento Maria Alice aceitou os convites dele para jantar, mas agora não havia mais razão para isso e ela passou a recusar os convites.
                                                     
                                                                          *****   *****

Maria Alice resolveu ir morar no sitio com o pai, pois seu pai precisava estar com ela e só os fins de semana não bastavam. Ela fechou o apartamento e foi definitivamente morar com o pai.
Ela tinha uma boa funcionaria na loja, e não havia mais necessidade da presença diária dela na loja. Ela só ia quando havia clientes  que solicitavam projetos de decoração.
O tempo passava, mas no coração de  Alice, ainda era Conrado quem reinava. Ela não queria, mas seu coração insistia nele. E sua razão discordava de sua emoção. E dessa maneira  Alice vivia sempre muito triste. Embora Conrado tivesse se tornado um homem arrogante, era por ele que seu coração almejava, era para ele que seu pensamento corria.

Conrado a queria. E por isso não deixava de telefonar e convidá-la para sair. Ela acabou cedendo aos anseios de seu coração, e eles começaram a namorar. Maria Alice mudou, agora estava feliz e até voltou a trabalhar. Era uma nova pessoa.
Foi nesse período de alegria que uma tristeza imensa se abateu sobre ela. A morte de seu pai. E Conrado foi o seu consolo. Maria Alice se entregou por inteiro  ao amor. Com o carinho e a dedicação de Conrado ela superou a dor da perda do pai.
Foi um período muito especial!
Conrado a levou para viajar e essa mudança de ambiente devolveu a Maria Alice a alegria, e o amor que os unia florescia. Eles estavam felizes, e vivam em plena harmonia; pois o que havia entre eles era um amor puro, sincero e abnegado.
Conrado queria casar.
Ele sabia que a sociedade ainda era muito conservadora e  era preciso que o nome de sua amada não fosse atirado ao vento. Ele estava encaminhado os papeis, e agora que já havia passado o período de luto, poderiam até dar uma festa.
Conrado precisou viajar e ficou fora, cerca de quinze dias. Ele estava com muitas saudades de Alice  e ao chegar, do aeroporto ele foi direto para o sitio. Queria fazer uma surpresa, mas foi Maria Alice que o surpreendeu com uma novidade totalmente inesperada.
Ela viu o carro cruzar o portão principal e seu coração disparou. Cada vez que via Conrado era a mesma coisa, seu coração pulsava forte. Ela o esperou com um sorriso no alpendre da casa.
Conrado também, se sentia com um adolescente toda vez que a via. E foi ligeiro abraçá-la:
-- Que saudades minha querida. Não suporto mais ficar distante de ti...
-- Eu também... Como foi? Tudo certo?
-- Sim. Correu tudo bem. E as novidades por aqui?
-- Eu tenho uma novidade... Venha vamos para sala, aqui tem muito vento.
Eles sentaram lado a lado no sofá, com as mãos entrelaçadas, e Maria Alice começou a falar:
-- Meu amor! Aconteceu uma coisa maravilhosa... Acho que tu vais ficar tão feliz quanto eu estou.
-- Se tu estás feliz, eu estou também... Mas me diga o que sucedeu.
-- Eu estou grávida!
-- GRAVIDA???
-- Sim! Não é magnífico?
-- Maria Alice, eu não posso ter filhos!.. Essa criança não é minha...
-- Como? Estás insinuando que eu te traí? Como te atreves?
-- Eu tenho um problema, eu caí da bicicleta quando ainda era pequeno e naquela ocasião o médico disse aos meus pais que eu jamais poderia gerar uma criança. Então esse filho não é meu.
-- Tu bem sabes que eu  jamais iria te trair. Eu que me guardei inteiramente para ti, tu bem sabes que eu era virgem, totalmente virgem, pois nunca tinha sido nem beijada... Tu és o único homem de minha vida e tu tens a coragem de me dizer isso. Vá embora! Some da minha vida! Mas vá consultar um médico para tirar as tuas duvidas... Só para ti ter a certeza de que nunca eu te traí. Mas nunca mais me procura. Esquece que eu existo e que carrego dentro de mim uma parte de ti. Por que essa criança será somente minha. E agora vá embora.
Conrado estava chocado com tudo o que Maria Alice havia dito. Ele estava sem ação. Ele a amava profundamente, mas tinha consciência de que ele não tinha capacidade para gerar um filho.
Como ele não se mexeu,  Alice se retirou da sala, o deixando sozinho. Trancou-se no quarto e lá tomou a decisão que iria transformar sua vida.
Conrado depois de algum tempo foi embora. Cabisbaixo e desiludido ele foi embora. Com dificuldade conseguiu dirigir até sua casa. Ele não conseguia absorver os fatos.
A sua Ali, ela não!... Era ela a mulher de sua vida! Não! Era o grito de seu coração. Conrado ainda não tinha assimilado, seu cérebro estava bloqueado. Como ela teve a coragem de dizer para ele que estava esperando um filho dele? A sua Ali tão linda, tão carinhosa, tão amorosa...
E ao chegar em casa ele chorou... Chorou como nunca tinha chorado. Seu coração estava despedaçado, sua razão estava rebelada. Ele que estava com tudo pronto para casar com ela...
Não! Isso não estava acontecendo. Era um pesadelo e logo ele ira acordar....

No dia seguinte Maria Alice não perdeu tempo. Com a decisão tomada, foi logo tomando as providências para realizar seus planos. Foi até a loja e ofereceu a Marta, sua gerente, a  possibilidade de comprar a loja com pagamentos a longo prazo. Ela tinha urgência em vender  porque iria morar em Portugal, foi a sua justificativa para a venda. E Marta aceitou a proposta de sua amiga, pois seu sonho era aquela loja.
Bem, essa questão estava resolvida, era só procurar seu advogado para ele fazer o contrato. Também deixaria para o dr. Guimarães o encargo de alugar seu apartamento totalmente mobiliado.
Ainda faltava conversar com Vanda, a antiga enfermeira de sua mãe. Ela era uma boa pessoa, sempre foi dedicada a sua família. Alice queria convidá-la para ir com ela, precisava  de alguém de confiança e com conhecimentos,  ao seu lado, pois estava grávida e tinha receio de enfrentar tudo sozinha.
Por fim conversou com o Júlio e a Sonia, seus caseiros do sitio. E contou que ela e Conrado haviam brigado, e que ela ira embora para um lugar distante. Pois não queria mais ter possibilidade de encontrar com ele.
O casal ficou surpreso e triste. Eles já estavam acostumados e ver os dois sempre tão felizes e tão companheiros por ali. Imaginavam até que eles iriam morar no sitio.
 Alice ainda não tinha decidido o que faria com o sitio. Ela amava aquele lugar, tinha muitas lembranças de seu pai, e os cães ainda povoavam os gramados, eles eram a herança querida do pai. Ela tinha recursos para manter o sitio, mas tinha medo que isso pudesse indicar que ela estava por perto.
Maria Alice tinha uma fortuna considerável herdada de sua mãe. Eram muitas ações, 40% com direito a participação nos lucros em cada uma das três empresas de sua família materna. Ela também estava recebendo a pensão, da qual ela tinha direito, por seu pai ter sido militar graduado. Portanto ela somava uma renda anual bastante significativa e contava ainda com alguns alugueis. Dinheiro não era a sua preocupação.
A preocupação de Maria Alice era não deixar rastros. Não queria ser encontrada por Conrado. Queria encerrar esse capitulo de sua vida. Ela estava sofrendo muito, mas não podia se deixar abater, por isso estava com pressa em sumir. Ela o amava com loucura, porém ele não soube proteger esse amor. Quando ele insinuou traição, ela se fechou para ele. Ela não concebia que ele duvidasse dela, de seu amor, de sua sinceridade.
 Maria Alice ainda não tinha tido tempo para chorar...
Na semana seguinte ela arrumou suas coisas e foi embora...
                                                           
                                                                  *****   *****

Conrado estava deprimido, não conseguia nem se concentrar em trabalho. As palavras de Maria Alice não saiam de seu pensamento: “Vai procurar um médico...” “Some da minha vida!...”
Ele precisava fazer alguma coisa. Já passara mais de mês, e Conrado não falara mais com Maria Alice, e sentia muita falta dela. Então resolveu procurar um médico, pois não podia conviver com essa dúvida. Ele foi informado, quando ainda era adolescente de que não poderia ter filhos, e Maria Alice dizia que a criança era dele. Ele estava a ponto de enlouquecer.
Conrado foi ao urologista mais conceituado da cidade, que o examinou e determinou uma serie de exames, para avaliar a sua capacidade de gerar filhos. E depois de uns dias a verdade foi revelada. Ele era um homem fértil.
Esse resultado revolucionou a vida de Conrado. 
Ele estava feliz, enfim podia constatar a fidelidade de sua querida amada. Ele precisava pedir perdão... Mas ele não se sentia culpado, afinal, ele havia sido informado, por um médico, de sua infertilidade, quando ainda era muito jovem. Mas eles iriam superar. O casamento seria em breve e juntos teriam a alegria de esperar pela criança. Conrado estava eufórico com a perspectiva de ser pai, pois era algo com que nunca sonhara, era uma novidade em sua vida.
Conrado saiu do consultório e foi direto para o sitio, precisa urgentemente estar com Alice. Mas quando chegou achou tudo diferente. A porteira trancada... Buzinou e o Júlio apareceu. E ele falou:
-- Olá! Eu preciso falar com Maria Alice.
-- Ela não está mais aqui. Foi embora.
-- Como assim, foi embora?
-- Ela foi embora, não disse para onde e nem quando volta. Disse para nós continuar cuidando de tudo por aqui, e que mensalmente nós receberíamos dinheiro para a manutenção do sitio e o nosso salário, através do dr. Guimarães. Só isso.
-- E já faz muitos dias?
-- Sim, acho que um mês.
-- Obrigado. Se vocês precisarem de alguma coisa podem me procurar.
-- Sim senhor. Obrigado.
Conrado saiu dali desesperado. Para aonde ela teria ido? Mas ele iria conversar com o Guimarães, talvez ele soubesse onde ela estava. Porém foi inútil, ele também não sabia. Conrado foi até a loja conversar com a Marta, e lá ficou sabendo que Maria Alice tinha vendido a loja, e Marta lembrou de que ela tinha dito que iria para Portugal. Céus! Como ele a encontraria? Então decidiu contratar um detetive.
                                                           
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Maria Alice escolheu para ficar, um lugar lindo, na serra gaúcha, no interior de Bento Gonçalves, uma localidade denominada Monte Belo. Comprou uma pequena propriedade que contava com uma casa confortável e um vinhedo abandonado.
A casa precisava de algumas melhorias e  Alice logo providenciou, pois queria que tudo estivesse pronto quando a criança nascesse. Ela carregava em seu peito uma imensa tristeza, mas Vanda era uma boa companhia e a ajudava a não pensar em Conrado, e com muitas histórias e sempre inventando algo para elas fazerem. Os dias passavam, mas a dor não abrandava.
Vanda era viúva e já tinha sofrido muito na vida e entendia perfeitamente tudo o que Alice estava sentindo. Por isso sempre procurava animá-la e incentivá-la a deixar o passado para trás.
Maria Alice contratou um vinicultor para cuidar da vinha. Ela queria restabelecer a propriedade e ter lucros, pois havia decidido constituir moradia permanente naquele local tão aprazível.
Vanda cuidava de Maria Alice com carinho, e quando soube pelo médico que eram duas crianças, intensificou os cuidados. E Maria Alice agora se dedicava a fazer o enxoval duplo para os bebês.
Era quase fim de novembro quando duas lindas meninas vieram alegrar a vida de Maria Alice, e receberam os nomes de: Isabela e Isadora. As filhas cresciam saudáveis e cada dia elas ficavam mais parecidas com o pai.
A vida corria e as filhas eram a motivação principal para Maria Alice, que ainda guardava em seu coração uma mágoa profunda de Conrado.
                                                       
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Passados dois anos, Maria Alice começou a produzir seu próprio vinho. O vinhedo estava recuperado e produzindo excelentes uvas, e ela criou a sua própria marca, “Vinhos Beladora”  nome composto a partir do nome de suas filhas.
Maria Alice tinha necessidade de se concentrar no trabalho para não se lembrar de Conrado, que ainda ocupava seu coração. Ela pesquisou, estudou e adquiriu conhecimento sobre o cultivo de videiras e da produção do vinho. E essa dedicação intensa fez com tudo prosperasse rapidamente. Nesse período ela contratou Bruno, um enólogo, para ajudar a elaborar o vinho com precisão.
 E um novo vinho artesanal foi lançado no mercado e logo foi um sucesso.
Apesar de na cidade haver grandes e famosas vinícolas, ela não se intimidava, pois sabia que seu vinho era muito bom. 
Estava sendo organizada, na cidade, a Feira Nacional do Vinho, e a Cantina Beladora tinha sido convidada a participar.
Maria Alice ficou muito contente com a oportunidade de promover seu produto, além de efetuar boas vendas. Ela mesma estaria presente, no stand, para divulgar a sua Cantina.
Ela contratou uma equipe para o serviço e se vestiu com esmero para a ocasião. Queria estar bonita. Ela usava um vestido tubinho, num modelo de verão, com estampas geométricas em cores alegres e vibrantes. Ela estava muito elegante, prendeu o cabelo em um coque baixo e usava brincos de pérolas. Fez uma maquiagem suave. Antes de deixar o seu quarto no hotel, ela olhou-se no espelho e gostou do que viu, era isso mesmo que ela queria. Estar bem vestida, com aspecto jovial e bastante atraente. Só não sabia a razão de tudo isso. Mas saiu do quarto sentindo-se bem satisfeita.

No seu stand, no parque da Fenavinho, ela criou um ambiente que lembrava uma adega, e colocou cadeiras confortáveis para os convidados se sentirem à vontade, enquanto degustavam o vinho, acompanhado de queijos produzidos na região.
Ainda era cedo, e Maria Alice depois de inspecionar tudo, ficou observando as pessoas chegarem. De repente Conrado estava em seu pensamento, já fazia mais de três anos que eles haviam se separado, e nunca mais tivera noticias dele. Como gostaria de poder compartilhar com ele momentos como esse... Vanda era ótima amiga, cuidava  das crianças com amor. Elas partilharam muitas coisas juntas, mas Conrado fazia muita falta em sua vida. Ela pensava, que se por acaso o encontrasse, o que faria? Ela não sabia qual seria a sua reação...
As pessoas se aproximavam e ela precisava voltar à realidade. Com muita simpatia ela recebia os visitantes em sua adega. Falava sobre as qualidades do seu vinho e vendia.
Era um dia de sábado do mês de fevereiro e havia bastantes visitantes, o que surpreendeu e animou a todos os expositores. No dia seguinte seria a inauguração, com a presença do Presidente da Republica, e era previsto uma afluência grande de pessoas.
                                                               
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Conrado havia recebido aquele convite há alguns dias. Ângelo, seu antigo colega de aula, que fazia tempo que não via, o havia convidado para participar de um evento em sua cidade.
Na ultima hora ele decidiu comparecer, não tinha nada para fazer mesmo. Encontrar com seu velho amigo seria ótimo. Ligou para o hotel da cidade e fez uma reserva.  Arrumou algumas roupas em uma valise e saiu.
Estava um dia próprio de verão. Muito sol e calor. Ele dirigia apreciando a paisagem, ia sem pressa. Por mais que tentasse evitar, Maria Alice aparecia em seu pensamento.  Ele não gostava desses pensamentos, por que sempre o deixavam triste. Mas lá estava ela, em seu pensamento, linda e olhando para com aqueles olhos sedutores.
Conrado parou o carro no acostamento da estrada. Caminhou um pouco e dissipou o pensamento. Então voltou ao volante e tomou a estrada. Agora ia cantando... Chegou à cidade e foi direto ao hotel. Queria garantir a sua reserva. O hotel estava bem movimentado. Parecia que o tal evento havia mexido com toda a região.
Logo que chegou ao local, Conrado encontrou com Ângelo. Seu amigo ficou muito contente por vê-lo e, sobretudo por ele ter aceitado vir participar do evento. Ângelo faria uma palestra, e o levou para o pequeno auditório. Quando a palestra de Ângelo terminou,  Conrado sinalizou para o amigo que iria circular, enquanto ele respondia as perguntas da plateia.
Conrado andava olhando tudo com atenção. Estava gostando de estar ali. Um nome chamou sua atenção e ele se dirigiu para aquele stand  que mais parecia uma adega.
Foi convidado a entrar e sentar para degustar o vinho. Ele estava sendo atendido com muita atenção. Então tudo parou. Conrado escutou a voz melodiosa de Maria Alice as suas costas. Ele virou-se discretamente e ficou a observando enquanto ela conversava com um grupo de pessoas. E pelo o que ele escutou, ela era a dona da Cantina. Céus! Ela esteve o tempo inteiro ali, e ele a procurando  pelo mundo inteiro.
Ele estava sem saber como agir. Precisava de toda a sua capacidade de autocontrole, pois sua vontade era cobri-la de beijos. Ela tinha se tornado uma mulher muito bonita, tinha perdido o jeito de jovem, e agora era uma mulher muito provocante... A maternidade tinha feito muito bem a ela.
Conrado resolveu ficar ali degustando o vinho e os queijos. Depois que ela se livrasse daquela gente ele se aproximaria dela. E veio em seu pensamento a criança, o filho ou filha dele que ele não conhecia... E isso o deixou nervoso. Como ela reagiria diante dele? Que não deu assistência nenhuma a ela? Será que haveria futuro para eles? Ele a conhecia muito bem, ela era teimosa e orgulhosa, dois “predicados” complicados. E será que havia outro homem em sua vida! Isso não! Ela o amava... Será?

As pessoas se retiram e Conrado se levantou e foi até ela, que estava de costas para ele, e num sussurro disse ao ouvido dela:
-- Enfim te encontrei...
Maria Alice teve um sobressalto e rapidamente virou-se e estava pálida, e falou:
-- Conrado!
Ele a olhou com amor, com saudade, com arrependimento e disse:
-- Sim, por obra do destino, eu estou aqui diante de ti. Posso te dar um abraço?
-- Sim...
Conrado a abraçou com carinho e deu um beijo em sua face e afastou-se, mas sem tirar os olhos dela, que também o olhava com intensidade. Ambos estavam emocionados e não sabiam o que falar. Era evidente o nervosismo deles. Mas ele superou e segurando as mãos dela continuou:
-- Ah... Eu tenho sonhado tanto com esse momento... Estar assim contigo. Como estás linda!
-- obrigada. É bom te ver de novo.
-- Eu preciso muito conversar contigo. -- continuou ele -- Sei que aqui não é o lugar apropriado, mas se tu permitires, eu vou ficar aqui te esperando, até terminares o teu trabalho. Só vou ficar te olhando, prometo. Depois vamos jantar...
-- Está bem. Não posso me furtar a essa conversa. Queres mais vinho?
-- Não, preciso estar sóbrio...
Maria Alice esboçou um sorriso e foi atender os visitantes que chegavam. Conrado agora interessado pegou um folder para ler. A história era simples, ela chegara à região e recuperar um vinhedo abandonado, e começou a produzir um excelente vinho. O que não constava no folder era que ela tinha ido a fundo, estudado sobre as probabilidades de sucesso, coisa que Conrado sabia que era o seu jeito de ser. Sempre, desde pequena ela indagava sobre tudo, tinha muita curiosidade e inteligência. Ele jamais poderia imaginar essa possibilidade.
Já era tarde quando eles deixaram o parque. Como estavam hospedados no mesmo hotel, resolveram jantar lá mesmo. O restaurante era simples, mas bem conceituado.
Quando eles entraram no restaurante, todos os olhos se voltaram para ela, que apesar de ter trabalhado bastante durante o dia, ela continuava impecável. Conrado se encheu de orgulho. Aquela mulher era demais,  sempre o surpreendia.
A mesa que o garçom ofereceu era num canto salão próxima a janela. Ali era o lugar perfeito. Fizeram o pedido e conversaram sobre a região, sobre o evento. Conrado sabia que seria uma conversa difícil, então ficaria   para ser adoçada pela sobremesa.
Mas quando ele tentou iniciar o assunto, Maria Alice disse:
-- Sei que temos muita coisa para conversar, mas não aqui. Acho que deve ser uma conversa privada. Eu estou numa suíte com uma saleta. Ali será o lugar ideal.
-- Está bem.
Eles entraram na suíte e Maria Alice pediu:
-- Por favor, sem rodeios. Sei que a nossa conversa será penosa, mas devemos enfrentá-la, pode começar...
Ela sentou-se em uma das poltronas. Conrado continuava em pé, e falou:
--Depois daquela nossa discussão, eu fiquei atordoado, não conseguia nem trabalhar. Tuas palavras ecoavam em minha memória. E decidi ir ao médico para tirar qualquer duvida. Fiz vários exames e os resultados revelaram que eu sou um homem fértil. Portanto a criança  é nossa. Eu preciso te pedir perdão por ter sido tão rude contigo, mas também peço que entendas que eu estava convencido desde a minha juventude de que era estéril.
-- Entendo...
-- E desde que eu soube do resultado dos exames fiquei desesperado para te contar, para nós voltarmos a estar juntos, porque doía muito, dói muito estar distante de ti. E eu não te achei. Tu não consegues imaginar a dor que se abateu sobre mim... A noticia que Marta me deu foi de que tu tinhas ido para Portugal. Contratei detetives para te procurarem na Europa, e tu estavas todo tempo aqui... Estou muito alegre por te encontrar tão bem, bonita e realizando um excelente trabalho. Tu sempre foste uma pessoa forte...
-- Obrigada!
-- E eu sou pai e um menino ou de uma menina?
-- São duas meninas.
-- Gêmeas!
-- Isabela e Isadora.
-- Estão registradas?
-- Sim. Como minhas filhas e de pai desconhecido.
-- Pai desconhecido?
-- O que tu querias que eu fizesse? Eu fui sincera...
-- Eu vou resolver isso. Vou assumir a paternidade delas. De agora em diante podes contar comigo.
-- Está bem. Assim fica melhor para elas, quando tiverem que ir para escola.
-- Como tu fizeste para suportar a gravidez e o parto sozinha? Isso me afligia muito. Como eu queria estar perto de ti...
-- Mas não estavas, e eu trouxe Vanda comigo, que é enfermeira. Ela se tornou uma grande amiga. Ela me ajuda com as meninas. Confio muito nela. Ela nunca me julgou, simplesmente decidiu me ajudar. Claro que ela recebe um bom salário, mas independente disso, outra pessoa não seria tão amiga e tão leal.
-- Que bom. Quando posso conhecer as minhas filhas?
-- Vamos deixar para semana que vem. Eu estou comprometida com a feira.
-- E quanto a nós?
-- Nós? Eu não sei... Talvez não exista mais o ”nós”. Eu sofri muito, ainda estou muito machucada e não sei se quero voltar. Não vou te impedir de se aproximar das meninas, até porque acho que elas precisam do pai, mas quanto a mim, não alimente esperanças.
-- Eu errei, eu reconheço. Fui estúpido contigo... Magoamo-nos mutuamente, mas merecemos um recomeço, por nossas filhas.
-- Talvez... Mas eu ainda não estou pronta. Ainda guardo uma grande amargura dentro de mim.
-- Eu espero o tempo que tu precisares. Eu te amo mais que tudo na vida. Eu te quero compartilhando a vida comigo.
-- Não posso te dar esperanças. Meu coração está fechado...
-- Amanhã podemos passar o dia juntos, isto é, eu posso ficar na adega, até posso te ajudar...
-- Esta bem. Mas não via encontrar com teu amigo?
--Sim, mas não vou permanecer com o tempo inteiro... Tchau.
--Até amanhã.
-- Qualquer coisa tu bate na parede, estou no quarto ao lado...
-- Mesmo?
Ele despediu-se dela com um beijo na bochecha e foi para seu quarto. Será que conseguiria dormir?
                                                        
                                                                           *****   *****

Depois que ele saiu de sua suíte, Maria Alice ficou pensando se não tinha sido complacente demais com ele. Ela sempre imaginou que o encontro entre eles seria mais tenso, mais desgastante... Ela tinha prometido a si mesma em ser dura e inflexível, mas não conseguiu.
Ela sabia que as filhas precisavam conhecer o pai, e conviver com ele, e não seria egoísta a esse ponto. E embora ela tenha se emocionado com a presença dele, ela não o queria mais, não devia querê-lo. Sabia que ainda o amava e sua maior vontade era se atirar nos braços dele.
Domingo à noite Conrado voltou para Porto Alegre. Ele tinha compromisso na segunda feira na primeira hora. Mas ele iria cancelar todos os compromissos a partir de quarta feira. Iria  conhecer suas filhas e também se dedicar a regularização da filiação das meninas.
Conforme haviam combinado Conrado e Alice encontraram-se no local determinado e ela o levou para conhecer as meninas, que aguardavam no hotel com Vanda.
Quando Conrado viu as meninas ele se emocionou, elas eram parecidíssimas com ele. Não havia como negar a paternidade. Céus! Que emoção! E seu coração transbordou de amor por aquelas criaturinhas.
Vanda saiu discretamente, também estava emocionada com a cena. Pois, quando ele sentou-se no chão para abraçá-las as duas correram para ele, e o abraçaram... Uma coisa incrível!
Alice estava sentada na cama e chorava ao ver as filhas reunidas com o pai. Isso era um sonho que sempre acalentou. E olhar Conrado ali com suas filhas, rindo, chorando, e acariciando cada uma delas, era demais... Não tinha como segurar o choro. E logo as meninas o estavam chamando de papai, a pedido dele.
Depois de um tempo, Conrado levantou-se e as pegou no colo, e com cada uma pendurada em seu pescoço ele olhou para Alice e disse:
-- Obrigada!
-- Não tem o que agradecer. É meu dever proporcionar as minhas filhas a oportunidade de estar com o pai.
-- Elas são lindas, me apaixonei por elas. Quem é Isabela? E Isadora? Como vou distinguir?
-- Aprende... Repara a Isabela é um pouco maior e mais gordinha, é a mais velha, e o cabelo mais volumoso.
-- Sim, quando estão juntas dá para notar, e quando estão sozinhas?
-- Isadora tem um  pequeno sinal no pescoço. Assim com eu tenho. Olha...
-- Eu sei que tu tens esse sinal. Agora está fácil. Trouxe as certidões?
-- Sim.
-- Desculpe, mas eu preciso falar...
-- Falar o quê?
-- Eu vou retificar a certidão delas, mas ainda vai constar que não somos casados. Não queres regularizar isso também?
Alice deu um meio sorriso e respondeu:
-- Vamos por etapas...
-- Está bem, mas eu precisava saber.
Conrado saiu dali e foi direto ao cartório retificar a certidão de nascimento das meninas. Alice foi com ele para confirmar a alteração. Depois da tarefa cumprida Conrado voltou-se para ela e disse:
-- Eu só preciso estar no escritório segunda feira à tarde. Posso ficar com minhas filhas?
-- Aqui no hotel? Não, vamos para casa. Eu já preparei um quarto para ti.
-- Obrigada. Vamos...
Conrado ficou maravilhado com o local onde Alice morava. Era uma bela propriedade e tinha uma vista deslumbrante. A casa era muito boa, muito confortável e com muito espaço.
Alice percebeu pelo a expressão dele que ele tinha aprovado tudo. Ela o conhecia e sabia como era exigente, mas aquele lugar deixava as pessoas deslumbradas. Era um lugar perfeito.
Estava uma tarde de verão muito agradável e ela pediu para o lanche  ser servido no jardim, onde havia um caramanchão. As meninas corriam alegres pelo gramado e Conrado as observava encantado.
Os dias passavam e Conrado passou a ir todos os fins de semana ver suas filhas. As meninas adoravam o pai e era uma festa toda a vez que ele chegava; que sempre trazia um presente para elas. Alice já tinha pedido para ele não mimar demais as meninas.
                                                   
                                                                               *****   *****

Bruno era um homem agradável e simpático. Tinha maneiras educadas e uma boa conversa. Já tinha viajado para alguns lugares do mundo, inclusive a Itália; e por isso sempre tinha sempre muito assunto com Alice.
Ele ia rotineiramente à cantina para fazer o seu trabalho, e a presença de Conrado aos fins de semana o deixava curioso e um tanto preocupado, pois ele tinha intenção de pedir Alice em namoro.
Conrado também não gostava de ver Bruno de conversa com Alice, e sempre que estava por perto, dava um jeito de desviar a atenção de Alice para ele. Decididamente os dois não se toleravam.
Era uma sexta feira, e após o jantar, Conrado foi para a sala para contar histórias para as filhas, que acabaram dormindo em seus braços. Uma de cada lado. E ele não queria levantar para não acordá-las. E ficou ali esperando...
Na cozinha estavam Vanda e Alice conversando, e de onde Conrado estava ele escutava perfeitamente a conversa delas. E prestou atenção ao que elas falavam:
-- Eu tenho observado, disse Vanda, que o Bruno está de olho comprido pra ti.
-- É eu sei... Hoje mesmo ele me perguntou sobre Conrado.
--Perguntou? O quê?
-- Se havia algum compromisso entre nós.
-- E o que foi que respondeste?
-- A verdade. Que entre nós não tem nada. Ele é o pai das meninas e vem visitá-las, e eu não nunca vou impedir que ele as veja. Mas com a minha vida ele não tem nada a ver.
-- E o Bruno?
-- Me convidou para sair... E eu aceitei.
-- E é isso mesmo que tu queres?
-- Não sei. Mas sair uma vez não vai causar nenhum estrago.
-- Não esquece que ele trabalha contigo, e é o melhor enólogo da região.  Uma saída pode sim ter consequências... Pensa a respeito.
-- Ok. Eu posso até ligar para ele amanhã desmarcando... Não achas?
-- Eu já te disse o que penso sobre tudo isso. Conrado é homem de tua vida, e ele te ama, dá para notar, e vocês deveriam se acertar pelo bem das meninas. Eu acho que tu estás sendo muito teimosa. Ele não vai ficar sempre a tua disposição.  Não reparaste que ele não vem mais todos os fins de semana, que está intercalando? Mais uns dias ele cansa e vai procurar outra. É essa a questão. E se tu queres usar o Bruno para atingi-lo... Às vezes o tiro sai pela culatra. Cuidado!
Conrado ouviu movimento de cadeira, alguém havia se levantado na cozinha, então ele fingiu que dormia, para Alice não descobrir ele que tinha escutado a conversa delas.
Ela entrou na sala, que estava apenas com o abajur ligado e sorriu, ao ver os seus três amores ali, dormindo. Tocou no joelho de Conrado para acordá-lo. Ele abriu os olhos devagar e sorriu para ela.
Alice pegou uma das meninas e a levou para a cama, e Conrado foi atrás com a outra filha. As meninas colocadas em seus berços, os dois ficaram olhando com amor para elas. E Conrado se atreveu. Colocou o braço por sobre os ombros de Alice e disse baixinho:
-- Elas são lindas! E fomos nós que as fizemos...
-- Sim...
Ele a puxou para perto dele, e a beijou na têmpora. E saíram do quarto. Alice o convidou para tomar um vinho. Ele aceitou.
Vanda percebendo o movimento dos dois foi para seu quarto. Eles precisavam ficar a sós, para conversar e quem sabe ter um momento de envolvimento. Alice estava objetiva demais, só pensava em trabalho.
Eles conversaram sobre muitas coisas, assuntos leves, até que Conrado disse:
-- Eu preciso ir a um evento na quinta feira. Não posso me furtar, e gostaria que fosses comigo.  Tu aceitas me acompanhar?
-- Eu?
-- Sim.  Porque se tu não quiseres ir comigo vou ter que convidar a Patrícia.
-- A Patrícia? Por que ela?
-- Eu sei o que pensas sobre ela, mas ela é da equipe do escritório. Aliás, ela tem me acompanhado nestes eventos jurídicos. E é uma boa companhia, mas eu gostaria que tu fosses comigo.
--Mas é à noite...
-- Deixa de bobagens. Se tu não queres ir, diga não! Mas não fica inventando dificuldades. Tu pegas o ônibus, eu te busco na rodoviária, vamos para o meu apartamento, tu te arruma. E tu dormes lá e na sexta viemos juntos.
-- Eu ficar no teu apartamento...
-- Alice, eu não fico aqui na tua casa. É a mesma coisa.
-- Mas as pessoas comentam...
Conrado deu uma risada.
-- Meu amor, nós já estamos mal falados há muito tempo... Só nós nos casando para por fim ao assunto.
Alice ficou quieta. Não disse nada. As palavras de Vanda estavam em sua mente, e aquela tal de Patrícia, era muito bonita e sempre se atirou para Conrado. Ela tinha horror dela. Sabia que corria o risco de perder Conrado para ela. Céus! Perder para a Patrícia? Não! Então falou:
-- Eu vou contigo. Diga-me o traje, preciso comprar um vestido novo. Vou fazer assim. Vou pegar o ônibus de manhã e a na parte da tarde vou as lojas escolher um vestido.
-- Obrigado. Fico feliz que tu aceitaste ir comigo. E que tal amanhã nós sairmos para um passeio, só nós dois...
-- Amanhã?
-- Tens algum compromisso?
-- Nada que eu não possa desmarcar. Aonde vamos?
-- Tu escolhes, afinal conheces bem a região.
E Conrado suspirou aliviado. Ele teria que ir aos poucos. Era preciso voltar aos tempos de namoro,  teria que reconquistá-la.
O outro dia amanheceu lindo. Um dia claro com a temperatura amena. E era cedo quando Conrado escutou Alice ligando para o Bruno, se desculpando, mas dizendo que não poderia sair com ele.
O coração de Conrado vibrava. Ele estava louco por aquela mulher! E não queria perdê-la. Ele lutaria com todas as armas...
Tomaram o café, despediram-se das filhas e de Vanda, que sorria satisfeita, e saíram sem rumo. E tiveram um dia maravilhoso. Almoçaram em uma Galeteria,  que era pequena e acolhedora, na verdade um lugar romântico, depois caminharam de mãos dadas pela centro de Caxias do Sul, olharam as vitrines e compraram chocolates para as meninas.
Enquanto ela estava entretida escolhendo roupas para as filhas, ele se afastou e foi a loja ao lado, que era uma joalheria e comprou um presente para Alice. Ele entregaria mais tarde.
Eles já estavam voltando, e Conrado estacionou o carro em um belvedere, onde a vista era deslumbrante. E ai neste momento ele entregou o presente a ela dizendo:
-- Tu me proporcionaste um dia maravilhoso, e eu quero te retribuir...  Isto é para ti.
-- Obrigada! Mas não precisava. Também adorei a tua companhia, e fazia muito tempo...
Ela abriu e se emocionou com o presente. Era uma correntinha de ouro com duas bonequinhas, também em ouro, representando as gêmeas. E com lágrimas nos olhos ela o beijou na face. Mas ele aproveitou o movimento e a beijou suavemente nos lábios. Depois colocou em seu pescoço o adorno. E a abraçou, e mais uma fez se beijaram, agora um beijo mais profundo.
Chegaram em casa e foi uma festa. As crianças pulavam de felicidade, e naquela noite fizeram um jantar em família, pois permitiram as filhas ficassem a mesa e até Vanda participou. Havia alegria no ar, e para Vanda era evidente e iminente o acerto entre eles, mas ela não iria perguntar. Nos olhos de Alice havia um novo brilho, e Conrado irradiava felicidade, só cego para não ver, era o que pensava Vanda. Até ela estava contagiada...
Quinta feira bem cedo Rogério levou sua patroa para a cidade, a deixou na rodoviária. Alice fez todo o percurso pensando no tipo de roupa que iria comprar, a cor que mais assentava e pensou até nos sapatos. Seu cabelo não tinha problema, pois ela mesma ajeitava. Chegou a Porto Alegre e tomou um táxi, que a levou até a Rua da Praia. Ali estavam localizadas as melhores lojas da cidade e ela tinha uma tarefa a cumprir.
Alice escolheu um vestido em corte reto com saia evasê, na cor pérola, com decote redondo e manga sino longa. Era um modelo simples, com recortes, em crepe de lã que assentava perfeitamente em seu corpo e a cor clara iluminava seu rosto e realçava sua beleza. Ela completou com sapatos de salto alto, na cor  preta e carteira combinando.
Depois que fez suas compras ela levou também  uns doces da confeitaria e foi até o escritório de Conrado que ficava ali perto.
Conrado foi avisado pela secretária o foi recebê-la no hall, e assistiu algo que o deixou muito satisfeito. Patrícia que circulava pelo escritório a viu e foi perguntou:
-- Olá, tu por aqui?
-- Olá! Sim, vim me encontrar com Conrado, que deve estar me esperando.
-- Ah é? Vocês voltaram?
-- Não é da tua conta, mas nós voltamos sim.
-- Eu não sabia... Conrado não me informou. –Disse ela olhando para ele. -- Depois de tanto tempo...
-- Pois agora já sabes.
E Alice voltou-se em direção a sala dele, que a esperava na porta. Entraram na sala e ele sorrindo disse:
-- Voltamos?
-- Aquela é uma boa “bisca”. Ela sempre se insinuando pra ti...
Conrado a abraçou e beijou com carinho. Essa era a sua Ali, sempre pronta a defender o que é seu. E no caso, ele era dela. Alice sorriu para ele e disse:
-- Pede um café, comprei uns doces para nós.
-- Aonde almoçaste?
-- Fiz um lanche.

Mas Conrado não gostou do jeito como Patrícia falou com Alice. Teria que tomar providencia drásticas para não ter consequências mais adiante.
Quando ele e Alice tinham se separado, e ele estava inconformado e desolado, foi Patrícia quem deu apoio. Ele se deixou envolver por ela. E eles tiveram um “affair”. Ele estava arrependido por ter sido tão fraco, mas foi um período em que estava vulnerável pela falta que sentia de Maria Alice.
E ele tinha consciência de que se Alice descobrisse, ela não o perdoaria, pois desde que Patrícia começou a trabalhar no escritório, Alice o preveniu, sobre o tipo de mulher que ela era.
Então a solução era despedir Patrícia, coisa que faria na próxima semana. Pois tinha medo de perder novamente  a sua Ali.
                                                   
                                                                         *****   *****

Maria Alice estava deslumbrante naquele vestido. Ela era naturalmente sexy. Ele se sentia orgulhoso dela, mas ao mesmo tempo sentia ciúmes dos olhares de cobiça que os outros homens lançavam sobre ela.
O jantar foi divertido, e Alice era muito simpática e espirituosa, de maneira que alegrava o grupo. Todos os que já a conheciam ficaram contentes em saber que eles estavam reconciliados.
Após o jantar quando eles  chegaram  ao apartamento de Conrado, ele ofereceu um licor para encerrar a noite. Alice gostava de licor de cereja, e aceitou.  E continuaram  a conversar,  o assunto ficando mais intimo, e acabou em  longos beijos ardentes.
No outro dia, era bem cedo, quando Conrado foi ao escritório, disse a Alice que ele tinha se esquecido de  assinar uns documentos. Mas seria rápido. Que ela ficasse mais um pouco na cama.
Em pouco mais de uma hora ele estava de volta e Alice pronta para retornar a sua casa. Ficar longe das filhas a deixava inquieta.

Os dias que se seguiram foram felizes. Eles estavam totalmente reconciliados, e Conrado mais uma vez estava encaminhando os documentos para eles casarem. Desta vez seria em Bento Gonçalves, em uma cerimônia muito intima. Apenas aos padrinhos seriam oferecido um almoço.
Faltavam poucos dias para o casamento, quando Alice recebeu um envelope pardo grande sem nome do remetente. Era uma sexta feira e Conrado estava estacionando o carro. Ela o recebeu com o envelope na mão. E ele perguntou:
-- O que é isso?
-- Não sei. Chegou agora, e não tem remetente. Estranho.
-- Onde estão as minhas meninas?
-- Estão almoçando. Não vai agora, senão elas não comem mais. Eu pedi para Vanda providenciar a comida delas antes de tu chegares, por causa disso. Elas enlouquecem quando te veem...
-- Só elas?
-- Não! Eu também... – Disse Alice rindo.
E Conrado mais uma vez a abraçou e beijou seus cabelos, que cheiravam a lavanda. E ele continuou:
-- Eu estou tão feliz! Vocês três, são a razão da minha vida. Meus olhos são somente teus... Olhar estes teus olhos sedutores é a minha alegria. Eu te amo tanto...
-- Eu também.
-- Olha, lá vem a Isabela correndo, eu amo tudo isso...
Alice deixou o envelope sobre a mesa da área e foi com Conrado brincar com as filhas. Fizeram grande algazarra. Então as meninas foram levadas para dormir, sempre após o almoço, Alice as fazia deitar e dormir um soninho. Assim elas revitalizavam as forças e eles podiam almoçar sossegados.
Só bem mais tarde que Alice se lembrou do envelope.
Ela foi até onde tinha deixado, e abriu. Conrado que a observava pela janela da sala, se assustou quando a viu cambalear e empalidecer. Correu até ela, e então viu as fotos que ela tinha recebido. Até ele ficou perturbado.
Eram fotos dele com Patrícia de muito tempo atrás, justamente do período que houve um envolvimento entre eles. Claro que era vingança. Ela a tinha despedido, não a queria mais no escritório, pois seu comportamento era muito lascivo em relação a ele. E para evitar qualquer constrangimento a Alice, ela achou melhor despedir a moça.

Mas aquelas fotos... Nem sabia que existiam. Quando elas tinham sido tiradas? E eram tão impróprias. Céus! Alice ia ficar furiosa.
Alice não disse nada, apenas levantou os olhos para ele com uma tristeza no  olhar, que doeu em seu peito. Outra vez, não! E ele tentou explicar:
-- Meu amor, isso foi há muito tempo... Foi logo que nós nos separamos, eu estava sozinho, triste e vulnerável. Fui fraco, eu sei. Errei.... Isso é pura vingança. Eu a despedi.  Eu nem tinha conhecimento destas fotos. Não liga, é passado... Ela é uma criatura  má. Por isso ela enviou isso, com intuito de nos separar. E tu vai dar vitória a ela?
-- Não! Mas eu preciso de um tempo. Eu estou arrasada. Como um homem como tu, se deixa fotografar em atitudes tão libertinas. Que decepção!
Lágrimas escorriam por sua face, e Alice saiu dali, foi para seu quarto chorar o seu desgosto.
Conrado ficou parado. Ele precisa consertar tudo isso. Recorreu a Vanda.
Depois de conversar com Alice, Vanda disse a ele:
-- Acho melhor tu ires embora. O casamento será daqui a duas semanas. Ela não vai desistir, pode ficar seguro, mas ela está chocada com tudo isso. Deixa-a chorar. No decorrer da semana teremos tempo para reverter tudo isso, Ela é teimosa, tu sabes...
-- Não! Eu vou ficar aqui, mas ficarei afastado dela.
-- Então fica. Deixa  o resto comigo.
-- Ok. Obrigado. Não sei o que seria de nós sem o teu auxilio...
-- Já passei por isso, sei muito bem como é. Meu falecido marido me deu muito trabalho. E  o coitado morreu cedo, de acidente.

Naquela noite Conrado, como sempre fazia, ele contou histórias para as filhas. Não quis jantar e se recolheu cedo ao quarto de hóspedes. Era o mais sensato a fazer, embora eles já estivessem compartilhando a mesma cama. Alice também não jantou e ficou na expectativa se ele iria dormir com ela.
Nem Vanda foi falar com ela, de maneira que ela não sabia o que estava acontecendo na casa. Sabia que Conrado não tinha ido embora, pois o carro dele estava estacionado no pátio, isso ela avistara da janela dela.
Alice havia imaginado duas opções: ou Conrado ia embora, ou ele insistiria em conversar com ela. Mas não foi isso o que aconteceu. E ela não sabia como agiria no dia seguinte. E ela não conseguiu dormir.
Ao contrário dela, Conrado dormiu. E no outro dia acordou cedo, tomou café e foi dar uma caminhada pela propriedade. Ele havia decidido proceder normalmente. Não iria de forma alguma valorizar essa situação. Quanto mais cedo normalizasse a relação deles, melhor. Alice era muito teimosa e mimada. Às vezes era preciso proceder de forma inversa ao que ela esperava. O efeito surpresa sempre era surpreendente.
Quando ele retornou, encontrou Alice com as filhas no caramanchão. Ele chegou normalmente deu um beijo em cada uma delas e parou para olhar os desenhos que as filhas estavam fazendo.
Alice não esperava essa atitude dele. Mas não falou nada sobre o dia anterior. Conrado que agia normalmente sentou-se ao lado dela, pegou sua mão, deu um beijo e com um sorriso disse:
-- Elas desenham muito bem, para a idade delas. As duas têm esse talento. Tem alguém na tua família com esse dom? Na minha acho que não.
-- Sim. Minha mãe fazia desenhos em nanquim. Coisas lindas!
-- Mesmo!? Onde estão? Nunca vi!
-- Entre os guardados de meu pai. Ele não os expunha, porque o deixava saudoso dela. E ficaram sempre guardados. Acho que devíamos escolher os melhores e fazer uns quadros. O que achas?
-- Eu acho ótima ideia. E os guardados de teu pai estão aqui, ou no sitio?
-- Alguma coisa aqui, o resto lá.
-- Hoje à tarde poderíamos procurar. Estão no escritório?
-- Sim.
-- Estou com fome. O que temos para comer?
-- Pedi uns pastéis. Pelo cheiro no ar, acho que estão prontos. A Lia vai trazer.
-- Pastel! Eu adoro pastel.
-- Eu sei..
-- Obrigado por atender as minhas preferências, Te amo muito por isso.
E sorrindo a abraçou e beijo na bochecha.
Vanda que os observa da janela do quarto das crianças, sorriu. Conrado tinha sido esperto em não entrar no jogo dela.
                                                           *****   *****

Eles haviam decidido que, continuariam, mais um tempo, morando em Monte Belo. E quando as meninas tivessem que ir para a escola, eles iriam voltar para Porto Alegre.
Alice não tinha família, e Conrado só tinha uma irmã que morava na França, e como ela era bem mais velha do que ele, não havia entre eles muita afeição. Carina foi morar em Paris muito jovem, estudou e casou e poucas vezes  ela voltou ao Brasil. Ele praticamente não a conhecia.  Ele apenas comunicaria a sua irmão sobre o seu casamento.
Eles optaram por um casamento muito simples.
Alice na simplicidade de um casamento matinal, sem convidados, apenas os padrinhos e os amigos íntimos, era uma linda noiva. Ela tinha escolhido um vestido curto em musselina perolada. O corpete drapeado e a saia rodada. Um véu curto com apenas uma tiara.
Ela entrou na igreja de braço com a Vanda. Pois ela era a pessoa que a tinha ajudado a superar todos os problemas que a vida tinha colocado a sua frente.
Conrado estava maravilhado com ela. Desde a sua juventude ele havia sonhado em casar com ela. E hoje esse sonho se realizava. Ficou emocionado ao ver as filhas entrando no templo a frente da mãe. Ali estavam às mulheres de sua vida, ali estava a sua felicidade.
Depois do almoço os noivos partiram em lua de mel.
Uma semana depois eles voltaram de Punta del Este, cheios de saudades de suas lindas filhas.
A rotina estava estabelecida e a felicidade reinava naquela família.
                                           
                                                      Maria Ronety Canibal
                                                         Julho de 2018.