quarta-feira, 16 de outubro de 2019

UM DIA, TALVEZ...




                                                            UM DIA, TALVEZ...

Rosane e Bia estavam em um barzinho, sentadas junto ao balcão,  e como era uma noite fria, Bia resolveu tomar vinho. Rosane interveio:
-- Vinho?  Sabes que logo ficas bêbada com vinho.
-- Não importa, hoje estou com vontade de tomar um vinho.
E virou-se para o barman  e disse:
-- Um tinto suave.
-- É hoje... Resmungou Rosane. E pediu:
-- Para mim uma vodca com laranja.

O ambiente era agradável e sempre muito movimentado, e elas optaram por ficar  no balcão  porque dali tinham uma boa visão de tudo. O BARUM era um lugar divertido. Muitos se arriscavam a cantar... E estava sempre muito cheio.
Elas localizaram alguns amigos que acenaram para que fossem sentar com eles, havia lugar na mesa. E elas foram.

Bia pegou sua garrafa de vinho em uma mão e na outra carregou a taça  equilibrando o liquido. Rosane foi atrás dela. Bia, como era carinhosamente chamada por todos, era uma pessoa de bom coração, e muito querida por seus amigos, mas  acanhada e atrapalhada. Seus amigos já nem ligavam mais para os “fora” que ela dava.  Mas quando bebia...

Chegaram à mesa e foi um alarido. Além de, Bruna, Maíra e Luíza estavam Vitor, Mauricio e um amigo de Vitor, que se apresentou a elas como Pedro. Elas sentaram e Bia ficou ao lado de Pedro.

Bia olhou para ele e ficou analisando. Ele parecia ser um cara legal, simpático, tinha um sorriso cativante, mas não era bonito. Era só  um cara ...

E de repente começaram a desafiar a Bia, que já estava na terceira taça de vinho, portanto já bem descontraída, para que ela fosse cantar. E ela aceitou, mas levou Pedro com ela.

Ele protestou, não cantava nada... Mas ela o pegou pela mão e o arrastou. Todos na mesa estavam as gargalhadas, sabiam que ela ia aprontar.
Pedro resolveu entrar na brincadeira, senão seria pior. Subiram ao tablado e ele foi para o canto para deixá-la como centro das atenções, e ela anunciou:
-- Eu vou cantar... Esse cara está aqui comigo só para me dar coragem... Eu  vou cantar Hoje...
Hoje, é hoje, é hoje, é hoje....

E  todo mundo assoviou  para ela que começou a cantar e dançar fazendo os trejeitos da coreografia.  Pedro ficou ali parado olhando para ela admirando sua performance. E pensou: que garota de coragem...

Quando ela terminou foi uma algazarra geral no bar. Queriam que ela continuasse cantando. E  Bia bem empolgada cantou mais uma música, e depois Pedro a tirou do tablado e a levou para mesa.

A diversão continuou. E Bia tomou toda a garrafa de vinho. Pedro viu que ela estava ficando muito bêbada, resolveu a levar para fora. O ar frio faria bem para ela. Alguns já tinham ido embora. Rosane foi atrás para saber como Bia estava.

Pedro disse a Rosane:
--  Ela está muito “alta”, vou levar ela para casa. Onde ela mora?
-- É perto daqui... Dois quarteirões.  Queres que eu vá junto?
-- Não precisa... Ela mora sozinha?
-- Sim.

E Pedro a abraçou e a levou para casa. E ela foi comentando com ele sobre a noite, que tinha sido muito legal.
Ao chegarem Pedro pediu a chave e ela não achou. Entregou a bolsa para ele. Depois de vasculhar ele achou o molho de chaves. Abriu a porta do apartamento, e a sentou no sofá. Foi para a cozinha fazer um café forte para ela tomar. Quando voltou ela estava dormindo.

E ele se sentou ao seu lado e a puxou para ficar com a cabeça apoiada, mas caia, então ela passou o braço por cima dos ombros dela para que a cabeça ficasse firme.
Ficou pensando em como ela tinha o impressionado. Ela era meio esquisita, não era feia, mas... Pensou no jeito dela dançar... Sorriu ao lembrar...

Tinha gostado dela. Não era o tipo sofisticado, que usava muitos penduricalhos e maquiagem. Ela era bem natural. Era bem feita de corpo.
Rosane ligou para o telefone de Bia e Pedro atendeu:
-- Oi conseguiste chegar com ela em casa?
-- Sim tranqüilo. Ela está dormindo no sofá.
-- Coloca-a na cama, recosta a cabeça com travesseiros, que ela vai dormir até amanhã. Tenho certeza.
-- Ok. Mas vou ficar por aqui, caso ela passe mal...
-- Ta bem. Já estou em casa. Se precisares de algo me liga. Beijos.
-- Ok. Beijo.

Pedro a levou para a cama e resolveu tirar as roupas dela, que não pareciam confortáveis. Tirou o jeans com dificuldade, era muito ligado ao corpo. E depois foi um sufoco tirar a blusa.   Procurou  e achou  um pijama, vestiu nela e acomodou ela na cama e a cobriu estava frio. Ele também tirou seus jeans e seu pulôver e deitou-se ao lado dela. Tinha esfriado muito... Chegou-se para perto dela para se aquecer. E dormiu.

Cedo da manhã e ele acordou, e ela ainda dormia agora abraçada a ele. Ele riu... E pensou como será ela ao acordar? Ficou ali quieto olhando para Bia.
Ela acordou e não entendeu porque ele estava em sua cama. Não brigou, apenas pediu explicação. E Pedro contou como tinha sido a noite dela. Ela ficou envergonhada, suas faces ficaram vermelhas. Ele achou engraçado.

Mas ela estava com duvidas e perguntou:
-- E aconteceu alguma coisa entre nós?
-- Não. Apenas achei que não devias ficar sozinha. Deitei-me na tua cama porque eu estava com frio. Fica tranquila... Apenas como bons amigos.
-- Obrigado meu bom amigo.

E levantou-se para ir ao  banheiro. Tomou um banho e vestiu algo confortável. E quando saiu do banheiro Pedro estava vestido e havia feito café.
Bia pegou pão, manteiga, queijo e geleia no refrigerado e sentaram para tomar o café da manhã. Ela estava com um pouco de dor de cabeça... Mas conversaram bastante. Cada um falou um pouco de si. Agora poderiam se consideram amigos.
Então, Pedro se levantou e anunciou que ia embora. Bia pediu para ele ficar, tinha gostado de conversar com ele. Mas ele insistiu que precisava alimentar seu velho cachorro Pluto. 

Então sugeriu:
-- Vamos almoçar juntos?
-- Aonde?
-- Aqui, eu trago o almoço.
-- Eu faço negrinho de sobremesa...
-- Legal. Até depois.

Ele despediu-se dela com um beijo na face. Bia ficou surpresa. Foi arrumar a cama abrir a janela para entrar o sol. Depois foi para cozinha fazer negrinho.
Enquanto mexia o doce ela pensava como ele tinha sido legal com ela, mal tinham se conhecido e ele cuidara dela. E seus amigos onde tinham ficado? Ela teria que ligar para Rosane, mas essa hora ela ainda estava dormindo. Só mais tarde.
Bia ligou a TV e ficou esperando Pedro voltar.

Pedro chegou com um frango assado e uma salada.  Almoçaram. E ficaram juntos o resto do dia. Conversando, contando casos, se divertiram muito. Havia afinidade entre eles.

O tempo passou e eles se tornaram os melhores amigos. A turma havia se dissipado, cada qual com seus compromissos e se espalharam pelo mundo e pouco se viam. Mas Pedro e Bia estavam sempre juntos. Pedro adorava e jeito moleque dela.  Restaram apenas eles na mesma cidade. E eles sempre saiam juntos.

Estava um dia frio e Pedro ligou para convidá-la para sair:
-- Meu amor, hoje está um frio gostoso, vamos nos divertir. Faz tempo que tu não tomas vinho... Vamos?
-- Ah tu queres se divertir as minhas custas... Mas estou com muita vontade de cantar, vamos ao BARUM?
-- Com certeza. O vinho de lá faz um bom efeito... Passo para te pegar. Beijão.
-- Outro.

Naquela noite não foi diferente, e ela cantou e dançou e arrasou... Ele amava muito aquela garota. Ele a carregou para casa. a despiu e a acomodou na cama, depois ele tirou sua roupa e deitou-se ao lado dela, se achegou e dormiram abraçados.

No outro dia de manhã, quando acordou, Pedro  ficou cheio de desejos por ela, não resistiu e a acarinhou com suavidade. Ela acordou  e correu para o banheiro.

Em seu pensamento correu a ideia que ela devia estar horrível, lavou o rosto, escovou os dentes e voltou para cama. Ele a esperava. Ela se aninhou junto dele e Pedro a puxou para mais junto dele e a beijou. E fizeram amor. Pela primeira vez ele não tinha feito apenas sexo. E isso mexeu com ele, e se deu conta, que era muito maior do que imaginava,  o seu amor por ela.

Bia não tinha muita experiência,  mas sentiu algo especial em estar ali com ele, desconfiava que era amor de verdade. Mas não disse nada. Ficou curtindo ainda a proximidade dele. Seu cheiro, sua pele, seu calor faziam seu corpo ansiar por ele.
Depois levantaram, e eles foram para cozinha fazer café e planejar o que eles fariam durante o dia. Tinha começado a chover e a opção era ficar em casa, de preferência na cama que era lugar quente.

E cumpriram a meta. Curtiram-se muito, riram conversaram, brincaram e se amaram mais uma vez...

O sonho de Bia era ser escritora. Ela era formada em Letras e Literatura. Mas ela precisava trabalhar e não tinha tempo para escrever. Ela estava trabalhando de secretária particular de uma ricaça. Tinha um bom salário, mas pouco tempo livre.
Pedro havia se formado em Administração de Empresa e tinha aberto uma cafeteria, que também consumia com seu tempo. E eles pouco se viam.

Bia estava com saudades do amigo, ligava para ele, mas sempre tinha que falar rápido. Quando a nostalgia a dominava ela se lembrava da intimidade que tiveram por algumas vezes. Tinham sidos momentos bons. Mas preferiram serem amigos a ser amantes, pois a amizade perdura enquanto que  o amor muitas vezes não. Mas ela amava Pedro.

Ela conheceu um professor e estavam namorando. Ela ligou para Pedro para contar a novidade, a qual ele respondeu:
-- Eu preciso conhecer para saber se ele é bom o suficiente para ti. Só assim posso dar a minha permissão.
-- Permissão? E as tuas namoradas, que devem passar de cem, nunca pedistes permissão para mim... Não é justo.
-- Mas isso é diferente. Eu tenho que cuidar de ti... Sempre! Não sei por que não entendes? Tu és a minha jóia mais rara.
-- Quando vamos nos encontrar?
-- No domingo pela manhã no parque.
-- Certo.

Era o lugar preferido deles, sempre que podiam passeavam juntos no parque. Ela não ia levar seu namorado. Queria  ficar só com o Pedro, para matar a saudade que apertava seu coração.

Domingo os dois se encontraram, não precisavam hora marcar nem local, eles sabiam... Pedro a abraçou e a beijou com carinho. Ficaram um tempo assim abraçados, cada qual curtindo o momento. Então de mãos dadas caminharam e depois sentaram a sombra. Ficaram se olhando como se fossem namorados e só depois conversaram. Eles se amavam, mas tinham medo de perder esse amor.

No sábado seguinte Pedro apareceu ano apartamento de Bia, queria conhecer o tal namorado. Bia apresentou Lúcio a Pedro, e foi uma situação estranha, os dois se encararam com se fossem inimigos. Pedro ficou um pouco e foi embora, com o coração apertado, por que viu que Lúcio era um cara legal, ele não tinha como interferir... Estava na iminência de perder espaço na vida de Bia.

Passado uns meses Bia ligou dizendo que estava com saudades, precisavam se encontrar e marcaram jantarem juntos.  Ao se encontrarem Pedro não resistiu e logo perguntou:
-- E o Lúcio?
-- Não deu certo. Ele é um cara bom, me ama, mas eu não o amo. E uma relação unilateral não vai para frente.
-- Sim, tens razão. Mas vai aparecer alguém...
-- Já existe! E não vou falar sobre isso. O meu assunto é outro. Eu vim te dizer que vou deixar meu emprego. Não aguento mais a chatice daquela mulher. Ganhei um bom dinheiro, e vou me dedicar ao livro.
-- Que ótima noticia. Se precisares de inspiração me chama.
Ambos riram. Ela disse:
-- Tenho uma saudade dos tempos em que éramos bagunceiros... De repente a vida se tornou tão séria.
--  É mesmo, estamos ficando velhos...
-- Velhos e sozinhos...
-- Sozinhos não, nós temos um ao outro e nos amamos...
-- Será?

Bia deixou o seu emprego.  Tinha conseguido guardar algum dinheiro e então queria logo começar a escrever seu livro. Mudou-se para um apartamento minúsculo, que era bem mais barato. Assim o seu dinheiro duraria mais tempo. Só que ficava muito longe de onde sempre morou e muito distante de Pedro.

Fazia tempo que não se falavam, ela estava concentrada escrevendo seu livro. E ele envolvido em suas aventuras amorosas.

Era fim de ano e Pedro convidou Bia para passarem os feriados na praia. Ele reservou um quarto de hotel. Queria ficar com ela, necessitava disso, só ela lhe dava forças para enfrentar as dificuldades do dia a dia. E fazia muito tempo que não ficavam juntos,  que não dormiam juntos.

Ela tinha imposto algumas condições, uma delas era quartos separados, e nada de tomarem vinho. Mas ele burlou as regras... E desculpou-se dizendo que o hotel estava lotado, aliás, o que não era mentira.

E mais uma vez amaram-se com paixão, estavam sempre abraçados e com olhares apaixonados um para o outro, e quem os via pensava que estavam em lua de mel.
Foram dias magníficos. Voltaram felizes, com os corações abastecidos de amor... Prontos para os desafios da vida.

Pedro era filho único e tinha problema de relacionamento com seu pai, que fora sempre muito exigente. Sua família tinha posses, mas Pedro sempre quis ser independente e   desde cedo saiu de casa e trabalhou para se sustentar. Sua mãe seguidamente enviava algum presente para ele, e quase sempre roupas.

Mas agora sua mãe estava doente, com câncer e seu estado era muito critico. Ele estava indo vê-la todas as semanas e a cada visita a encontrava mais fraca. Ela muitas vezes estava dopada pelos remédios para amenizar as dores que a afligiam.

Até que uma manhã recebeu a noticia de seu falecimento. A  primeira atitude de Pedro foi ligar para Bia, precisava dela para poder chorar a sua dor. Mas não a encontrou, deixou recado... Bia não retornou as suas ligações. Então ele foi vê-la. Bia estava ausente!

Depois do enterro os dois, pai e filho, conversaram, como há muito tempo não faziam, e ele prometeu ao pai que o visitaria mais seguido. Abraçaram-se e Pedro saiu. Ambos sentiam a mesma dor e o mesmo sentimento de perda e isso os uniu.

Bia havia ido visitar sua família no interior e quando chegou  foi ver Pedro. Ela o encontrou diferente, com uma tristeza no olhar que a deixou com o coração partido.

Ela confortou seu bom amigo.
Passou mais um tempo e Pedro a procurou em seu “apertamento” como ele brincava, para contar uma novidade:
-- Meu anjo eu vim te contar algo que mudará nossas vidas...
-- Eu não quero saber... Se vai te afastar de mim não me conta... –disse Bia,  bem baixinho, e a ponto de chorar.
-- Eu vou ter que me casar...
-- Casar? Por quê?
-- Ela está grávida. Será daqui um mês.
-- Um mês?
-- Sim, mas  tu continuas sendo o meu tesouro, o meu amor maior... Eu vacilei, e agora vou ter que casar.
-- Tu a amas?
-- Eu gosto dela...
-- Espero que sejas feliz.

Pedro se aproximou dela, a abraçou, deu um beijo em sua testa e foi embora. Ela ficou ali parada olhando fixamente para porta por onde ele tinha saído. E agora... Sua vida estava vazia.

Ela não foi ao casamento dele. Ele ligou algumas vezes e ela não retornou. Não se conformava, não aceitava o casamento dele.
Bia resolveu dedicar-se mais ao livro, já estava quase no fim Faltava revisar e enviar para o editor. Se tivesse sorte antes do Natal seu livro estaria lançado.

E na Livraria Central, no dia do lançamento, havia muitas pessoas querendo que ela autografasse o exemplar. Bia estava tão empolgada que nem percebeu que Pedro estava a observando encostado a parede lateral.

Depois de atender a uma fila enorme, Bia levantou-se para se esticar. Mas não saiu dali, e alguém lhe estendeu um copo com água. Ela pegou automaticamente e agradeceu sem olhar, mas seu coração balançou e ao virar deu com Pedro junto dela. Ela sorriu e o abraçou. Ele disse:
-- Eu também quero um autografo...
-- O teu será especial... Estás só? E tua esposa?
-- Estou separado em processo de divórcio.
-- O que aconteceu?
-- Ela perdeu a criança logo que casamos, e não havia mais razão para estarmos juntos.
--  Oh... Eu não esperava por isso...
-- Pois é... A vida é assim... Muito difícil.
-- Tu podes me esperar, depois saímos e vamos conversar.
-- Sim, te espero sempre.

Bia sentou e voltou a autografar seus livros. E Pedro foi ler o livro que Bia tinha escrito. Era uma historia leve divertida e deu muitas risadas.
Mais tarde eles foram jantar. Escolheram um lugar tranqüilo, queriam conversar, se curtir. 

E Pedro perguntou a ela:
-- Eu vou vender a cafeteria e vou me aventurar pelo mundo, quero conhecer a Austrália, minha vida está muito chata, sem objetivo, não queres vir junto comigo. Teu livro já está publicado...
-- Mas tu estas com tua vida estruturada, a cafeteria é um bom negocio, tu sabes, dá um bom lucro. Não sei por que estas insatisfeito...
-- Tu não me respondeste...
-- Não, claro que não. Vou escrever o segundo livro da minha trilogia. Vou começar logo. E além do mais, meu pai esta adoentado, devo tirar uma temporada em casa. Vou entregar o apartamento.
-- Até que enfim vais sair daquele cubículo. Fica no meu apartamento, assim quando eu voltar sei onde te encontrar.
-- Bobagem, tu tens o faro bom, sempre me acha...
E Bia riu, mas Pedro ficou olhando para ela, pegou sua mão e falou;
-- Eu acho que nós estamos fazendo tudo errado. Por isso somos tão inquietos...
-- Talvez... – foi o que Bia respondeu, olhando nos olhos dele. E continuou. –- Vais demorar nesta tua fuga?
-- Não sei... Meu coração é quem vai decidir. Se fico ou se volto.
-- Mas tu não ousas ficar... E eu como vou suportar?

Pedro pagou a conta e a levou para seu apartamento. Queria estar com ela, precisava dela.

Já fazia oito meses que Pedro tinha viajado, e Bia tinha se dedicado totalmente a escrever seu livro, mas sentia muitas saudades dele. Ela agora estava procurando um apartamento para comprar, seu livro havia rendido um bom dinheiro e o segundo livro já estava na revisão final. Logo seria lançado.

E ela encontrou um lindo apartamento, mobiliado e muito acolhedor. E no mesmo bairro em que Pedro morava. Bia estava providenciando sua mudança.

Agora ela estava namorando Ricardo, dono de um pequeno restaurante no centro da cidade. Conheceram-se por acaso. Ela fora almoçar lá, porque era próximo a editora e ao entrar foi reconhecida e muitos pediram autografo a ela. Inclusive o dono do lugar. Conversaram e começaram a se encontrar seguidamente, até que um dia ele expôs seus sentimentos e pediu para ficarem juntos. Bia hesitou, mas decidiu aceitar, mas sem morar junto.

Antes de deixar o apartamento de Pedro, ela deixou um bilhete para ele com o seu novo endereço. Desde que Pedro viajara, eles nunca mais se comunicaram. Pedro precisava desse tempo, precisava colocar suas idéias em ordem, ele sempre fora assim. E Bia respeitava esse jeito dele.

Passou uns dias e Bia estava novamente  na Livraria Central autografando seu novo livro. Agora muito mais pessoas a cercavam e até jornalistas a entrevistavam.
Era fim de tarde, ela estava cansada, pois estava desde as quinze horas, sentada autografando, ficara cerca de quatro horas ali. No outro dia, ela estaria outra vez na livraria.

Dessa vez era Ricardo quem a observava. Ele estava encantado com o carinho que ela tratava cada um dos seus leitores. Olhou para o lado e mais adiante tinha um homem barbudo e cabeludo, com a pele queimada do sol olhando para ela de um modo que não o agradou.

Então Ricardo foi para junto dela. A fila tinha se desfeito e aquele homem chegou a mesa e pediu:
-- Eu gostaria de um autografo...
Lia estava de pé, conversando com Ricardo, mas seu coração disparou, ela virou-se e deu com Pedro ali, tão magro e abatido, com um aspecto terrível, completamente desleixado, que a deixou horrorizada, ele que sempre fora tão cuidadoso no seu modo de vestir. O que havia acontecido?
Ela foi até ele e o abraçou, e Pedro a envolveu num abraço demorado. E sussurrando ao seu ouvido:
-- Minha linda, quanta saudade... Eu te amo, amo demais... Não sei viver sem ti...
-- Eu sei, eu também te amo, e foi difícil... Muito difícil ficar sem noticias tuas...

Ricardo estava sem graça, pois aquele abraço estava chamando atenção das pessoas. E ele ali com cara de idiota, olhando sua namorada abraçada a um vagabundo. Isso era demais.

Ricardo foi até eles e tocou no ombro de Bia e pediu para irem embora. Ela se afastou de Pedro e olhou para ele e disse:
-- Esse é Pedro meu bom amigo que não vejo há quase um ano. Não. Eu vou ficar com ele. Amanhã nós conversamos.

Ricardo fechou a cara e se retirou rapidamente da livraria. Bia pegou suas coisas e saiu dali de mão com Pedro. Foram para o apartamento dela. Ela pediu uma pizza e eles ficaram sentados no chão conversando, Pedro contando suas aventuras.

Mas de repente Pedro silenciou e ficou olhando para Bia e a puxou para perto dele e murmurou:
-- Eu quero ter um filho contigo.
-- Ãhh.  Eu entendi direito, um filho?
-- Sim. Tem que ser agora, depois não teremos mais chance. Bia casa comigo...
-- O sol da Austrália te fez mal? Queimou teus miolos?
-- Eu tive tempo, muito tempo para pensar. E descobri o que eu já sabia há muito tempo. Eu descobri que a pessoa mais importante em minha vida és tu. Sempre te amei, desde aquela noite que me carregastes para o palco para cantar... Lembra?
-- Sim, foi onde tudo começou...
-- Eu sei que tu também me amas. Nós nos amamos e só seremos felizes quando decidirmos ficar juntos. Não tem outra alternativa para nós, só assim  encontraremos a felicidade. O caminho é um só...
-- Eu sei. A tua ausência quase me  enlouqueceu, me senti muito só e abandonada.
-- Mas foi preciso, a solidão nos fez refletir, colocar os pés no chão. Vou retomar minha vida.
-- E teu pai? Já falastes com ele?
-- Sim por telefone. Ele está casado com Dirce, uma amiga de minha mãe, tu acreditas?
-- Capaz?
-- Sim. O me fez sonhar ser pai, é querer ser um bom pai, amigo, carinhoso e amado. Eu quero dar a meu filho, ou filha a atenção que não tive de meu pai.
-- Entendo...
-- Tu ainda não me respondeste...
-- O quê?
-- Se casa comigo...
-- Caso meu amor...
E o vislumbre de felicidade os fez sorrir.

Pedro  montou  outra cafeteria com serviço de bistrô ao meio dia, agora num espaço maior e bem localizado.  Resolveram morar no apartamento de Bia, e alugaram o de Pedro. Bia estava escrevendo seu terceiro livro enquanto recebia os lucros da venda dos dois primeiros.

Casaram em uma cerimônia simples, seus amigos vieram prestigiar o casamento deles. E todos disseram a mesma coisa: “demorou”.
Após a pequena comemoração de casamento Pedro e Bia, pegaram o carro e saíram sem rumo. Queriam descobrir um lugar sossegado em que eles pudessem curtir a sua lua de mel.

Tudo corria bem entre eles, estavam felizes, se conheciam profundamente e se completavam. Respeitavam as suas diferenças.  Mas Bia não engravidava. Tinha recém completado trinta e oito anos e como ela mesma dizia:
-- O tempo de validade está se esgotando.

Pedro achou que deveriam procurar um médico, pois ele poderia ter algum problema. Fizeram todos os exames e estava tudo bem com os dois. O médico pediu que não se preocupassem que vivessem a vida com normalidade e logo ela estaria grávida. E assim aconteceu.

E o tempo correu e agora, já no oitavo mês de gravidez,  Bia estava decorando o quarto de Laura, que nasceria em semanas. Estava tudo pronto. Era só esperar.
Pedro estava nervoso, ansioso nos últimos dias. Havia contratado um gerente para a cafeteria para poder estar mais junto de Bia. Os pais dela também estavam vindos.

Chegou o dia.
Pedro acompanhou Bia em todos os momentos, segurou sua mão e acarinhou seu braço. E quando as dores mais fortes vieram, ele se desesperou, o sofrimento dela o atingia fortemente. E Laura nasceu.

Ela era linda, uma perfeita mistura dos dois. Agora ele estava realizado na vida. Bia que sempre foi sua melhor amiga, e seu grande amor estava com ele, e agora chegara Laura para completar sua felicidade.
Tinha a sua família para amar e cuidar.

                                                  Maria Ronety Canibal