quarta-feira, 27 de março de 2019

A SOMBRA DAS OLIVEIRAS


                                           A  SOMBRA DAS OLIVEIRAS




Na calma manhã de um dia de outono, uma musica  soava ao longe, e sua melodia entrava pela janela aberta. Alice, descansou a caneta,  fechou os olhos e ficou escutando aquele som  suave e maravilhoso, que fez seu pensamento voar para bem longe dali.

Ela voltou a sua infância. Em sua mente ela reviveu momentos felizes, quando em manhãs cheias de sol, seu pai a convidava para uma caminhada pelos campos, e ele contava  para ela seus planos para o futuro. Embora sua mãe,  o criticasse e dizia que ele era apenas um sonhador,  ela acreditava que um dia seu pai iria realizar tudo que almejava.

Até que  ela foi separada do pai, subitamente. Sua mãe havia se cansado de tanta quimera e buscou uma nova realidade. Ela separou-se do seu pai e foi morar em Portugal, e lá conheceu um homem rico, com quem viveu. E a levou consigo.

Alice sempre sentiu muita falta do pai. Mas a distância de um oceano a impedia de estar perto dele. E Alice cresceu e estudou, com uma certeza em seu coração, assim pudesse, ela voltaria para ficar perto do pai. Depois de formada tomou o caminho de volta. Queria retomar a vida junto do pai.

Mas o tempo havia passado e tinha sido cruel para seu querido pai, e depois de 13 anos, Alice se deparou com um homem doente e solitário. Sérgio, tinha se tornado uma pessoa amargurada que não sonhava mais. O tempo, que Alice permaneceu junto do pai, foi muito breve, porém intenso. E ela herdou “ o sonho incompleto”.

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Luana entrou apressada no escritório, o que  fez Alice voltar a realidade, e foi logo dizendo:
-- Eles chegaram. Estão esperando na varanda. Mandei servir um cafezinho.
-- Obrigada!             Estou indo, respondeu Alice.

Alice dirigiu-se a varanda e saudou o grupo com um sorriso simpático. Sentou-se e começou a falar sobre o serviço que prestavam em especial para festa de casamento, com direito a cerimônia e isso incluía o ritual religioso em uma capela ecumênica.

Aquele grupo era o mais estranho que ela já tinha recebido. O casal de noivos não demonstrava entusiasmo e o padrinho, amigo do noivo, que os acompanhava era uma peça fora do lugar.

Era um homem muito atraente,  era alto, de ombros largos e seu rosto era definido por traços fortes. Não era bonito, mas, sem duvida, sua figura era muito marcante.

Alice soube, enquanto mostrava as acomodações da pousada, que ele era industrial e completamente avesso a casamento e tinha fama de ser conquistador. Segundo a noiva comentou, ele sumia após conseguir levá-las para cama,   e isso enlouquecia as mulheres.

O grupo despediu-se depois de assinar o compromisso com Alice, para a realização do casamento e da festa no recinto da pousada, no fim mês de maio. Ela os acompanhou até a porta. Acenou quando os carros se movimentaram.

Mas quinze minutos depois Vicente, o padrinho, voltou. Ela escutou o ronco do motor e foi até a sacada e viu a BMW estacionando. Alice se dirigiu a porta e esperou que ele se aproximasse.
-- Eu notei que há plantações de oliveiras, elas pertencem à pousada? – perguntou      Vicente.
-- Sim.
-- E quantas árvores?
--São vinte mil pés. Foi meu pai que as plantou.
-- Interessante... E a produção é boa?
-- Agora está melhor, pois as árvores atingiram a idade adulta e  por isso produzem mais. 

Estou satisfeita com o retorno. Aqui perto tem uma empresa que faz a colheita e envia para a indústria, e depois repassa os valores correspondentes. Eu não preciso me preocupar com nada, pois até a poda eles efetuam. Há profissionais que  orientam o trabalho.
-- Eu também  estou no negócio de oliveiras. Já estou industrializando o óleo e pretendo diversificar com azeitonas em conserva. Eu volto com mais tempo para visitar as plantações e vamos conversar sobre isto. Combinado?
-- Sim. Vou te esperar. Telefona para marcar.
-- Ok. Foi ótimo te conhecer.

Ele saiu e Alice ficou olhando a camionete tomar distância. Só então voltou para o escritório. Mas Vicente permaneceu em seu pensamento, e ela teve muita dificuldade para se concentrar em suas tarefas, que era organizar a festa do próximo fim de semana. Ela gostava de tudo perfeito  e por isso se preocupava com cada detalhe.

Foi  todo esse cuidado, que deu renome a pousada, sobretudo depois que ela acrescentou um salão especial para festas e construiu a capela. Muitas festas eram realizadas ali, e os convidados ficavam hospedados na pousada, que agora estava ampliada e contava com o total de trinta quartos, entre quartos duplos e comuns com beliches, suítes e ainda  uma super suíte nupcial.  A proximidade de Porto Alegre, e o fácil  acesso, o ambiente e o serviço de categoria eram suas bandeiras para conquistar mais clientes.

Ela tinha conseguido formar uma equipe de qualidade. A primeira providência foi trazer sua amiga Luana para trabalhar com ela, e assumir a cozinha, já que ela era formada em Gastronomia. Alice como era arquiteta se encarregou com toda a parte de decoração e Murilo, o namorado de Luana, era responsável pelos garçons e a turma da limpeza.. Eles não eram muitos, mas como trabalhavam juntos há um bom tempo, havia um entrosamento perfeito e o serviço fluía.

 Elas moravam no chalé, que Alice havia restaurado e era um lugar confortável acolhedor e que dava absoluta privacidade a elas.
Desde que elas tiveram a ideia de fazer festas na pousada, os dias de semana eram calmos e apenas elas e um casal de caseiros moravam no local. Os demais vinham só nos fins de semanas e havia um alojamento para os funcionários.

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Luana havia saído para fazer algumas compras. Era fim de tarde e Alice preparou um chimarrão e sentou-se a sombra do pergolado, próximo a piscina, e enquanto sorvia o mate, seu pensamento voltou ao passado. Seu pensamento contava para ela a sua própria história e ela via como se tivesse passando um filme.

 Quando Alice chegou ao saguão do aeroporto, seu coração pulou ao ver que sua querida amiga Luana a esperava. Fazia tempo que não se viam. Mas a distancia não foi empecilho para manter e alimentar a amizade, pois foram muitas horas em frente ao computador  e via Skype  que as amigas gastaram para  se comunicar e manter o assunto em dia.
As duas se abraçaram com lágrimas nos olhos.
-- Que saudade...
-- Senti muito a tua falta, e como estás bonita?
-- Tu achas? Não tu que estás com um novo jeito, um algo mais. Namorado novo?
-- Já ajeitei tudo para tu ficares morando comigo. O apartamento não é grande, mas são dois quartos pequenos, mas nos darão privacidade. – disse Luana.
-- Obrigada! Tu és maravilhosa. – respondeu Alice. Mas não respondeste a minha pergunta. Quem é o gato?
-- Um cara bem legal, eu conheci ele no trabalho.
-- Eu sabia. Te conheço muito... Vamos.
-- Vamos. O carro está no estacionamento.
-- A primeira coisa a fazer é procurar por meu pai. Faz tempo que não tenho mais noticias dele. Mas eu sei aonde ele possa estar. Ele deve ter ido morar na fazenda.
-- Fazenda?
-- Sim, é uma terra que meu pai herdou e ele tinha muitos planos para aquele lugar. Aos fins de semanas ele me levava lá. Lembra que domingos eu sempre saia com ele?
-- Sim, eu lembro, mas era bem perto.
-- É bem perto. Acho que aproximadamente uns cinqüenta quilômetros. E é lá que eu vou amanhã.
-- Bah,  eu não vou poder te acompanhar. Mas como tu vai até lá?
-- Vou alugar um carro.

No outro dia Alice tomou a estrada na direção sul do estado. Em Barra do Ribeiro ela  diminuiu a velocidade para tentar identificar  o lugar onde devia ser o acesso para a fazenda, que ficava poucos metros  da estrada.  Havia uma entrada de fazenda e logo se tomava um caminho a direita. Isso ela não tinha esquecido. Tudo estava bem diferente, mas ela ia encontrar.

Ela já estava reconhecendo o lugar, que era alto e tinha uma vista muito bonita, mas havia muitas árvores... Estranho! Resolveu entrar assim mesmo. Talvez seu pai tivesse vendido, ou nem era ali.

Ela chegou até a porteira e a encontrou trancada. Como ela faria?  Ela ficou ali parada olhando para o campo e viu uma  construção inacabada, e não parecia ser uma casa. Foi quando avistou um homem e acenou para ele, que veio em sua direção.
-- Olá. Acho que estou perdida, mas este campo é do seu Sérgio?
-- Sim. Eu trabalho com ele.
-- E ele está? Posso falar com ele? – o coração de Alice estava aos pulos, ela havia encontrado o pai.
-- Moça, ele não atende ninguém.
-- Mas ele está aqui?
-- Sim.
-- Por favor, diga para ele que é a Alice que está aqui. Vá, eu espero!
O homem retornou com a chave da porteira.
--  Pode entrar, seu Sergio vai receber a moça.
-- Obrigada! – disse Alice com um imenso sorriso no rosto.

Ela se lembrava da casa pequena de madeira, era tão bonita, pintada de amarela com as janelas e portas brancas. Havia flores no pequeno jardim... Mas quando ela se aproximou viu que tudo estava necessitando de cuidados. A casa precisava de pintura, o jardim parecia abandonado...

Alice estranhou que seu pai tinha não vindo ao seu encontro, estacionou o carro e se dirigiu a porta, que estava encostada a, bateu de leve e entrou devagar, e viu uma cadeira de rodas.
Então foi até o quarto, e lá estava ele, tão abatido, tão envelhecido e solitário. Sergio se esforçou para sorrir. Sua filha estava ali, diante dele depois de tantos anos.

Ela foi até a cama e o beijou no rosto. Pegou suas mãos calejadas:
-- Pai, que bom te ver outra vez. Senti muita a tua falta. – disse ela com lágrimas nos olhos e um sorriso nos lábios.
-- Oh, minha querida. Eu pensei que ia morrer sem te ver novamente...
-- Eu vim para ficar contigo. O que aconteceu contigo?
-- Eu estou no fim... Eu tive um derrame e tenho dificuldade para caminhar, e por isso fico na cadeira de rodas. Mas preciso sempre ter alguém perto de mim pois não consigo tomar banho, tenho dificuldade para sair da cama... Muitas pequenas coisas eu não posso mais fazer.
-- Tudo bem. Aos poucos vamos resolvendo cada problema. Agora estou aqui. Mas vou ter que ir buscar minhas coisas que estão no apartamento da Luana, lembra dela?
-- Sim. Ela sempre foi tua amiga. Mas aqui não dá para tu ficares. Está tudo tão sujo.
-- Vou dar um jeito. Vamos renovar tudo. E essa construção?
-- É o meu sonho, lembra que eu queria fazer aqui um lugar de descanso. Então, eu  estava construindo uma pousada. E eu queria tanto terminar. Mas agora não posso mais...
-- Vamos terminar. Pai eu sou arquiteta, e vou concluir o que teu sonho. Lembro, eu sempre sonhei com as mesmas coisas que tu...
-- Sim, mas tu eras apenas uma criança.
-- E as árvores?
-- São oliveiras e elas rendem bem.
-- Que bom. Vamos sair para o jardim, está um dia lindo. Vou buscar tua cadeira....

E daquele momento em diante Alice tomou conta do pai. Foram 13 anos que eles permaneceram separados. E ela queria presentear seu pai com a visão se seu sonho realizado. Por isso ela precisava concluir a construção e inaugurar a pousada o mais breve possível.

Ela percebeu a debilidade do pai. Ele não tinha mais muito tempo de vida.
 A realidade era que Alice precisava de dinheiro. E ela tinha o suficiente para dar conforto ao pai e terminar a construção, mas seu recurso estava em Portugal.

Vânia, sua mãe, queria que ela permanecesse em Lisboa, e para isso acontecer, ela simplesmente não liberou dinheiro algum para ela. Alice usou suas economias para comprar a passagem e sobrou um pouco para se manter enquanto não pudesse trabalhar. Ela estava indignada com a mãe, porque seu padrasto tinha deixado para ela um valor considerável de dinheiro, em seu testamento. Mas Vânia reteve.

Agora era necessário entrar em contato com o advogado e pedir que ele enviasse o dinheiro para sua conta, e não iria se furtar de pagar as taxas e impostos para ter o dinheiro a sua disposição.

Mas olhando as contas do pai., ela soube que havia dinheiro mais que suficiente para seguir com a construção, então ela tomou todas as medidas necessárias para poder mexer com a conta bancaria do pai.

Alice conseguiu finalizar a obra, decorar e inaugurar a Pousada das Oliveiras. Foi emocionante ver seu pai cortar a fita de inauguração, diante de autoridades locais e  de convidados especiais. 

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Luana chegou com as compras e Alice foi ajudá-la com as sacolas. Enquanto guardavam os produtos, elas conversavam.
-- E como foi a reunião? Perguntou Luana.
-- Boa. É uma festa grande, falaram em duzentos convidados, mas vão confirmar até semana que vem. Eu falei que os pais e padrinhos tinham garantido as acomodações aqui. Que precisamos de todos os dados. Querem tudo do bom e do melhor.
-- Que bom. E cardápio? Qual eles escolheram?
-- Pois é... A noiva ficou em dúvida, vai resolver. São muito esquisitos os noivos. Não parecem apaixonados...
-- E o padrinho?
-- O que tem ele?
-- Ora, ele esticou o olho para ti. Eu vi!
-- Não... Engano teu, ele é contra o casamento, falou ali para o amigo, na frente da noiva, que aquilo era loucura. Não ia da certo. Era um erro.
-- Ele disse? E os noivos?
-- Riram dele. E disseram que ainda iriam ao casamento dele... São muito estranhos...
-- Mas o padrinho voltou, por quê?
-- Sim, ele voltou por causa das oliveiras, ele está nesse ramo também, e até industrializa o óleo. Ele vai voltar, quer conhecer a plantação.
-- Verdade? Me engana que eu gosto.
-- Vicente é o nome dele. Vai ligar para marcar.
-- Está bem. Vamos jantar, a nossa sopa está deliciosa.
-- Vamos, estou com fome.

Depois de ver um pouco de TV, Alice foi para seu quarto. Estava cansada e queria dormir mais cedo. Tomou um banho e deitou, apagou a luz e fechou os olhos para dormir. Mas Vicente continuava em seu pensamento e o sono se foi. Alice não conseguia dormir. Já cansada, quase madrugada quando enfim ela conciliou o sono e sonhou com Vicente.
No outro dia, ela acordou abatida, e Luana percebeu, e indagou:
-- Tu estás te sentindo doente? Estás tão abatida.
-- Não é nada. Custei a dormir. Acho que é a tal festa que deixou preocupada.
-- Tu vais a Porto Alegre?
-- Sim, tenho que levar o carro na concessionária, para a revisão e tenho muita coisa para comprar para sexta feira. Vou rever a lista, e tu precisas de algo mais?
-- Vou conferir a lista. O café está pronto. Eu já tomei.

Alice tomou um café preto e saiu logo em seguida. Pegou movimento na estrada, mas conseguiu chegar no horário marcado para revisão de seu carro. Demoraria cerca de duas horas para ficar pronto. Então ela resolveu ir fazer algumas  comprar em um local próximo dali.

Na calçada ela tentava acenar para um taxi, mas todos passavam ocupados. E ela não prestou atenção ao carro que parou logo adiante dela, com o pisca alerta ligado e o motorista acenando para ela. Foi um senhor que cruzava pela calçada que a avisou. Então Alice se virou e deu com Vicente oferecendo carona.
Ela se aproximou da camionete e disse:
-- Oi
-- Entra ai, não posso ficar parado aqui.
-- Ok. Disse Alice entrando na camionete.
-- Estás perdida por aqui?
-- Não, deixei meu carro na revisão e como tenho muitas compras para fazer, vou a uma loja aqui perto, enquanto o carro não é liberado. Depois vou para o supermercado.

 Vicente a acompanhou nas compras. Alice estava encantada com o jeito dele, que dava opiniões e a ajudou a decidir vários itens. Ele a deixou na concessionária, não sem antes convidá-la para almoçar.

Ele esperava por ela no estacionamento do restaurante. Ela chegou, estacionou ao lado do carro dele. E ela a conduziu para dentro do salão de almoço.

Era um lugar amplo, bem decorado e com paredes de vidro, que iluminava o ambiente. Era um lugar sofisticado. E Alice percebeu que ele era frequentador assíduo pelo modo com foi tratado.

Foi um almoço  muito saboroso e a conversa agradável, e o tempo passou e quando Alice viu a hora ficou inquieta. Ela ainda tinha muito que fazer. Vicente a acompanhou e até o carro, Alice agradeceu a Vicente a gentileza, pediu desculpa e saiu apressada.
Ele ficou olhando ela se afastar. Que mulher encantadora!

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Alice chegou com um novo olhar, mais brilhante e com um lindo sorriso no rosto, e isso não passou despercebido por Luana, que com malicia perguntou?
-- Então, como foi? Correu tudo certo?
-- Sim! Foi um dia excelente...
-- Ah é?  O que aconteceu de extraordinário? Cruzou com algum “gato” no caminho?
-- Deixa de ser tão curiosa... Eu encontrei com Vicente e ele me convidou para almoçar, apenas isso. Está satisfeita?
-- Obrigada pela informação. Agora sei a razão desse brilho no olhar... E Luana se afastou sorrindo. Sua amiga estava animada com o rapaz.

O fim de semana foi agitado. A festa de casamento tinha sido um sucesso. A decoração tinha ficado incrível e os doces maravilhosos.  Foram só elogios...
Era segunda feira e Alice recebeu o comunicado de que a festa do próximo fim de semana estava cancelada, pois os noivos haviam brigado e não haveria mais casamento.

Desde que começaram esse trabalho, nunca um casamento tinha sido cancelado, e tanto Alice com Luana estavam boquiabertas.
-- Imagina! Os noivos brigarem a ponto de desmanchar o compromisso uns dias antes do casamento... – Disse Luana.
-- Ainda bem que criamos o sistema de caução. Senão estaríamos no prejuízo. Eu já tinha comprado varias coisas para essa festa. Mas vamos aproveitar esse material. – comentou Alice.
-- Bem, um fim de semana de folga. Eu vou aproveitar e fazer um fim de semana a dois. Vou convidar Murilo para irmos para Torres. Adoro aquela praia e faz muito tempo que não vou lá visitar minha família.
-- Vai tranquila. Eu vou ficar por aqui...
-- Sozinha?
-- Claro! Vou contar os pés de oliveiras para ver se está certo a conta. – responde Alice rindo.

Na quinta feira Murilo e Luana tomaram a estrada rumo ao litoral. Alice os viu sair e foi para seu escritório. Estava revisando algumas contas quando foi interrompida por seu José, o caseiro:
-- Dona Alice, tem um homem querendo falar com s senhora.
-- Obrigada. Já vou ver quem é.
Alice levantou-se e foi até a janela espiar. Seu coração bateu mais forte quando viu o carro de Vicente estacionado. Ele estava ali.
-- Oi, tudo bem? Disse Alice se aproximando dele.
-- Oi... Eu vim sem avisar, não estou atrapalhando?
-- Não, vamos entrar. Estou de folga. A festa deste fim de semana foi cancelada. Os noivos brigaram...
-- Parabéns a esses noivos. Saltaram fora antes de a tragédia acontecer. Foram espertos.
-- Pois é... Venha vamos tomar um cafezinho, lá em casa.
E Alice o levou para a sua cozinha, no chalé onde morava. Ele entrou e admirou o espaço e a  cozinha incrível que ela tinha. E depois de olhar tudo ele falou:
-- Bah! Que casa legal. Essa integração de espaços ficou muito bem. Dá pra ver que ideia tua.
-- Sim. Eu reformei tudo. Essa casa é bem antiga, porém bem construída, embora seja de madeira tem uma estrutura muito boa, e quando reformei eu mandei preencher todas as paredes com isolante térmico e acústico.
-- Eu gosto de madeira, acho muito acolhedor.
-- Vieste para ver as oliveiras?
--Não hoje eu vim te ver... Respondeu Vicente olhando para ela com um jeito que a deixou encabulada.

Alice serviu o café  para ambos e ela ficou bebericando em silêncio. Vicente a olhava  enquanto bebia o café. Para quebrar aquele clima Alice começou a falar para ele sobre o tempo em que morou em Portugal. Vicente também contou sobre sua vida, sobretudo a época de rapaz, quando ele morou na Inglaterra, onde cursou a faculdade de Engenharia Industrial.

A conversa se prolongou e eles almoçaram e depois lancharam enquanto conversavam.  E já era quase noite quando Vicente foi embora. Ele despediu-se dela prometendo que viria no sábado para conhecer a plantação.

Ele tinha ficado impressionado com ela, pois Alice tinha uma educação européia tradicional.  Mas também, demonstrava ser uma pessoa corajosa e inteligente. Ela tinha enfrentado muitos dissabores em sua vida, mas sua tenacidade a fazia reagir positivamente. Vicente queria protegê-la. Surgiu em seu peito um sentimento forte, que ele não queria definir como amor. Mas o fato era que ela não saia de seu pensamento. Alice, a cada dia,  estava ocupando mais espaço em sua vida. E ele estava feliz com isso.

Depois que Vicente saiu, Alice não conseguiu deixar de pensar nele. Tinha sido um dia especial, e ela pode ver que ele era uma boa pessoa, que ele nutria bons sentimentos e agia de forma correta, com apenas uma exceção, as mulheres. Com as mulheres o comportamento dele era de adolescente, que queria conquistar “todas” e não se comprometer com nenhuma. E isso assustou Alice, porque ela estava percebendo que seu coração estava “caidinho” por Vicente.

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Os dias passaram e a amizade entre Alice e Vicente se fortalecia. Ele, até aquele momento, estava procedendo corretamente com ela. Nunca a beijara e nem tentara nada. Com certeza sabia  que ela era diferente.

No próximo sábado seria o casamento dos amigos de Vicente, Juliano e Natalia. E Vicente precisava fazer um discurso em homenagem ao casal. Então na quinta feira ele apareceu na pousada, precisava da ajuda de Alice.
Ele entrou no escritório e implorou:
-- Me ajuda. Eu não sei o que falar. Como posso fazer uma reflexão sobre algo que sou contra.
-- Sejas sincero. Mas primeiro enumere as razões pelas quais tu és contra o casamento. E depois faça uma correlação entre o que o faz  pensar  assim e como o casal de noivos vive a sua relação, o seu amor.  Tu os conheces bem. Só depois escreva o teu discurso.
-- Eu preciso que tu me ajudes a refletir.
-- Ok. Vamos sentar no pergolado da piscina, lá estaremos sossegados.

Vicente caminhou ao lado de Alice até a área da piscina em silêncio. Estava pensativo. Eles sentaram em um banco a  sombra e ele olhou para ela e falou:
-- Eu já vi tanta traição de pessoas que se diziam apaixonadas ao casar. E não apenas os meus amigos homens, mas principalmente as mulheres. Casam e depois eles não se respeitam... Como acreditar no casamento?
-- Não é o casamento em si. Hoje as pessoas só pensam em festas. Eu vivo disso, e sei o que as noivas querem. Gastam fortunas apenas para mostrar que estão casando. Para o homem, essa questão de festa, é fru-fru  feminino. Mas eu acredito no amor, um amor puro e verdadeiro, que une duas almas e se torna eterno. E esse amor é celebrado pelo casamento, a entrega total ao outro. Um amor que faz sentir paixão e desejo pela mesma pessoa todos os dias, um amor fiel, um amor que sobrevive às intempéries da vida.
-- Isso não existe. É coisa de novela.
-- Existe sim. É raro nos dias de hoje, mas existe. E eu penso que a pessoa que vive um amor assim é feliz e faz a felicidade de seu parceiro. Eu gostaria de sentir esse amor...
-- Não tens medo de não ser correspondido?
-- Talvez eu possa ter o azar de amar a pessoa errada. Mas imagino como seria com a pessoa certa, que me amasse na mesma proporção. Encontrar um homem que não se interessasse por nenhuma outra mulher, um homem o qual, seus olhos seriam só meus, ah... Como seria bom!
-- Tu és romântica...  Eu não consigo imaginar amar apenas uma mulher pelo resto de minha vida.
-- E nunca serás feliz... Eu te vejo pulando de galho em galho, sempre sozinho e triste.
-- Credo!
-- Penso que já te ajudei bastante. Fica ai meditando sobre o amor que une os teus amigos e faça as comparações. Mas não escreva nada. Na hora da festa, fale de improviso sobre a tua reflexão sobre o amor. Vai ser legal te ouvir...

E Alice ficou conversando com Vicente sobre a vida. Era fácil conversar com ele, que entendia os seus pontos de vista, embora muitas vezes não concordasse.  Só no fim da tarde foi que ela se afastou, tinha ainda algumas  coisas para terminar.

Naquele dia ele ficou. E após o jantar Vicente a convidou para um passeio pelo jardim. Era noite de luar, e a claridade da lua deixava a vista do jardim exuberante.
Sentaram em um dos bancos e Vicente olhava para Alice com enlevo, não conseguia desviar seus olhos dela. Até que encabulada ela disse:
-- Eu acho bom entrarmos. Está frio...
-- Não! Esse brilho que o luar provoca em teus olhos me deixou fascinado. Venha, eu te aqueço. – E dizendo isso ele colocou o braço por sobre os ombros de Alice a trouxe para mais próximo dele.

Alice se aninhou perto dele, sentir o cheiro dele era bom, era um aroma de frutas cítricas misturado ao cheiro dele. Em seu intimo, a proximidade dele, provocou uma vibração, seu coração estava acelerado e sua vontade era ficar para sempre assim junto dele.
Vicente continuava olhando em seus olhos e Alice viu um brilho de paixão no fundo dos  olhos dele. Ela devia estar imaginando, um homem como aquele não iria se apaixonar nunca e quanto mais por ela.

Como se estivesse lendo o pensamento de Alice, Vicente a beijou com ardor. Foi um beijo profundo que a fez se entregar.  O beijo foi interrompido, mais uma vez seus olhos se encontraram e suas bocas se buscaram, e eles beijaram-se com intensidade.

De repente Vicente afastou-se de Alice. Levantou-se dizendo que precisava ir embora. Ela ficou atônita, não estava entendendo o comportamento dele. Também levantou e o acompanhou até o carro.
-- Desculpe! Eu não devia ter feito isso. Não contigo... – disse Vicente antes de entrar no carro.
-- Tudo bem, responde Alice. Ela nem sabia o que dizer. Realmente ela estava estranhando o jeito dele.
Ele ligou o carro e saiu sem mesmo dar um abano. Parecia que estava fugindo dela. Alice foi para seu quarto. Sua cabeça estava girando. Ele a tinha  arrebatado com aquele beijo,  para depois fugir.

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O sol brilhava desde cedo. Estava um dia lindo, com uma temperatura amena, e era o ultimo sábado do mês de maio. Era o dia do casamento mais esperado. Elas estavam com tudo pronto. Alice estava nervosa. Iria encontrar com Vicente, e não sabia como agir.

Mas não era só ela que estava na expectativa do encontro. Vicente também. Ele havia agido como um transtornado naquela noite. Mas ele tinha suas razões, reconhecia que Alice era uma mulher especial e não merecia as patifarias dele.

Ele chegou cedo. Queria vê-la  antes dos demais. Foi até o escritório e a encontrou conferindo a lista de convidados, ele entrou silenciosamente e falou quase num sussurro:
-- Oi, tem um tempinho?
-- Oi... Sim. Pode sentar.
-- Eu te devo uma explicação...
-- Não. Eu te disse que está tudo bem. Vamos deixar assim, é melhor.
-- Ok. Continuamos amigos? Perguntou ele com um sorriso torto e um olhar preocupado.
-- Sim. Amigos.  Disse Alice tentando sorrir.

Logo os convidados começaram a chegar e Alice foi realizar o seu trabalho. Vicente ficou por ali, foi até a janela e viu o jardim e o banco em que aquela noite eles tinham se beijado. Céus! Ele ainda sentia o sabor dela...

A cerimônia foi impecável, e no momento do brinde aos noivos, Vicente falou com desenvoltura sobre o amor, como se ele soubesse o que é amar. Algumas das convidadas comentaram sobre a falsidade das palavras dele. Eram aquelas que tinham sido deixadas por ele. E nesse grupo estava Gabriela, prima da noiva, que recentemente havia sido vitima do charme de Vicente.

De onde estava Alice escutou a conversa delas. E ficou pensando, que o que elas falavam sobre ele, não fechava com o Vicente que ela conhecia. Não podia ser a mesma pessoa.

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O tempo passou e Vicente sumiu.

Alice conheceu Guilherme, que era amigo de Murilo. Ele era um cara legal, alto, forte e alegre. Ele tinha uma loja de moveis infantil no shopping. E estava interessado, aliás, muito interessado em Alice.

Guilherme gostou de Alice assim que a viu. Era a mulher dos seus sonhos. E por isso ele não deu trégua, até que ela aceitou o seu convite para jantar. Ele a levou em um restaurante recém inaugurado. Era um lugar da moda. Para aquela ocasião, Alice havia comprado um vestido novo. Era primavera e por isso ela escolheu uma tonalidade de azul mais vibrante.

Quando eles entraram no restaurante, Alice percebeu que muitos olhares foram dirigidos a ela. Realmente ela estava bem vestida, e antes de sair de casa olhou-se no espelho e se achou bonita.

O restaurante tinha um ambiente acolhedor, refinado e de muito bom gosto. A mesa reservada para eles ficava mais ao  canto do salão. Eles sentaram, fizeram o pedido, e Alice observava o salão enquanto Guilherme escolhia o vinho.

Seu coração disparou quando ela viu Vicente entrar acompanhado de uma linda mulher. Ela baixou os olhos e virou a cabeça para não ser vista por ele. Suas mãos tremiam. Tal foi sua emoção ao rever o amigo.

Ela queria iniciar um assunto com Guilherme, mas seu cérebro estava oco, e nada surgiu em seu pensamento. Então ela apenas olhou para frente, esperando que Guilherme falasse alguma coisa.

Mas ela tinha sido vista por Vicente, que não hesitou em vir,  sozinho, cumprimentá-la. Alice ficou surpresa e apresentou Guilherme como um bom amigo. Trocaram breves palavras e ele retornou para sua mesa.

O jantar foi tenso para Alice. Ela não conseguiu manter uma conversa inteligente com Guilherme, e o assunto escasseou. Cedo eles foram embora. Quando ele estacionou o carro em frente ao prédio, do pequeno apartamento que Alice tinha adquirido em Porto Alegre, ele perguntou:
-- Quem é aquele cara? Um antigo namorado?
-- Não, meu amigo. Sempre fomos amigos...
-- Mas tu ficaste diferente depois que ele falou contigo.
-- Pode ser. Fazia muito tempo que não nos víamos. E também eu estou com dor de cabeça. Peço desculpas. Não fui uma boa companhia. Estraguei tua noite.
-- Não. Só não quero passar por boboca.
-- Não! Imagina.
-- Quando vamos sair novamente?
-- Não sei, estamos com a agenda cheia. E agora eu estou só. Depois que Luana casou, não posso mais me afastar de tudo. Ela era meu braço direito.
-- Ok. Então até qualquer hora.

Eles se despediram e Alice soube que Guilherme ia buscar outro rumo. Melhor assim. Se as coisas se firmassem entre eles, a dor seria maior. Seu coração era de Vicente.

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O tempo passou...

Alice sentia-se muito só. Depois que Luana casou e foi morar em Florianópolis, ela não tinha ninguém para dividir as preocupações e até os seus anseios. E não passava um dia sequer sem Alice  pensar e desejar a presença de Vicente.

Até então, ela não tinha entendido por que ele havia se afastado dela tão radicalmente. Ele simplesmente a cortou de sua vida. E isso depois daquele beijo que trocaram ao luar. A ultima vez que eles se viram, ela estava com Guilherme.

Ela sentia muita falta dele. Era tão fácil conversar com ele, eles davam tanta risada quando estavam juntos e ele a olhava de um jeito especial. Eles se compreendiam e se respeitavam... A amizade foi breve, porém muito intensa.

Mas ela não podia se deixar levar pela tristeza. Tinha um sonho a realizar e de onde seu pai estava, com certeza, ele devia estar contando com o sucesso dela. Por isso, todos os dias, Alice buscava uma nova energia para seguir em frente.

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Alice estava muito atarefada, recém tinha acertado tudo, com Vera, a nova responsável pela cozinha. Tinha sido um período complicado, depois que Luana deixou a pousada. Mas agora ela estava com esperança que tudo daria certo. Ela tinha escolhido uma mulher mais madura e muito bem recomendada.

Era uma quarta feira e estava uma tarde bem quente. Era quase dezembro. Alice deixou o escritório e foi para o jardim. Precisava falar com seu José sobre o canteiro de flores.

Alice caminhava pelas alamedas quando escutou barulho de motores de carros, então voltou. Se fossem  clientes ela precisa estar por lá para recebê-los. Quando ela chegou à frente da pousada viu que eram mais carros estacionados,  e um bando de gente em torno deles. Ela ficou apreensiva. Tinha receio de grupos de jovens, porque normalmente eram baderneiros

Ela logo acionou os seguranças. Deixar a porteira aberta era problema. Precisava fazer uma cancela e monitorar a entrada dos clientes. Era o mais seguro para todos. Câmaras ao redor do prédio já tinham sido instaladas.

Os seguranças dispensaram os jovens e ela estava se dirigindo novamente para o jardim, quando outros dois carros estacionaram. Agora sim deveriam ser clientes, pelo modo de agir.

Alice voltou e seu coração ficou agitado, quando seus olhos viram Vicente caminhando em direção a ela, acompanhado por uma mulher muito bonita e mais dois casais.
Suas pernas tremiam, mas ela precisa agir com naturalidade. Então colocou um sorriso nos lábios e esperou eles se aproximarem:
-- Olá, em que posso ajudá-los?
-- Oi, como vai? Trouxe mais um amigo para se “enforcar”... Disse Vicente a olhando nos olhos com aquele jeito especial, que fazia seu coração derreter.
-- Muito bem. Sejam bem vindos. Vamos passar ao escritório...

Todos seguiram Alice, só Vicente tomou outra direção. Foi para o jardim, e sentou no mesmo banco, que lhe trazia boas recordações.
Ali sentado deixou seu pensamento livre, ele gostava tanto daquele lugar, sentia uma falta imensa de estar junto de Alice, sorria ao lembrar as pilherias dela, que era tão divertida, alegre, companheira, sincera e, sobretudo, verdadeira.

Sei peito ficava apertado ao pensar que ela poderia estar amando outro homem, e que não seria ele o afortunado que desfrutava de sua presença, de sua beleza e de seu amor.
Vicente levantou e foi andar pela plantação. As oliveiras eram o que tinham em comum...

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Enquanto Alice anotava as escolhas da noiva, ela não deixou de escutar a conversa entre as outras duas.
-- Eu já disse para o Vicente, também quero casar aqui. Agora que vi esse lugar com meus próprios olhos, já decidi.
-- Tu falas como se fosse casar logo. Primeiro tu precisas convencer Vicente a aceitar a ideia de casar.
-- Eu sei, mas já passei no teste. Estamos juntos há muito tempo. Oito meses.
-- Bem, eu não teria tanta certeza...
Esse trecho de conversa fez o coração de Alice entrar em pânico...
Eles estavam prontos para irem embora, mas onde estava Vicente? Até o carro não estava mais lá.

Então decidiram ir embora. A namorada dele ficou indignada com a atitude dele e disse em alto e bom som “com quem ele pensa que está tratando? Tem volta.” Ninguém retrucou. Entraram no carro e foram embora.

Depois de um tempo Vicente retornou a pousada e foi ao escritório, precisava falar com Alice. E de fato a encontrou ali. Ele entrou devagar e sentou-se de frente para ela, que parou o que estava fazendo e olhou para ele.

Seus olhos se encontraram e ela pode ver chama que continuava existindo naqueles olhos tão intrigantes. Alice se sentia vulnerável diante daquele olhar tão absorvente. Sempre tinha sido assim, desde que se conheceram, Vicente comunicava muitas coisas através do olhar, sobretudo sua intimidade. Seria apenas com ela?

Mas Alice dominou seus devaneios e perguntou:
-- Aonde andavas? Teus amigos já se foram...
-- Eu sei. Eu estive na plantação... E também que queria poder conversar um pouco contigo, sinto muita falta de ti.
-- Eu também. Ficas para jantar comigo?
-- Sim, eu fico. Mas antes preciso te avisar que têm algumas árvores doentes. O pessoal que te dá assistência tem vindo regularmente, revisar as árvores?
-- Eu me desentendi com eles. A  ultima safra me rendeu muito pouco e não por falta de frutas. Eles cobraram um preço muito alto pelo serviço  e pagaram muito pouco pelo produto. Não gosto de ser explorada.
-- E como vais ser a próxima safra?
-- Pois é, estou preocupada.
-- Eu vou te mandar um amigo meu, o Ricardo, ele é especialista nessa cultura, vai resolver o problema das arvores doentes e te indicar pessoas de confiança para colheita.
-- Obrigada! Fico te devendo essa. Bem vou encerrar por aqui. Que tal um banho de piscina antes do jantar?
-- Bah, isso é uma ótima idéia. Preciso de calção.
-- Tu deixaste uns aqui, lembra?
-- Não....

Aquele fim de tarde foi magnífico. Alice estava feliz. Estar com Vicente a deixava relaxada e alegre. A conversa entre eles fluía,  ele era engraçado e a fazia rir.

Ela preparou uma salada verde com legumes e atum. Abriram um vinho para acompanhar a refeição. A noite desceu e Alice não deixou Vicente pegar a estrada. Ele havia bebido. Então preparou o quarto de hospedes para ele. Pouco se importava se os funcionários iram pensar mal dela.

Mas a noite foi um suplicio para Vicente, sabia que ela estava ali tão próxima dele e sua vontade era amá-la como ela merecia ser amada. Ele queria se entregar de corpo e alma para ela. Porém ele nem tentaria, Alice era um tesouro de pessoa e ele jamais a magoaria. Ele não tinha temperamento para permanecer por muito tempo em uma relação. Mas a verdade era que ele estava sofrendo, por não poder ter Alice em seus braços, isso era um castigo.

Na manhã seguinte, Vicente saiu muito cedo, escreveu um bilhete para Alice. E o deixou sobre ilha da cozinha dela.

Quando ela acordou, logo percebeu que Vicente tinha ido embora, uma tristeza se abateu sobre ela. Encontrou o bilhete e leu:
Minha querida tu és especial.
Eu te adoro.
Com muito amor
Vicente.

Alice levou o bilhete aos lábios. Ela tinha certeza de que era muito amada por ele.. Guardou com cuidado o bilhete na gaveta de sua cômoda. E foi preparar o seu café.
Cedo da tarde Alice recebeu uma ligação de Vicente, confirmando a visita de Ricardo a plantação. E no outro dia a primeira hora da manhã o jovem engenheiro agrônomo se apresentou a ela.

Ele era um rapaz simpático, bonito e muito tagarela. Alice simpatizou com ele, e aceitou o seu convite para acompanhá-lo na visita a plantação. Ele falou o tempo inteiro, passando muitas informações para ela. Fizeram um intervalo para o almoço e Ricardo retornou ao trabalho. Mas na parte da tarde, ela não foi. Estava com a tarde comprometida.

Os dias passaram e Ricardo se tornou uma presença constante na pousada. E como conseqüência  disso, ele havia se tornado um bom amigo para Alice. Ele a convidou várias vezes, até que ela aceitou sair com ele. Ela gostava muito dele, mas ao nível de amigo. E Alice nunca mais se sentiu sozinha e triste, pois Ricardo estava sempre por perto com seu jeito alegre e brincalhão. E com isso, a cada dia, Ricardo cativava um pouco mais do coração de Alice.

Ele demonstrava estar apaixonado por ela e não fazia segredo disso. E até contou para Vicente sobre sua intenção de se casar com Alice. Que muito surpreso perguntou?
-- Verdade? Já marcaram a data?
-- Não, ainda não falei com ela sobre isso, mas eu já estou com os planos feitos, ela é um tesouro de pessoa, outra igual nem procurando a dedo, por isso não vou a deixar escapar.
-- Mas há um compromisso entre vocês, estão ao menos namorando.
-- Não, por enquanto estamos como amigos. Eu estou a conquistando devagar. Ela teve muitos desencantos na vida, e eu sei que ela tem um cara de quem ela gosta, mas ele é um  cafajeste, segundo ela mesma me falou, um cara que só quer usar as mulheres, e as troca como se fossem suas camisas.
-- Bah... Tu tens um longo caminho até poder realizar teus planos.
-- Sim, porém eu sou paciente...

Depois dessa conversa com Ricardo, Vicente mudou. Simplesmente parou de sair para se divertir na noite. Pois se considerado um cafajeste, por Alice, calou muito fundo em seu peito.
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O casamento dos amigos de Vicente seria no próximo fim de semana, e como era uma festa com muitos convidados e a noiva tinha exigido a festa mais cara, Alice estava concentrada em seu trabalho. Ela havia contrato pessoas extra, para ajudar em todos os setores.

Ricardo se propôs a  ajudar também, sobretudo durante a festa. Ele sempre ficava perto de Alice, nas festas, pois tinha receio que a bebida em excesso, pudesse provocar algum tipo de desordem, coisa que nunca tinha acontecido.

Era verão e a festa havia sido programada para ser no terraço. Seria noite luar, mas havia previsão de temporal e Alice estava preocupada. Resolveu ligar para a mãe da noiva contando sua aflição, e recomendando que montassem as mesas no salão e se deixaria todas as portas abertas, o que deixaria o terraço integrado. Mas a decisão foi manter no terraço.

Alice estava descontente com a decisão da mãe da noiva. Então decidiu ocupar os dois espaços de forma sutil. Colocou  as mesas, inclusive a principal no salão, e fez uma decoração arrojada. E no terraço colocou moveis de jardim compondo diferentes ambientes e a pista de dança. Se chovesse a correria seria mínima.

Estava tudo pronto, tudo muito bonito. E Alice foi se arrumar para esperar os convidados. Ela recém tinha saído do banho quando escutou movimento em sua casa. Abriu uma fresta da porta e viu que era Vicente que estava na cozinha tomando uma cerveja. Então ela falou:
-- Oi, fique a vontade. Estou me vestindo.
-- Ok. Capricha! Quero te ver arrasando...
-- Farei o possível, Alice respondeu rindo. E pensou, que com Vicente era assim, não havia elo perdido, mesmo que ficassem muito tempo distantes, era como se tivessem passado o dia juntos. A conversa era natural.
E quando ela surgiu diante dele, ele perdeu a fala. Ela estava linda demais e ele não queria perde-la. Faria de tudo para mostrar a ela que ele estava regenerado.
-- Nossa! Tu estás muito linda, parece uma deusa grega.
-- Afrodite?
-- Sim, Afrodite a deusa da beleza e do amor. Tu fazes os corações masculinos balançar, pode estar certa disso...
-- Só não balanço o teu.
-- Será? Tenho duvidas...
-- Bem preciso ir, devo esperar os convidados. Tu ficas por aqui?
-- Sim, um pouco mais. Preciso pensar.
-- Só não pensa demais, disse Alice rindo enquanto se dirigia a porta.

Vicente ficou olhando ela se afastar. Ela estava divina com aquele vestido azul escuro. Ele realmente tinha acordado para o amor que vibrava em seu peito. Ele tentou de muitas formas, esconder de si mesmo o amor que ele nutria por Alice. Mas agora ele não podia mais ignorar esse sentimento forte e verdadeiro que transbordava em  seu peito. Ele estava decidido, já sabia o que fazer.

Quando Vicente estava entrando no recinto, avistou Alice com Ricardo ao seu lado. Mas isso não fez Vicente se desviar de seu propósito, então tomou lugar do outro lado de Alice.
Ricardo o cumprimentou com aceno de cabeça e com um olhar indagador. Ele fez que não viu, e Alice deu um sorriso acolhedor, e Vicente permaneceu ao lado dela o tempo todo.

Depois da cerimônia, quando todos foram convidados para se dirigirem ao salão, Alice disse a Vicente:
-- Os lugares são marcados para o jantar e tu estas colocado em uma mesa de mulheres sedutoras. Deves ir para lá agora.
Ricardo que também não deixava a guarda de Alice, apenas escutou o que eles falavam sem se intrometer.
-- Obrigada. Cansei dessas mulheres. Quero paz.
-- Isso é a velhice chegando? Perguntou Alice querendo debochar dele.
-- Não, amadureci e estou me guardando para a mulher de minha vida. – E olhou intensamente para Alice, que ficou visivelmente encabulada diante daquele olhar.
-- Então apenas vá jantar. – disse ela.
-- Eu passei pela cozinha e dona Vera me ofereceu um prato cheio de coisas boas, e agora estou sem fome. Vou ficar por aqui com vocês.
-- Não estás sendo indelicado com  os teus amigos, os noivos?
-- Eu estou aqui, não estou? Penso que posso ter a liberdade de não querer jantar, dançar ou conversar com os outros convidados. Talvez chame atenção...
-- Bem... Tu és quem sabes.

Ricardo estava só escutando, achou melhor não se intrometer, mas estava achando estranha a atitude de Vicente. A festa transcorria tranquila, os noivos já tinham dançado, e agora os convidados ocupavam a pista de dança no terraço.
O ar estava pesado e ao longe se via relâmpagos.

De repente um houve um alarido. Duas mulheres estavam brigando, estavam trocando tapas e puxões de cabelos. Os que estavam dançando pararam para assistir o espetáculo, e muitos riam delas. E ninguém interferia. Então Alice acionou os seguranças para separar as duas.

As duas tinham bebido demais e estavam brigando por causa de Vicente. Ele quando soube deu uma sonora gargalhada e Alice ficou furiosa com ele. Ela estava sentindo uma mistura de indignação e ciúme.

Ele se aproximou de Alice e disse ao seu ouvido:
--Meu amor, eu não tenho culpa. Essas mulheres são loucas. Cansei! Não vou nem tomar conhecimento...
-- Tudo bem, realmente tu não tens culpa.
-- Vou te provar que mudei de vida.  E tenho uma razão muito forte para manter esse meu novo modo de viver.
-- Estou tentando acreditar. Preciso de um tempo... – respondeu Alice rindo.
-- Podes rir... Eu não me importo.

Ricardo percebeu que entre Alice e Vicente tinha um algo mais, não era só amizade. Ele ficou chateado com a atenção que Alice dava a ele. Ele sabia que ela gostava de alguém e agora sabia quem era.

 E estava arrependido de ter falado sobre Alice com Vicente. Ele tinha sido um idiota. Claro que Vicente também gostava dela. Mas não iria desistir.

O prenúncio de temporal fez a festa terminar mais cedo. E quando a chuva chegou foi muito intensa. E Alice convidou “os rapazes” para ficar na casa dela, já que a pousada estava totalmente ocupada e os alojamentos também.

Alice acordou e viu que Ricardo, que tinha dormido no sofá, já tinha ido embora, e a porta do quarto onde Vicente estava dormindo, ainda permanecia fechada. Ela bebericou um café puro, e saiu para caminhar entre as oliveiras.

Ela gostava do cheiro  de terra molhada. E caminhar em meio a plantação a fazia lembrar seu pai. Alice tinha acordado sentindo um vazio em seu peito. E lágrimas brotaram em suas faces, enquanto andava o seu pensamento voava de volta ao passado. Para um tempo em que se sentia muito amada por sei pai.

Agora era só solidão em sua vida.

E foi assim, encostada em uma árvore, que Vicente a viu. E  ele se comoveu. Alice precisava de felicidade, de uma vida tranquila, e de um homem que a amasse profundamente, e esse homem era ele, e ele estava ali a poucos passos dela.

Ele se aproximou e a abraçou com carinho. Secou suas lágrimas com caricias. Vicente não perguntou nada, apenas ficou abraçado a ela. Ele  queria ficar assim para sempre.
Alice encostou a cabeça no peito de Vicente e sentiu seu coração se acalmar. Um dia de cada vez, e nesse dia ele estava ali junto dela. Ela só queria curtir cada momento perto dele. Vicente trazia paz para o seu coração.

Caminharam abraçados pelo arvoredo. O cheiro da manhã era gostoso, a sombra das arvores criava um ambiente mágico. E tudo isso os envolveu e eles se beijaram com paixão. Foi nesse clima que eles retornaram do passeio matinal.

As pessoas ainda dormiam. Alguns funcionários estavam fazendo a limpeza do salão, e Alice levou Vicente para sua casa para tomarem um café de verdade, acompanhado de pão, manteiga, queijo e geleias.

Arrumaram  a cozinha e conversaram animadamente. Isso era comum entre eles. Sempre tinham muito que partilhar. Sentaram no sofá da sala e a conversa cessou.

Vicente olhava para ela com intensidade, e beijou novamente e sua mão a acariciava. Alice estava se entregando ao jogo dele. Mas de repente ela reagiu:
-- Não! Eu não me moldo ao teu modelo de vida. Eu não gosto de dividir, se é para ser meu, tem que ser inteiro e para sempre.
-- Eu sou teu por inteiro. Eu te amo.  Nunca senti por ninguém o que sinto por ti. Eu já te falei eu mudei. E eu te quero...
-- Tu me conheces e sabe o que penso. Eu não acredito no teu amor. As mulheres para ti são passageiras... Não quero ser mais uma.
-- Tu és única!
--Tu podes até gostar de mim, e sei que do teu jeito, eu sou importante para ti. Mas compromisso para vida inteira tu não assumes. E tu sabes que eu falo de casamento.
-- Eu quero casar contigo. Só preciso de uma chance para mostrar todo o meu amor por ti, a necessidade que tenho de estar perto de ti. Isso me consome, quando estou longe de ti.
-- Não acredito!
-- Eu vou te provar... E isso pode custar a nossa felicidade, e jogar fora o que tem de mais  lindo entre nós. Esse amor que sentimos um pelo outro. Só que depois pode ser tarde...
Dizendo isso, Vicente se levantou e foi pegar sua valise. Ele estava triste e desiludido. Alice não confiava nele. Ele saiu sem se despedir.
Alice ficou sentada vendo ele se afastar,  sem olhar para trás. Mais uma vez a tristeza invadiu sua alma... Por que ela havia se apaixonado por Vicente? Ele era  o cara mais complicado que ela conhecia.

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Os dias passaram. Logo seria Natal e nesta data a pousada não funcionava. E ela não tinha planos. Ficaria sozinha...
Vicente não deu mais noticias. Ricardo não querendo perder a oportunidade a convidou para passar o Natal com sua família. Eles moravam em uma fazenda em Encruzilhada do Sul, e além de oliveiras, havia nogueiras e videiras. E produziam suco de uva.

Alice aceitou o convite e não se arrependeu. A família de Ricardo era acolhedora, alegre e muito divertida. Ele era o mais moço dos  quatro irmãos, e como todos estavam casados e com filhos, a festa de Natal envolvia muita gente.

Ricardo a cercava de cuidados, ele era gentil e havia declarado seu amor por ela. Mas ela não havia se comprometido, pediu um tempo, ela precisava organizar seus pensamentos, e confessou que gostava de outro. Porém para Ricardo isso não era empecilho, pois ele tinha certeza que a vida com ele a faria esquecer  o amor desenganado, que só lhe causava sofrimento. Alice retornou a pousada pensando na proposta de Ricardo. Ele queria casar com ela.

Passados uns dias, Ricardo perguntou para ela:
-- Já tens a tua decisão?
-- Sim. Eu quero ir com calma, vamos namorar primeiro, vamos fazer todas as etapas...
-- Ok, eu aceito. Vou fazer tu te apaixonar por mim.
Ricardo ficou feliz, e  abraçou e a beijou com carinho.

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A vida corria tranquila.

Alice não havia se arrependido de nada. Namorar Ricardo era sinônimo de calmaria. Ele era um cara legal, correto, honesto e alegre. E depois de um ano de namoro, eles iriam noivar no dia de Santo Antonio e o casamento seria no fim do ano.

Ela não estava apaixonada por Ricardo, era Vicente que continuava reinando em seu coração, mas Alice havia decidido ser pratica, e Ricardo era um bom homem que a amava e daria segurança a ela.

Alice tinha feito algumas exigências, que Ricardo aceitou, e entre elas havia um item que se destacava, que era um namoro tipo tradicional, ou seja, relações mais intimas só após o casamento.

Mas quando Ricardo falou em noivar e quis marcar a data do casamento, Alice se apavorou. Ela não podia continuar com aquilo. Ela não o amava e estava o iludindo.
Sentia vergonha de si mesma por ter agido dessa forma. Esse não era um procedimento correto. Por isso ela se armou de coragem e falou sinceramente com Ricardo:
-- Tu queres casar comigo, mas eu não posso continuar com isso. Eu gosto muito de ti, mas não é amor, e  penso não é o suficiente para um casamento. Peço que me perdoe.
-- Eu sempre pensei que seria capaz de despertar o amor em teu coração, mas não consegui. E isso me entristece.
-- A mim também. Eu gostaria que fosse diferente... Se não quiseres mais vir aqui cuidar da plantação eu vou entender perfeitamente.
-- Sim. Será melhor deixar de te ver. Eu vou mandar  um colega. Vou falar com o Renato. Depois te aviso. Espero que sejas feliz...
-- Eu também, desejo do fundo do meu coração que encontre alguém que te ame como mereces. Porque tu és um cara muito legal.

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Já fazia mais de mês que Alice tinha terminado o namoro com Ricardo. Mas ela continuava tensa, uma tristeza tinha tomado conta de seu coração e não parava de pensar em Vicente. Alice tentava se concentrar em seu trabalho, mas tinha momentos que ela não aguentava, então chorava.

O mês de maio se aproximava, e sua agenda  estava cheia. Era quarta feira e ele tinha agendado duas noivas. Na parte da manhã foi Alessandra que era indecisa e queria de tudo um pouco. Foi difícil conseguir fazer a noiva entender que a decoração determinava  o estilo da festa.

Alice estava cansada, e na parte da tarde tinha a Gabriela, que não tinha preenchido a ficha, de maneira que ela não tinha informação alguma sobre os noivos e suas famílias.
Quando o casal entrou em seu escritório, Alice gelou. Ela ficou sem ar e cambaleou. Segurou-se em sua escrivaninha para não cair. Ela não faria a festa daquele casamento, isto estava decidido. Era só uma reserva e não havia contrato assinado. Então cheia de coragem ela disse:
-- Lamento, mas houve um engano, não tenho vaga para esse casamento.
-- Mas como, se eu mesma liguei e reservei a data. Disse Gabriela alterada.
-- Como a ficha estava incompleta nós não levamos em consideração, pois é temporada de festas e há muito trote.
-- Mas por quem me toma? Minha prima casou aqui, eu já estive aqui em outras festas. Meu noivo também.
-- Sinto muito. Mas não dá. Disse Alice com firmeza. Ela tremia por dentro, e não olhava para o noivo, mas sentia seu olhar sobre ela
-- Gabriela, tu estás nervosa, vai dar uma volta pelo jardim que eu acerto com a moça. – disse o noivo.
Gabriela como uma criança obediente fez o que lhe foi pedido. Depois que ela saiu, Vicente olhou pela janela e a viu caminhado pelas aléias do jardim. Então, ele virou-se para Alice e disse:
-- Por que não queres fazer a festa do meu casamento?
-- Porque não, é um direito que eu tenho.
-- Tu também não vai casar?
-- Não!
-- E o Ricardo?
-- Terminamos o namoro. Não tenho como continuar... Acho que não temos nada para conversar. Procure outro lugar, aqui não.
-- Qual o motivo para essa recusa? É de natureza pessoal? Ou é preconceito?
-- É por motivos particulares. Porque eu não suportaria ver... – disse Alice com a voz sumida.
Vicente  a olhou com ternura e seu coração se enterneceu, então falou:
-- Vais sofrer por minha causa? Por me ver casando com outra mulher? É isso? Tu  me amas? É isso...
-- Me deixa, vai embora. Essa festa de  casamento eu não realizo. E ponto final.
Vicente saiu e foi atrás de Gabriela e a pegou pelo braço e foram embora.

                                                    ---    ---    ---    ---    ---

Alice ficou muito perturbada com os acontecimentos. Ela deu algumas ordens a Vera e disse que se ausentaria, mas que na sexta estaria de volta para preparar a festa de sábado.
 E pegou seu carro e saiu. Foi para seu apartamento, pois era o único lugar que ela poderia ficar realmente só. Também desligou seu telefone,  não queria ser incomodada. 

Ela precisava pensar, e decidir o rumo de sua vida.
Alice entrou em seu apartamento e respirou aliviada. Ali era seu  refugio. Abriu a janela e deixou o sol entrar. Deitou-se no sofá e tentou relaxar. Seu coração ainda estava fora do compasso.

 Vicente não saia de sua cabeça. e imaginá-lo casado com outra mulher, era impossível. Ela deveria ter confiado nele quando ele pediu que acreditasse que ele tinha mudado de vida. E agora era tarde demais.

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A noite Vicente tentou falar com Alice e não conseguiu, ela estava com o telefone desligado. Ligou para a pousada e falou com a Vera, que disse a ele que ela estava fora só retornaria na sexta feira.

Vicente sabia que quando ela queria fugir, ia para seu apartamento, e ele sabia onde ficava o apartamento dela. Ele já tinha estado lá, há muito tempo. E era para lá que ele iria. Pelo menos para saber se ela estava bem.

Ele estacionou o carro e viu que havia luz no apartamento dela. Desceu do carro e  dirigiu a porta do edifício. Era um prédio antigo e não tinha portaria, e ele precisa saber o numero do apartamento para tocar o interfone. Mas nisso saiu uma senhora e ele com muito charme, sorriu e segurou a porta para a mulher passar. Então entrou no prédio.

Alguém bateu de leve na porta, e Alice abriu devagar para espiar quem era e deu com Vicente a sua frente. Que com um sorriso disse com brandura:
-- Oi sou eu, só preciso saber se tu estás bem.
-- Eu estou bem. Obrigado. Como tu me achaste?
-- Meu amor, eu te conheço profundamente. Eu me preocupo contigo e por isso estou sempre atento a tudo  que se refere a ti.
-- Tenho duvidas...
-- Não duvides de mim, nunca te enganei. Sempre fui sincero contigo. E tu sabes muito bem disso.
-- É eu sei...
-- Vamos comer uma pizza?
-- Estou sem fome.
-- Então só me acompanha, estou muito carente para comer sozinho...
-- Carente?
-- Sim. Posso entrar?
Vicente entrou e quando passou por ela fez um gesto de carinho e a beijou no rosto. Ela não recuou, mas também não retribuiu. Ele circulou pela sala e disse:
-- Eu preciso muito de ti.
-- E a tua noiva? Ela não te satisfaz?
-- Não. Eu ia casar com ela por despeito, porque  tu não me quiseste. E quase fiz essa loucura.
-- E não vai mais casar?
-- Não. Desisti quando tu disseste que me ama.
-- Eu não falei isso.
-- Disseste que sofreria se eu casasse com outra.
-- É, eu falei...
-- Para mim foi uma declaração de amor. E meu peito se apertou, e eu vi a besteira que estava fazendo.
Alice não disse nada, apenas olhou para Vicente, que ainda caminhava pela pequena sala.
-- Por que tu não  senta? Está me deixando tonta...
Vicente parou de andar, mas não sentou. Mas fez uma pergunta direta:
-- Eu tenho alguma chance?
-- Talvez. Mas me dá um tempo.
 -- Pelo menos não é uma negação. Agora posso respirar mais aliviado. Vamos pedir uma pizza. Eu estou morrendo de fome.

A partir daquele momento a tensão baixou e eles comeram e conversaram como velhos amigos. O que na realidade eles eram. Eles tinham uma forte ligação, que unia suas almas. Era um amor mais forte do que eles podiam imaginar, e saber  que em breve estariam juntos, os deixou tranquilos.
Naquele fim de semana Vicente foi para a pousada.

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Os dias passavam e Vicente estava feliz. Alice havia aceitado ser sua namorada. E foi nessa condição que ele a levou para conhecer sua família. Logo de chegada, dona Carmela, a mãe de Vicente disse:
-- Tu és a primeira moça que meu filho trás para eu conhecer. Acho que agora ele encontrou o que tanto procurava. Seja bem vinda minha querida.
-- Obrigada. Disse Alice um pouco sem jeito, e ficou vermelha como uma adolescente quando seu Carlos,  completou:
-- Meu filho tem bom gosto. Tu és encantadora.
-- Puxei a ti meu pai. Disse piscando para sua mãe.

Alice gostou muito dos pais dele, que eram um casal simpático e alegre. Dona Carmela era uma mulher elegante, mas muito simples, assim como sua irmã  Juliana, que estava noiva e em breve casaria e iria morar em Buenos Aires. Vicente era a cópia fiel do pai, que apesar da idade ainda era charmoso. Ela havia gostado muito de seu Carlos.

Ela foi recebida com muito carinho por todos e deu para perceber que Vicente era o xodó de sua mãe e era muito  querido por sua família. Alice gostou de estar com eles. Sentia-se parte da família.

Quando saíram Alice perguntou:
-- É mesmo verdade que nunca levaste nenhuma namorada para conhecer tua família?
-- Sim. Dona Carmela não costuma mentir. – respondeu ele rindo.
-- É sério?
-- É sério. Eu caí no teu feitiço do amor. Sabe aquele tipo de amor que tu me falaste? É esse mesmo que eu sinto, te quero para o resto dos meus dias. Tu és a única em minha vida, e acho que sempre foi, pois as outras só passaram por mim. Mas nem quero mais olhar para outra mulher que não sejas tu.
-- Mesmo?
-- Eu me entreguei totalmente para ti. Estou perdido... Mas o que posso fazer. Sou refém do meu amor.
                        
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Vicente a levou para conhecer a sua fazenda, a plantação de oliveiras e a indústria de óleo. E ela viu que ele era um trabalhador. Aquelas terras pertenciam a ele, pois ele as herdara do padrinho. Era um lugar muito bonito.
Enquanto caminhavam pela fazenda, Alice observou:
-- Esse lugar é muito bonito. Uma casa aqui neste ponto seria fantástica. Imagina com toda essa vista.
-- Sim. Tu és a minha arquiteta. Pode planejar.
-- Queres morar aqui?
-- O que achas dessa idéia?
-- Sim, eu gostaria muito, mas e a pousada?
-- Meu amor, a pousada não precisa ser administrada por ti. Contratamos pessoas competentes  para cuidar de tudo. O sonho do teu pai está lá, continuará sendo realizado.
-- É acho que tens razão. A Luana e o Murilo estão voltando. Acho que eles gostariam de assumir esse trabalho.
-- Talvez. Por que estão voltando? Não deu certo?
-- Financeiramente eles estão bem. É problema de adaptação. Ela não se deu por lá.
-- Hum. Mas antes de fazer a proposta para eles vamos conversar mais a respeito. Combinado?
-- Sim. Então vamos morar aqui. Hoje mesmo vou começar a planejar nossa casa...
-- Ok. Nada de adiar o casamento. Não quero esperar mais.
-- Eu também. Ficamos na casa atual. É tão acolhedora.
Vicente e Alice estavam vivendo a felicidade.

Juliana tinha proposto para  fazerem um casamento duplo. Mas d. Carmela não gostou da ideia. Achava que cada um deveria ter o seu momento. Então ficou acertado que Vicente e Alice casariam antes. Isso por insistência de Vicente.

Alice preferiu uma cerimônia simples, com a presença da família e amigos mais próximos. Ela que tinha feito tantas festas de casamento, para si não quis. Vicente aceitou o modo simples de sua noiva.

Alice tinha organizado seu próprio casamento e maneira inédita. Ela preparou um ambiente entre o jardim e a plantação. E a sombra das oliveiras ela preparou o local da cerimônia, e ficou tudo tão lindo, tão delicado e todos os convidados ficaram deslumbrados.

Vicente a aguardava, e quando a viu se aproximar vestida de noiva ele não conseguiu dominar sua emoção, e lágrimas escorreram por suas faces. A sua Alice estava ali, diante dele, vestida de branco e com simplicidade, mas muito elegante e lindíssima. Havia um brilho em seu olhar que cintilava sobre seu sorriso.

E Vicente agradeceu a Deus por ter colocado Alice em seu caminho. Ela era tudo o que ele sempre imaginou para si. Ela era pura e seria apenas dele. Após serem declarados casados, eles se beijaram com a certeza de que viveriam a felicidade pelo o resto de seus dias.
                                             Maria Ronety Canibal
                                                       Maio 2018 
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