ARREBATADA
Era
a primeira entrevista de trabalho de
Camila. Ela se vestiu com cuidado, pois queria causar boa impressão. Estava
muito nervosa, e quando foi chamada por seu entrevistador, Camila entrou na
sala com pressa e seu salto inclinou e ela quase foi ao chão. Só não caiu
porque Fernando a amparou, e teve que segurar seu riso para não constranger
mais a pobre moça.
Fernando
indicou a poltrona para ela sentar. Camila sentou-se com elegância, e tentou
mostrar segurança. Mas suas faces ainda estavam ruborizadas. Fernando muito
gentil ofereceu a moça um copo com água, e só após ela ter tomado alguns goles,
que de fato ele se voltou para ela para iniciar a entrevista.
E
ele viu ali, uma moça muito bonita, com um porte elegante, e com um olhar
límpido. A beleza da moça e aqueles lindos olhos azuis o estavam perturbando.
Mas precisava fazer o seu trabalho.
Ao
final da entrevista Fernando estava surpreendido pela inteligência e
conhecimento que ela demonstrara. Camila realmente estava capacitada para
aquela função. Ela trabalharia diretamente com ele.
Ele
a cumprimentou e disse que estava contratada. O rosto de Camila se iluminou e
ela abriu um lindo sorriso. Ela saiu da sala com cuidado não queria dar outra
“derrapada”.
Camila
tinha vontade de vibrar. Tinha conseguido trabalho. No outro dia iria ao
departamento de pessoal da empresa e na segunda feira às 9h iniciaria o seu
primeiro dia de trabalho.
Camila
foi para seu pequeno apartamento comemorar. No caminho para casa comprou uma
cerveja preta e alguns pães de queijo. E enquanto caminhava seu pensamento foi parar em Fernando.
Que
homem!
Quando
ela olhou para ele chegou a se desequilibrar. Ele era lindo demais! Com a pele
clara e os olhos e cabelos bem escuros e uma boca... Como ela iria se
concentrar no trabalho?
Camila
passou o fim de semana ansiosa.
Ela
tinha vinte e dois anos e era sozinha. Ela vinha de uma família tradicional e
decadente financeiramente. Seus pais
morreram há muitos anos e ela foi criada pela avó materna. E sua avó a criou com esmero. Ela aprendera outros idiomas, além de piano, e pintura em óleo, e sua
formação era de técnica em contabilidade.
Sua
avó era francesa, mas com origem espanhola, e ensinou a Camila esses dois
idiomas, francês e espanhol. E ela cursou inglês e alemão. E tinha algum
conhecimento de italiano. Portanto ela lia, escrevia e falava fluentemente
nestes idiomas. Além da facilidade ela gostava muito de ler e aprimorava seu
conhecimento na literatura estrangeira.
Mas
agora sua avó, estava muito velinha e
com demência senil, de maneira que foi preciso colocá-la em uma clinica.
E
por causa disso, Camila saiu da casa em que morava com sua avó, que era
localizada num bairro nobre e tradicional da capital. Buscou um lugar, mais perto do
centro, onde tinha mais oportunidades de trabalho. Alugou a casa de sua avó e
procurou para ela um minúsculo JK. E assim tinha recurso para pagar uma boa
clinica para sua adorada avó.
E
ela agora tinha um emprego. Maravilha!
E
por sorte o seu trabalho era perto de onde morava, de maneira que poderia ir
andando, sem depender de condução. Era perfeito!
Fernando
era um cara legal, e pouquíssimas pessoas conheciam sua verdadeira história...
E a nova funcionaria o havia
impressionado muito, não apenas pela beleza, mas, sobretudo por sua
perspicácia. Ele gostava de gente esperta. E ele a testou de diferentes
maneiras e ela se saiu muito bem. Ele teria uma auxiliar muito eficiente. Ela
só parecia ser um pouco estabanada... E sorriu ao se lembrar do jeito que ela
entrou na sala.
Segunda
feira amanheceu chovendo, e uma chuva intensa, mas isso não impediu Camila de
estar no seu local de trabalho alguns minutos antes do horário.
Ela
se apresentou e foi conduzida para a sua sala onde havia quatro mesas. E isso
significava que ela não ficaria sozinha na sala. Andou pelas mesas para
procurar identificar qual seria a sua. Mas não conseguiu.
Ficou
parada na janela olhando a chuva e aguardando que algum dos seus colegas de
trabalho chegasse. Não demorou muito e chegou Renato que foi logo se
apresentando:
--
Oi, eu sou Renato. Tu deves ser a nova colega. Seja bem vinda.
--
Obrigada. Sou Camila. Mostra-me qual será a minha mesa.
--
Está aqui. Seremos parceiros.
--
Oh, sim. Que bom. E os demais?
--
Ah... Bruna está sempre atrasada e Jorge está doente. E já faz um tempinho.
--
Acho que devo ligar o computador. Algum jeito especial?
--
Na verdade devem estar ligados, só “stand by”...
--
Eu terei que esperar que alguém me indique o que fazer, ou devo ir até a
chefia?
--
Espera que vão te chamar. Temos dez minutos de carência. O pessoal ainda está
chegando, e com essa chuvarada, muitos vão se atrasar.
Renato
tomou seu lugar e iniciou seu trabalho e Camila sentou em sua cadeira e ficou
observando tudo o que havia na mesa, inclusive abriu todas as gavetas. Estava
tudo limpo. Não havia uma caneta sequer, nem papel. Não tinha como anotar nada...
Não comentou. Cruzou os braços e esperou.
Bruna
chegou apressada, se queixando da chuva. Olhou para Camila sorriu e disse:
--
A nova colega. Sou Bruna, qualquer dificuldade é só me perguntar.
--
Obrigada, sou Camila.
Bruna
também logo se pôs a trabalhar. E Camila continuava a esperar.
Mas
Bruna era muita falante e virou-se para Renato e disse:
--
Vai haver mudanças. Aline, minha amiga, que trabalha no RH me falou. Parece que
nosso chefe vai para outro setor.
--
Verdade? Ele é um cara legal, mas ficou pouco tempo conosco. Tu sabes quem vai
substituí-lo?
--
Não, mas continuam fazendo entrevistas...
E
foi nesse momento que Márcia entrou na
sala, dizendo que veio buscar Camila, e
que o lugar dela não era ali.
Houve mudanças. Camila levantou-se, se despediu dos colegas e acompanhou
Márcia até o outro andar. E lá a deixaram em uma sala de espera. Camila estava
ficando inquieta, pensando que alguma coisa tinha dado errado para ela.
Caminhou pela sala e foi até a janela. A vista dali era bonita e dava para uma
avenida muito movimentada. E ela ficou observando os carros.
Até
que de repente a porta se abre e Fernando apareceu a sua frente com um sorriso
simpático. E disse:
--
Bom dia! Desculpe por te fazer esperar,
te levaram para outro setor. Mas agora estas no lugar certo. Vem...
E
Camila o seguiu. Ele a levou para uma sala pequena, onde ela trabalharia
sozinha, mas anexada a uma sala maior onde ele trabalhava. Ele mostrou a ela
todo o ambiente de trabalho, inclusive onde eram os sanitários e a sala do
cafezinho. E depois se reuniu com ela em sua sala, para dar a Camila todas as
instruções para o trabalho que ela faria. Quando terminaram já era hora do
intervalo para o almoço, e ela a convidou para almoçar. Ela aceitou.
O
restaurante era na esquina, e Camila percebeu que era um ambiente simples, mas
a comida de boa aparência e bem variada. Ela serviu-se e foi para a mesa que
Fernando havia deixado seu crachá.
Foi
uma refeição agradável, Fernando era simpático e gostava de conversar. Após o
almoço tomaram um cafezinho e ele pagou a conta. Camila protestou, mas não
houve jeito.
--
Fui eu quem te convidou para almoçar. Portanto hoje eu pago a conta, outro dia
não sei. Mas espero que possamos almoçar juntos mais vezes, porque gostei muito
de tua companhia.
--
Obrigada. Eu também gostei da tua, acho que vamos nos dar bem, apesar de tu
seres o meu chefe...
--
É só andar na linha e não termos problemas. – E Fernando riu.
Quando
eles chegaram ao escritório ele pediu que ela iniciasse a sua tarefa. Ele estaria
toda a tarde fora. E Camila cheia de entusiasmo começou a trabalhar. Estava
feliz. Tudo parecia muito bom, o ambiente, a tarefa e principalmente seu chefe.
Os
dias corriam tranquilos, Camila gostava de seu trabalho e já recebera alguns
elogios de seu chefe, que se tornara um bom amigo. Mas eles não almoçaram mais
juntos, pois Camila levava a sua marmita, assim economizava bastante.
Ela
gostava de conversar com ele, sempre depois do trabalho eles tiravam um tempo
para conversar. Estava nascendo uma amizade sólida. Assim como ela, Fernando
não tinha família, só uns poucos amigos. E isso os unia. Mas nunca saíram juntos para se divertirem.
Mas
no próximo sábado, Camila estaria de
aniversário e Fernando já sabia. Então a convidou para sair. Para um jantar
especial. Ela aceitou. Ficou tão eufórica que no caminho de volta para casa ela
ia cantarolando baixinho pela rua.
Quando
Camila chegou em casa foi direto ao seu armário. Revisou suas roupas e não
achou nada bonito o suficiente. Então decidiu que na manhã seguinte ia sair e
comprar um vestido novo.
Ela
foi a shopping e encontrou um vestido lindo. Era num tom de azul esverdeado e
tinha assentado muito bem em seu corpo. Comprou também um conjunto de brincos e pulseira dourados com pedras na tonalidade
do vestido.
A
noite quando Fernando foi buscá-la ele ficou arrebatado com a graça dela. Ele
admirou o modo simples de ela se arrumar e como sabia realçar sua beleza.
Depois
do jantar ele a levou para dançar, era um lugar mais tradicional, onde não
havia a zoeira da juventude, e a música era para dançar a dois. Eles escolheram
uma mesa, e Fernando pediu uma taça de espumante, precisavam brindar a data. E
dançaram...
Quando ele a deixou em casa disse ao despedir-se:
--
Foi uma noite incrível. Tu és uma ótima companhia. Mais uma vez te desejo felicidade, muitas felicidades. – e
tomou a mão dela e beijou com carinho. Sorriu e foi embora.
Camila
estava alegre demais. Ele também era muito boa companhia, ela tinha adorado ter
estado com ele. Foi o melhor aniversario de sua vida. Estava feliz. Dançava
pela sala, tanto que tropeçou em uma cadeira e quase caiu.
Tentou
dormir, mas foi em vão. Eram muitas emoções... O dia já estava clareando quando
enfim conseguiu conciliar o sono.
Segunda
feira quando ela chegou ao escritório encontrou sobre sua mesa um pequeno
pacote e um bilhete. Era de Fernando avisando que ficaria uns dias fora, mas
que ela sabia quais eram as suas tarefas, que as fizesse e aquele pacote também
era para ela. Uma pequena lembrancinha do aniversario dela.
Camila
abriu e se encantou com a delicadeza do porta retrato, com uma foto deles
brindando com o espumante. Ela nem sabia que tinham tirado a foto, de tão
absorvida que estava pelo momento.
Guardou
com cuidado em sua bolsa. Não queria que ninguém visse. Na verdade não tinha
nada para esconder, eles eram bons amigos. Mas, era seu chefe e isso
complicava.
Ela
gostava muito dele, se sentia a vontade ao seu lado, falava sempre com
sinceridade e estar com ele a deixava feliz. Às vezes sonhava com ele e sonhos
que não contaria nem sob tortura. Também tinha vontade de beijar aqueles lábios
sedutores, se encantava com o sorriso dele e aqueles olhos escuros a
fascinavam, mas, fora isso eram bons
amigos.
Aquela
semana, durante o almoço ela ouviu alguns comentários sobre ele. Pois muitas
garotas eram apaixonadíssimas por Fernando. E o que falavam era que ele não
dava chance a ninguém. Algumas bem revoltadas... E olhavam para Camila com
desdém.
Camila
só escutava. Não queria se meter em fofoca. Ela não tinha feito amigos ali no
local de trabalho. Eram todos muito egoístas e esnobes, sobretudo as mulheres.
No
final de semana, como sempre fazia, Camila foi ver sua avó. E a encontrou
acamada. E então soube que ela estava muito fraca, e sua saúde havia piorado
muito naqueles últimos dias. E o médico alertou que o fim estava próximo.
Camila
ficou muito triste. Amava sua avó. Mas entendia a situação...
Na
semana seguinte Camila trabalhou concentrada em suas tarefas, Fernando não
tinha voltado e ela não estava mais freqüentando a cozinha do escritório.
Preferiu fazer sua refeição na própria sala. Ali havia um banheiro privativo
que ela estava autorizada e usar. Então se afastou completamente dos colegas.
Era melhor assim... Tinha medo de se meter em fofoca.
Era
quinta feira quando ela recebeu um chamado da clinica. Fernando ainda não tinha
voltado, e ela resolveu passar uma mensagem de texto para ele, explicando que
teria que sair mais cedo... E saiu.
E
Fernando respondeu a mensagem dela perguntando o endereço da clinica. Ela
informou.
Camila
chegou na clinica encontrou sua avó ainda com vida, mas estava muito mal. Ela
sentou ao lado do leito e segurou a mão frágil de sua avozinha, fazia carinhos
e falava baixinho ao seu ouvido.
Fernando
chegou e ficou para a porta admirando aquela cena. Era triste, porém era linda.
Era uma cena de amor e carinho. Ele se aproximou devagarzinho, não queria
quebrar aquele encanto.
Parou
atrás de Camila e suavemente colocou a mão no ombro dela. Que se voltou e olhou
para ele com os olhos cheios de lágrimas. E foi exatamente neste instante que a
dona Josefina deu o ultimo suspiro e morreu tranquilamente com um esboço de um
sorriso no rosto.
Camila
soluçou e Fernando a abraçou. Deixou que chorasse, mas em seus braços. Afagava
os cabelos de Camila e os beijava com carinho. E aos poucos ele foi levando
Camila para fora do quarto. Procedimentos seriam feitos e era melhor que ela
não visse.
Ele a levou para o jardim e escolheu um bando a sombra onde eles sentaram. Ainda
abraçava Camila, que agora estava mais calma e não chorava mais. Ali
permaneceram até que Camila foi chamada para resolver sobre o funeral.
A
cerimônia foi simples e intima. Apenas o pessoal da clinica foi prestar
solidariedade a Camila e Fernando que permaneceu a seu lado o tempo inteiro.
Ele
a dispensou do trabalho por oito dias. Mas ia vê-la todos os dias. Fernando saia do escritório
passava na padaria comprava algo para os dois jantarem.
Camila
estava muito agradecida a ele, que se revelara ser uma pessoa especial, um
amigo muito querido. Ela não sabia como agradecer a ele... E naquela noite, com
lagrimas nos olhos, Camila pegou a mão de Fernando, beijou e disse:
--
Meu querido amigo, eu não tenho palavras para agradecer toda a atenção, carinho
que tu me dedicaste nesta hora tão difícil. Sem tua presença não sei como
seria. Muito obrigado, do fundo do meu coração.
--
Não precisa agradecer... Tu sabes que és especial para mim, muito importante...
E eu não te deixaria sozinha numa hora dessas... Jamais! Sou teu chefe só no trabalho, aqui sou muito
mais... – E Fernando a abraçou com emoção.
Camila
se deixou abraçar e ficou aconchegada nos braços fortes dele. Ali se sentia
segura, ali não se sentia sozinha. Mas...
Os
dias passaram, e a vida voltou a rotina. Mas Camila sentia uma solidão imensa.
Em todo este vasto mundo, habitado por milhões de pessoas, e ela não tinha
ninguém, era completamente só. Isso machucava muito.
E
Camila se encolheu e entristeceu. Fernando havia mudado de setor e ela não
trabalhava mais com ele. Raramente se viam. Ele continuava a ser seu amigo, mas
ele viajava muito agora. Quase não ficava na cidade.
E
foi num desses dias de solidão e amargura, que ela resolveu deixar o seu
trabalho e ir viver em um lugar pequeno. Havia vendido a casa de sua falecida
avó e agora tinha capital para abrir um pequeno café em uma cidadezinha
turística.
Escolheu
um lugarejo na subida de serra. Um lugar lindo, uma paisagem deslumbrante e
comprou uma casa a margem da rodovia principal. Uma casa em estilo colonial, muito aconchegante, e ela transformou a parte
da frente em uma cafeteria. E a parte de trás seria a sua moradia.
Depois
de algumas reformas, ela enfim pode inaugurar o Café Preto. Convidou seu único
amigo e as autoridades locais, e pediu para o padre abençoar o local e se
entregou ao trabalho.
Fernando
não pode comparecer a inauguração, estava do outro lado do mundo em um
seminário, foi o que ele alegou para justificar sua ausência. Camila sentiu
muita falta de seu amigo, mas precisava levar a vida para frente.
Fabiano,
o rapaz que tinha feito a reforma de sua casa, ia todos os dias ao café, e
ficava sempre um bom tempo conversando com Camila. Ele estava visivelmente
interessado nela, mas ela se fazia de desentendida. Seu coração tinha dono e
não queria dar esperanças ao rapaz.
Ela
era uma jovem mulher, que morava sozinha e há pouco tempo em uma pequenina
cidade, precisava zelar por seu bom nome, precisava ser bem conceituada na
cidade para que seus negócios prosperassem. Então nada de namoros ou amigos.
Essa foi a decisão que Camila tomou. Pelo menos por enquanto.
Camila
conseguiu ali na vizinhança uma pessoa para fornecer bolos e tortas para cafeteria, e
Miguelina se tornou uma boa amiga para ela. Miguelina era uma viúva, que tinha um
único filho, Marcos que a ajudava na entrega dos doces.
E
todos os dias pela manhã Marcos ia à cafeteria para entregar os bolos e sempre
tomava um café e puxava conversa com Camila.
Ele
era um bom rapaz, não era belo, mas muito alegre e sempre tinha uma novidade
para contar, e era dessa maneira que Camila ficava sabendo de todos os
acontecimentos da pequena cidade.
Camila
estava satisfeita com sua vida. Tinha feito a escolha certa. Os seus dias eram
ocupados e ela conversava com diferentes assuntos com varias pessoas. Não
sentia mais solidão. Apenas saudade de sua querida avó e de seu amigo (para não
dizer seu amor) Fernando.
Embora
eles mantivessem contato, não era mais a mesma coisa. Fernando tinha sido
mandado pela empresa para estudar no estrangeiro. Ele era muito inteligente e
trabalhador e os donos da empresa resolveram ajudá-lo em sua formação. Estavam
investindo muito nele.
O
fim do ano se aproximava e dezembro era um mês de muito turismo na região, pois
muitas cidades decoravam suas ruas com motivos natalinos, havia apresentações
de Corais cantando canções de Natal e o ponto culminante era a realização do
presépio vivo.
Camila
sabia de tudo isso, mas queria ver, queria se emocionar com o Natal. Mas não
queria nem pensar. Não estaria com as pessoas que amava. Mas ia se dedicar aos
negócios, com certeza sua cafeteria estaria na lista de visitação.
Camila
investiu em uma maquina de sorvete e aprendeu a receita caseira. E agora havia
muita procura por seu sorvete. Também encomendou biscoitos natalinos e decorou
com capricho sua casa. Até no pequeno jardim ela colocou enfeites de natal.
E
naquele dia teria apresentação do coral. Camila fechou a loja cedo, se arrumou
e foi para o centro da cidadezinha para apreciar os cantos natalinos. Ela estava
só, mais afastada, encostada a uma árvore, tão absorta na melodia, que não viu
alguém se aproximar e levou um enorme susto quando se sentiu tocada e abraçada.
Virou-se
rapidamente e quase desmaiou... Não acreditava no que estava acontecendo. Era o
seu querido amigo... Era Fernando que estava ali abraçado a ela.
Ele
a olhava com um sorriso encantador e um olhar cheio de ternura. Ela não
conseguiu conter as lágrimas. Abraçou-se a ele e chorou de alegria. Não
falaram. Estavam ali juntos, abraçados, emocionados apreciando o lindo coral.
Quando
a canção terminou, Camila perguntou:
--
Como me descobriste?
--
Foi fácil... O café fechado, e um cartaz com a programação da cidade... Foi só
caminhar até a praça. E quando cheguei aqui na praça deixei meu coração me
conduzir. E te achei.
--
Estou tão feliz que estás aqui comigo... Isso é muito bom!
--
Eu também acho. Shsss... Essa canção eu gosto, meu avô me ensinou quando era
pequeno.
E
Fernando abraçado a Camila cantarolava...
Ao
termino da apresentação eles voltaram para o café. Mas Camila decidiu que o
manteria fechado. Iria curtir a presença de seu amigo. Foram para a cozinha e
ela indagou:
--
O que queres comer?
--
Aquela torta que eu vi no balcão de doces.
--
Sim, mas antes...
--
Qualquer coisa. Um pão com frios... Qualquer coisa simples.
E
Camila abriu a geladeira e tirou varias coisas. E colocou tudo sobre a mesa.
Buscou o pão e preparou para Fernando um saboroso lanche. Comeram e conversaram
e partilharam as suas vidas. Comeram o bolo e o sorvete e colocaram o assunto
em dia.
Já
era tarde e Fernando disse:
--
Está na hora. Preciso ir.
--
Tu vais voltar agora?
--
Sim, é perto. Em uma hora estou em casa.
--
Por que não ficas?
--
Mas nessa cidade não tem nem pousada...
--
Dormes aqui.
--
Minha querida, às pessoas vão comentar...
--
Que me importa! Ninguém paga as minhas
contas...
--
Não! Eu me preocupo com a tua reputação. Ainda mais em uma cidade tão pequena
como esta, e tu estas te saindo bem com tua loja. Não vamos arriscar. Mas eu
volto...
--
Quando?
--
Semana que vem. Eu prometo.
Camila
se abraçou a ele, parecia uma criança carente. Não queria deixá-lo ir.
Fernando
olhou para ela com amor e a beijou. Um beijo suave, um beijo de amor. Foi algo
inesperado, e Camila tentou retribuir ao beijo. Seu coração estava em
disparada, suas pernas estavam bambas e ela queria outro beijo. Tinha sido
maravilhoso...
Fernando
também estava perturbado, não tinha planejado, foi tão espontâneo! E ele queria
mais. E ele inclinou a cabeça e seus lábios buscaram a boca sedutora de Camila.
E foi um beijo mais profundo, ele forçou e conseguiu entreabrir a boca de
Camila e sua língua a invadiu, a explorou e captou todo sabor daquele beijo.
Camila
se deixou beijar e depois foi a sua vez de retribuir com todo o fervor e deixou
sua língua passear pela boca de Fernando, que a abraçava forte, como se
quisesse fundir seus corpos.
Ele
estava ciente de que Camila nunca tinha sido beijada daquela forma, e que pouco
sabia sobre as emoções do amor. Mas mesmo assim tinha uma necessidade de
mantê-la apertada a ele, queria que ela sentisse o seu desejo aumentando,
queria sentir o corpo dela junto ao seu.
Por
fim ele a afastou e sussurrou:
--
Preciso ir... Não podemos... Precisamos conversar antes de qualquer coisa.
--
Fica comigo...
--
Não posso meu anjo. Eu volto...
E
a beijou na testa e saiu apressado. Camila ficou aturdida. Nunca tinha sentido
nada parecido. Era amor. Ela sabia que era amor.
Depois
que voltou a razão, Camila fechou tudo e foi tomar um banho, precisava relaxar... Deitou-se e tentou dormir...
Fernando
entrou no carro e logo saiu dali. Parou adiante. Ele ainda não estava em
condições de dirigir.
No
meio da semana Fernando avisou para Camila que teria que viajar. Voltaria para
o Natal. E queria que ela fosse ficar com ele no apartamento dele. E ressaltou
precisavam conversar.
Camila
ficou triste. Ela estava ansiosa pelo
fim de semana, queria estar com Fernando, queria mais beijos... Queria muito
mais.
Mas
os planos não deram certo. Fernando ficou retido na Alemanha devido à forte
nevasca que interditou vários aeroportos europeus. Ela viu os noticiários e
passou o Natal sozinha, assistindo TV.
E
foi num programa sobre pessoas de destaque que ela ouviu falarem sobre
Fernando. O herdeiro que iria assumir a direção de uma das maiores rede de
lojas de departamento do país.
A
reportagem contava que Fernando estava se preparando para ocupar a presidência
e empresa, havia dois anos. Tinha trabalhado em vários setores tanto das lojas
como dos escritórios de forma incógnita. Usando apenas o sobrenome de sua avó
materna para não ser identificado.
Camila
estava chocada!
Fernando era um cara tão legal, parecia ser
tão sincero, e não confiara nela. Ele a tinha enganado de forma detestável. Isso
não tinha perdão. Eles conversaram sempre sobre tantas coisas... E por que ele
não contou a ela? Por quê?
Camila
estava muito zangada. Desligou o telefone porque sabia que ele iria ligar para
ela, e ela não queria falar com ele.
Realmente
Fernando tentou falar com Camila várias vezes. E quando percebeu que o telefone
estava desligado, sentiu que alguma coisa estava errada. Ficou muito preocupado
com Camila, porque ela era sozinha e se ela estivesse precisando de ajuda... Se
ela... Eram muitas situações que vinham à mente de Fernando... Que continuava tentando no telefone.
Três
dias depois Fernando entrou na cafeteria
e a encontrou atendendo um grupo de pessoas. Ele foi até o canto junto ao
balcão. Não queria atrapalhar, queria observar.
Quando
ela viu que era Fernando que estava ali ela mudou de expressão, seu rosto ficou
sério e em seus olhos surgiu uma tristeza. Ele percebeu cada nuance de sua
fisionomia. Não tinha ideia do que pudesse ser.
Ela
se aproximou dele com uma secura na voz e perguntou:
--
O que desejas?
--
Camila! O que aconteceu? Por que estás assim desse jeito, tão fria, tão
distante?
--
Eu já sei de tudo, Sr. Herdeiro.
Fernando
empalideceu. Isso não podia ter acontecido. E agora? Mas ele disse:
--
Precisamos conversar... Eu já tinha te dito isso, que nós precisávamos
conversar. Eu vou esperar o tempo que for necessário. Não saio daqui sem falar
contigo. Pode atender teus clientes, eu espero aqui.
Camila
estava nervosa. O café estava cheio e ela tinha que esperar. Não queria olhar
para ele... Mas serviu um café e bolo e levou para ele;
--
Para passar o tempo...
--
Obrigado pela gentileza.
E
Fernando ergueu os olhos e mirou os olhos dela que continuavam frios e distantes.
Ela baixou a cabeça e se afastou.
Nesse
momento entrou Marcos trazendo as encomendas e como sempre puxou conversa com
ela, que foi delicadíssima com ele e se mostrou simpática e aberta ao rapaz.
Marcos
notou a diferença no comportamento dela e se retraiu. Alguma coisa tinha... Foi
então que ele viu Fernando no canto do balcão e disse a Camila:
--
Aquele homem é um estranho na cidade, não tem jeito de turista, queres que eu
fique por aqui?
--
Não obrigada. Tu tens teus afazeres. Não tem problema. Pode ir sossegado.
Fernando
permaneceu onde estava, mas não perdeu uma só palavra do que eles falaram.
Estava louco de ciúmes... Camila nunca fora coquete, o que estava acontecendo?
Marcos
saiu olhando atravessado para Fernando. Camila arrumou a torta no balcão e
aproveitou que os turistas tinham saído e não tinha mais ninguém na loja, ela foi e trancou a porta com o aviso de
fechado.
Olhou
para Fernando e disse:
--
Vamos para cozinha.
Ele
a seguiu... E quando chegou a cozinha, ainda na porta ele perguntou com um
jeito irritado?
--
Quem é aquele cara? O que existe entre vocês?
--
Aquele cara é um amigo, e se tem algo entre nós, não te diz respeito... Não
mais...
--
Camila! Não estrague tudo...
--
Já estragou...
Camila
sentou e Fernando também, eles estavam
frente a frente, olho no olho... Fernando estendeu o braço e pegou a mão dela,
que quis retirar, mas ele a segurou firme. E com uma voz controlada ele pediu a
ela que escutasse tudo o que ele tinha a dizer:
--
Camila, me escuta... Eu perdi meus pais muito cedo, eles morreram em um
acidente de avião, não muito longe daqui. O avião estava aterrissando, mas
chovia muito e havia pouca visibilidade e se chocou conta um morro e explodiu. Não
sobrou nada...
--
Os meus pais também. Creio que deve ter sido o mesmo avião. Vinha do Rio de
Janeiro...
--
Sim. Que coisa incrível. Nós ficamos órfãos pela mesma razão...
Os
dois se olharam emocionado. E ambos pensaram que isso os unia, os ligava de
forma especial. E Camila disse:
--
Meus pais tinham ido ao Rio por causa de uma das amigas de minha mãe que estava
inaugurando uma galeria de exposição de artes, e se lançando como pintora... Se
me lembro bem ela se chamava...
--
Adalgisa – completou Fernando.
--
Sim, era esse o nome. Como tu sabes?
--
Por que meus pais foram pela mesma razão, minha mãe era amiga dela.
--
Então nossas mães eram amigas? – pergunto Camila
--
Acredito que sim. Elas tinham estudado juntas,
no Bom Conselho...
--
Exatamente, eu tenho uma foto de minha mãe com suas duas melhores amigas,
Adalgisa, Heloisa. Sua mãe é a Heloisa?
--
Sim. E como se chamava a tua?
--
Renata, esse era o nome de minha mãe.
--
Que coisa! Muito interessante... Que coincidência! Acredito que elas devem
estar felizes por nos ver juntos. Que achas?
--
É pode ser...
Fernando
percebeu que ela ainda estava brava com ele e disse:
--
Mas preciso continuar minha história.
--
Continua...
--
Com a morte de meus pais, e a família pequena, e minha tia casada com um
alcoólatra e meus avós muito velhos e abatidos, foi escolhido para ser meu
tutor, um primo de meu pai, um homem viúvo e sem filhos e, sobretudo
inteligente e trabalhador e com uma conduta impecável. Como meu tutor ele
administrou meus bens e os negócios da família, e fez prosperar. Quando eu
estava com dezoito anos e estava entrando para a universidade, ele foi
diagnosticado de câncer. Tinha pouco tempo de vida. Então fez um inventario de
todos os meus bens, nomeou uma pessoa de sua confiança para gerir tudo enquanto
eu estudava e fez um testamento, onde eu seria também seu herdeiro, e impôs
algumas condições, entre elas a de que eu conhecesse perfeitamente o negócio e
para isso eu deveria trabalhar como funcionário, em diferentes setores da
empresa, tanto nas lojas como nos escritórios, para ter experiência e dessa forma ser um bom
patrão. E acima de tudo com a condição de não revelar quem eu era para não ter
privilégios. Poucas pessoas sabiam que eu estava usando o sobrenome de solteiro
de minha avó materna.
--
Eu entendo, mas tu podias ter dito para mim, eu iria guardar o segredo.
--
Eu não podia. Por favor, acredite em mim.
--
Então como foi que fizeram uma matéria
sobre a tua pessoa?
--Que
foi levada ao ar no dia 25, dia de Natal. E se eu tivesse chegado a tempo, tu
já estarias sabendo. Era para ser tu a primeira pessoa a ficar sabendo. Eu
tinha tudo programado e fiz também muitos planos para nós. Eu devo assumir a
presidência de empresa nos primeiros dias de janeiro... ... e queria que tu estivesse ao meu lado,
como minha futura esposa.
--
Ah... Nem pensar. Tu não confias em mim. Não mesmo.
E
Camila levantou e foi até o refrigerador pegar uma água. Mas Fernando foi mais
rápido e se interpôs em sua trajetória, e pegou pelos ombros e disse:
--
Não estou te reconhecendo. O que houve contigo?
--
Me sinto enganada... – e lágrimas brotaram em seus olhos.—Vai embora...
Fernando
tentou abraçá-la, mas ela se desvencilhou. E foi para o quarto. Ele não foi
atrás dela. Ao contrário foi embora.
Quando
Camila ouviu a porta da cozinha bater, entendeu que Fernando tinha ido embora.
Ela se desesperou... Chorou muito. E se
sentiu só novamente. Fernando era a única
pessoa que preenchia a sua vida. Mesmo que nos últimos tempos se vissem
pouco, mas ela sabia que ele estava por perto. E agora ela tinha o mandado
embora. E ela nem sabia dos novos rumos da vida dele. Ela não deixara ele
falar. Talvez tivesse sido muito intransigente com ele, talvez...
Fernando
estava muito abatido. Ele a amava muito. Camila era a mulher de sua vida.
Haviam se conhecido na entrevista de trabalho, e naquele momento em que ele a
segurou para não cair, foi que sentiu algo dentro de si, seu ser vibrou e ele
soube naquele instante que Camila havia roubado seu coração.
Eles
sempre tiveram um relacionamento tranqüilo, sempre conversaram sobre todas as
coisas, se entendiam, mas agora tudo estava mudado. Camila não parecia ser a
mesma pessoa. E simplesmente não queria entender que se ele não revelou sua
identidade para ela, era porque não podia. Ele devia respeitar as regras
estabelecidas por seu tutor. Uma questão de consciência.
E nesta circunstância, ele não sabia como agir com Camila. Ele era
muito só, e não tinha com quem se aconselhar. Mas ele não queria perder a
mulher de sua vida. Precisava pensar...
E
dirigia seu carro pela estrada com os pensamentos voltados para Camila.
Haveria
uma festa de réveillon na praça central da cidade que Camila escolheu para
morar. Muitos turistas transitavam pela cidade e seu café estava sempre lotado.
E isso era muito bom, porque era certeza de lucros e de cansaço no fim do dia.
Assim não tinha tempo para pensar em Fernando.
Camila
foi convidada por Marcos para ir a festa da cidade. Mas Camila se desculpou e
não foi. Marcos que estava muito entusiasmado com a abertura que ela tinha dado
uns dias antes ficou aborrecido.
Camila
percebeu que o rapaz tinha ficado chateado, mas não se importou, pois ela seria
uma péssima companhia. Ficaria em casa, e iria dormir cedo, para descansar e
não pensar.
Ela
fechou mais cedo a cafeteria. Era fim de ano e o movimento caiu muito na parte
da tarde. Arrumou e limpou tudo e foi tomar um banho. Estava calor e ela estava
muito cansada. Desde aquele dia que ela brigara com Fernando, não conseguia
mais dormir direito.
Tinha
dificuldade de conciliar o sono e quando dormia sonhava com ele, e acordava
chorando. E não dormia mais. Estava com muita saudade dele. E ele não tinha
mais se comunicado com ela.
E
por tudo isso Camila tinha o coração apertado. Estava perturbada e preocupada.
Nunca pensou que ele se afastaria dela, assim de maneira tão radical. Talvez
ela devesse ligar para ele...
Saiu
do banho e colocou uma roupa leve. Estava decidida a ligar para Fernando, para
ao menos desejar a ele um bom inicio de ano, já que logo assumiria a
administração da empresa.
Pegou
o telefone e ligou. Não atendeu. Ou estava desligado ou estava fora de área.
Isso a deixou mais triste. Nem a voz dele iria escutar. Ligou a TV para se
distrair. Desligou. E foi se deitar.
Era
quase meio dia do primeiro dia do ano, quando o telefone tocou. Era um numero
estranho, mas mesmo assim ela atendeu:
--
Alô...
--
É a Camila?
--
Sim.
--
Eu sou Marilda, médica de Fernando. Ele pediu para eu te avisar que ele está
hospitalizado, porque sofreu um acidente. Ele está bem, e quer te ver.
--
Acidente? Quando? Como?
--
Um acidente de automóvel, na noite do dia 28. Ele ficou desacordado e só hoje
recobrou a consciência.
--
Sim eu vou. Só me informe o hospital.
--
Ele está no Clinicas.
--
Obrigada.
Camila
ficou apavorada. A cidade não tinha taxi, e ela precisava ir logo para Porto
Alegre.
Então procurou Marcos e pediu que a levasse, ela pagaria o combustível.
Ela
chegou ao hospital e foi direto a recepção para saber qual era o quarto que
Fernando estava. Camila estava aflita, precisava saber a gravidade dos
ferimentos.
Ela
bateu de leve na porta e ninguém respondeu, ela entrou no quarto bem devagar e
viu Fernando com a cabeça enfaixada e a perna suspensa. Seu coração sangrou, a
culpa tinha sido dela, que o havia mandado embora naquela noite. Ele devia
estar chateado com a briga e ...
Ela
se aproximou da cama. Ele dormia. Camila pegou a mão de Fernando e acariciou.
Puxou a cadeira e sentou perto dele. Não havia ninguém com ele... Fernando era
tão sozinho quanto ela. E lágrimas rolaram silenciosamente em suas faces.
A
porta se abriu e entrou uma moça muito bonita, que olhou para ela e disse:
--
Deves ser a Camila. Eu sou Marilda.
--
Sim, como vai? E como ele está doutora?
--
Dentro do quadro ele está bem. Vai precisar de algum tempo para se recuperar.
--
Eu imaginei. Vou ficar cuidando dele. Eu posso?
--
Sim. Mas tu moras longe, como vais fazer?
--
Eu posso ficar aqui no hospital?
--
Ele fica ainda mais um tempo aqui no hospital. E é em casa que ela mais vai precisar de alguém com ele.
--
Eu vou ficar com ele o tempo que for preciso, até ele ficar bem.
--
Que bom. Ele vai ficar melhor com a tua presença.
--
Assim espero.
E
a doutora saiu. Camila havia trazido uma muda de roupa na bolsa, mas precisava
se organizar e deveria fechar o café por tempo indeterminado. Ela não se
importava. Queria ajudar Fernando a se recuperar.
Ela
voltou a sentar na cadeira próxima a cama, pegou novamente na mão de Fernando e
acariciava suavemente, quando ele reagiu e apertou seus dedos. Ela levantou os
olhos e Fernando estava olhando para ela.
Camila
se emocionou. Aquele olhar tão carinhoso que ele sempre teve para ela estava
ali nos olhos dele. Ela se levantou se aproximou e o beijou na face. Ele
sussurrou algo que ela não entendeu. Mas sorriu para ele e disse:
--
Vai ficar tudo bem, eu vou cuidar de ti.
--
Que bom que tu vieste, eu estava com receio...
--
Shss... Eu estou aqui e tudo já passou. Eu só quero te ver bem novamente.
Descansa meu querido.
E
Fernando fechou os olhos e dormiu. Com uma expressão mais suave.
Depois
de dois dias que ela estava com ele, chegou um senhor para saber dele. Era a
pessoa que ocupava o cargo de presidente a empresa. E logo que chegou queria
saber quem ela era, e o que fazia ali. Mas foi nesse momento que a doutora
Marilda entrou no quarto e disse que ela havia chamado Camila porque Fernando
tinha pedido. E disse mais. Que a moça morava em outra cidade e estava pronta
para ficar cuidando dele. Então que era bom providenciarem um carro para ela ir
até em casa e buscar suas coisas, pois iria precisar.
E
no outro dia pela manhã o motorista da empresa se apresentou e disse que estava
à disposição de Camila. Ela foi até em casa e ajeitou tudo. O que havia de bolo
e torta e outros alimentos ela pediu a Marcos que levasse para as pessoas mais
pobres da cidade.
Ela
limpou tudo, arrumou uma valise de roupas e fechou tudo e foi para o
apartamento de Fernando. Ela nunca tinha estado lá. Mas de posse da chave
entrou como se fosse dona. Viu tudo o
que tinha e fez uma lista das coisas que estavam faltando. Pediu ao motorista
que a levasse ao supermercado mais próximo e abasteceu a dispensa. Depois de
tudo feito, foi para o hospital, e já era noite. Dispensou o motorista e ficou
com o telefone dele para chamá-lo quando necessário.
Os
dias passavam devagar, e também era lenta a recuperação de Fernando. Camila
estava preocupada que talvez ele fosse ficar com alguma sequela. Mas a doutora
dizia que era pouco provável.
Fernando
nos últimos dias se mantinha mais tempo acordado e estava atento a tudo e
conversava com Camila. Mas não falava nada sobre o acidente e nem sobre a ultima
conversa deles. E ela não queria
perguntar, pois se envergonhava de seu comportamento.
Camila
às vezes pensava que ele não lembrava, e resolveu conversar com a doutora sobre
uma provável amnésia. Mas Marilda descartou, porque ela mesma já tinha
conversado com ele sobre o acidente. Então Camila chegou a conclusão que ele
não falava e assunto com ela, de propósito. Ela o havia magoado muito. Mais
tarde se desculparia com ele.
Camila
nunca tinha tido intimidade com ele. Mas teria que superar certos preconceitos
e zelo de moça virgem para poder fazer o que era necessário. E agora ela já
conhecia perfeitamente todo o corpo dele, mesmo as partes intimas.
Fernando
ficava um pouco encabulado, pois preferia que ela tivesse conhecido sua
intimidade em outra situação, em um momento mais vigoroso. Mas não falava nada
e apenas sorria timidamente.
Camila
que sempre foi muito recatada, não tinha idéia do que era um homem em plena
ação sexual, portanto não reparava. O ajudava sem demonstrar nenhum embaraço.
Os
dias passaram e Fernando pode ir para casa. Camila providenciou tudo conforme a
doutora tinha indicado. Um enfermeiro para dar banho nele na parte da manhã e
também um fisioterapeuta. A alimentação dele estava liberada, porém com certos
limites.
Conforme a solicitação de Fernando, Camila procurou dona Francisca
para cozinhar e manter o apartamento limpo. Portanto, Camila era só para ficar
perto dele.
Mas
Fernando pediu para dispensar o rapaz do banho. E disse a Camila:
--
Dispensa esse enfermeiro, não preciso.
--
Mas a doutora disse que precisas de ajuda para o banho.
--
Então contrata uma moça—disse rindo—será muito mais interessante.
--
Não. Eu te ajudo.
--
Ótimo. Obrigado.
Fernando
agora estava bem disposto, ainda precisava de auxilio por causa da perna. Mas
já saia da cama e apoiado em Camila caminhava até a sala, onde gostava de
assistir filmes. Camila fazia todas as vontades deles.
Eles
estavam cada vez mais entrosados, riam e se divertiam juntos. E se conheciam
muito bem, gostavam das mesmas coisas, até das mesmas comidas. Mas Fernando
nunca mais procurou beijá-la ou até mesmo ficar de mãos dadas com ela, enquanto
viam um filme. Ele não se mostrava apaixonado. Parecia que seu coração estava fechado,
não produzia mais emoções.
Camila
se ressentia disso, mas não podia sequer falar...
Era
inicio de abril e Fernando ficou
totalmente recuperado do acidente. Na semana seguinte ele iria, enfim, assumir
a presidência. Camila ia voltar para a sua cafeteria.
Fernando
queria que ela abrisse um café ali perto. Havia um lugar já montado para
alugar, e assim ela não ficaria tão só e tão isolada. Mas Camila disse que ia
voltar para a sua cafeteria.
Fernando
tinha ficado furioso com a teimosia dela.
Camila
voltou para a pequena cidade e retomou sua vida. Fernando quis retribuir de
várias maneiras o tempo que ela dedicou a ele, mas ela recusou. E muito
indignada falou:
--
Eu fiquei cuidando de ti porque eu quis. Eu te quero muito bem, tu sabes, somos pessoas sozinhas e o que eu fiz foi de
coração aberto, não pensando em nenhum tipo de retribuição. Pode ser que um dia
tu consigas entender o meu sentimento e razão pela qual eu vim para cá ficar
contigo. Mas agora cada um vai seguir o seu caminho. Parece que não trilhamos
mo mesmo caminho, apenas, nós nos encontramos em certos pontos do caminho. Meu
querido te cuida.
--
Camila não seja assim tão orgulhosa. Vamos rever... Vamos ficar mais perto um
do outro, eu te peço. Pensa nisso, lembra que eu tinha planos para nós.
--
Por ora não... Tchau.
--
Pelo menos tu vens para a minha posse?
--
Sim.
--
Vou mandar um carro te pegar... E um presente...
--
Ok... Tchau.
Na
sexta feira, Camila não abriu a cafeteria. Tirou um tempo para cuidar de si.
Arrumou as unhas e deu um novo corte no cabelo. E logo no inicio da tarde o carro com o
motorista estacionou em frente a cafeteria. Nilson, o motorista desceu com uma
grande caixa e entregou para Camila.
Ela
agradeceu e pediu que ele esperasse, e serviu uma fatia de torta e um
refrigerante para o moço. E foi se vestir.
O
vestido que Fernando mandou para ela era lindo. Era em seda cor de esmeralda e
assentou muito bem nela. Até os sapatos calçaram perfeitamente. Ela se olhou no
espelho antes de sair e viu que estava bonita.
Quando
ela chegou ao local, logo um rapaz se apresentou dizendo que a levaria até a
sala da presidência. Lá estava Fernando todo alinhado, em um terno cinza
escuro, camisa branca e gravata cinza com pequenos detalhes em verde,
combinando com o vestido dela. Quando ela se deu conta, riu e disse:
--
Essa combinação foi casual ou proposital?
Fernando
deu uma gargalhada, não tinha percebido que usavam a mesma cor. E falou:
--
Não foi nada preparado, mas achei legal. Tu estás muito bonita hoje, trocou o
penteado, ficou bem. Vou ficar com ciúmes, pois serás muito notada...
--
Ciúme? Não creio que chega a tanto...
--
Ai que tu te enganas... É muito mais. Espera aqui, eu volto logo.
E
Fernando saiu e ela ficou pensando no breve diálogo que trocaram. Será? E o
coração de Camila estava disparado, só em pensar que talvez ele falasse a
respeito deles.
Então
ele voltou à sala, colocou uma folha de papel dobrada no bolso interno, sorriu
para ela e a tomou pela mão e olhando para ela com intensidade a beijou de leve
nos lábios e sussurrou:
--
Vamos...
Ele
a apresentou para muitas pessoas, e para todos se referia a ela com uma pessoa
muito especial em sua vida. E não esclarecia se era por gratidão ou por amor
que ela era tão particular para ele. Mas ela também não se importou. Estava
feliz por ver Fernando assumindo a sua empresa. Por vê-lo tão seguro e
entusiasmado com o seu futuro.
Ela
permaneceu a lado dele o tempo todo, assim como ele havia pedido para ela. Na
hora dos discursos e ela sentou a sua frente e ficou atenta a tudo o que ele
projetou para sua primeira gestão. E o aplaudiu com um grande sorriso. Ele
olhou para ela e deu uma piscadela.
Depois
do coquetel aos poucos as pessoas foram se retirando. E quando todos haviam
saído ele a levou para jantar. Ali durante o jantar eles tiveram um momento
muito singular, quase uma intimidade. Era tarde quando deixaram o restaurante e
Fernando não permitiu que ela fosse embora, apesar do carro estar esperando
para levá-la. Fernando dispensou o motorista.
Quando
eles entraram no apartamento ele a abraçou e murmurou ao ouvido dela:
--
Obrigada. Contigo ao meu lado foi mais fácil enfrentar aquelas pessoas. Não são
amigas, são interesseiras... – e a pegou pelo queixo e levantou o rosto dela e
a beijou com suavidade.
Mas
Camila não queria suavidade, queria um beijo profundo, queria um beijo
apaixonado. E ela tomou a iniciativa e o provocou com a língua e a resposta foi
imediata. E o beijo foi longo e apaixonado.
Fernando
se afastou um pouco e os seus olhos se encontraram revelando o que traziam na
alma. Um imenso amor que sentiam um pelo outro. Que ainda não tinham tomado
consciência dessa realidade.
Camila
sentou no sofá e Fernando foi buscar uma garrafa de vinho. Ele serviu e sentou
a frente dela. Ele precisa olhar para ela, tinha necessidade de desvendar os
sentimentos dela, e os olhos eram uma boa vitrine.
Foi
uma noite de encantamento. Namoraram enquanto tomavam o vinho, e depois houve
uma explosão de desejos. Eles estavam completamente arrebatados um pelo outro.
E fizeram amor.
Fernando
sabendo que era a primeira vez de Camila foi gentil e carinhoso e a ensinou a
amar, a ensinou a ser mulher. Ela estava radiante de felicidade. Eles se
completavam.
Camila
acordou nos braços de Fernando, e logo se lembrou do envolvimento que tiveram.
Tinha sido
maravilhoso... Fernando se acordou e olhou para ela com um sorriso estampado em
seu rosto. Ele era lindo demais. Olhar para ele, a deixava agitada e depois
daquela noite ela não saberia mais como resistir. Era urgente ir para sua casa.
--
Bom dia! – disse Fernando depois de beijar sua bochecha.
--
Bom dia.
--
Está tudo bem contigo?
--
Sim. Tudo bem. Eu preciso ir para casa...
--
Ir para casa? Por quê?
--
Ora, porque sim. É onde eu moro, eu trabalho, enfim é onde eu vivo.
--
Fica...
--
Não tenho nem roupas...
--
Tem sim. Comprei algumas para ti.
--
Mesmo? Por quê?
--
Não sei, me deu vontade de comprar roupas para ti... Estão ali naquela sacola,
acho que servem.
Camila
se levantou e foi olhar as roupas. Ela ficou admirada de como ele acertou no
tamanho. Eram duas calças jeans, algumas camisetas e suéter e meias e
sapatilhas. Ela virou-se para ele e exclamou:
--
Mas isso é quase um guarda roupa inteiro!
Fernando
deu uma risada. Ela tinha sido tão engraçada. E retrucou:
--
Não tens desculpa para não ficar.
--
Ok. Mas então me dá motivos para eu ficar...
--
São tantos... Primeiro porque hoje é sábado e temos o fim de semana inteirinho
para nós. E tem muita mais, que eu nem sei por onde começar... Porque tivemos
uma noite incrível, porque tu moras muito longe, porque somos muito ligados...
Porque já somas mais que amigos.
--
Mais que amigos? Me explica...
--
Ora, depois dessa noite tudo mudou.
E
os dois se encararam, mas Camila baixou os olhos e disse:
--
Não me convenceste.
--
Não! O que mais queres que eu diga?
--
Nada. Tu já citaste os motivos mais relevantes sob a tua ótica. Chega de
conversar fiado. Vou me vestir...
Camila
pegou umas peças de roupas e foi para o banheiro. Fernando não estava
satisfeito com a decisão dela de ir para aquele lugarejo. Mas não tinha
alternativa a não ser deixar que fosse. Telefonou para o motorista.
Quando
Camila chegou a sua casa estava muito triste, pois se afastar de Fernando a
deixava carente, parecia que estava faltando uma parte dela. Ainda mais agora,
de ter provado o seu gosto.
Fernando
precisou de um esforço fora do comum para afastar Camila de seu pensamento. Ele
estava irritado, desgostoso. E aquele dia passou lentamente para ambos.
A
semana transcorreu sem que eles se falassem. Fernando se voltou para o
trabalho, precisava tirar Camila de seu pensamento e se dedicar ao máximo ao
preparo das reuniões e a leitura de relatórios, e isso era um modo eficaz de afastá-la do seu pensamento.
A
noite quando Fernando chegava em casa se sentia exausto. Tomava um banho, fazia
um sanduíche e servia um copo de leite gelado. Ligava a TV e sentava no sofá, comia e se recostava, e quando acordava era
madrugada, então ia para cama.
Camila
ao contrário não conseguiu dormir. Pensou que Fernando iria ligar para ela
contando do seu primeiro dia na empresa, mas ela esperou em vão. Isso a deixou
furiosa, aliás, ela estava brava era consigo mesma. Até agora não sabia por que
não aceitara o convite de Fernando para ficar lá com ele. Não havia razão
alguma para isso, ainda mais depois de ter estado em seus braços e desfrutar de
seus carinhos. Camila não se entendia. Sabia que gostava dele, gostava? Não! O
amava. E se sentia amada, todo o cuidado e atenção que ele sempre prestou a ela
era sinal de amor, ele também a amava. Havia sentido o seu amor ardente, seus
beijos e suas mãos acariciando suavemente sua pele. Ele não tinha dito as
palavras, mas tinha demonstrado de outra forma que a amava e muito. Mas ela
queria escutar ele dizer “eu te amo.” Foi por isso que não tinha ficado. E
agora? Como seria?
Fernando
estava atribulado, havia muita coisa para decidir e resolveu deixar Camila para
depois. Ele não tinha condições de fazer tudo a só um tempo. E por isso não
telefonou para ela. Além do mais ele tinha insistido para ela ficar e foi ela
quem não quis. Sentia muita falta dela, e depois de estar com ela nos braços, de
sentir o seu sabor era difícil se manter afastado dela. Mas teria que ser
assim. E ele deveria viajar. Só depois...
Camila
estava tão desanimada que cansou de sua cafeteria. Não tinha mais paciência
para atender os turistas. Estava farta de tudo. E decidiu colocar o local a
venda. Pintou uma placa e colocou na frente do prédio.
Duas
semanas se passaram e Camila não tinha conseguido nenhum interessado em sua
cafeteria, e também não tinha falado com Fernando. Ela estava arrasada. Pensou
que seria tudo muito fácil...
Era
sábado e era ainda muito cedo quando Camila ouviu que batiam a sua porta. Ficou
assustada, e com voz tremula perguntou:
--
Quem é? O que quer?
E
uma voz (desconhecida) respondeu:
--
É o frio. Eu quero entrar...
Camila
ficou quieta, estava realmente muito apreensiva. Ouviu uma chave girar na
fechadura e quase desmaiou quando a porta se abriu lentamente. E ela fechou os
olhos para não ver, e estava aterrorizada quando se sentiu agarrada. E foi o
seu olfato que reconheceu o cheiro de Fernando, que estava de brincadeira com
ela.
Quando
ela abriu os olhos e confirmou que era ele se achegou a ele e começou a chorar
desesperadamente. Fernando se deu conta de que ela estava vulnerável e
desprotegida ali naquele lugar. Preparou uma água com açúcar e para ela beber e
se acalmar e a levou para sentar no sofá. E ele
foi preparar um café para eles.
Enquanto
bebiam o café puro, Fernando disse a ela:
--
Não tem mais desculpa para tu ficares aqui sozinha. Eu estava querendo brincar
contigo, achei que tinhas reconhecido minha voz, mas tu estavas em pânico. Vais
hoje embora comigo, nem que seja preciso eu te amarrar.
--
Mas...
--
Não tem, mas, e nem meio mas. Está
decidido. Se não queres ficar comigo, é outro problema, mas eu não posso ficar
sossegado sabendo que tu estás aqui sem proteção alguma. Chega!
Pela
primeira vez Camila não protestou. Naquela manhã ela percebeu o quanto era
arriscado ela ficar só ali na beira da estrada. Era loucura mesmo. Depois que
já estava mais calma, Camila foi buscar alguma coisa para eles comerem. Não
falou nada. E Fernando respeitou o silêncio dela. Ele apenas a observava.
Depois
ela lavou a louça deixou no escorredor e foi para o quarto, e Fernando foi atrás. Ela pegou duas valises
e começou arrumar suas roupas. Ele foi até ela, a abraçou e disse:
--
Eu te ajudo.
À
tardinha eles estavam chegando ao apartamento de Fernando. Camila estava muito
quieta e pouco falou durante o trajeto.
Fernando perguntou:
--
Tu queres ficar aqui comigo em definitivo, ou só até encontrar um lugar para
ti?
--
Em definitivo, se ainda está em vigor o teu convite.
--
É claro que está. Tu sabes o quanto aprecio a tua presença.
--
Sei...
Então ele levou as valises para o quarto e fez espaço em seu armário para ela poder arrumar
sua roupa e ficar no quarto com ele. Mais tarde pediram uma pizza e parecia que
tudo estava na ordem natural das coisas.
Os
dias seguiram e eram de paz.
Naquela
noite quando chegou em casa, Fernando encontrou Camila aborrecida, de mal com o
mundo. Ele não conseguia entender o que tinha acontecido e zangado disse:
--
Por favor, Camila me diga o que aconteceu, tu estavas tão bem hoje cedo.
--
Eu preciso arranjar um trabalho, e também preciso sair daqui.
--
Assim tu me enlouqueces. O que houve?
--
Nada de mais. Só quero trabalhar.
--
Ainda ontem nós falamos sobre isso e tu me disseste que estava tudo bem
contigo, que estavas feliz em estar aqui. Não entendo mais nada...
--É
que hoje eu estou pensando diferente, é só isso. Amanhã vou procurar um lugar
para mim.
--
Não! Vais continuar aqui.
--
Tu não podes me obrigar a ficar aqui.
--
Não, não posso, mas devo. Camila mais uma vez eu te peço. O que aconteceu?
--
Nada.
--
Tu estás mentindo. Vou tomar um banho e depois vamos conversar com calma.
Certo?
--
Ok.
Fernando
foi para o banheiro. Enquanto se despia viu um papel amassado no chão. Pegou e
abriu e viu que era uma bula de teste de gravidez. Saiu nu do banheiro e foi
até a sala e perguntou para Camila.
--
Tu estás grávida, é isso?
Camila
arregalou os olhos e começou a chorar. Fernando foi até ela e perguntou:
--
Sim?
Ela
confirmou com cabeça. Ele a abraçou e beijou. E disse:
--
Ah meu amor que coisa linda. Vamos providenciar o nosso casamento. Eu vou ser
pai...
--
Tu estás feliz?
--
Sim. Tu és o amor de minha vida e vamos formar uma família, como eu não ficaria
feliz?
Camila
começou a chorar. Fernando correu a cozinha para pegar um pouco de água para
ela beber. Ela parou e olhou para ele e falou:
--É
a primeira vez que tu dizes que me ama. Eu não queria falar nada, porque não
queria te obrigar a nada. Eu ia embora por isso, por medo de me tornar um
estorvo em tua vida. Para não te impor uma situação.
--
Ah bobinha. Homem não se preocupa em dizer, e sim em demonstrar cuidado. Eu te
amo desde o dia que te segurei para tu não cair quando fizeste a entrevista. Te
amo muito, muito mais do que possas imaginar.
--
Eu também te amo desde aquele dia. Fiquei muito nervosa pois tu me perturbaste
muito.
--
Vem pro banho comigo...
--
Vamos.
O
casamento foi uma cerimônia simples e muito intima. Eles viajaram para Londres
e Paris na lua de mel. Quando retornaram Fernando tinha uma surpresa para ela.
Naquela
manhã de domingo ele falou:
--
Eu não acho bom criar nosso bebê em apartamento. Encontrei uma casa linda para
nós. Queres conhecer?
--
Sim! Mas agora?
--
Claro, estou com a chave.
Fernando
fez o trajeto mais longo, mas ela disse:
--
Eu cresci neste bairro.
--
É? Eu também.
--
E eu morei nesta rua, e nesta casa... Por que tu paraste aqui?
--
Porque a casa é esta.
--
Mentira! Mas eu vendi a casa...
--
E eu comprei. –respondeu Fernando rindo.
--
Ah... Não pode ser verdade, ela está restaurada... Foste tu?
E
ele balançou a cabeça afirmativamente, e a tomou pela mão e entraram no jardim,
que estava bem florido e muito bem cuidado. Ele abriu a porta e lá estavam os
móveis todos restaurados. Lágrimas brotaram nos olhos dela e ela beijou o
marido com gratidão.
Soltou
a mão dele e saiu feito uma criança, percorrendo toda a casa. Quando chegou ao
quarto principal viu que estava
transformado em uma linda suíte, com um banheiro bem moderno e um closed
enorme. Também o quarto que era dela estava todo arrumado para o bebê. Todo em
tons de verde bem clarinho, com papel de parede com estampa de bichinhos. Ela
se encantou e sorrindo se voltou para Fernando afirmando:
--
Tu és maravilhoso, eu te amo.
--
E tem mais coisa, vem cá.
Ela
o seguiu até o escritório. E Fernando mostrou a ela alguns documentos e
explicou:
--
Tu tinhas deixado os móveis em um depósito. Eu comprei a casa vazia. Mas veio
para cá um aviso de cobrança e eu fui saber o que era. E descobri os móveis da
casa. Resgatei e encontrei dentro de uma gaveta isso aqui.
--
O que é isso?
--
Recibo de deposito bancário. E num valor considerável de dólares na Suíça.
--
É mesmo?
--
Sim. Meu amor tu és uma mulher rica, tens uma pequena fortuna, e quem fez os
depósitos em teu nome foi teu avô.
--
Bah... Eu nunca ia saber. Por que será que ele deixou trancado? Nem a avó
sabia, senão ela teria me contado.
--
Pois é... Mas o fato é esse.
--
Quando podemos mudar para cá eu adorei... A cozinha e os banheiros estão bem
modernos e contrastaram com a idade da casa, mas eu achei legal.
--
Podemos mudar quando tu quiseres. A casa está pronta. Tem tudo dentro.
--
Então vamos providenciar. Nosso filho vai nascer aqui.
Eu
preciso te informar, de que não vendi a cafeteria, aluguei para uma franquia de
café.
--
Ah que bom. Eu gostava daquela casinha, é tão acolhedora. Foi lá que eu
descobri que tu és a pessoa mais importante na minha vida. Eu te amo tanto...
--
Eu também te amo.
Era
uma manhã de primavera, estava caindo uma chuva fria quando Camila sentiu uma
pontada. Não podia ser ainda as dores de parto, mas mesmo assim ligou para
Fernando. Ele estava em uma reunião, mas afirmou que iria imediatamente para
casa.
Quando
ele chegou Camila estava com uma dor muito mais intensa. Ele a levou para o
hospital e naquela tarde nasceu um lindo menino que iria se chamar Felipe, em
honra ao avô de Camila.
Fernando
e Camila abraçados olhavam para o pequeno que mamava com avidez e rindo ele
disse baixinho:
--
Igual ao pai...
Eles
estavam felizes, enfim formaram uma família.
Maria Ronety Canibal
Dezembro de 2017.
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