ILUSÃO
Alguém
havia dito que: ‘’O amor é um sentimento que nasce da vontade do coração.” Cristina sempre acreditou nisso, e todas as
suas decisões foram pautadas na vontade do coração. Nunca deixou que a sua
razão falasse mais alto de que o seu coração. Mas hoje ela tinha duvidas.
Estava com vinte e cinco anos e vivia em uma sociedade ainda muito
preconceituosa. Depois da segunda grande guerra mundial, o mundo mudara... Mas
onde ela vivia, apesar de ser o ano 1960, as pessoas tinham ainda, uma moral
bastante rígida.
E hoje ela lembrava os acontecimentos de sua
vida.
Ela
tinha sido uma moça bonita, alegre que gostava muito de ir a festas e se
divertir. Era filha única, e seu pai, Raul, fazia todas as suas vontades. Sua
mãe tinha morrido quando ela era ainda muito pequena, e não se lembrava dela.
Cristina
costumava ir às festas com as sua amiga Liége e Elisa sempre acompanhadas pela
d. Marília, mãe de Elisa. Elas eram amigas inseparáveis, que estudavam na mesma
aula e moravam próximas.
As
três amigas “morriam de amores” por Jerônimo, que era um rapaz muito lindo, e
sempre estava esperando por elas a saída da escola. E ele as acompanhava até a
esquina de suas casas.
Cristina
já tinha sido recomendada por seu pai, que já havia visto elas na companhia
dele, para que não desse atenção aquele rapaz, porque ele não era de boa
índole.
Mas
quando Cristina colocava os olhos nele seu coração disparava, e não tinha jeito
de ficar longe dele. Ela gostava de
estar junto com ele, escutar as tolices que ele falava e que ela sempre achava
muito engraçado.
Liége
e Elisa não voltavam mais da escola junto com Cristina, que preferia estar só
com Jerônimo. E quando ela ai ao cinema aos domingos com as amigas, Jerônimo
sempre dava jeito de sentar ao lado dela, e passavam o filme todo de mãos
dadas. As gurias reparavam que eles estavam de mão, mas não falavam nada. Elas
tinham um código de não contar nada.
Mas
um dia Jerônimo sumiu. Cristina tinha ficado triste e muito surpresa. Pouco
sabia sobre ele. Ele nunca falava de si próprio.
Mas
passou. O fim do ano estava chegando e logo seria sua formatura. Estava
contente.
Haveria
o baile de formatura delas, e todas estavam muito animadas com a festa. Estavam
terminando a Escola Normal. (Formação de Professor Primário)
Cristina
tinha mandado fazer um vestido para o baile, era azul, sua cor predileta, com o
corpete em cetim bordado com miçangas na mesma tonalidade e de alçinha. E com a saia bem rodada toda de tule azul, e
também bordado. Tinha mandado forrar um par de sapato com o mesmo tecido do
vestido. As luvas de cano alto na
tonalidade do vestido.
Chegara
o dia tão esperado!
As
três amigas tinham marcado hora no cabeleireiro para arrumar o cabelo. Cristina era mais ousada e
pediu para fazer um coque, que a deixava com jeito de mais velha.
Quando
seu pai a viu, arrumada para a festa, suspirou e disse:
--
Estás linda! Hoje vai arrasar alguns corações. Vamos, estamos atrasados.
O
salão já estava cheio quando chegaram e Liége e Elisa a esperavam em uma mesa
de pista que tinha ficado para a turma jovem, os “coroas” ficariam mais atrás.
A turma era grande.
Cada
jovem formanda deveria iniciar o baile com seu par E Cristina tinha convidado o
seu pai para ser seu par. Mas naquele dia ele tropeçara e estava com o pé
inchado. Então Ricardo, primo de Elisa se ofereceu para dançar com ela.
Eles
se conheciam desde crianças. Mas fazia muito tempo que não se viam. Ricardo era
mais velho que ela quatro anos e cursava a faculdade de Direito e já trabalhava
no escritório do pai dele. Eram bons amigos, e Cristina muito tagarela sempre fazia
ele falar e rir bastante. Ele gostava dela.
Enquanto
dançavam Ricardo disse a Cristina:
--
Tu estás muito linda. Deixaste de ser menina e está uma moça muito atraente.
Gostei de poder ser teu par.
--
Obrigada. Tu também estas diferente. Mas ainda tens os olhos mais lindo que eu
já vi.
--
Sério! Nunca imaginei...
--
Nunca imaginou que eu sempre admirei esse tom de azul que tem os teus olhos.
Quando eu era adolescente, eu sonhava com eles...
--
Não brinca... Mas se queres eles podem
ser só teus...
Cristina
olhou para ele, que sorriu a aproximou mais dele. Dançaram um bom tempo. Estava
calor, e saíram para a sacada do clube, onde havia muita gente aproveitando a
brisa fresca da noite.
Conversaram,
recordaram situações engraçadas e riram. Depois voltaram a dançar. E eles
ficaram toda a noite juntos.
Raul
quando viu a filha dedicando todas as danças a Ricardo, ficou contente. Ele era
um bom rapaz, seria um bom marido para ela. Ele queria que ela logo casasse,
estava com dezoito anos e formada. Pronta para casar.
Quando
voltavam para casa Cristina estava feliz. Ricardo a pedira em namoro e ela
dissera sim. No outro dia, ela iria ao cinema com ele, e mais as gurias é
lógico.
Contou
ao pai, e este aprovou a escolha.
Só
que o domingo estava chuvoso, e as gurias estavam cansadas e não queriam ir ao
cinema. Quando Ricardo chegou a sua casa
para pegá-la, ela foi só com ele, com autorização de seu pai.
O
tempo foi passando e o namoro foi firmando.
Ricardo
havia telefonado para Cristina a convidando para jantar, apenas os dois, era
uma data especial, fazia um ano que estavam namorando. Ela avisou seu pai, e
assim que Ricardo estacionou o carro e deu em beijo no pai e saiu apressada.
--
Olá, tudo bem?
--
Olá... Tudo certo... Está linda com esse vestido, muito bonita mesmo...
--
Obrigada. Que bom que gostou, quando estava escolhendo lembrei que tu gostas
muito dessa cor, por isso preferi esse bem amarelo. Aonde vamos?
--
Num lugar especial, é uma noite especial para nós.
--
Está bem. Vais vendar meus olhos?
--
Bah... Não lembrei, mas é uma boa idéia...
E
eles saíram rindo. Ricardo havia reservado uma mesa em um restaurante novo na cidade, que era
um lugar requintado e bem freqüentado. Ao chegaram foram logo encaminhados para
a mesa, que ficava junto da janela com uma bonita vista do rio.
Sentaram,
fizeram os pedidos, escolheram um vinho para acompanhar o prato e conversaram
sobre muitas coisas. Ricardo falou de seus planos para o futuro, pois logo ia
terminar seu curso. Cristina o escutou com atenção, deu algumas sugestões.
Depois da sobremesa, Ricardo resolveu falar sobre eles:
--
Assim como tenho os meus planos para minha vida profissional, também tenho
muitos planos para nós. Tu sabes, eu já
falei muitas vezes que eu te amo, que minha vida está ligada a tua vida. Acho
que desde que éramos crianças. Tu sempre foste um tesouro para mim. Te vi
crescer, e se tornar essa linda mulher em que tu te transformastes. Por isso do
fundo do meu coração quero mais uma vez
dizer eu te amo muito e quero te perguntar uma coisa...
--
O quê?
--
Queres casar comigo?
--
Casar?
--
Sim, vamos noivar para depois casar. Aceitas?
--
Aceito... Sim... Aceito.
--
Que alegria que tu me dás. Amanhã vou
falar com o teu pai.
--
E quando vamos colocar as alianças?
--
Que achas de ser na noite de Natal?
--
Sim, pode ser.
--
Eu já tenho as alianças...
--
Eu pensei que íamos escolher juntos.
--
Eram dos meus avós. Vamos mandar ajustar, se der podemos reformar...
--
Combinado. Eu conheço um ourives que é confiável. Já mandei reformar um anel
que foi de minha mão. Esse que estou usando...
Quando
Ricardo a deixou em casa aquela noite ele a beijou com intensidade, estava
muito difícil despedir-se dela. Ela era tudo o que ele desejava e seu corpo
ardia de paixão por ela.
Cristina
contou para o pai, sobre o pedido de Ricardo. E Raul olhou para a filha e
disse:
--
Ricardo será um bom marido. Ele é responsável, trabalhador e vem de boa
família. Mas minha querida filha eu preciso te indagar algumas coisas.
--
Diga pai.
--
Tu o amas?
--
Eu gosto muito dele, de estar com ele...
--
Filha, teu coração se agita por ele? Quando tu o vês, o que acontece dentro de
ti?
--
Ah, pai, eu não sei... Mas eu gosto dele. Por que me perguntas isso.
--
Porque observo que tu gostas dele, mas não vejo amor... Teus olhos não brilham...
E para casar é preciso amar. Ele te ama, eu vejo que ele te ama muito. Mas tu
não correspondes na mesma intensidade.
--
Não sei.
--
Minha filha, casamento é para vida toda. Não há outra opção.
--
Mas quantos se desquitam... Se não dá certo, tem essa alternativa sim.
--
Na sociedade em que vivemos uma mulher desquitada é discriminada. Ela vive a
margem da sociedade. Até as tuas amigas te deixarão se estiveres em uma
situação assim. Por isso estou te questionando tanto. Porque depois que eu der
a minha palavra para esse homem, o casamento será realizado. É assim que
funciona, porque de for se outra maneira é escândalo. Pensa sobre tudo
isso que eu te falei. Amanhã tu me dizes
sim ou não.
--
Sim. Boa noite pai.
--
Boa noite minha querida.
Naquela
noite Raul não dormiu, estava muito preocupado. Achava que a filha não amava o
namorado, que ela se deixava levar. E se mais tarde aparecesse o amor em sua
vida... E ela seria infeliz.
Cristina
não deu muita importância para as palavras do pai. Ela gostava de Ricardo, ele
a tratava como uma princesa, era gentil, carinhoso, atencioso e a amava muito.
Eles seriam felizes. Muito felizes. E ela dormiu muito bem. No outro dia disse
ao pai:
--
Bom dia pai. A minha resposta é sim, vou noivar e depois casar com Ricardo e
seremos muito felizes.
--
Bom dia. Que bom! Pode dizer para ele vir hoje a noite e manda preparar uma lasanha
e pudim de sobremesa.
--
Certo, vou dizer para Olivia.
A
noite, após o jantar Ricardo pediu para conversar com seu Raul. Foram para o
escritório, Raul serviu um Porto e sentou-se diante do rapaz. E falou:
--
Sou todo ouvido, meu rapaz.
--
O senhor sabe que estou me formando e tenho trabalhado com meu pai em seu
escritório de advocacia. Tenho um bom salário e como amo muito a sua filha
quero me casar com ela. Por isso peço a sua permissão para noivarmos e
anunciarmos o casamento para daqui um ano.
--
Vocês já conversaram?
--
Sim. Faz tempo que estamos nos preparando para esse dia.
--
Muito bem. Se vocês se amam dou meu consentimento. Parabéns. Espero que cuide
bem do meu tesouro.
--
Eu prometo ao senhor, no que depender de mim, sempre estarei perto dela.
--
Assim espero. Mas vamos chamar a interessada...
--
Sim, claro...
E
Cristina juntou-se a ele, seu pai serviu um cálice de Porto para ela também. E
assim brindaram a felicidade do jovem casal.
O
noivado seria no Natal e a formatura de Ricardo estava marcada para o dia vinte
e oito de dezembro.
Cristina
estava entusiasmada. Ela seria a primeira a ficar noiva, antes de suas amigas. Preparou a festa com cuidado.
Sua futura sogra apreciava muito uma mesa bem posta, e observava muito as
questões de etiqueta. A festa seria para os familiares. A família de Ricardo
não era muito grande. Ele tinha apenas uma irmã, mais nova e uma avó. As tias e
primos não seriam convidados, só depois para o casamento. Essa sim seria uma
festa para duzentos convidados.
Ela
comprou um vestido azul escuro para esse dia. Era de organdi bordado, com o
decote canoa e um cinto de cetim na cor do vestido. Escolheu sandálias prateadas.
Ela estava linda. Tinha arrumado seu cabelo que estava com uma parte presa e
caído nas costas. Fez uma maquiagem suave e usou batom rosa claro combinando
com o esmalte das unhas.
Foi
antes do jantar que Ricardo a levou para o centro da sala e ali na frente de
todos declarou seu amor por ela e selou o compromisso entre eles, e colocando
uma aliança em seu dedo. Ela retribuiu o gesto. E em seguida Ricardo tirou do
bolso um lindo anel de diamante e o colocou em seu dedo. E então a beijou.
Todos aplaudiram com alegria, ergueram suas taças de champanhe e brindaram ao
amor dos jovens.
Cristina
não parava de olhar para sua mão. Aquele anel era muito lindo. Valia uma
fortuna.
O
tempo estava passando rápido, os preparativos para o casamento eram muitos, ela
precisava de um enxoval completo e tinham muita coisa para comprar, além de
escolher a mobília para a casa que eles iriam residir. O pai de Ricardo havia
comprado uma casa para eles.
Mas
Raul continuava observando a filha e ainda não estava convencido. Para ele,
Cristina tinha uma amizade pelo noivo, não um amor de mulher, um amor que a
fizesse cintilar na presença dele.
Ele
lembrava sua falecida esposa. Como se amavam. Ela era uma luz quando estavam
juntos. Não só ele percebia o brilho em seu olhar, a mudança nas feições, mas,
todos os amigos comentavam que ela demonstrava o amor que nutria por ele em sua
face, no modo de olhar, de sorrir e de falar. E Cristina não tinha isso.
Enfim
chegou o dia do casamento.
Raul
estava esperando por Cristina na sala, suas amigas estavam ajudando ela se
vestir de noiva. Então ele sentou e ficou pensando que havia cumprido todas as
tarefas de pai (e mãe). Dois dias antes teve a difícil empreitada de falar para
a filha sobre a noite núpcias, que a partir do casamento ela seria do marido, e
como boa esposa deveria ser receptível as suas caricias pelo corpo todo. Que o
ato de amor era um ato divino, pois pelo Sacramento do Matrimonio eles, os
noivos, se davam um ao outro na presença de Deus. Era um ato de amor humano,
abençoado pelo amor divino. O casamento os unia e eles seriam um só através do
amor que os ligava. Que ela não tivesse medo, ele confiava no amor de Ricardo e
tinha certeza que ele a trataria com gentileza. Apenas na primeira vez é que
ela sentiria dor, mas uma dor que logo passava e se tornava prazer.
Cristina entrou na sala. Quando a viu, Raul ficou os olhos cheios de lágrimas, era
muita emoção ver a sua filha vestida de noiva. Sentiu uma saudade imensa de sua
querida Ana, sua falecida esposa, que com certeza ficaria orgulhosa de ver a
filha tão linda, pronta para ir para a igreja.
O
casamento deles foi muito badalado, a igreja estava cheia e a festa foi no
clube e tudo correu muito bem. Os noivos saíram para a lua de mel. Ficariam
vinte dias viajando.
A
primeira noite, eles passaram no melhor
hotel da cidade.
Cristina
estava insegura. Seu pai havia falado, mas não explicou nada do ato em si. Ela
tinha uma vaga idéia do que seria. Mas preparou-se, vestiu a camisola comprada
especialmente para essa noite. Era de cetim branco, todo intercalado com renda.
Ela estava linda.
Ricardo
quando a viu ficou sem palavras, sem ação. O amor de sua vida estava ali,
diante dele e ela a faria sua. Seu corpo reagiu a esse pensamento. Foi até ela
e com carinho a abraçou e a beijou e a levou para o leito. Com todo o cuidado
ele consumou o seu casamento. Cristina respondeu as caricias do marido e se
entregou totalmente a ele, e foi como seu pai dissera, após a dor veio o
prazer.
O
casal estava feliz. Voltaram da viagem exalando felicidade. E Raul sossegou seu
coração.
Cristina
estava se mostrando uma ótima dona de casa, sabia administrar muito bem as
compras, os pagamentos e as empregadas. Ricardo sempre encontrava tudo em
ordem, a casa limpa e arrumada, a comida bem feita e com um cardápio variado,
sua roupa sempre limpa e bem passada guardada com esmero em seu armário. E
Cristina estava sempre bem vestida e
feliz esperando por ele no fim da tarde.
Os
dias passavam e veio a noticia de que Cristina estava grávida. Foi uma alegria
para todos. Raul sentiu um aperto em seu
coração, sabia que estava doente, não tinha falado nada para filha. E agora
mesmo que não contaria. Ele não sabia se conheceria seu neto.
Elisa
já casada há um ano, e também estava grávida e Liége recém casada sonhava em
ser mãe. As três se reuniam uma vez por semana, revezando as casas. Faziam um
chá acompanhado de bolo e sanduíches e cada uma levava um trabalho manual e
passavam a tarde conversando. Era com antigamente, as três sempre juntas, partilhando
suas vidas.
Cristina
estava no oitavo mês de gravidez quando seu pai foi internado para uma cirurgia
de estomago. Mas houve complicações e
ele não sobreviveu a cirurgia.
Cristina
entrou em desespero. Seu pai morto! Que seria dela. Ele que sempre foi seu
apoio, seu abrigo... Ele foi pai e mãe para ela. Ele era tudo na vida dela.
Ricardo
tentava consolar Cristina, estava preocupado, pois era o ultimo mês de
gravidez, não era bom ela estar desse jeito. Tão abatida, tão triste.
E
duas semanas depois Cristina entrou em trabalho de parto. Foram sete horas de
dores para enfim nascer uma linda menina, que recebeu o nome da mãe de
Cristina: Ana Maria.
Ana
Maria crescia e que estava ficando a cada dia, mais linda. Cristina se
restabeleceu do parto e de sua tristeza. Sua filha lhe trouxe novo ânimo e alegria de viver.
Ricardo
estava muito feliz.
Seu
vida estava completa, uma esposa linda e amorosa, que ele amava muito e o
resultado desse amor que era uma filha
para alegrar seu viver.
A
vida seguia seu curso. Ana crescendo e Gilda, mãe de Ricardo, se intrometendo
nos cuidados da criança. Cristina não queria ser indelicada com sua sogra, mas
não suportava mais a situação. Pois Gilda, agora, passava todo o dia na casa do
filho.
Até
que um dia ela não agüentou mais e queixou-se para Ricardo. Ele defendeu as
boas intenções da mãe. E foi a primeira briga deles. Cristina, que sempre fora
mimada pelo marido se viu contrariada. Ela não aceitou. Ficou de mal com ele
por bastante tempo, recusando-se, também, aos carinhos noturnos.
Ricardo
precisava solucionar o problema e contratou uma babá especializada e pediu a
sua mãe que deixasse os cuidados de Ana por conta de Cristina. Gilda aceitou as
ponderações do filho, mas não perdoou a nora.
Calma
voltou a reinar.
Os
dias passaram, e nasceu o filho de Elisa, um menino, que recebeu o nome do avô,
João Claudio. E para a alegria das amigas, Liége estava grávida.
Elas
continuavam a se reunir semanalmente.
O
tempo passou, mas para Cristina parecia que o encantamento tinha passado. Sua
vida era boa, Ricardo dava todo o conforto para ela e muita atenção, mas ela
sentia que estava faltando alguma coisa. E desde aquela briga, nunca mais ela
se entregou a ele por completo. Algo dentro dela havia se quebrado.
Ricardo
sentia sua mulher diferente, atribuía ao pós parto, achando que logo tudo
voltaria a ser como antes, quando Cristina era dócil e meiga, e que retribuía
com intensidade aos seus carinhos.
Ana
iria fazer um ano. A festa seria na casa da avó, que era bem grande e poderia
acomodar muitas pessoas. Cristina não se envolveu, deixou tudo por conta da
sogra. Assim era melhor, não haveria atrito entre as duas, foi a justificativa
de Cristina para Ricardo.
Enfim
as coisas estavam se acomodando e vida voltando ao normal. Cristina se lembrava
do que seu pai havia dito. Ela precisava servir ao seu marido e ela cumpria sua
obrigação fingindo prazer.
Ana
já caminhava e ensaiava as primeiras palavras. Cristina gostava de levar a
filha para passear na praça próxima a sua casa. Elvira, a babá, sempre a
acompanhava.
Um
dia numa dessas idas até a praça,
Cristina levou um susto. Ela viu Jerônimo. Era ele! Ela tinha certeza. Ele a
tinha visto também. Eles pararam e se olharam. Elvira ia a frente e não
percebeu.
No
outro dia, no mesmo horário, Cristina resolveu sair sozinha, fez o mesmo
trajeto esperando ver Jerônimo outra vez. E viu. Ele estava sentado no banco em
que ela havia sentado no dia anterior.
Quando
ele a viu, levantou e foi até ela. Aproximou-se dizendo:
--
Que saudades! Está uma linda mulher.
--
Obrigado. Por onde andavas?
--
Pois é, eu fugi de ti. Não queria compromisso na época.
--
Ninguém nunca te viu. Aonde te escondeste?
--
Fui morar com minha avó para estudar. Sou dentista.
--
Que bom!
--
Aquela menina é tua filha, é muito parecida contigo.
--
É todos dizem isso.
--
Me arrependi de ter te deixado...
--
Ah.
--
És feliz?
--
Sou. E tu estas casado?
--
Não! Nunca te esqueci...
--
Verdade?
--
Moras aqui perto?
--
Sim. E tu também?
--
Meu consultório é na avenida.
--
Hum...
--
Gostaria de conversar contigo. Vem ao meu consultório.
--
Tu trabalhas sozinho? Não tem secretaria?
--
Não, se fores lá ninguém vai falar mal de ti.
--
Não sei. Preciso pensar...
--
Vou te esperar...
--
Tchau.
--
Tchau, mas não demora...
Cristina
voltou perturbada para casa. Seu coração estava disparado, parecia uma
adolescente. Queria encontrar com ele. Ela iria!
Quando
chegou em casa foi direto para seu quarto. Elvira achou estranho o
comportamento da patroa. Era fim de tarde, e quando Ricardo chegou em casa não
encontrou a esposa e a filha a sua espera.
Perguntou
a Elvira o que tinha acontecido e ela disse que a patroa tinha saído e quando
chegou foi direto para o quarto e não falou com ninguém e continuava lá.
Ricardo
foi ao quarto e encontrou a porta trancada. Ele foi buscar em seu escritório a
chave dupla. Abriu a porta do quarto e encontrou Cristina dormindo com
vestígios de que tinha chorado.
Sentou
na poltrona e ficou ali observando a esposa. Estavam três anos casados e ela
nunca tinha feito uma coisa dessas. Que teria acontecido?
Cristina
se remexeu e acordou. Quando viu o marido ao seu lado, se assustou, e
perguntou:
--
Oi, por que está sentado ai, o que aconteceu?
--
Eu é que te pergunto. Por que estavas trancada no quarto?
--
Eu cheguei com dor de cabeça e queria sossego.
--
Hum. Apenas dor de cabeça, pois estas com jeito de quem chorou.
--
Um pouco, lembrei de meu pai. Lembrei de algumas conversas que tivemos e isso
me entristeceu.
--
Toma um banho e vamos jantar. Vou te
esperar lá embaixo no escritório.
--
Certo. Logo estarei lá.
Ricardo
não saiu muito convencido. Cristina estava mentindo...
No
outro dia, era o dia do chá com as amigas. Ela sempre passava a tarde fora.
Então ela telefonou para Elisa dizendo que tinha dentista e talvez não desse
tempo de ir.
E
Cristina foi ver Jerônimo. Conversaram e combinaram de se encontrar outro dia.
Ele deixaria uma tarde por semana livre para eles ficarem juntos. Ele morava
nos fundos do consultório. E assim ela começou a se encontrar com Jerônimo,
tornando-se sua amante e traindo seu marido e enganado suas amigas.
Cristina
desejava Jerônimo com paixão.
Passados
uns dias, Liége ligou para Cristina, contando que sua gravidez não estava
tranqüila, que ela teria que ter repouso absoluto. Então estava suspenso o chá
das amigas. Mas que ele tirasse um tempo e fosse visitá-la, pois já fazia algum
tempo que não se viam. Cristina resolveu que não falaria nada sobre o chá das
amigas. Assim ela tinha a desculpa para passar a tarde fora.
As
tardes de amor de Cristina e Jerônimo eram cheias de paixão. Ela estava cada
vez mais envolvida por ele, que era amoroso, e cheio de artimanhas para o sexo.
A cada dia ele vinha com uma novidade que encantava Cristina.
Certa
tarde, Cristina disse a Jerônimo:
--
Esse tempo que passamos juntos para mim não basta. Eu te amo e quero ficar mais
tempo perto de ti, quero dormir e acordar contigo.
--
Mas tu és casada.
--
Vou deixar o Ricardo...
--
E a tua filha ?
--
Não! Ela vem comigo. Vamos procurar um apartamento para nós morarmos.
--
Mas está tão bom assim. Por que mexer no que está dando certo. Continua casada
e nós vamos nos encontrado, talvez mais uma vez por semana, Vamos arranjar um
jeito.
--
Por que tu não queres que eu deixe o meu marido?
--
Por nada. Estou pensando em ti, Com Ricardo tu tens segurança e conforto. Eu
não tenho dinheiro para te dar o luxo em que vives.
--
Vou pensar...
E
Cristina ficou com essa idéia em sua mente. E isso a deixou fria em ralação a
seu marido. Toda vez que Ricardo a procurava ela arranjava uma desculpa para se
livrar das caricias dele.
Ricardo
a amava muito, mas estava preocupado com a situação que estava agravando. Ela
declaradamente não queria cumprir sua parte como esposa. O quê fazer?
Passado
um tempo, uma tarde de quarta feira, como sempre, Cristina se arrumou e saiu
para o “chá das amigas”. Elvira sempre ficava com Ana que a cada dia estava
mais sapeca, corria, subia no sofá e não parava quieta.
E
naquela tarde Ana estava correndo no pátio, brincando e tropeçou, caiu e
quebrou o pulso. Elvira logo ligou para a casa de D. Elisa para chamar
Cristina. Mas Elisa disse que ela não estava lá e que fazia muito tempo que não
se viam. Então Elvira ligou para Ricardo, que veio imediatamente e levou a
menina para o Pronto Socorro. Não sem antes perguntar por Cristina. E Elvira
relatou o telefonema que dera para Elisa.
Ricardo
ficou pensando por onde andava sua mulher. Algo tinha. Iria investigar.
No
fim da tarde quando Cristina chegou em casa e encontrou o marido com a filha no
colo e a menina com uma tala no braço, ficou assustada e queria saber o que
houve.
Cristina
virou-se para Elvira e com muita raiva falou:
--
Isso é resultado de tua incompetência. Não sabes vigiar uma criança sadia.
--
Mas senhora ela...
Ricardo
se adiantou a resposta de Elvira:
--
Não é culpa dela. Talvez se a mãe estivesse junto a pequena Ana fosse mais
calma, mais tranqüila. Elvira esta fazendo bem a sua função. Mas quanto a mãe,
tenho minhas duvidas...
--
Como se atreve? Eu sou uma boa mãe, hoje eu tinha o chá das amigas, pois se não
fosse estaria em casa. Aliás, passo muito em casa, deveria sair mais.
Ricardo
não respondeu, olhou para Elvira implorando silencio. Então pediu.
--
Elvira pode ir descansar, eu fico com Ana.
E
Cristina foi para seu quarto. Precisava tomar um banho, tirar o cheiro de
Jerônimo, para seu marido não desconfiar.
Quando
retornou ao quarto da filha, viu que Ana dormia no colo do pai. Sentou na
poltrona e ficou observando Ricardo que ninava a filha andando bem devagar pelo
quarto.
Depois
de colocar a menina na cama, Ricardo chamou para babá para ficar com ela e foi
para seu escritório, sem falar com Cristina.
No
outro dia saiu cedo e foi procurar um detetive, para seguir sua esposa. Era
muito difícil para ele fazer isso, mas era necessário. E considerando o comportamento
dela em relação a vida de casal, e agora usando a tarde com as amigas como
álibi, alguma coisa havia e ele precisava saber.
Cristina
empolgada pelo romance dela com Jerônimo não tinha mais cuidado com a
discrição. Ao chegar Cristina o abraçava e o beijava em pudor algum. E deu
margem para que o detetive contrato por seu marido pudesse tirar várias fotos
dela com o amante.
Depois
de um mês, Ricardo ao chegar em casa a chamou no escritório, fechou e trancou a
porta, precisavam conversar. Ele pediu que ela sentasse. Ricardo caminhava pela
sala. De repente parou, virou-se para ela e disse:
--
Eu sei de tudo, não adianta negar que tens um amante.
--
Não vou negar.
--
Então, quero que penses em Ana, tua filha, e deixe essa aventura que eu te
perdôo.
--
Não é aventura. Nós nos amamos.
--
Não. Ele está noivo e com casamento marcado para fim de setembro. Portanto
daqui a três meses.
--
Não pode ser. Isso é invenção tua.
--
Cristina, coloca a cabeça no lugar, ordena teus pensamentos, isso é ilusão. Ele
quer apenas te usar.
--
Não! Nós nos amamos...
--
Pensa mulher! Eu estou te dando uma chance para continuar a ser uma mulher
descente, e isso por nossa filha. Por que eu não te quero mais como mulher,
somente podes ficar como a mãe de minha filha.
--
Não. Vou viver com ele. Vou levar Ana comigo.
--
De jeito nenhum. Se é esta a tua decisão, então saia desta casa agora mesmo. E
não ouse mais em chegar perto de Ana. Ela não merece a mãe que tem.
E
Cristina arrumou uma valise com suas roupas, pegou um taxi e foi para casa de
Jerônimo, que se assustou quando a viu. E perguntou:
--
O que fazes aqui a essa hora e com essa valise?
--
Ricardo descobriu tudo, e, eu sai de casa, vim ficar contigo.
--
Não, mas eu não posso deixar que mores comigo.
--
Não? Por quê?
--
Porque eu estou noivo e vou casar daqui a três meses. E eu estou saindo para
visitar minha noiva.
--
Mas nós nos amamos....
--
Eu nunca disse que te amo... Eu disse sempre disse que tu és gostosa, é boa de
cama, é bonita... Mas que te amo... Nunca!
Lágrimas
vieram aos olhos de Cristina, que fora ingênua ao confiar nele, um cafajeste
como seu pai algumas vezes havia insinuado. E agora para onde iria?
Foi
para procurar um hotel. Ela tinha algum
dinheiro, mas nenhum hotel estava querendo aceitar uma mulher sozinha. Depois
de percorrer vários hotéis conseguiu em um de nível inferior.
Cristina
não conseguiu dormir, nem chorar. Ela estava indignada com a atitude de
Jerônimo, que a tratou como uma reles, como uma qualquer. E se deu conta de que
não tinha ninguém por ela, e isso a deixou
apavorada. O que tinha feito?
No
outro dia foi procurar Elisa, sua boa amiga, prima de Ricardo, contou a ela seu
infortúnio e pediu ajuda. Queria que ela
falasse com Ricardo para aceita-la de volta. Mas Elisa se recusou, e pediu que
não a procurasse mais, ela tinha uma família e queria proteger sua reputação.
Cristina
saiu da casa de Elisa triste e com a certeza de que ela era mesmo uma qualquer.
Vagou pela cidade sem saber para onde ir. Entrou em uma igreja para pedir perdão
a Deus por sua loucura. Sentiu-se mais calma e resolveu ir até a escola que
tinha estuda pedir ajuda as freiras. Mas quando chegou lá não encontrou mais as
freiras que a conheciam. Ao sair a irmã Clotilde, que era a jardineira da
escola, a chamou. Lembrava-se dela. Isso animou Cristina que retornou a
portaria e solicitou falar com a Sra. Diretora irmã Vera. Que depois de escutar
sua historia a acolheu e deu trabalho.
Cristina
mudou-se para a casa das irmãs. Ficaria em um quarto com um banheiro que ficava
fora da estrutura principal da casa, mas com a condição de que teria que
participar de todas as atividades junto com as irmãs. E iria trabalhar com as
crianças que precisavam de reforço escolar.
Cristina
estava satisfeita, pois tinha um lugar seguro para morar e um trabalho para se
distrair. Sabia que não podia ficar ali para sempre. Mas por enquanto era o que
tinha.
Ricardo
não soube mais noticias de Cristina, a não ser o que sua prima havia contado.
Ele estava preocupado com ela. Ela a amava... Ana sentia falta da mãe. Mas ele
teria que mudar daquela casa por vários motivos.
Encontrou
uma casa para alugar em outro bairro, mais próximo do seu trabalho, a casa era
menor, mas muito confortável e tinha um bom pátio para Ana brincar. Comprou
mobília nova.
E
colocou a outra casa toda mobiliada para
venda. Não queria ter as recordações que aquele prédio lhe trazia. Boas
lembranças, outras nem tanto.
Sua
mãe Gilda estava supervisionando a baba de Ana e as outras empregadas. Todos os
dias ela ia ver a sua querida neta. Que estava crescendo e se tornando uma
linda menina, muito parecida com a mãe.
Já
fazia um ano e Ana não perguntava mais tanto pela mãe. Ricardo dedicava todo
seu tempo livre para brincar e mimar a filha. Ele nunca soubera noticias de
Cristina, e tinha contratado um detetive para localizá-la, mas sem sucesso. Ele
estava preocupado, sabia que ela não tinha nenhum familiar, ela estava
completamente só no mundo. E isso doía em seu coração.
Ricardo
queria entregar para ela os imóveis que ela havia herdado de seu pai. E não era
pouca coisa. A casa em que residiam, e um edifício com oito apartamentos e mais
duas lojas e dois escritórios. Com isso Cristina poderia se sustentar muito
bem. Ele tinha fortuna pessoal, que recebera de seu tio-avô, poderia muito bem
dispensar as propriedades oriundas da família de Cristina, que ainda assim
deixaria uma herança muito boa para a filha.
Cristina
que continuava ao abrigo das freiras, decidiu que era hora de sair dali, não
deveria abusar da boa vontade das irmãs. Agora com o salário que recebia como
professora poderia ser manter em uma vida simples.
Procurou
e encontrou um pequeno apartamento próximo a escola. Comprou os moveis
necessários e mudou-se para lá. Continuaria lecionando na escola.
O
tempo passava e Cristina reconhecia que ter ido viver com as freiras foi uma
atitude correta, pois ela aprendeu a ser generosa, ter paciência e agradecida a
Deus. E isso lhe trouxe serenidade. Cristina estava bem. Tinha muita saudade da
filha, havia passado algumas vezes em frente a casa em que morava, com a
esperança de enxergá-la de longe. Mas eles não estavam mais lá.
Ana
estava com cinco anos e seu a pai a
matriculou no Jardim de Infância do Colégio
NS da Paz. Era uma escola de renome e ficava próxima da casa em que
morava e do escritório. Ana estava feliz com a idéia de ir para a escola,
desejava por ter amiginhas.
Ricardo
levou Ana na escola em seu primeiro dia de aula. Ele estava encostado em uma
coluna observando a interação de Ana com as outras meninas. As suas costas passavam
algumas pessoas, e ele ouviu a voz de Cristina. Não podia ser, virou-se, mas o
grupo havia entrado em uma sala. Caminhou até a porta da sala para conferir e
havia algumas professoras reunidas, aproximou-se e a viu. Ela estava de costas
para a porta, mas ele sabia que era ela. Seu coração disparou. Ele ficou
nervoso e voltou para o lugar que estava. Agora bem atento. Precisava conversar
com ela, saber seu endereço, pois precisavam regularizar a situação. Eram só
separados, continuavam casados.
Tocou
o sino da escola e todas as crianças deveriam formar fila, cantar o hino
nacional e entrar para sala de aula.
Chegou
a professora de Ana, D. Clarisse que organizou a fila por tamanho, com muita
paciência. Ana saiu do seu lugar na fila e foi dar mais um abraço no pai, e
disse baixinho:
--
Eu gostei da cara da minha professora. Tchau..
--
Tchau minha querida, depois venho te
pegar.
De longe Cristina viu a cena e se
emocionou. Seu coração disparou ver a
filha a fez chorar e ver Ricardo a deixou nervosa. Não tinha jeito, ou ela
enfrentava Ricardo agora ou teria que sair da escola. Resolveu enfrentar. Ficou
onde estava. Para sair ele deveria passar por ali. Com certeza a veria.
E
Ricardo viu. Parou, voltou-se para ela e a cumprimentou.
--
Como vai Cristina?
--
Vou bem, e tu como estas?
--
Vou bem obrigada. Eu precisava mesmo falar contigo.
--
É...
--
Podes sair um pouco, vamos a um lugar em que possamos conversar sossegados.
--
Vamos a minha sala.
--
Trabalhas aqui ?
--
Sim, mas não tenho turma, estou na supervisão. Venha por aqui.
Cristina
o levou até a sua sala, serviu uma água e sentou-se a frente dele que já havia
sentado. Ele olhava para ela com um olhar cheio de saudades, e esse olhar ela
não conseguia sustentar. Então ela desviou os olhos. Ricardo percebeu que ela
estava muito nervosa, mas conseguiu ler o que os olhos dela diziam:
arrependimento.
Depois
de um silencio constrangedor, Cristina resolveu falar e contou para Ricardo
como ela tinha se recuperado depois dos acontecimentos nefastos. Ela foi bem
sincera, não deixando nenhum fato de fora do relato. Ele escutou e ficou
admirado de como ela tinha refeito sua vida. Ter procurado as freiras foi a
melhor coisa que ela fez, e ele disse isso a Cristina:
--
Fico feliz em saber que buscastes abrigo aqui junto às irmãs. Sempre me
preocupei com o fato de seres muito só.
--
Sim, senti muita a falta de meu pai. Acho que ele seria o único a ficar do meu
lado, pois todos me discriminaram. Eu errei, reconheço e fui punida por aqueles
que eu considerava amigos. E isso dói!
--
Eu sei... Nós continuamos casados, e eu gostaria de regularizar a situação, de
entrar na justiça com o pedido de desquite. E passar para o teu nome todos os
bens que vieram da tua herança. E somam um valor considerável.
--
Está bem. Faça com quiser, eu não vou atrapalhar nada.
E
conversaram mais um pouco, e combinaram que Ricardo iria encaminhar os papeis e
depois tornariam a falar. Ele despediu-se saiu.
Cristina
ficou ali sentada, com os olhos parados, olhando o nada. Ah como fora boba.
Esse homem sempre fora zeloso, sempre se importou com ela. E ela jogou tudo
fora.
Ricardo
entrou no carro e ficou pensando em Cristina. Ela não tinha mais o brilho de
antigamente. Seu olhar era triste e sem esperança. Que vontade ele ficou de
abraçá-la e confortá-la.
Mais
tarde na hora do recreio da turma do jardim, Cristina foi para o pátio para
observar as crianças. Queria só olhar para ver sua filha. Não iria falar com
ela, isso poderia deixar Ana perturbada. As coisas teriam que acontecer
naturalmente. E aconteceu.
Cristina
estava sentada em um banco olhando as crianças, quando Ana brincava de “amarelinha” com outras meninas.
Depois de sua vez no jogo Ana viu Cristina e correu até ela. Parou a sua frente
e perguntou:
--
Por que tu estas triste? Vem brincar...
--
Eu não estou triste, só estou olhando vocês brincarem e fiquei com saudades de
uma criança que eu amo muito.
--
E quem é?
--
Minha filha.
--
Eu também não vejo a minha mãe, ela foi embora, mas eu rezo todos os dias por
ela, a babá me ensinou. Assim eu fico perto dela.
--
Eu rezo por ela, assim como tu.
--
Então não fica mais triste, moça... Vou brincar.
--
Vai brincar... Eu vou ficar bem.
Cristina
saiu dali, foi para o banheiro, precisava chorar, seu coração estava
transbordando de tristeza. O que ela fizera com a filha.
Depois
de uns dias Cristina resolveu deixar a escola. Ela ficaria até conseguirem uma
substituta para a sua função. Enquanto isso Cristina procurava ver a filha de
longe, sem que a menina a visse.
Cristina
telefonou para o escritório de Ricardo e
pediu para encontrá-lo, queria acertar algumas coisas com ele. Ele
propôs ir a casa dela. Então marcaram para as 19h daquele dia.
Ricardo
estacionou o carro em frente ao prédio e percebeu que ela estava morando em um
lugar muito simples, bem inferior a que sempre foi acostumada.
Subiu
a escada e bateu a porta do apartamento 105. Ela abriu e pediu que entrasse.
Ele sentou em uma poltrona e ela a sua frente. Ele pode ver no rosto dela
sinais de que havia chorado. Seu coração ficou apertado. Ele amava essa mulher,
nada ia fazer esse amor terminar. Precisavam encontrar uma saída, talvez já
houvesse uma. Tudo dependeria dela.
Cristina
olhou para ele e disse:
--
Não repara é o que consegui com o meu salário. Queres beber uma água ou um
café?
--
Obrigada. Estou bem assim.
--
Eu te chamei porque tomei uma decisão.
--
Decisão?
--
Sim. Vou embora da cidade.
--
O que houve?
--
Bem, outro dia Ana veio até mim e nós conversamos, foi muito difícil, ela é uma
menina linda e triste, e eu sou a causadora disso. Não posso continuar na
escola, já pedi para sair, fico só até o fim do mês.
--
Para onde vais?
--
Ainda não sei. Preciso achar uma escola para lecionar. A irmã Madalena está
entrando em contato com as outras escolas da congregação. Mas o que eu quero é
deixar para Ana tudo que veio de meu pai. Eu posso viver tranqüila com o que
ganho. Não tenho mais luxos.
--
Naquele dia Ana me disse que tinha falado com uma moça muito triste.
--
Ela falou?
--
Sim. Ela me conta tudo que se passa com ela... Mas não o que vai em seu
coraçãozinho. Isso ela conta para Elvira.
--
Elvira ainda continua com ela... É uma boa pessoa.
--
Ana se agarrou a sua babá, não quer saber de minha mãe.
--
Não!
--
Minha mãe é muito exigente, quer tudo perfeito e Ana ainda é uma criança muito
pequena e tem medo da avó. Outro dia Ana escutou parte de uma conversa, que eu
não sei se ela entendeu de quem se falava. Mas Elisa te viu na escola, foi
matricular o João e contou para minha mãe e Ana estava perto brincando com
João. E ontem Ana me disse que não tinha
mais visto a moça triste, queria saber se sua avó tinha mandado ela embora.
--
Ai! Isso não é bom.
--
Ana ainda não ligou os fatos, é muito pequena.
--
Mais uma razão para eu ir embora. Tenho ficado em minha sala, assim não tem
como encontrar Ana.
--
Voltando a questão dos bens. Se quiseres deixar para Ana, vou providenciar. E
também uma mesada para ti.
--
Não precisa...
--
Precisa sim. Ainda somos casados. E eu ainda não dei entrada com os papeis com
o pedido de desquite. Por isso preciso te dar uma mesada.
--
Tu és muito bom. Depois de tudo o que eu te fiz tu ainda te preocupas comigo.
Obrigado.
--
Tu és a mãe de minha filha.
--
Que mãe que eu sou. Fiz tudo errado, por uma ilusão, eu destruí as nossas
vidas. A de Ana, a tua e a minha. Por uma quimera apenas. Não quero justificar
o que nã é injustificável, mas eu sempre fui muito mimado por meu pai, tu
sabes, e depois por ti, e eu não amadureci o suficiente para analisar a atitude
de tomei, Não antes, foi por impulso. Só depois eu vi a bobagem que eu tinha
feito, o estrago em nossas vidas. Se arrependimento consertasse as coisas, tudo
seria mais fácil.
--
O que está feito não tem conserto.
--
Eu sei. E peço que me perdoes. Um dia vou te que pedir perdão para nossa filha
e não sei se ela me perdoará. Se eu estivesse morta seria mais fácil para ela,
para todos.
--
Não diga isso.
Ricardo
levantou e foi até Cristina. Ele colocou a mão em seu ombro. Mas na verdade a
sua vontade era abraçar, consolar, perdoar e beijar aquela mulher que ainda
mexia com ele.
Depois
ele tomou a direção da porta e saiu. Cristina ficou ali, prostrada, chorando a
sua culpa.
Duas semanas depois.
Ricardo
chegou em cansado e encontrou Ana com
dor de garganta, febre alta e inchaço no pescoço. Telefonou para o médico, que
logo veio ver a menina. Depois de examiná-la o doutor disse que era difteria,
uma doença terrível que estava matando muitas crianças, e eles precisavam ser
rápidos e iniciar o tratamento. Mas o médico
o tranqüilizou e assegurou que poderiam
combater a doença. E imediatamente providenciou a medicação
Ricardo
gelou. Essa doença matava, sobretudo, em crianças. E a primeira pessoa que
lembrou em avisar foi Cristina. E foi o que fez. Contratou um carro de praça
para ir buscá-la e enviou um bilhete.
Ricardo
sentou a cabeceira da filha, que por causa da febre alta delirava e chamava
pela mãe. Cristina veio. E sentou no outro lado de Ana, e acarinhava e rezava
pedindo a Deus pela saúde da filha. Enquanto que Ricardo prometia a Deus, que
se a filha se restabelecesse ele reconstituiria sua família.
No
outro dia quando Gilda chegou para ver neta ficou indignada com a presença de
Cristina e exigiu que ela se retirasse. Ela cuidaria da neta. Cristina saiu e
foi embora.
Ricardo
tinha ido ao escritório, precisava encaminhar uns documentos e voltou em
seguida para junto da filha, e não encontrou Cristina. Mas sua mãe logo foi
dizendo que a expulsara aquela vagabunda. Era muita petulância dela estar ali.
Ricardo
viu que a filha continuava sofrendo para
respirar, a febre continuava alta e Ana continuava a chamar pela mãe. Isso doía
nele. Pediu para Elvira ficar com a menina e levou sua mãe até a sala onde
explodiu:
--
Se Cristina estava aqui foi porque eu mandei buscar. Ela ficou a noite toda
acalmando a filha, e que por incrível que pareça realmente ficou mais relaxada.
Vou trazer Cristina para cá e ela ficará até quando eu decidir. Se a senhora
não gostou, então vá para sua casa.
--
Meu filho eu estou te desconhecendo... O que houve contigo? Entendo que estás
nervoso... Nossa pequena com essa terrível doença.. Mas trazer aquela vadia para
cá não tem cabimento.
--
Não admito esse adjetivo a Cristina. Vou buscá-la.
Foram
dias de angustia e Cristina não arredou de perto da filha. Gilda não voltou
mais a casa do filho. Apenas telefonava para saber noticias da neta.
Enfim
o médico havia dito que Ana estava fora de perigo. E foi um alivio para todos.
Mas Ana precisava ainda de muitos cuidados para a recuperação plena.
Ana
viu Cristina e disse:
--
Eu sonhei que tu és a minha mãe.
Ricardo
que estava entrando no quarto respondeu a filha.
--
Ela é tua mãe de verdade.
--
Verdade?
Perguntou
a pequena Ana para Cristina, que enxugava as lágrimas que insistiam em rolar de
seus olhos.
--
Sim, sou tua mãe, e eu te amo muito.
--
Eu sei. Também te amo mãe.
Cristina
abraçou a filha e Ricardo se emocionou com a cena. Mas disse:
--
Filhinha tu não deves te cansar. Dorme, eu e tua mãe ficaremos aqui contigo.
Dorme meu anjo.
--
Mas pai, não deixa ela ir embora outra
vez.
--
Não deixo... Não deixo...
E
olhou para Cristina enquanto prometia a filha.
Ana
dormiu e Ricardo sentou perto de Cristina e pegou sua mão e disse:
--
Vamos fazer a vontade de Ana?
--
É o que almejo, mas sei que não é possível.
--
Eu te proponho recomeçarmos, esquecer o que passou e retomarmos nossa vida,
aceitas?
--
Mas Ricardo tu sabes que não dá. Tua mãe me expulsou, ela não vai aceitar e tão
pouco teu pai, que não me suporta. E teus amigos, familiares, a sociedade vai
te banir.
--
Podemos mudar para outro lugar, onde ninguém nos conheça...
--
Eu te amo, sempre te amei, só depois da
minha loucura eu percebi que tu és o amor de minha vida, por isso não quero te
prejudicar mais.
--
Eu continuo te amando. Vamos cuidar do futuro de nossa filha, vamos contribuir
para que ela cresça feliz. Vamos ser felizes longe daqui.
Cristina
não respondeu, era tudo que ela queria, ser feliz junto dele com sua filha
perto. Ele tinha que ter certeza de que era isso mesmo que queria. Ela levantou
e disse que precisava ir em casa.
Era
fim de tarde e Cristina sentou pensando em sua vida...
Alguém
havia dito que: ‘’O amor é um sentimento que nasce da vontade do coração.” Cristina sempre acreditou nisso, e todas as
suas decisões foram pautadas na vontade do coração. Nunca deixou que a sua
razão falasse mais alto de que o seu coração. Mas hoje tinha duvidas. Estava
com vinte e cinco anos e vivia em uma sociedade ainda muito preconceituosa.
Mas
mais uma vez ela iria seguir o seu coração.
Tomou
um banho trocou de roupa e foi para junto de Ana. Quando entrou no quarto olhou
para Ricardo com um brilho no olhar que fez ele perceber que ela tinha tomado a
decisão e esperou ela dizer a filha:
--
Minha querida filha, nunca mais vou ficar longe de ti e do teu pai. Vamos ser
felizes outra vez.
Ricardo
se aproximou dela e abraçou e beijou enquanto Ana batia palmas...
Depois
de dois anos eles estavam de fato muito felizes, tinha mudado para outra
cidade, Ricardo abriu uma banca de advocacia
e Cristina trabalhava na escola
NS do Horto onde Ana estudava.
Eles
formavam uma família feliz e eles estavam bem integrados a sociedade que os
acolhera. E aguardando chegada de outro bebê.
Maria Ronety Canibal
Agosto 2017.
IMAGEM VIA INTERNET
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