O CASARÃO
Alana quando chegou a casa bufava de raiva. Nunca tinha visto tanta prepotência.. Não iria ceder, de forma alguma. Subiu e foi tomar uma ducha para se refrescar, o dia estava muito quente, e os ânimos também.
Vestiu um short e uma regata, sandálias rasteiras e foi para
cozinha fazer uma lanche. Célia chegou e logo viu que sua amiga estava
irritada. Era melhor nem falar, conhecia muito bem o humor dela. Tomou um copo
de água gelada e foi para seu quarto. Alana terminou seu lanche e foi para
jardim, no caramanchão, ali corria um vento agradável. Deitou na rede e ficou
pensando em sua vida, tudo para ela sempre foi muito difícil.
Ela tinha apenas 9 anos quando sua mãe fugiu
com o amante. Seu pai pareceu não se
importar com a fuga da mulher. Juarez, seu pai, que sempre foi irresponsável,
deixou-a por conta própria. Foram as empregadas quem cuidaram dela. Verônica
foi quem sempre esteve com ela. Nas vezes que esteve doente foi Verônica que a cuidou
, nas reuniões de pais na escola foi Verônica que compareceu. Alana a
amava como se fosse sua mãe.
Seu pai era de família muito rica e
conceituada, mas ele devia ser a “ovelha negra”, pois gostava de beber, jogar e
nunca assumiu os negócios da família. Os primos de seu pai não só tomaram conta
DE tudo, como compraram toda a sua parte, por um valor significativo. Seu pai era
um fanfarrão. Passava dias sem aparecer em casa, sem dar noticias. Quando
chegava estava sempre bêbado e desgrenhado.
Agora Alana entendia porque sua mãe havia
escolhido fugir. Só não entendia porque a deixara para trás. Nunca mais tinha
visto sua mãe, que morava na Alemanha.
Seu pai faleceu já fazia cinco anos. E só
depois de sua morte, foi ela soube que uma
fortuna fora gasta em noitadas e jogatinas. Só restara a casa que morava. Era
uma casarão dos 1960, construído em meio a um lindo e imenso jardim., num
bairro nobre e tradicional da cidade.
Nessa época Alana estava cursando
arquitetura. Precisou trancar a matricula, para poder resolver todos os
problemas que surgiram após a morte de seu pai. Mas da casa ela não abriu mão, era um bem de
família.
Para resolver as questões financeiras, Alana decidiu
alugar quartos para moças que estudavam na cidade. A casa era enorme, muito bem
e finamente mobiliada. Eram duas suítes composta de quarto de dormir, banheiro,
closed e saleta de estar, e os outros
seis quartos que eram servidos por três banheiros, tudo isso no piso superior.
No térreo eram quatro salas, mais escritório,
duas suítes de hospedes, copa, cozinha, despensa, lavanderia e três quartos
para empregados. Junto à garagem tinha mais um apartamento composto de dois
quartos, um banheiro, sala/cozinha conjugada. Onde resolveu se instalar. Assim
ficaria independente da casa.
Conseguiu 10 moças como moradoras. Contratou
duas empregadas para manter tudo sempre limpo e ordenado. Como eram acomodações
de luxo, o preço era alto. Dessa forma ela tinha um bom rendimento, que cobria
todas as despesas. E ela retomou os estudos. Formou-se e logo foi convidada
para ser projetista em uma construtora, onde recebia um bom salário.
Parecia que a vida ia tomar seu curso, tudo
seria tranqüilo.
Mas certa manhã ela foi chamada a sala da diretoria.
Lá Alana conheceu Gustavo, irmão de Ivan, seu chefe e donos da empresa. Ela
estava sendo promovida, iria trabalhar diretamente com Gustavo, que era
engenheiro civil.
Gustavo estava retornando ao país após um
período de estudos e de pesquisas de mercado, matérias e técnicas de
construção. Alana foi escolhida entre os seus colegas por sua competência e suas
idéias inovadoras.
Gustavo quando olhou a primeira vez para
Alana a achou bonita, muito bonita, mas antipatizou com ela. Mas teria que
superar essa questão porque realmente a moça era boa naquilo que fazia.
Alana tinha uma estatura média, tinha uma elegância
natural nos movimentos. Sua pele era clara, os olhos castanhos e os cabelos cor
de mel. Tinha o rosto de boneca, delicado e perfeito. Era lindíssima!
Alana
quando pôs os olhos nele viu arrogância e dificuldades pela frente. Mas também
notou que era alto, forte, cabelos castanhos claros e os olhos num tom
indefinido. Entre o verde e o azul acinzentado. Ele era muito bonito.
Embora havia uma antipatia visível entre
eles, ela teria que deixar de lado essa implicância porque precisava trabalhar.
Num esforço mútuo, dividiam a sala, falavam educadamente um com o outro,
aceitavam sugestões, enfim estavam conseguindo ter um bom ambiente de trabalho.
Alana não se preocupava muito com a sua
aparência, usava roupa casual, basicamente jeans com blusinhas. Mas não sabia bem por que,
agora parecia que suas roupas estavam “casuais” demais.
Saiu do escritório e foi para o Shopping. Foi
olhando as vitrines para saber o que estava na moda. Comprou algumas peças, foi
ao cabeleireiro para modernizar o corte
de seu cabelo. Saiu renovada.
No outro dia foi para o escritório com roupas
novas. Quando saiu de casa “se achou um pouco ridícula,” ora roupas novas para
trabalhar? Mas quando entrou notou que estava chamando atenção. Até gostou,
embora sentisse um pouco de vergonha. Foi firme. Cruzou por Ivan que disse para
ela:
-- Hoje resolveu arrasar!
Ela apenas sorriu e foi para sua sala.
Entrou, deu bom dia e foi para sua mesa. Gustavo respondeu ao cumprimento, mas
não fez comentário algum. Apenas ficou olhando. Ela sentou-se e ele continuava
olhando para ela. Até que ele disse:
-- Aceitas almoçar comigo? Devíamos ser
amigos.
-- Sim, aceito. Vamos ser amigos.
Trabalharam juntos, discutiram alterações no
projeto. Na hora do intervalo do almoço saíram juntos. Foram a uma pequena
cantina próxima do prédio onde trabalhavam. Era um lugar sossegado, com uma
clientela seleta.
Conversaram sobre vários assuntos, ele contou
fatos engraçados e o que viu em sua viagem. Pareciam velhos amigos. Ele soube
cativar a atenção dela o tempo todo. Ela procurou ser simpática. Quando estavam
retornando Gustavo sugeriu que saíssem mais vezes juntos. Ela tinha sido uma
boa companhia.
Naquela tarde foi difícil para Alana se
concentrar no trabalho. Lembrava constantemente das historias que ele tinha
contado e até sorria. Ele também mais olhava para ela do que trabalhava. Tanto
que perguntou:
-- Por que estas sorrindo tantas vezes?
Ela ruborizou, e respondeu:
-- Estava lembrando coisas engraçadas.
Ele riu de disse:
-- Vamos ao trabalho.
Gustavo pensou que precisava rever seu
conceito sobre ela. Tinha ficado seduzido por ela. A antipatia aparente nada
mais era do que certa timidez. Ela conversava qualquer assunto, era inteligente
e sabia dar boas respostas. Ela era incrível! E como era bonita, que olhos
fascinantes, com um brilho de alegria.
Seus cabelos estavam diferentes, não sabia o que ela tinha feito, mas estavam
muito bem, e ela estava muito elegante. Ela também era delicada, feminina, era
uma graça. E Alana ficou nos pensamentos de Gustavo por muito tempo.
Alana saiu do trabalho contente, pensando em
Gustavo. Como ela tinha se enganado, rotulando ele de arrogante. Ao contrário,
ele era simpático, divertido, gentil e bonito. Aqueles olhos azuis eram lindos demais.
O sorriso era cativante. Ele era bem interessante...
E os dias foram passando, eles saindo para
almoçar, e jantar também. Foram ao cinema, passearam, foram ao teatro, e se
divertiam juntos. Mas sempre no plano de amigos.
Ela sabia pouco da vida pessoal dele. Ele não
falava, e ela não perguntava. Ela era
mais aberta, tinha contado muito de sua vida para ele.
Alana convidou Gustavo para almoçar no domingo
em sua casa. Ele não conhecia a casa, que ficava em meio a um jardim, pois ele sempre
a deixava no portão quando saiam a noite. Ela com muito orgulho mostrou o
jardim e a parte térrea da casa para ele, que ficou admirado com o tamanho, com
as dimensões do jardim. Eram doze mil metros quadrados que jardim, ali naquela
região. Valia uma fortuna!
Sim, valia uma fortuna, mas era um ótimo
local para construir prédios de apartamentos,
lojas e escritórios. Que renderia muito mais. Precisava pensar. Fazer
uns cálculos e esboços para poder conversar com seu irmão.
Gustavo estava tão concentrado em seu
pensamento que nem viu que Alana estava chamando por ele, já na porta da casa.
Saiu apressado para alcançá-la. Almoçaram praticamente em silêncio, pois tinha
muitos números girando na cabeça dele. Alana estranhou o comportamento dele.
Será que ele não estava gostando do assado que ela tinha preparado? Ou o que
seria?
Alana achou que ele iria gostar do estilo da
casa, já que era de um tempo em que a arquitetura tinha ganhado formas mais
audaciosas. Ela como arquiteta achava que sua casa era um tesouro. Mas ele
ficou tão impressionado com o terreno que não observou a casa.
Alana começou a perceber que Gustavo estava
se tornando muito importante para ela. Preocupava-se em agradá-lo, gostava de
estar com ele, e se entristecia quando não podiam estar juntos. Seria amor? Ou
apenas uma grande amizade? Ela não sabia definir o que sentia por ele.
Já não saiam mais tantas vezes juntos. Nem
para almoçarem durante a semana. Sempre surgia um empecilho, ou pequena viagem
que os impediam. Gustavo estava muito envolvido na construção do projeto que
tinham elaborado juntos e que ficava distante cerca de 40 km da cidade.
O fim de semana para ela tinha sido muito
solitário, época de férias e as moças estavam visitando suas famílias. Ela
dormiu muito para o tempo passar mais rápido. Estava ansiosa pela segunda
feira.
Alana chegou ao escritório só no fim da
manhã, e encontrou Gustavo já de saída com Marcela, uma amiga italiana que veio
visitá-lo. Disse a Alana que ele não voltaria a tarde, levaria a amiga para
conhecer a cidade. E saíram conversando
alegremente.
Alana sentiu ciúmes de Marcela.
Os dias transcorreram e ela estava com o coração
apertado, Gustavo ficava pouco no escritório. E ela agora tinha uma certeza, que
estava apaixonada por ele. Ela resolveu se concentrar no seu trabalho.
Gustavo estava muito atarefado, mas sentia
falta das conversas com Alana, da sua companhia e de seu jeito meigo de sorrir
e falar. Teria que convidá-la para sair. E estava percebendo que ela era muito
mais que uma amiga para ele. Estava gostando dela.
Naquela tarde ligou para ela. Disse que
precisavam se encontrar, tinham assuntos a tratar. Ele estava na obra, e a
noite passaria em sua casa para irem jantar. Ela aceitou, ficou feliz mas não tinha noção do que ele queria falar.
De trabalho tinha certeza que não.
Ao sair do trabalho ela foi depressa para
casa, queria se arrumar com calma, ficar bem bonita. Escolheu um vestido vermelho
escuro, prendeu os cabelos em um coque meio caído, que ficou diferente e muito
legal. Experimentou as bijuterias e escolheu
um conjunto de brincos, pulseira e anel em dourado com uma pedrinha
vermelha, quase na tonalidade do vestido. Estava chique. Sabia que Gustavo iria elogiar.
Desceu e ficou esperando por ele na sala,
conversando com Verônica. Gustavo ligou
no interfone e ela logo saiu. Quando ele olhou para ela, disse:
-- Deixa eu te olhar, estas linda! Mereces um
beijo.
E deu um beijo em sua face. Alana apenas
sorriu e reparou que ele também estava bem elegante, com uma calça preta e uma
camisa preta, muito bonita e além disso
ele estava muito cheiroso. Mas não disse nada.
Gustavo escolheu um restaurante da moda.
Apesar de o restaurante estar cheio, eles conseguiram uma mesa com uma linda
vista para a cidade toda iluminada. Fizeram o pedido e enquanto esperavam tomaram
um aperitivo. Ela pediu um Martini Bianco e ele uma caipirinha.
Ambos estavam nervosos, afinal eles estavam
tendo um encontro pela primeira vez. Era como começar de novo. E tanto ele com
ela estavam cientes disso.
A bebida relaxava a tensão.
Só depois que jantaram, enquanto ainda
tomavam vinho, Gustavo pegou a mão dela deu um beijo e disse:
-- Alana! Eu quero mais que amizade, tu não
sai do meu pensamento, eu me apaixonei
por ti.
A medida que ele ia falando o coração dela ia
acelerando, parecia que ia saltar fora do peito. Tentou falar sem demonstrar
toda a emoção que estava sentindo, mas seu tom de voz revelou, quando disse:
-- Sim...eu também quero ser mais que uma
simples amiga.
Ficaram se olhando por um longo tempo e
depois Gustavo acarinhou sua mão e beijou novamente e disse:
--Vamos pedir a conta. Depois vamos a algum
lugar que possamos dançar. Afinal hoje é sexta feira, merecemos dar uma
esticada.
-- Sim, vamos disse sorrindo.
Gustavo a levou a um piano bar. Um lugar
agradável, com música boa, e com pista para danças. Ocuparam uma mesa mais ao
fundo e de mãos dadas ficaram escutando o pianista tocando jazz. Logo que mudou
o ritmo para músicas românticas, ele a levou para pista e começaram a dançar.
Ele disse ao ouvido de Alana:
-- Sabe o nome desta música?
-- Sim, chama-se She. Foi fundo musical
daquele filme Um lugar chamado Notting Hill, com a Julia Roberts e Huhg Grant,
que aliás acho muito parecido contigo.
-- Então esta será a nossa música, pois é a
primeira que dançamos juntos. Assim abraçadinho, bem gostoso, sentido esse teu
perfume provocante.
Dançaram enquanto a seqüência de músicas era
lenta. Voltaram outras vezes a pista. Já era tarde e resolveram ir embora. Ele não
queria largar dela, com muita relutância a levou para casa.
Ela convidou se ele não queria entrar.
-- Bem que eu queria, mas como? Com toda essa
gente que mora ai?
-- É nossa primeira noite, nem que seja para
tomar um cafezinho, disse ela rindo.
-- Se é assim, vou por o carro para dentro.
-- Sim, e vamos direto a garagem.
-- Garagem?
-- Tenho uma surpresa para ti. Vamos.
Ao sair do carro ela tomou a direção do
pequeno apartamento atrás da garagem. Fazia pouco tempo que ela decorara aquele
espaço para ela. Assim tinha total privacidade, e era um pequeno apartamento.
Gustavo gostou muito do jeito que ela deu no
lugar, era acolhedor, simples e confortável, com uma pequena cozinha bem
moderna. Riu e abraçou dizendo:
-- Vamos inaugurar a cafeteira?
-- Ué, se queres um café agora eu faço. Disse
rindo.
-- Não pode ser depois?
-- Depois?
E ambos riram.
Gustavo sentou no sofá e a puxou para junto
dele e a beijou suavemente. Ela havia subido até as nuvens, retribuiu ao beijo
que foi ficando mais intenso. Trocavam carícias. Gustavo perguntou se ela
queria seguir adiante, ela respondeu que sim. Então foram para o quarto e ali
provaram o amor que sentiam numa entrega recíproca. Foram momentos sublimes
para Alana, e Gustavo continuava abraçado a ela como se fosse parte dele.
Resolveram que passariam o fim de semana na
serra. Conseguiram lugar numa hospedaria e saíram cedo da manhã. Alana arrumou
umas roupas em uma valise e deixou um bilhete para Verônica não ficar
preocupada com ela. Passaram pelo apartamento de Gustavo para pegar roupas de
frio.
O lugar era lindo, a cabana que ficaram, era
muito romântica e eles estavam felizes. Caminharam de mãos dadas apreciando a
natureza, as flores, as árvores. Desceram até a beira do rio de onde se apreciava
a queda d’água. Foi um final de semana espetacular.
Segunda feira voltaram ao ritmo do trabalho e
pouco se viam. Os fins de semana passavam juntos em uma felicidade crescente. Entendiam-se
perfeitamente, nunca discutiam e não sabiam o que era brigar.. Havia harmonia
entre eles.
As obras que Gustavo supervisionava estavam
no fim. Agora ele ficava mais no escritório, e Alana estaca contente, passavam
o dia juntos, no trabalho e a noite ele ia para casa dela. Mais de uma vez ela
já tinha falado para ela sobre o valor da casa com o terreno. Seria um ótimo
negócio para ela, que poderia investir em outros imóveis. Mas ela sempre dizia
que não iria vender.
Estavam completando um ano juntos, e saíram
para comemorar. Ela se arrumou com esmero, havia comprado um vestido novo. Ela
gostava de ser admirada por ele, que sempre tecia muitos elogios.
Era uma data especial e foram a um lugar
especial. Depois do jantar Gustavo a levou para o seu apartamento. (Ela raramente
ia lá). Ele colocou uma música suave e serviu um espumante e brindaram, então a
convidou para dançar. Enquanto dançavam ele sussurrava ao seu ouvido:
-- Eu te amo....Eu te quero...Vamos casar...
Ela escutava enlevada, e repetia a ele as
mesmas palavras.
Pararam de dançar e ele (a moda antiga)
ajoelhou-se diante dela, tirou uma caixinha do bolso e perguntou:
-- Casa comigo?
Ela abriu a caixinha e tinha um lindo anel de
brilhante circundado de pequenas safiras. Era lindíssimo! Ela ficou sem
palavras.
-- Eu... é lindo demais...eu... eu...caso.
Abraçaram-se felizes com decisão, beijaram-se
e amaram-se.
Passados uns dias Gustavo propôs que casassem
logo. Ela podia arrumar o apartamento do jeito dela. Tinha carta branca.
Mas ela queria ficar na casa dela. Ela já
tinha um bom projeto para melhorar o espaço atrás da garagem, também para o
jardim, ela colocaria uma piscina só para uso deles. Teriam um jardim
privativo. Gustavo não queria discutir, mas não concordava. Sua idéia sempre
fora vender aquela área.
Ficaram nesse impasse. Até Verônica, que era
muito discreta, se envolveu no assunto. Para ela, Gustavo tinha razão. Aquele
jardim era muito grande, tanto que parte dele estava abandonado.
E em vista disto, não marcaram a data do
casamento.
Ivan convocou uma reunião. Todos os que
faziam parte da cúpula da empresa estava presente, inclusive Alana.
Discutiram vários assuntos, projetos, custos.
Antes de encerrar a reunião Ivan disse que um grupo importante queria uma área
grande para construção de um complexo com sete torres. Que seriam cinco
residenciais e duas para escritórios.
Área verde e um centro de cultura. E teria que ser no bairro mais tradicional
e nobre da cidade.
Ivan disse também que era um contrato muito
importante, que eles deviam sair a procura de uma área como a solicitada. O
tempo urge, disse ele. Então, Gustavo olhou para Alana e disse:
-- Alana tem essa área, é onde ela mora. Tem
uma casa linda e muito grande, que poderia ser o centro de cultura. É uma
construção dos anos 1960, com todas as características da arquitetura da época.
Tem um jardim imenso. Só depende dela.
Alana olhou para ele furiosa. Apenas disse:
-- Não está a venda! Posso me retirar?
Levantou-se se saiu sem esperar resposta.
Gustavo não se mexeu, sabia que teria que
esperar ela se acalmar. Depois iria procurá-la.
Chegou em casa irritada. Resmungava:
-- Arrogante! Eu sempre soube que ele é muito
arrogante.
Verônica a viu deitada na rede e foi até ela.
Perguntou por Gustavo que não tinha vindo com ela. Alana só disse:
-- Nem me fale dele. Aquele arrogante. Bem
que eu percebi no dia que fui apresentada a ele.
Verônica não estava entendendo, então
perguntou?
O que foi que aconteceu? Por que estás tão
braba?
Então Alana falou sobre a reunião, e de como
ele sem consultá-la, simplesmente disse que ela morava no lugar que estavam
procurando. Ela não aceitava esse procedimento dele.
Verônica resolveu dizer qual era o seu
parecer sobre a venda da casa.
-- Minha querida, não fica assim. Ele não fez
por mal. Ele te ama de verdade, eu vejo isso quando vocês estão juntos. Pensa.
Tu não tens ninguém, não despreze esse amor tão lindo.
-- Eu sei...
-- Minha filha, vou te dizer que eu concordo
com Gustavo. Devias sair dessa casa, fazer tua vida junto dele. Ir morar no
apartamento dele. E vender tudo isso,
que tem muito valor e um custo muito alto para ser mantido, tu sabes disso.
-- É, foi o que sobrou para mim.
-- Mas se tu vender, poderás comprar outras
coisas. Será ainda a tua herança.
-- Mas aqui eu vivi minha infância feliz.
-- É, me desculpe, mas foi aqui que fostes
abandonada por tua mãe, e de certa maneira, por teu pai também. Eu estou
ficando velha, não podes contar muito comigo. Pensa, menina...Não sejas
assim...
-- Mas ele foi presunçoso.
-- Vai descansar. Está tarde. Dorme. Amanhã
conversa com ele.
Alana não conseguiu dormir. Levantou, tomou
um banho, e resolveu que não iria para o escritório. Não queria ver ninguém.
Ela estava abatida, com os olhos fundos. Tomou apenas um café puro e deitou na
rede e ficou quieta. Não queria pensar, conversar e queria sumir. E essa idéia
começou a mexer com seu pensamento.
No fim da manhã Gustavo chegou. Verônica se
adiantou em recebê-lo. Disse onde ela
estava e foi fazer uma oração, pedindo a Nossa Senhora que os iluminasse.
Gustavo também estava abatido, mal dormido e
com uma tristeza estampada em sua face.
Ele aproximou-se dela, não disse nada, apenas ficaram se olhando. Mas foi ele
que quebrou o silêncio.
-- Oi, como estas?
-- Não estas vendo?
-- Precisamos conversar.
-- Fale...
-- Ontem, eu não quis te obrigar a vender a
casa. Só quis dizer que ela existia e era tua.
-- Olha, estive pensando. Não dá mais. Tu não
me entendes, não sabe qual é o meu sentimento por isso aqui. Essa casa é a
minha vida.
-- Alana, tu estas cansada, dizendo coisas
que não queres dizer. Vamos tirar uma semana na praia, e não falamos mais sobre
isso, até que tu queiras. Que achas?
-- Não, já decidi. Eu vou deixar o
escritório, vou pedir demissão. Vou tirar férias sozinha!
-- Meu
amor... Não diga isso... Tira férias, mas não deixe o escritório, não me
afaste de ti.
-- Por favor, eu quero ficar sozinha.
Gustavo saiu dali. Foi procurar Verônica.
Encontrou-a sentada na copa orando. Sentou e ficou esperando ela terminar.
Depois disse:
-- Ela não está bem.
-- Não. Eu sei. Já conversei com ela. Está
irredutível. Temos que dar um tempo a ela.
-- Não virei mais aqui, até que ela me chame.
Mas quero noticias dela, todos os dias. Ela quer deixar o escritório. Então
sugeri férias. Mesmo que ela vá para algum lugar, peço que a acompanhe.
-- Sim.
-- Nunca imaginei uma reação assim.
-- Eu também acho que ela devia vender essa
casa. Se libertar de tudo isso aqui. Ela não foi feliz aqui. Não sei o que
fazer.
-- Talvez
seja apenas estresse.
-- Mas pode deixar Gustavo, eu não vou tirar
o olho dela. Vou te ligar todos os dias.
Gustavo saiu com o coração aos pedaços.
Verônica como havia prometido, ligava todos
os dias dando noticias da Alana, que continuava abatida. Ele não conseguia ver
razão para tudo isso. Talvez ela realmente precisasse de ajuda. Ele sabia de
sua história e chegou a conclusão que a casa era a segurança que ela não tivera
dos pais. Por isso esse comportamento. Precisava conversar com Verônica.
Gustavo teria que viajar, talvez ficasse fora
uns quarenta dias ou mais. Ele iria telefonar para ela para saber de Alana. E
pediu que Verônica a convencesse a consultar uma psicóloga.
As férias de Alana tinham terminado, ela
teria que voltar ao trabalho. Foi com medo de encontrar com Gustavo. Ele nunca
mais a tinha procurado, desde aquela ultima conversa. Ela estava arrependida da
forma que tinha tratado ele, seca e agressiva demais.
Quando chegou ao escritório soube que Gustavo
estava fora, trabalhando em um projeto grande, e que ele não tinha data para
retornar.
Alana foi para sua sala de trabalho e
procurou se concentrar na sua tarefa. No fim da tarde, Ivan bateu a porta e
pediu para falar com ela. Sentou diante dela e disse:
-- Alana sinto muito pelo que houve na ultima
reunião. Mas gostaria de falar contigo sobre esse novo projeto. Eu sobrevoei a
área onde moras, e realmente é o que precisamos, e o valor que querem pagar por
ela é surpreendente. Devias pensar melhor.
-- Sim, vou pensar.
-- E tu farias o projeto para o casarão ser
transformado em um Centro de Cultura. Tu melhor do que ninguém para valorizar o
casarão. Confio em ti.
-- Obrigada.
Alana saiu do escritório e foi para casa
andando. Precisava pensar e rever conceitos... Vieram em seu pensamento os bons
momentos que teve com Gustavo, ela nunca tinha sido tão feliz. E as moças da
pensão todas de olho no bonitão, ainda diziam se não queres, nós pegamos com as
duas mãos.
E as coisas que Verônica não se cansava de
repetir, que ele era bom, amava ela de verdade e que ela estava o deixandoele
escapar por causa de uma casa velha. Que só dava despesas e que ela não tinha
recursos para fazer uma boa reforma. Que
ela saísse do sonho e viesse para a realidade da vida.
Chegou em casa e foi ao encontro de Verônica,
que a recebeu cheia de preocupação com um problema que surgiu no encanamento da
água quente. E o orçamento do reparo era alto.
Alana sentou-se desanimada. Estava sentindo
muita falta de Gustavo. Ele era seu esteio. E agora estava longe. Será que
estava sozinho? Só em pensar nisso ficou com o coração doendo, um aperto no
peito, um nó na garganta.
Saiu sem dizer nada e foi para seu quarto.
Deitou-se no sofá e chorou feito uma criança. Ela fez tudo errado. A arrogante
era ela mesma. Esperou se acalmar e pegou o telefone e discou o numero dele.
-- Alo, quem fala?
-- Aqui é Marcela, quem fala?
-- Oi, é Alana, queria falar com Gustavo.
-- Ele está ocupado neste momento. Quer
deixar recado?
-- Obrigado, ligo outra hora.
As lágrimas escorriam em sua face. Ele estava
com sua “amiga” Marcela. Ficou muito tempo ali, parada, esperando o retorno que
não veio.
Verônica
foi até ela. Ela estava tomando um banho. Verônica ficou esperando,
tinha preparado para lanche leve para ela. Ela apareceu de cabelo ainda
pingando, com uma roupa bem caseira.
Alana disse a Verônica:
-- Liguei para ele e quem atendeu ao telefone
foi Marcela, ele já me esqueceu.
-- Não! Ele te ama muito para te esquecer.
-- Como tu sabes? Agora é vidente?
-- Não, apenas sou sensata. Coisa que tu não
tem sido.
-- Eu sei. Extrapolei.
-- Pois é então conserta.
-- Como?
-- Telefona outra vez, mais tarde.
-- Mas eu já liguei!
-- E ele sabe que tu ligaste? Será que a moça
deu o recado? Ela pode muito bem está aproveitando a oportunidade de pegá-lo.
-- É tens razão. Mas ele todo esse tempo não
me procurou. Nem um telefonema para saber se eu estava viva ou morta.
-- Ele liga todo o dia, se queres saber. Não
fala contigo porque ele está esperando
que tu o procure. Ele te disse, lembra?
-- Sim. Então ele sempre liga. Por que nunca
me disseste?
-- Porque ele me pediu para não dizer.
-- Tu estás do lado dele?
-- Não, estou do lado de vocês, quero ver vocês juntos e felizes.. Vamos, chega de
conversa, coma o lanche e depois torna ligar para ele. Ele sempre liga por
volta das 22.30h.
Mas ela não ligou mais naquela noite.
Verônica foi quem ligou, e de fato Marcela não tinha dito a ele que Alana havia
ligado.
Gustavo, que estava terminando seu trabalho,
resolveu antecipar sua volta. Chegou ao
inicio da manhã de sábado. E a tarde ele foi procurá-la. Seria uma
surpresa para ela. Comprou um lindo buque de flores do campo e foi.
Entrou e foi diretamente para o apartamento
atrás da garagem. A porta estava apenas encostada. Ele espiou e viu Alana
deitada no sofá olhando o teto. Gustavo entrou sem fazer barulho, aproximou-se
com cuidado, e ficou olhando para ela, que tomou um susto ao vê-lo ali.
Sentou-se espantada. Ele riu dela, entregou as flores e deu um beijo na sua
face. Sentou ao lado dela e pegou sua mão. Não disse nada, apenas olhava para
ela. Ele estava com muita saudade, queria contemplar aquele rosto tão querido.
Foi ela que falou primeiro:
-- Que bom te ver. Senti muito a tua falta.
-- Eu também senti a tua falta.
-- Eu te liguei, mas foi a Marcela quem
atendeu ao telefone. Por quê? Vocês estão juntos?
-- Não! Se eu estou contigo.... Ela sempre foi e sempre será apenas uma amiga.
Nós estávamos em uma cafeteria e eu tinha ido ao banheiro, e deixei o telefone
sobre a mesa. Ela atendeu, mas não devia ter atendido. Eu vi que era o teu
numero, mas ali eu não ia retornar a ligação. Mais tarde houve um temporal
muito forte e o sistema caiu. Só bem mais tarde eu falei com a Verônica.
-- Por que não ligou para mim?
-- Quer a verdade?
-- Sim...
-- Eu queria falar pessoalmente, já estava pronto para voltar. Mais dois dias...
Ele passou o braço por seus ombros e a puxou
para perto dele, tomou seu rosto e a beijou suavemente, carinhosamente. Ela
aconchegou-se a ele e começou a chorar. Numa explosão e de emoções. Ela esperou
e depois a acalmou. Ficaram assim abraçados e quietos um bom tempo.
Alana se refez e começou a contar a ele tudo que se passou. E que realmente ela
queria, mas não tinha condições de conservar a casa e todo o jardim. Ela
aceitaria a proposta da empresa, mas queria que ele a ajudasse com os valores.
E ela faria a projeto do Centro de Cultura.
Gustavo suspirou aliviado. Foi preciso esse
afastamento para ela perceber que estava errada, que estava desperdiçando um
bom negocia, que daria uma boa renda.
Passaram o fim de semana juntos. Caia uma
chuvinha fria e eles nem saíram do apartamento da garagem. Ele falou do projeto
que esteve trabalhando, e que agora trabalhariam junto novamente, e eles fariam
o projeto total para o terreno dela.
Já era domingo a noite, quando ele disse:
-- Eu te trouxe alguns presentes, mas ainda
estão na mala. Amanhã quando sairmos do escritório vamos para minha casa e tu poderes ver. Acho até que devias ficar
por lá. Que dizes?
-- Sim, posso ficar por lá. Eu vou ter que
avisar as minhas inquilinas para procurarem outro lugar, aqui está sem água
quente. Instalamos alguns chuveiros elétricos, porque não vou mexer em mais
nada.
-- Concordo. E a Verônica?
-- Já falei com ela, eu a quero por perto.
Ela quer ir para uma casa de idosos, Mas eu não quero que ela vá.
-- Está certo. Ela pode ir para um apart-hotel
que eu tenho. Está desocupado, e é cinco quarteirões do prédio onde moro.
-- Amanhã vamos falar com Ivan?
-- Sim. Quanto antes melhor.
-- Qual o prazo devo dar para elas saírem
daqui? Trinta dias?
-- Sim, pelo menos trinta dias, mas não
estende muito.
Na manhã seguinte, na primeira hora, foram
falar com Ivan, que já tinha elaborado o esboço da proposta e as diretrizes
para o projeto. O resto seria com eles. Não precisavam se preocupar com o
orçamento.
Gustavo e Alana gostaram da proposta. Ela
ficaria com apartamentos, escritórios e receberia outra parte em dinheiro. Ela
assustou-se com o valor do casarão. Era uma fortuna. Ficou nervosa, não sabia
como administrar todo esse dinheiro.
Ivan a convidou para entrar de sócia na construtora.
Ela aceitou e agora os três eram os donos.
Os dias corriam tranqüilos. Gustavo mais uma
vez falou em casamento. Ela concordou em marcar a data. A exigência dele era
que fosse ao regime de separação total de bens, porque agora ela era uma moça
muito rica e ele não queria ser chamado de caçador de dotes, mas, sim de marido
apaixonado. Eles riram.
Trabalharam com afinco na elaboração do
projeto do casarão. Ela dedicou-se mais o Centro de Cultura. Quando
apresentaram a maquete foi um sucesso. Todos gostaram da disposição das torres,
dos acessos e do aproveitamento do jardim original e, sobretudo do recanto que
daria acesso ao Centro de Cultura. Foram muito elogiados.
Agora que o projeto estava pronto , agora era
preciso organizar o casamento. Seria uma cerimônia simples e intima. Apenas os
amigos mais chegados. A recepção seria no salão do condomínio.
A capela estava toda enfeitada de lírios
brancos. Nada exagerado. Alana primava pela simplicidade. Seu vestido era um
modelo de noiva tradicional. Ivan iria acompanhá-la ao altar.
Gustavo estava nervoso. Mas brincava com os
amigos dizendo:
-- Estou nervoso, mas também nunca casei.
E todos riram.
Quando Alana entrou no templo ela estava
deslumbrante, Gustavo sentiu todo seu ser vibrar com a visão da mulher amada.
No altar, ele a recebeu com um beijo carinhoso. Eles demonstravam no olhar o
grande amor que havia entre eles. Na saída os amigos saudou o casal com uma chuva de
arroz. A comemoração foi alegre e cedo o casal abandonou a festa. Foram para um
hotel e no outro dia saíram em lua de mel.
O casal ficou uma semana, em viagem, e quando
retornaram as obras do casarão iriam começar. Alana preparou um leilão dos
objetos de arte e móveis dos anos 60 que havia na casa. Escolhera apenas
algumas peças para ela. Os quadros e mais alguns objetos selecionados, ficariam no Centro de Cultura.
Ao mesmo tempo Alana decorava o apartamento
de Gustavo. Usou alguns moveis pequenos e vasos e tapetes do casarão. Depois de
alguns dias o apartamento estava irreconhecível, agora tinha um toque feminino.
O tempo passou rapidamente, ambos envolvidos
na execução do projeto. Faltava um nome para o Centro de Cultura. Gustavo
sugeriu o nome do arquiteto que tinha construído o casarão, o que Ivan
concordou. Alana disse então será o nome do meu avô. Será Policarpo Quatros.
Chegou o dia da inauguração do complexo.
Fizeram uma grande recepção no casarão e foram Alana e Gustavo que descerraram
a fita inaugural. O casal estava emocionado.
O casarão tinha o espaço ideal
para o Centro de Cultura, com muitas e amplas peças para o uso em diferentes setores
da arte. Sala de exposição, sala de
saraus, sala de concerto, sala para palestras...
Ao saírem da festa de inauguração do casarão,
Alana disse a Gustavo:
-- Ficou realmente muito bem. Não porque eu
fiz o projeto, mas porque a casa tem
estrutura e ambiente para isso. Agora o casarão tem um bom uso.
-- Sim, tens razão, querida.
-- Muito obrigada!
-- Ué, por que?
-- Porque foste tu que me abriu os olhos,
aliás precisou dar uma boa pancada para eu poder enxergar.
Ambos riram, e foram para o seu lar.
Chegaram e ele foi buscar uma água para
beberem, ela tirou os sapatos, seu pés estavam doendo, tinha ficado muito tempo
em pé. Gustavo perguntou a Alana se ela
queria mudar-se para o apartamento de uma das torres, Ela disse que não. Vamos
ficar aqui. Esse apartamento me deu bons momentos. Abraçaram-se e ficaram olhando através da janela as torres que dali
se avistava.
Alana e Gustavo eram o reflexo do amor profundo
e verdadeiro que os ligava e que levava
a felicidade.
Maria Ronety Canibal
Maio de 2017
IMAGEM VIA INTERNET
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