UM AMOR
MAIOR
Rodrigo gostava muito do lugar onde morava
com sua família. Os campos eram verdes, tinha uma ondulação suave. O rio
costeava a estrada e um de seus braços entrava pelas terras de seu pai, e era
margeado por lindas árvores que faziam um sombreado muito agradável, e aos
domingos depois da missa as famílias vizinhas ali se reuniam para um pic-nic.
Enquanto as crianças brincavam com a bola, as
mães estendiam toalhas arrumavam os alimentos trazidos em suas cestas. Os
homens conversavam e jogavam bocha. Permaneciam ali até meio da tarde, quando
as famílias voltavam para suas casas.
De sua casa Rodrigo enxergava a casa de Amália,
uma garota que nunca entrava nas brincadeiras, estava sempre com sua boneca de
pano, olhando os meninos jogar. Ela era a mais nova das irmãs.
Amália era uma menina tímida, porém alegre.
Gostava muito de ver sua mãe transformar os panos que vinham do armazém em
roupas, almofadas e até bonecas. Ela também queria costurar. Sua mãe já estava
a ensinado. Ela com 8 anos já tinha tarefas em casa. Ao final da tarde, após
terminar suas ocupações, ela sempre ia até a cerca que dividia as terras para
ver os meninos trabalharem com as ovelhas.
Rodrigo com 12 anos, ajudava seu pai a recolher
as ovelhas para o brete próximo a casa.
Amália ficava olhando até ele se afastar com o rebanho, e Rodrigo sempre se
lembrava de abanar para ela, que respondia ao abano com alegria.
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Era um dia de festa. Amanda, irmã de Amália, ia
casar. Sua mãe tinha feito um vestido de noiva muito lindo. Amália tinha
costurado seu próprio vestido. Olhava-se no espelho e sua mãe lhe disse que ela
estava muito bonita, que aquele tom de verde combinava com seus olhos. E que o
vestido estava muito bem feito. Ela sorriu e agradeceu.
Foram para a igrejinha do povoado que estava
enfeita com flores do campo. Todos os vizinhos estavam presentes. Depois da
linda cerimônia, todos foram para o pequeno salão comunitário, ao lado da
igreja e lá foram servidos vários
quitutes, e a música começou a tocar e as danças tiveram inicio com o casal de
noivos. Logo todos dançavam.
Amália estava sentada em um banco apreciando
as danças. Rodrigo foi sentar junto dela. Não eram mais crianças, ela estava
com 17 anos e ele completara 21 anos.
Ele tinha muitos planos para sua vida, mas
todos incluíam Amália. Desde criança se gostavam, e agora ele queria casar com
ela, e sugeriu que fossem falar com seu José, pai de Amália, para pedir sua
permissão.
Então Rodrigo pegou Amália pela mão e foram
até ele. Seu José ficou muito contente com o anúncio. Até parou o baile para
noticiar o noivado de sua filha mais nova. Todos aplaudiram. Dona Luiza, mãe de Amália veio logo abraçá-los
, assim como os pais de Rodrigo, seu Plínio
e dona Cristina.
Dançaram um pouco e depois se sentaram de
mãos dadas, para conversar sobre o futuro deles. Rodrigo contou para Amália a
vontade que tinha de ter sua própria terra. Ali não havia mais possibilidades,
as terras de seus pais não eram muitas. Não sustentariam mais uma família. Eles
teriam que ir para outro lugar. Ele tinha algum dinheiro guardado, e soube por
um amigo que mais ao sudoeste tinham terras boas, altas e aráveis, por preço
razoável. Iria comprovar a informação indo até lá. Se fosse verdadeira iria
comprar.
Amália concordou. Ele tinha razão. Seu pai
sempre dizia o lucro era pouco. Muitas vezes precisa recorrer ao banco. E isso
dificultava ainda mais. Teria que se afastar de sua querida família, mas ela
queria ter sua vida junto de Rodrigo. Seu amor desde criança.
Rodrigo foi, e depois de alguns dias voltou
muito satisfeito com o que viu e até disse que comprou um pedaço de terra com
uma pequena casa e um galpão para ferramentas. Em dois meses seriam desocupadas
e eles poderiam mudar-se.
Em dois meses casariam.
Rodrigo e Amália casaram-se no dia 19 de
abril de 1896. Seus pais preparam um almoço para comemorar e no fim da tarde o
jovem casal partiu rumo ao seu futuro. Tomaram o trem da noite.
Foi uma viagem longa e cansativa. O trem fez várias paradas, demorava muito em
cada lugar. Rodrigo estava preocupado com o horário, chegariam a noite e só no
outro dia poderiam chegar a suas terras. Teriam que ficar na pensão. E isso não
o agradou.
Amália ia quieta observando a paisagem que ia
aos poucos se modificando. Agora as terras eram mais planas, se enxergava
longe. Como seria o novo lugar? Seria bonito com onde cresceu? Não queria incomodar
Rodrigo com perguntas. Quando chegasse ao destino, ficaria sabendo como era.
Por fim chegaram ! Mimosa era uma pequena
cidade, onde pernoitariam. Conseguiram um quarto na pensão da cidade, um quarto
pequeno e asseado. Os lençóis cheiravam a limpeza. Havia bacia e um jarro cheio
de água para o banho.
Amália estava muito cansada, queria banhar-se
e dormir. Estavam casados, mas ainda não tinham consumado a sua união, então
Rodrigo deslocou o biombo para que Amália tivesse privacidade para fazer sua higiene.
Enquanto ela tomava seu banho Rodrigo desceu
e foi perguntar a Dona Eulália se tinha alguma coisa para eles comerem, já que
a hora de janta havia passado. Ela muito solicita disse que arranjaria um
lanche para eles e levaria até o quarto. Rodrigo agradeceu e foi para seu
quarto.
Amália
já estava limpa e vestida com um roupão cor de rosa. Estava com os
cabelos soltos e molhados. Estava linda. Ele disse que ia banhar-se também e
que logo viria algo para comerem.
Dona Eulália levou uma bandeja com pedaços de
pão, carne fria cortada em fatias finas, parte de um bolo e um bule de chá.
Ficaram muito agradecidos com a atenção da proprietária.
Enquanto faziam o lanche conversaram sobre a
viagem e planejaram o dia seguinte. Teriam que alugar uma carroça para poderem
levar seus pertences, comprar os alimentos necessários para os primeiros dias,
além de sabão, vassoura, escova. Depois que estivessem instalados viriam a
cidade para uma compra maior.
Amália perguntou qual a distância da cidade,
e ele disse que não era muito perto, cerca de 15 km. Ela achou muito distante.
Onde foram criados iam a pé ao povoado. Que tempo levariam para fazer esse
trajeto? ...
Estavam muito cansados. Amália caiu de sono. Só restou a Rodrigo
ajeitá-la na cama, e deitar-se a seu lado. Deu-lhe um beijo de boa noite e
dormiu pesadamente.
Rodrigo acordou cedo. Amália ainda dormia, e
ele ficou acariciando seu rosto. Estava tomado de desejo. Não queria ser rude
com ela. Não tinha certeza se ela sabia o que deveria acontecer entre eles. Ela
sempre foi muito ingênua, e se D. Luiza não tivesse falado com ela, ele teria
que ir muito devagar para não assustá-la, já que entre eles não tinha havido
nenhum tipo de intimidade. Apenas beijinhos.
Amália acordou e sorriu para ele, e ele
animou-se a fazer algumas caricias nela. Ela aceitou. Então com todo o cuidado
eles consumaram o casamento. Amália estava radiante, amava seu marido, e sempre
sentia dentro dela algo que não sabia identificar, quando estava junto dele. E
agora ela sabia o que era, ela tinha um ardor por Rodrigo.
Rodrigo saiu cedo para providenciar tudo o
que necessitavam. Ela ficou na pensão esperando por ele. Dona Eulália foi
conversar com ela. Falou sobre a cidade, seus moradores, os perigos do
interior, enfim mostrou a realidade da região.
Já era
meio da manhã quando Rodrigo veio buscá-la. Amália estava com uma cesta
de comida para viagem, que D. Eulália tinha lhes preparado. Não iriam sozinhos,
o dono da carroça, seu Bento, ia levá-los até suas terras.
Mais uma vez Amália, em silêncio, ia observando tudo. Percebeu que
as áreas de campo eram maiores, porque as casas eram distantes umas das outras.
Não cruzaram com ninguém pelo caminho e a estrada não era boa. Tudo muito
diferente de onde veio.
Ao meio da tarde chegaram.
Rodrigo ajudou Amália a descer, e foi logo abrir a casa, ainda tinha claridade do
dia. Era apenas um cômodo, amplo. Tinha um fogão com uma panela e uma chaleira
em cima,, uma mesa, dois bancos, uma prateleira, e uma cadeira de balanço.
Também uma cama larga, uma mesinha ao lado, um toucador e um armário. Tudo em
boas condições. Acendeu um lampião e o fogão e ela pegou uma vassoura que
estava encostada na parede e começou a varrer tudo. Descarregaram a carroça e
ela foi a busca de roupa de cama e toalhas. Tirou apenas as roupas que iriam
precisar. No outro dia queria arejar bem o armário e a casa. Então depois
arrumaria a roupa e os utensílios que haviam comprado.
Estava muito tarde para retornar a cidade,
então seu Bento ia acomodar-se no galpão das ferramentas. Tinha um poncho, não
carecia de mais nada. Mas aceitou o café e os pasteis que ainda tinha. E a
noite caiu e todos dormiram. Estavam cansados.
No outro dia cedo pularam a cama e estava um
lindo dia. Amália tirou o colchão e trouxe para o sol, também os travesseiros e
cobertas. E iniciou uma faxina para valer. No fim do dia estava tudo limpo e
arrumado. Cheirava a limpeza e todos os utensílios estavam reluzentes.
Ao fim da tarde Amália e Rodrigo foram caminhar
pela propriedade. Pararam em uma cerca para admirar as cores do poente. Rodrigo
a abraçou pela cintura e perguntou:
-- Tu gostaste do lugar?
-- Sim, gostei. Não tem o encantamento do
lugar de onde viemos. Mas esse chão é nosso, aqui está o nosso futuro. Vamos
aprender a amar esse rincão.
Rodrigo a puxou e deu um beijo em sua
testa. Estava feliz com sua esposa e com
esperanças no futuro. Estava anoitecendo e se recolheram.
Na manhã seguinte acordaram cedo. Tinham
muita coisa ainda para ajeitar. Seu Turíbio, o vizinho, viria trazer o rebanho
de ovelha e algumas vacas, que tinham ficado aos cuidados dele. Antes de sair
os convidou para no domingo almoçarem em sua casa, sua veia, a Hermínia queria
conhecer os novos vizinhos.
Amália tinha deixado a casa deles muito
acolhedora. Com os panos que trouxera fez cortinas para as janelas, e com
algumas madeiras montou um biombo para terem privacidade na hora do banho.
Rodrigo admirava cada vez mais sua mulher,
que estava perdendo a timidez e a cada
noite retribuía com audácia os carinhos entre eles. Ele percebeu que ela era
muito fogosa e que ela tinha consciência disso, e que não se envergonhava de
demonstrar sua paixão. Ele estava muito satisfeito com essa nova Amália que
desabrochou.
Domingo foram a pé até a casa de seu Turíbio
e dona Hermínia. Outros vizinhos tinham sidos convidados. Era uma verdadeira
festa de acolhida para eles. Foi servido um assado de cordeiro, acompanhado de
pão. Mais tarde ofereceram muitos doces: de abobora, figo, de mamão ralado,
goiabada e rapadura de leite. A conversa foi animada entre as mulheres e as
crianças brincavam alegres por estarem juntas. Ao fim da tarde tomaram o
caminho de volta, estavam cansados, mas muito felizes com a vizinhança.
Quando chegaram em casa já estava quase
noite, tinha sido um dia quente e Amália pediu para ficarem um pouco ali fora.
Rodrigo acendeu um lampião e sentaram no banco. Olhavam o céu. Amália viu o
Cruzeiro do Sul, então contou para o marido o que dona Eulália tinha falado sobre o nome da cidade. Mimosa
era o nome de uma das estrelas que formavam o Cruzeiro do Sul. Era aquela que
formava a transversa da cruz, a esquerda de quem olha.
Os dias transcorriam tranqüilos, Rodrigo
cuidando do rebanho, plantando árvores frutíferas e cultivando legumes e
verduras na horta. Com o leite que sobrava, Amália fazia queijo, doce de leite
e havia fartura em sua mesa.
Um dia no café da manhã, Amália deu a noticia
para seu marido que esta grávida. Foi uma alegria. Escreveram para suas
famílias contando a novidade. Não demorou muitos dias e chegou um pacote
enviado por dona Luiza com algumas roupinhas de nenê, que tinham sido usadas
por Amália e dona Cristina inclui algumas de Rodrigo. Vierem também novelos de
lã e agulhas de tricot.
Amália agora não fazia mais as tarefas mais
pesadas, Rodrigo não deixava. Ele fazia. Então ela ocupava esse tempo tecendo
roupinhas para o bebê. Seu pensamento corria enquanto as mãos teciam. Lembrava
de sua infância, dos pic nic aos domingos depois da missa, sobretudo de dona
Cecília que ensinava o catecismo.
Leitura e contas tinham aprendido com Dona Josefa que ensinava toda a criançada
do povoado. Lembrava das brincadeiras no intervalo das aulas, e de como ela já
gostava do Rodrigo. E de como ele sempre a protegia.
Estava feliz ali onde moravam, mas sentia
falta de ir à igrejinha. Ela sempre fora religiosa, rezava sempre, todos os
dias ao levantar e ao deitar agradecia ao Senhor. Rodrigo não, ele era mais
cético. Ela carregava a bíblia que tinha ganhado aos 8 anos, quando fez a
Primeira Comunhão.
Rodrigo mandou chamar dona Marieta, que era a
parteira da região, para ver se estava tudo certo com Amália, para calcularem
para quando seria. Ele estava preocupado. Tinha pedido para sua sogra ou sua
mãe vir, queria uma delas perto, quando chegasse a hora.
Mas sua mãe disse que não podia vir, porque
seus irmãos, os gêmeos que ainda eram pequenos precisavam dela. Dona Luiza
também não poderia vir porque seu José sofrera uma queda e seu tornozelo estava
machucado, e ele precisava de auxilio a todo o momento. E ela não podia contar com Amanda que tinha
duas crianças para cuidar.
Bem, eram apenas os dois. Teriam que dar
conta. Rodrigo foi à cidade para fazer uma compra boa, para se prevenir, queria
estar perto de Amália quando chegasse a hora. Conseguiu um menino de recados,
que ficaria com eles, enquanto fosse necessário.
No outro dia amanheceu chovendo. E continuou
por vários dias. Amália estava muito barriguda, já cansada e com dores nas
costas. Rodrigo mandou avisar dona Marieta, mas ela estava distante ocupada com
o nascimento de uma criança. Estava sendo um parto demorado e ela teria que
ficar.
As estradas estavam alagadas, a sanga que
cortava a propriedade estava crescida. Estavam ilhados. Rodrigo estava uma
pilha de nervos. Não queria agitar Amália, mas transparecia sua angustia em seu
semblante.
Amália acordou sentindo muitas dores. Não
disse nada a Rodrigo. Mas rezou e pediu a Deus e a Nossa Senhora do Bom Parto a
sua proteção. Estava confiante. Só quando as dores estavam mais freqüentes foi
que ela chamou o marido e deu as instruções a ele. Ele estava fazendo tudo o
que ela mandava. E as dores ficaram mais fortes, ela gritava de dor e ele se
apavorava. Estava só e com muito medo de perder Amália e também a criança.
Num momento de desespero recorreu a Deus.
Pediu perdão por sua arrogância e implorou ajuda, que ele não levasse Amália, o
amor de sua vida. Após sua oração se acalmou. E pode ajudar a sua filha nascer.
Ela era linda. Abraçou aquele pedacinho de gente e agradeceu a Deus por sua
ajuda.
Amália estava exausta. Ficara mais de dez
horas em trabalho de parto. Dormiu. E quando acordou, ela viu que Rodrigo
estava sentado ao lado da cama com um embrulho no colo. Ele deu banho e vestiu
a pequena e agora ninava. Pensou que o nome dela deveria ser Vitória, por causa
da dificuldade que teve para chegar a esse mundo. Amália se emocionou com a
cena que viu. Rodrigo colocou Vitória em seus braços, ela precisava mamar.
Amália tinha dormido muito.
Serviu para esposa uma canja de galinha bem
encorpada, ela precisava se restabelecer. Ainda chovia, e Rodrigo não tinha muito que fazer,
então ficava ao lado delas, agradecido por elas existirem.
Só depois de alguns dias que as mulheres da
vizinhança puderam visitar Amália e sua
filhinha Vitória. Cada uma dando um conselho diferente, cada uma contando como
tinha sido seu parto, as dificuldades e as alegrias. Quando elas foram embora,
Amália estava atordoada.
O padre Julio passava duas vezes ao ano por
ali, para atender confissões, rezar missa, casar e batizar. E depois de dois
meses Maria Vitória foi batizada.
Os dias foram passando, eles estavam
prosperando, Vitória crescia cheia de saúde e vigor. Haviam aumentado a casa,
adicionaram três peças. Um quarto para eles e outro para Vitória e um quartinho
de banho, com uma banheira. Era um luxo, mas Amália achava indispensável.
O amor que os unia era muito forte. A paixão
entre o casal não havia diminuído e amavam-se cada vez mais. E Amália
engravidou outra vez. Vibraram com a noticia. Mas Rodrigo lá no fundo do seu
ser, tinha medo. Lembrava como tinha sido difícil. E desta vez pediu a Deus que
os ajudasse outra vez.
Mas as circunstâncias eram outras e o
nascimento de Tadeu transcorreu dentro da normalidade. Mais uma vez foi ele
quem fez o parto. Ele pensou que estava ficando bom nisso. A cena se repetiu. A
vizinhança voltou vir e a contar casos, mas desta vez Amália estava bem
disposta. Riu bastante com as histórias narradas.
Três semanas depois João Tadeu foi batizado.
Eles estavam ali a seis anos, com dois filhos
e ninguém da família tinha manifestado o desejo de conhecer o lugar e tampouco
conhecer as crianças. Sentiam saudades. Mas Amália e Rodrigo não iam pedir que
viessem vê-los. Dessa forma a correspondência com a família foi esfriando.
Agora trocavam cartões de fim de ano.
Embora Amália gostasse dos carinhos do
marido, ela não queria mais filhos, Um dia conversando com Hermínia deixou
escapar essa sua tristeza, de ter que recusar o assédio do marido. Então
Hermínia a ensinou a fazer as contas para identificar o período que teria que
ficar “longe” dele. Amália ficou feliz, e quando chegou a casa foi logo
explicando para o marido como tinham que proceder.
Reinava a paz e a felicidade naquela família.
O verão chegou com muito calor e pouca chuva.
Os pastos foram secando, a comida do rebanho estava escassa e os animais
emagrecendo. O milho que havia plantado estava perdido. Rodrigo estava muito
preocupado. Tinha comprado mais um pedaço de campo e contava com o valor dos
animais para o pagamento. Alguns já haviam morrido. No seu Turíbio o fundo do
campo tinha pegado fogo. A sanga estava um fio de água. Se continuasse sem
chover as perdas seriam grandes, em toda a região. A vizinhança se reuniu para
cavar um poço, porque vários tinham secado. A situação era desesperadora.
Rodrigo conversou com Amália e sugeriu que
ela fosse com as crianças, para casa se
seus pais, até que a seca terminasse. Era muito triste ver os animais morrer de
sede e de fome. Mas ela disse que não. Enfrentariam juntos. Ali era o lugar deles.
Amália muito religiosa reuniu toda vizinhança
e começaram a fazer uma novena para São José, do qual ela era devota. Como
dizia São José era chefe de família, era o protetor das famílias, não
permitiria que faltasse o pão em suas mesas.
Não só as mulheres, mas também os homens e
crianças, todos os dias se reuniam para oração a São José. Fizeram uma
promessa, que se a chuva caísse ao fim da novena, construiriam uma capela em
honra de São José. Até o padre Julio participou
da novena.
No ultimo dia da novena amanheceu um dia
muito quente, com o ar pesado, prenúncio de temporal. Rezaram, fizeram uma
pequena procissão com o santo até o local onde seria a capela. E ao retornarem
as suas casas desabou uma chuvarada. Todos alegres agradeceram a Deus por essa
dádiva.
Como haviam prometido, eles construíram uma
pequena capela para São José e todos os domingos se reuniam para rezarem. E o
padre quando vinha rezava a missa ali.
Para Amália, agora tudo estava perfeito.
Tinha a igrejinha para ir rezar aos domingos. Ela falou com o padre e foi
autorizada a ensinar o catecismo não só para crianças, mas também para qualquer
adulto que quisesse.
Rodrigo conseguiu pagar sua divida. Agora
teria que refazer o rebanho, porque depois do pagamento restaram poucos
animais. Mas eles não tinham medo do trabalho, teriam que economizar, e superariam
as dificuldades. Não ia recorrer ao banco. Ele concordava com Amália, se fossem
buscar dinheiro no banco, sairia muito caro.
O ano
correu, e veio um inverno ameno e
nasceram muitos cordeirinhos e terneirinhos. A safra estava com boas
perspectivas. A lavoura de milho foi plantada e o tempo estava colaborando com
eles.
As crianças cresciam saudáveis, alegres e
agora estavam aprendendo a ler e fazer contas. Dona Emilia era professora e
viúva, não tinha filhos, e veio morar com o irmão e a cunhada. Assim agora as
crianças tinham uma professora.
Maria Vitória estava completando doze anos.
Uma mocinha que ajudava sua mãe nos afazeres domésticos. Nos últimos dias
Amália não estava se sentindo bem, sentia muito cansaço. Não sabia o que tinha.
Contava com a ajuda da filha e assim podia ficar descansando um pouco. Diversas
vezes por dia deitava-se e dormia um pouco.
Ela não tinha se queixado de nada para o
marido. Rodrigo entrou no meio da tarde em casa e a encontrou dormindo. Ficou
alarmado. Ela era sempre muito ativa, e agora estava tão pálida e abatida. Ele
iria a cidade buscar o médico.
Após um exame apurado o médico disse que ela
estava muito fraca, era anemia. Não sabia a razão já que moravam em um lugar
saudável, com boa alimentação. Precisava de cuidados, repouso e se alimentar
bem. Ele voltaria na próxima semana, se não houvesse melhora ele teria que a
remover para o hospital.
Rodrigo não se conformava, como que sua
querida esposa tinha ficado tão doente? Ele sempre tinha cuidados com ela.
Agora com seus filhos também. Queria ver todos bem e felizes. João Tadeu quando
soube que sua mãe estava doente começou a chorar. Não queria ficar sem ela. E
Maria Vitória tentou acalmá-lo, mas também chorava, e abraçados ao pai, todos
choravam.
Amália estava muito fraca não tinha nem força para falar. A sopa
tinha que ser dada em pequenas colheradas. Pai e filha se revezavam nos
cuidados com ela. João Tadeu não queria ver sua mãe deste jeito. Então ajudava
seu pai, cuidando da horta, alimentando as galinhas.
Hermínia e Emilia vinham ajudar a pequena
Vitória que se esforçava para cumprir as tarefas. Elas se propuseram a lavar e
passar a roupa da família. Era muita roupa. Os lençóis e toalhas usadas por
Amália eram fervidas e lavadas em separado.
Dr. Mario voltou para examinar novamente
Amália, Ele tinha que encontrar a causa dessa fraqueza. O médico chamou Rodrigo
e eles ficaram muito tempo conversando. Rodrigo saiu cabisbaixo, muito
preocupado. Haviam descoberto a razão da anemia. Ela estava com uma hemorragia
vaginal muito forte. Devia estar com alguma ferida no útero. Teria que queimar.
No outro dia a levaria para o hospital.
Emilia se ofereceu para tomar conta das
crianças. Ficaria com elas o tempo que fosse necessário. Turíbio iria cuidar do
serviço do campo. Que Rodrigo fosse sossegado. Eles tomariam conta de tudo, e
estariam rezando por ela, porque Deus era bom.
Essa afirmação ficou no pensamento de
Rodrigo. Deus era bom, não levaria sua esposa. Já tinha pedido a Deus uma vez,
estava pedindo outra vez. Deus era bom. Escutaria seu pedido e curaria sua
mulher. Foi confiante.
No hospital Dr Mário falou com seu colega
ginecologista, Dr. Assis e tornaram a examiná-la. De fato ela tinha uma
hemorragia acentuada, teriam que fazer o procedimento. Levaram Amália para uma
sala em separado e não deixaram Rodrigo entrar.
Ele andava de pra lá, estava nervoso, até que
uma irmã de caridade chegou junto e disse:
-- Venha comigo. Vamos a capela orar por ela.
Deus é bom!
-- Deus é bom.
Foi o que Rodrigo repetiu. E foi com a irmã.
Ajoelhou diante da imagem do Sagrado Coração
de Jesus e chorou. Não conseguia rezar. Apenas chorava. E em seu coração pediu
a misericórdia da Deus. Ele não merecia, mas as crianças e ele também precisavam
tanto dela, Que a curasse. Ali ficou por muito tempo, quieto com seu pensamento
em Deus.
A irmã veio chamá-lo. Amália estava no
quarto. Já haviam terminado o procedimento. Ele correu para o quarto. Ela
estava dormindo, muito pálida e magra. Puxou uma cadeira para perto da cama,
pegou a mão de sua mulher e ficou ali segurando, agora sim rezando as orações
que tinha aprendido com ela.
Os médicos entraram, precisavam falar com
ele. Tinham conseguido cauterizar a ferida, mas ainda levaria algum tempo para
cicatrização. Que não poderiam ter relações antes do médico dar permissão. Ele
assentiu e perguntou se ela agora recuperaria as forças. Sim, foi a resposta,
mas levaria algum tempo. Ela ainda ficaria uns dias e depois poderia ir para
casa.
Quando a enfermeira chegou para fazer a
higiene dela ele saiu do quarto, e foi direto a capela agradecer a bondade de
Deus. Hoje ele havia entendido, quando Amália dizia que havia um amor maior.
Passados cinco dias, voltaram para casa.
Amália ainda estava muito fraca, ele a carregou nos braços e a colocou na cama,
precisava descansar da viagem. As crianças queriam ver a mãe, e foram pé por pé
espiar na porta do quarto. Amália estava acordada e os chamou. Pediu um beijo
de cada um. Agora que fossem brincar, ela queria dormir.
Os dias correram e aos poucos tudo voltava ao
normal. Amália já estava fortalecida e assumiu suas tarefas. Estavam felizes
outra vez.
Havia aberto na cidade uma casa de mulheres e
Turíbio e os outros homens estavam freqüentando. Chegavam a ficar dois ou três
dias na cidade. Convidaram Rodrigo para ir junto. Ele recusou. Turíbio disse:
-- Tu tens que vir junto, tem cada guria
bonita, as nossas mulheres estão velhas, e tua está até imprestável.
Rodrigo ficou furioso. E disse:
-- Quem é tu para falar de minha mulher. Te
arranca daqui e não volta mais.
Os homens saíram sem olhar para trás.
Rodrigo ficou pensando no que eles tinham
dito. E falou consigo mesmo.
--Minha mulher não está imprestável. Ela
sempre será o amor da minha vida. Só com ela eu quero estar.
A rotina seguia. A noticia da briga dos
vizinhos correu longe. Mas ninguém sabia qual teria sido a causa.
Aos poucos Rodrigo foi distanciando sua
família dos demais. Aquele comportamento não era bom exemplo para seu filho. E
Vitória estava uma mocinha, ia fazer treze anos e não queria que ela gostasse
de nenhum daqueles meninos, que com certeza um dia seguiriam os mesmos passos
dos pais. Largando a família dias a fio para ficarem de farra.
Estava pensando em mandar sua filha para o
colégio das irmãs. Havia um internato. Tinha condições de pagar. Estavam muito
bem financeiramente. Talvez se comprasse uma casa na cidade. Mas ele teria que
ficar longe de sua mulher. Não!
Então conversou com Amália a respeito. Ela
concordou. Queria sua filha bem educada. Na escola ela aprenderia música, ela
gostava de cantar. E lá ela conheceria outras meninas. Ela também não queria mais
a amizade dos vizinhos.
Ele ficou surpreso com a reação dela. Não
esperava. Mas Amália justificou sua posição dizendo que havia escutado a
conversa deles, no dia em Rodrigo correu os vizinhos. E que ela tinha ficado
muito orgulhosa dele. E que ele podia sim chegar perto dela, ela tinha
perguntado ao médico e ela não estava “imprestável”.
Rodrigo abraçou Amália e disse:
-- Essa é uma das razões de eu te amar cada
vez mais.
Ela rindo respondeu>
-- Eu sei. Também te amo cada dia um pouco
mais porque me defendes sempre.
E saíram para pátio, abraçados como se fossem
namorados.
Rodrigo era muito cuidadoso em tudo o que
fazia. Seu rebanho de ovinos era muito bom. Tinha um carneiro que reproduzia
muito bem. Havia acontecido uma feira na cidade e ele levou seu carneiro, que
foi premiado como o melhor da exposição. Sua criação estava ficando afamada, e
as vendas muito boas.
O vizinho que fazia divisa com ele no lado
sul, estava muito velho e queria vender sua terra para evitar que os filhos
brigassem entre si após sua morte. Foi procurar Rodrigo e ofereceu a ele sua
propriedade, que era muito boa, tinha uma casa grande e boa, que precisava de
alguns reparos. Boas aguadas e terras aráveis,
Rodrigo se agradou da proposta e efetivou o
negócio. Agora estava com uma boa extensão de campo. A casa seria reformada e
se mudariam para lá, e a casa deles ficaria para os empregados, que teria que
contratar. Amália não faria mais todo o serviço.
Quando chegou o inicio das aulas, Maria Vitória
foi cheia de entusiasmo, gostava de aprender coisas novas, e teria amigas. João
Tadeu também queria estudar, então foi para o seminário a pouca distância dali.
Agora estavam os dois apenas em casa. Amália
dava instruções aos pedreiros e marceneiros de como queria que ficasse sua
casa. Estava empolgada, eram cinco quartos, um quarto de banho, cozinha, copa,
despensa, sala de visitas e sala de jantar. Os filhos teriam cada um o seu
quarto, fariam um para hóspedes e o que sobrava seria uma saleta para ela e o
marido.
A nova entrada da fazenda dava direto na estrada, e diminuía a
distancia da cidade em três km. Assim o percurso era de doze km em uma estrada
boa
Mudaram para casa antes da Páscoa. Foi uma
alegria estar com os filhos no feriado. Vitória gostou de seu quarto, com
cortinas brancas, colcha xadrez nas cores rosa e branco, e almofadas cor de
rosa. Abraçou a mãe e agradeceu, o quarto ficou lindo. Tadeu também gostou de
seu quarto que tinha cortinas brancas e a colcha era numa tonalidade de verde
folha. Deu um beijo em sua mãe em agradecimento.
A casa tinha ficado muito bonita. Estava
pintada de branca, com as janelas e portas em verde escuro. Na frente tinha um
alpendre grande, onde foram colocadas quatro cadeiras de madeira grandes e
confortáveis pintadas de branco com almofadas floral.. Uma mesa e algumas
folhagens. Tinham recuperado o jardim e as roseiras estavam floridas com rosas vermelhas, rosas e brancas.
Rodrigo estava realizado, sua família era
linda. Sua filha estava a cada dia, mais parecida com a mãe, era gentil,
inteligente e alegre. João Tadeu era mais o tipo dele, e educado, estudioso e
trabalhador. E sua mulher, bem, essa era a razão de sua vida.
Estavam comemorando vinte anos de casados.
Amália fez um almoço especial. Convidaram o padre Alberto para vir almoçar com
eles e abençoar sua família e sua casa nova.
No fim da tarde Rodrigo e Amália gostavam de
andar em direção ao por do sol. Admiravam as cores que o céu assumia. Do
vermelho ao amarelo. Era lindo!
Eles eram afortunados. Seus filhos adultos, se preparando para
tomarem a sua própria direção. Vitória tinha se formado professora e estava
noiva de Carlos que era filho do Dr. Assis, e como o pai também era médico.
João Tadeu queria ser padre. Estava com
receio de dar a noticia aos pais, tinha medo da reação de seu pai. Tomou
coragem e nos férias de verão contou para a família qual era o seu desejo. Sua
mãe logo aprovou. Mas seu pai ficou pensativo e não disse nada.
Rodrigo foi sentar no alpendre depois do
almoço para pensar no que o filho lhe dissera. Depois de muito tempo, ele
levantou-se e foi dizer ao filho que entendia sua opção, havia sim um amor
maior, e Tadeu queria viver esse amor maior.
Rodrigo e Amália agora estavam
definitivamente sós. A filha casada vinha todos os fins de semana passar com
eles e Tadeu sempre que podia.
Estavam felizes, tinham realizado o sonho se
suas vidas, e agora que estavam ficando velhos iriam colher os frutos que
plantaram.
Maria Ronety
Canibal
Maio
de 2017
IMAGEM VIA INTERNET
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