quinta-feira, 4 de maio de 2017

UM AMOR MAIOR



                                                                                 UM AMOR MAIOR

Rodrigo gostava muito do lugar onde morava com sua família. Os campos eram verdes, tinha uma ondulação suave. O rio costeava a estrada e um de seus braços entrava pelas terras de seu pai, e era margeado por lindas árvores que faziam um sombreado muito agradável, e aos domingos depois da missa as famílias vizinhas ali se reuniam para um pic-nic.
Enquanto as crianças brincavam com a bola, as mães estendiam toalhas arrumavam os alimentos trazidos em suas cestas. Os homens conversavam e jogavam bocha. Permaneciam ali até meio da tarde, quando as famílias voltavam para suas casas.
De sua casa Rodrigo enxergava a casa de Amália, uma garota que nunca entrava nas brincadeiras, estava sempre com sua boneca de pano, olhando os meninos jogar. Ela era a mais nova das irmãs.
Amália era uma menina tímida, porém alegre. Gostava muito de ver sua mãe transformar os panos que vinham do armazém em roupas, almofadas e até bonecas. Ela também queria costurar. Sua mãe já estava a ensinado. Ela com 8 anos já tinha tarefas em casa. Ao final da tarde, após terminar suas ocupações, ela sempre ia até a cerca que dividia as terras para ver os meninos trabalharem com as ovelhas.
Rodrigo com 12 anos, ajudava seu pai a recolher as ovelhas para o brete próximo  a casa. Amália ficava olhando até ele se afastar com o rebanho, e Rodrigo sempre se lembrava de abanar para ela, que respondia ao abano com alegria.
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Era um dia de festa. Amanda, irmã de Amália, ia casar. Sua mãe tinha feito um vestido de noiva muito lindo. Amália tinha costurado seu próprio vestido. Olhava-se no espelho e sua mãe lhe disse que ela estava muito bonita, que aquele tom de verde combinava com seus olhos. E que o vestido estava muito bem feito. Ela sorriu e agradeceu.
Foram para a igrejinha do povoado que estava enfeita com flores do campo. Todos os vizinhos estavam presentes. Depois da linda cerimônia, todos foram para o pequeno salão comunitário, ao lado da igreja e lá  foram servidos vários quitutes, e a música começou a tocar e as danças tiveram inicio com o casal de noivos. Logo todos dançavam.
Amália estava sentada em um banco apreciando as danças. Rodrigo foi sentar junto dela. Não eram mais crianças, ela estava com 17 anos e ele completara 21 anos.
Ele tinha muitos planos para sua vida, mas todos incluíam Amália. Desde criança se gostavam, e agora ele queria casar com ela, e sugeriu que fossem falar com seu José, pai de Amália, para pedir sua permissão.
Então Rodrigo pegou Amália pela mão e foram até ele. Seu José ficou muito contente com o anúncio. Até parou o baile para noticiar o noivado de sua filha mais nova. Todos aplaudiram.  Dona Luiza, mãe de Amália veio logo abraçá-los , assim como  os pais de Rodrigo, seu Plínio e dona Cristina.
Dançaram um pouco e depois se sentaram de mãos dadas, para conversar sobre o futuro deles. Rodrigo contou para Amália a vontade que tinha de ter sua própria terra. Ali não havia mais possibilidades, as terras de seus pais não eram muitas. Não sustentariam mais uma família. Eles teriam que ir para outro lugar. Ele tinha algum dinheiro guardado, e soube por um amigo que mais ao sudoeste tinham terras boas, altas e aráveis, por preço razoável. Iria comprovar a informação indo até lá. Se fosse verdadeira iria comprar.
Amália concordou. Ele tinha razão. Seu pai sempre dizia o lucro era pouco. Muitas vezes precisa recorrer ao banco. E isso dificultava ainda mais. Teria que se afastar de sua querida família, mas ela queria ter sua vida junto de Rodrigo. Seu amor desde criança.
Rodrigo foi, e depois de alguns dias voltou muito satisfeito com o que viu e até disse que comprou um pedaço de terra com uma pequena casa e um galpão para ferramentas. Em dois meses seriam desocupadas e eles poderiam mudar-se.
Em dois meses casariam.
Rodrigo e Amália casaram-se no dia 19 de abril de 1896. Seus pais preparam um almoço para comemorar e no fim da tarde o jovem casal partiu rumo ao seu futuro. Tomaram o trem da noite.
Foi uma viagem longa e cansativa.  O trem fez várias paradas, demorava muito em cada lugar. Rodrigo estava preocupado com o horário, chegariam a noite e só no outro dia poderiam chegar a suas terras. Teriam que ficar na pensão. E isso não o agradou.
Amália ia quieta observando a paisagem que ia aos poucos se modificando. Agora as terras eram mais planas, se enxergava longe. Como seria o novo lugar? Seria bonito com onde cresceu? Não queria incomodar Rodrigo com perguntas. Quando chegasse ao destino, ficaria sabendo como era.
Por fim chegaram ! Mimosa era uma pequena cidade, onde pernoitariam. Conseguiram um quarto na pensão da cidade, um quarto pequeno e asseado. Os lençóis cheiravam a limpeza. Havia bacia e um jarro cheio de água para o banho.
Amália estava muito cansada, queria banhar-se e dormir. Estavam casados, mas ainda não tinham consumado a sua união, então Rodrigo deslocou o biombo para que Amália tivesse privacidade para fazer sua higiene.
Enquanto ela tomava seu banho Rodrigo desceu e foi perguntar a Dona Eulália se tinha alguma coisa para eles comerem, já que a hora de janta havia passado. Ela muito solicita disse que arranjaria um lanche para eles e levaria até o quarto. Rodrigo agradeceu e foi para seu quarto.
Amália  já estava limpa e vestida com um roupão cor de rosa. Estava com os cabelos soltos e molhados. Estava linda. Ele disse que ia banhar-se também e que logo viria algo para comerem.
Dona Eulália levou uma bandeja com pedaços de pão, carne fria cortada em fatias finas, parte de um bolo e um bule de chá. Ficaram muito agradecidos com a atenção da proprietária.
Enquanto faziam o lanche conversaram sobre a viagem e planejaram o dia seguinte. Teriam que alugar uma carroça para poderem levar seus pertences, comprar os alimentos necessários para os primeiros dias, além de sabão, vassoura, escova. Depois que estivessem instalados viriam a cidade para uma compra maior.
Amália perguntou qual a distância da cidade, e ele disse que não era muito perto, cerca de 15 km. Ela achou muito distante. Onde foram criados iam a pé ao povoado. Que tempo levariam para fazer esse trajeto? ...
Estavam muito cansados.  Amália caiu de sono. Só restou a Rodrigo ajeitá-la na cama, e deitar-se a seu lado. Deu-lhe um beijo de boa noite e dormiu pesadamente.
Rodrigo acordou cedo. Amália ainda dormia, e ele ficou acariciando seu rosto. Estava tomado de desejo. Não queria ser rude com ela. Não tinha certeza se ela sabia o que deveria acontecer entre eles. Ela sempre foi muito ingênua, e se D. Luiza não tivesse falado com ela, ele teria que ir muito devagar para não assustá-la, já que entre eles não tinha havido nenhum tipo de intimidade. Apenas beijinhos.
Amália acordou e sorriu para ele, e ele animou-se a fazer algumas caricias nela. Ela aceitou. Então com todo o cuidado eles consumaram o casamento. Amália estava radiante, amava seu marido, e sempre sentia dentro dela algo que não sabia identificar, quando estava junto dele. E agora ela sabia o que era, ela tinha um ardor por Rodrigo.
Rodrigo saiu cedo para providenciar tudo o que necessitavam. Ela ficou na pensão esperando por ele. Dona Eulália foi conversar com ela. Falou sobre a cidade, seus moradores, os perigos do interior, enfim mostrou a realidade da região.
Já era  meio da manhã quando Rodrigo veio buscá-la. Amália estava com uma cesta de comida para viagem, que D. Eulália tinha lhes preparado. Não iriam sozinhos, o dono da carroça, seu Bento, ia levá-los até suas terras.
Mais uma vez Amália,  em silêncio, ia observando tudo. Percebeu que as áreas de campo eram maiores, porque as casas eram distantes umas das outras. Não cruzaram com ninguém pelo caminho e a estrada não era boa. Tudo muito diferente de onde veio.
Ao meio da tarde chegaram.
Rodrigo ajudou Amália a descer, e foi  logo abrir a casa, ainda tinha claridade do dia. Era apenas um cômodo, amplo. Tinha um fogão com uma panela e uma chaleira em cima,, uma mesa, dois bancos, uma prateleira, e uma cadeira de balanço. Também uma cama larga, uma mesinha ao lado, um toucador e um armário. Tudo em boas condições. Acendeu um lampião e o fogão e ela pegou uma vassoura que estava encostada na parede e começou a varrer tudo. Descarregaram a carroça e ela foi a busca de roupa de cama e toalhas. Tirou apenas as roupas que iriam precisar. No outro dia queria arejar bem o armário e a casa. Então depois arrumaria a roupa e os utensílios que haviam comprado.
Estava muito tarde para retornar a cidade, então seu Bento ia acomodar-se no galpão das ferramentas. Tinha um poncho, não carecia de mais nada. Mas aceitou o café e os pasteis que ainda tinha. E a noite caiu e todos dormiram. Estavam cansados.
No outro dia cedo pularam a cama e estava um lindo dia. Amália tirou o colchão e trouxe para o sol, também os travesseiros e cobertas. E iniciou uma faxina para valer. No fim do dia estava tudo limpo e arrumado. Cheirava a limpeza e todos os utensílios estavam reluzentes.
Ao fim da tarde Amália e Rodrigo foram caminhar pela propriedade. Pararam em uma cerca para admirar as cores do poente. Rodrigo a abraçou pela cintura e perguntou:
-- Tu gostaste do lugar?
-- Sim, gostei. Não tem o encantamento do lugar de onde viemos. Mas esse chão é nosso, aqui está o nosso futuro. Vamos aprender a amar esse rincão.
Rodrigo a puxou e deu um beijo em sua testa.  Estava feliz com sua esposa e com esperanças no futuro. Estava anoitecendo e se recolheram.
Na manhã seguinte acordaram cedo. Tinham muita coisa ainda para ajeitar. Seu Turíbio, o vizinho, viria trazer o rebanho de ovelha e algumas vacas, que tinham ficado aos cuidados dele. Antes de sair os convidou para no domingo almoçarem em sua casa, sua veia, a Hermínia queria conhecer os novos vizinhos.
Amália tinha deixado a casa deles muito acolhedora. Com os panos que trouxera fez cortinas para as janelas, e com algumas madeiras montou um biombo para terem privacidade na hora do banho.
Rodrigo admirava cada vez mais sua mulher, que estava perdendo a timidez   e a cada noite retribuía com audácia os carinhos entre eles. Ele percebeu que ela era muito fogosa e que ela tinha consciência disso, e que não se envergonhava de demonstrar sua paixão. Ele estava muito satisfeito com essa nova Amália que desabrochou.
Domingo foram a pé até a casa de seu Turíbio e dona Hermínia. Outros vizinhos tinham sidos convidados. Era uma verdadeira festa de acolhida para eles. Foi servido um assado de cordeiro, acompanhado de pão. Mais tarde ofereceram muitos doces: de abobora, figo, de mamão ralado, goiabada e rapadura de leite. A conversa foi animada entre as mulheres e as crianças brincavam alegres por estarem juntas. Ao fim da tarde tomaram o caminho de volta, estavam cansados, mas muito felizes com a vizinhança.
Quando chegaram em casa já estava quase noite, tinha sido um dia quente e Amália pediu para ficarem um pouco ali fora. Rodrigo acendeu um lampião e sentaram no banco. Olhavam o céu. Amália viu o Cruzeiro do Sul, então contou para o marido o que dona Eulália  tinha falado sobre o nome da cidade. Mimosa era o nome de uma das estrelas que formavam o Cruzeiro do Sul. Era aquela que formava a transversa da cruz, a esquerda de quem olha.
Os dias transcorriam tranqüilos, Rodrigo cuidando do rebanho, plantando árvores frutíferas e cultivando legumes e verduras na horta. Com o leite que sobrava, Amália fazia queijo, doce de leite e havia fartura em sua mesa.
Um dia no café da manhã, Amália deu a noticia para seu marido que esta grávida. Foi uma alegria. Escreveram para suas famílias contando a novidade. Não demorou muitos dias e chegou um pacote enviado por dona Luiza com algumas roupinhas de nenê, que tinham sido usadas por Amália e dona Cristina inclui algumas de Rodrigo. Vierem também novelos de lã e agulhas de tricot.
Amália agora não fazia mais as tarefas mais pesadas, Rodrigo não deixava. Ele fazia. Então ela ocupava esse tempo tecendo roupinhas para o bebê. Seu pensamento corria enquanto as mãos teciam. Lembrava de sua infância, dos pic nic aos domingos depois da missa, sobretudo de dona Cecília que  ensinava o catecismo. Leitura e contas tinham aprendido com Dona Josefa que ensinava toda a criançada do povoado. Lembrava das brincadeiras no intervalo das aulas, e de como ela já gostava do Rodrigo. E de como ele sempre a protegia.
Estava feliz ali onde moravam, mas sentia falta de ir à igrejinha. Ela sempre fora religiosa, rezava sempre, todos os dias ao levantar e ao deitar agradecia ao Senhor. Rodrigo não, ele era mais cético. Ela carregava a bíblia que tinha ganhado aos 8 anos, quando fez a Primeira Comunhão.
Rodrigo mandou chamar dona Marieta, que era a parteira da região, para ver se estava tudo certo com Amália, para calcularem para quando seria. Ele estava preocupado. Tinha pedido para sua sogra ou sua mãe vir, queria uma delas perto, quando chegasse a hora.
Mas sua mãe disse que não podia vir, porque seus irmãos, os gêmeos que ainda eram pequenos precisavam dela. Dona Luiza também não poderia vir porque seu José sofrera uma queda e seu tornozelo estava machucado, e ele precisava de auxilio a todo o momento.  E ela não podia contar com Amanda que tinha duas crianças para cuidar.
Bem, eram apenas os dois. Teriam que dar conta. Rodrigo foi à cidade para fazer uma compra boa, para se prevenir, queria estar perto de Amália quando chegasse a hora. Conseguiu um menino de recados, que ficaria com eles, enquanto fosse necessário.
No outro dia amanheceu chovendo. E continuou por vários dias. Amália estava muito barriguda, já cansada e com dores nas costas. Rodrigo mandou avisar dona Marieta, mas ela estava distante ocupada com o nascimento de uma criança. Estava sendo um parto demorado e ela teria que ficar.
As estradas estavam alagadas, a sanga que cortava a propriedade estava crescida. Estavam ilhados. Rodrigo estava uma pilha de nervos. Não queria agitar Amália, mas transparecia sua angustia em seu semblante.
Amália acordou sentindo muitas dores. Não disse nada a Rodrigo. Mas rezou e pediu a Deus e a Nossa Senhora do Bom Parto a sua proteção. Estava confiante. Só quando as dores estavam mais freqüentes foi que ela chamou o marido e deu as instruções a ele. Ele estava fazendo tudo o que ela mandava. E as dores ficaram mais fortes, ela gritava de dor e ele se apavorava. Estava só e com muito medo de perder Amália e também a criança.
Num momento de desespero recorreu a Deus. Pediu perdão por sua arrogância e implorou ajuda, que ele não levasse Amália, o amor de sua vida. Após sua oração se acalmou. E pode ajudar a sua filha nascer. Ela era linda. Abraçou aquele pedacinho de gente e agradeceu a Deus por sua ajuda.
Amália estava exausta. Ficara mais de dez horas em trabalho de parto. Dormiu. E quando acordou, ela viu que Rodrigo estava sentado ao lado da cama com um embrulho no colo. Ele deu banho e vestiu a pequena e agora ninava. Pensou que o nome dela deveria ser Vitória, por causa da dificuldade que teve para chegar a esse mundo. Amália se emocionou com a cena que viu. Rodrigo colocou Vitória em seus braços, ela precisava mamar. Amália tinha dormido muito.
Serviu para esposa uma canja de galinha bem encorpada, ela precisava se restabelecer. Ainda  chovia, e Rodrigo não tinha muito que fazer, então ficava ao lado delas, agradecido por elas existirem.
Só depois de alguns dias que as mulheres da vizinhança puderam  visitar Amália e sua filhinha Vitória. Cada uma dando um conselho diferente, cada uma contando como tinha sido seu parto, as dificuldades e as alegrias. Quando elas foram embora, Amália estava atordoada.
O padre Julio passava duas vezes ao ano por ali, para atender confissões, rezar missa, casar e batizar. E depois de dois meses Maria Vitória foi batizada.
Os dias foram passando, eles estavam prosperando, Vitória crescia cheia de saúde e vigor. Haviam aumentado a casa, adicionaram três peças. Um quarto para eles e outro para Vitória e um quartinho de banho, com uma banheira. Era um luxo, mas Amália achava indispensável.
O amor que os unia era muito forte. A paixão entre o casal não havia diminuído e amavam-se cada vez mais. E Amália engravidou outra vez. Vibraram com a noticia. Mas Rodrigo lá no fundo do seu ser, tinha medo. Lembrava como tinha sido difícil. E desta vez pediu a Deus que os ajudasse outra vez.
Mas as circunstâncias eram outras e o nascimento de Tadeu transcorreu     dentro da normalidade. Mais uma vez foi ele quem fez o parto. Ele pensou que estava ficando bom nisso. A cena se repetiu. A vizinhança voltou vir e a contar casos, mas desta vez Amália estava bem disposta. Riu bastante com as histórias narradas.
Três semanas depois João Tadeu foi batizado.
Eles estavam ali a seis anos, com dois filhos e ninguém da família tinha manifestado o desejo de conhecer o lugar e tampouco conhecer as crianças. Sentiam saudades. Mas Amália e Rodrigo não iam pedir que viessem vê-los. Dessa forma a correspondência com a família foi esfriando. Agora trocavam cartões de fim de ano.
Embora Amália gostasse dos carinhos do marido, ela não queria mais filhos, Um dia conversando com Hermínia deixou escapar essa sua tristeza, de ter que recusar o assédio do marido. Então Hermínia a ensinou a fazer as contas para identificar o período que teria que ficar “longe” dele. Amália ficou feliz, e quando chegou a casa foi logo explicando para o marido como tinham que proceder.
Reinava a paz e a felicidade naquela família.
O verão chegou com muito calor e pouca chuva. Os pastos foram secando, a comida do rebanho estava escassa e os animais emagrecendo. O milho que havia plantado estava perdido. Rodrigo estava muito preocupado. Tinha comprado mais um pedaço de campo e contava com o valor dos animais para o pagamento. Alguns já haviam morrido. No seu Turíbio o fundo do campo tinha pegado fogo. A sanga estava um fio de água. Se continuasse sem chover as perdas seriam grandes, em toda a região. A vizinhança se reuniu para cavar um poço, porque vários tinham secado. A situação era desesperadora.

Rodrigo conversou com Amália e sugeriu que ela fosse com as crianças,  para casa se seus pais, até que a seca terminasse. Era muito triste ver os animais morrer de sede e de fome. Mas ela disse que não. Enfrentariam juntos.  Ali era o lugar deles.
Amália muito religiosa reuniu toda vizinhança e começaram a fazer uma novena para São José, do qual ela era devota. Como dizia São José era chefe de família, era o protetor das famílias, não permitiria que faltasse o pão em suas mesas.
Não só as mulheres, mas também os homens e crianças, todos os dias se reuniam para oração a São José. Fizeram uma promessa, que se a chuva caísse ao fim da novena, construiriam uma capela em honra de São José. Até o padre Julio participou  da novena.
No ultimo dia da novena amanheceu um dia muito quente, com o ar pesado, prenúncio de temporal. Rezaram, fizeram uma pequena procissão com o santo até o local onde seria a capela. E ao retornarem as suas casas desabou uma chuvarada. Todos alegres agradeceram a Deus por essa dádiva.
Como haviam prometido, eles construíram uma pequena capela para São José e todos os domingos se reuniam para rezarem. E o padre quando vinha rezava a missa ali.
Para Amália, agora tudo estava perfeito. Tinha a igrejinha para ir rezar aos domingos. Ela falou com o padre e foi autorizada a ensinar o catecismo não só para crianças, mas também para qualquer adulto que quisesse.
Rodrigo conseguiu pagar sua divida. Agora teria que refazer o rebanho, porque depois do pagamento restaram poucos animais. Mas eles não tinham medo do trabalho, teriam que economizar, e superariam as dificuldades. Não ia recorrer ao banco. Ele concordava com Amália, se fossem buscar dinheiro no banco, sairia muito caro.
O ano  correu, e veio  um inverno ameno e nasceram muitos cordeirinhos e terneirinhos. A safra estava com boas perspectivas. A lavoura de milho foi plantada e o tempo estava colaborando com eles.
As crianças cresciam saudáveis, alegres e agora estavam aprendendo a ler e fazer contas. Dona Emilia era professora e viúva, não tinha filhos, e veio morar com o irmão e a cunhada. Assim agora as crianças tinham uma professora.
Maria Vitória estava completando doze anos. Uma mocinha que ajudava sua mãe nos afazeres domésticos. Nos últimos dias Amália não estava se sentindo bem, sentia muito cansaço. Não sabia o que tinha. Contava com a ajuda da filha e assim podia ficar descansando um pouco. Diversas vezes por dia deitava-se e dormia um pouco.
Ela não tinha se queixado de nada para o marido. Rodrigo entrou no meio da tarde em casa e a encontrou dormindo. Ficou alarmado. Ela era sempre muito ativa, e agora estava tão pálida e abatida. Ele iria a cidade buscar o médico.
Após um exame apurado o médico disse que ela estava muito fraca, era anemia. Não sabia a razão já que moravam em um lugar saudável, com boa alimentação. Precisava de cuidados, repouso e se alimentar bem. Ele voltaria na próxima semana, se não houvesse melhora ele teria que a remover para o hospital.
Rodrigo não se conformava, como que sua querida esposa tinha ficado tão doente? Ele sempre tinha cuidados com ela. Agora com seus filhos também. Queria ver todos bem e felizes. João Tadeu quando soube que sua mãe estava doente começou a chorar. Não queria ficar sem ela. E Maria Vitória tentou acalmá-lo, mas também chorava, e abraçados ao pai, todos choravam.
Amália estava muito  fraca não tinha nem força para falar. A sopa tinha que ser dada em pequenas colheradas. Pai e filha se revezavam nos cuidados com ela. João Tadeu não queria ver sua mãe deste jeito. Então ajudava seu pai, cuidando da horta, alimentando as galinhas.
Hermínia e Emilia vinham ajudar a pequena Vitória que se esforçava para cumprir as tarefas. Elas se propuseram a lavar e passar a roupa da família. Era muita roupa. Os lençóis e toalhas usadas por Amália eram fervidas e lavadas em separado.
Dr. Mario voltou para examinar novamente Amália, Ele tinha que encontrar a causa dessa fraqueza. O médico chamou Rodrigo e eles ficaram muito tempo conversando. Rodrigo saiu cabisbaixo, muito preocupado. Haviam descoberto a razão da anemia. Ela estava com uma hemorragia vaginal muito forte. Devia estar com alguma ferida no útero. Teria que queimar. No outro dia a levaria para o hospital.
Emilia se ofereceu para tomar conta das crianças. Ficaria com elas o tempo que fosse necessário. Turíbio iria cuidar do serviço do campo. Que Rodrigo fosse sossegado. Eles tomariam conta de tudo, e estariam rezando por ela, porque Deus era bom.
Essa afirmação ficou no pensamento de Rodrigo. Deus era bom, não levaria sua esposa. Já tinha pedido a Deus uma vez, estava pedindo outra vez. Deus era bom. Escutaria seu pedido e curaria sua mulher. Foi confiante.
No hospital Dr Mário falou com seu colega ginecologista, Dr. Assis e tornaram a examiná-la. De fato ela tinha uma hemorragia acentuada, teriam que fazer o procedimento. Levaram Amália para uma sala em separado e não deixaram Rodrigo entrar.
Ele andava de pra lá, estava nervoso, até que uma irmã de caridade chegou junto e disse:
-- Venha comigo. Vamos a capela orar por ela. Deus é bom!
-- Deus é bom.
Foi o que Rodrigo repetiu. E foi com a irmã.
Ajoelhou diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus e chorou. Não conseguia rezar. Apenas chorava. E em seu coração pediu a misericórdia da Deus. Ele não merecia, mas as crianças e ele também precisavam tanto dela, Que a curasse. Ali ficou por muito tempo, quieto com seu pensamento em Deus.
A irmã veio chamá-lo. Amália estava no quarto. Já haviam terminado o procedimento. Ele correu para o quarto. Ela estava dormindo, muito pálida e magra. Puxou uma cadeira para perto da cama, pegou a mão de sua mulher e ficou ali segurando, agora sim rezando as orações que tinha aprendido com ela.
Os médicos entraram, precisavam falar com ele. Tinham conseguido cauterizar a ferida, mas ainda levaria algum tempo para cicatrização. Que não poderiam ter relações antes do médico dar permissão. Ele assentiu e perguntou se ela agora recuperaria as forças. Sim, foi a resposta, mas levaria algum tempo. Ela ainda ficaria uns dias e depois poderia ir para casa.
Quando a enfermeira chegou para fazer a higiene dela ele saiu do quarto, e foi direto a capela agradecer a bondade de Deus. Hoje ele havia entendido, quando Amália dizia que havia um amor maior.
Passados cinco dias, voltaram para casa. Amália ainda estava muito fraca, ele a carregou nos braços e a colocou na cama, precisava descansar da viagem. As crianças queriam ver a mãe, e foram pé por pé espiar na porta do quarto. Amália estava acordada e os chamou. Pediu um beijo de cada um. Agora que fossem brincar, ela queria dormir.
Os dias correram e aos poucos tudo voltava ao normal. Amália já estava fortalecida e assumiu suas tarefas. Estavam felizes outra vez.
Havia aberto na cidade uma casa de mulheres e Turíbio e os outros homens estavam freqüentando. Chegavam a ficar dois ou três dias na cidade. Convidaram Rodrigo para ir junto. Ele recusou. Turíbio disse:
-- Tu tens que vir junto, tem cada guria bonita, as nossas mulheres estão velhas, e tua está até imprestável.
Rodrigo ficou furioso. E disse:
-- Quem é tu para falar de minha mulher. Te arranca daqui e não volta mais.
Os homens saíram sem olhar para trás.
Rodrigo ficou pensando no que eles tinham dito. E falou consigo mesmo.
--Minha mulher não está imprestável. Ela sempre será o amor da minha vida. Só com ela eu quero estar.
A rotina seguia. A noticia da briga dos vizinhos correu longe. Mas ninguém sabia qual teria sido a causa.
Aos poucos Rodrigo foi distanciando sua família dos demais. Aquele comportamento não era bom exemplo para seu filho. E Vitória estava uma mocinha, ia fazer treze anos e não queria que ela gostasse de nenhum daqueles meninos, que com certeza um dia seguiriam os mesmos passos dos pais. Largando a família dias a fio para ficarem de farra.
Estava pensando em mandar sua filha para o colégio das irmãs. Havia um internato. Tinha condições de pagar. Estavam muito bem financeiramente. Talvez se comprasse uma casa na cidade. Mas ele teria que ficar longe de sua mulher. Não!
Então conversou com Amália a respeito. Ela concordou. Queria sua filha bem educada. Na escola ela aprenderia música, ela gostava de cantar. E lá ela conheceria outras meninas. Ela também não queria mais a amizade dos vizinhos.
Ele ficou surpreso com a reação dela. Não esperava. Mas Amália justificou sua posição dizendo que havia escutado a conversa deles, no dia em Rodrigo correu os vizinhos. E que ela tinha ficado muito orgulhosa dele. E que ele podia sim chegar perto dela, ela tinha perguntado ao médico e ela não estava “imprestável”.
Rodrigo abraçou Amália e disse:
-- Essa é uma das razões de eu te amar cada vez mais.
Ela rindo respondeu>
-- Eu sei. Também te amo cada dia um pouco mais porque me defendes sempre.
E saíram para pátio, abraçados como se fossem namorados.
Rodrigo era muito cuidadoso em tudo o que fazia. Seu rebanho de ovinos era muito bom. Tinha um carneiro que reproduzia muito bem. Havia acontecido uma feira na cidade e ele levou seu carneiro, que foi premiado como o melhor da exposição. Sua criação estava ficando afamada, e as vendas muito boas.
O vizinho que fazia divisa com ele no lado sul, estava muito velho e queria vender sua terra para evitar que os filhos brigassem entre si após sua morte. Foi procurar Rodrigo e ofereceu a ele sua propriedade, que era muito boa, tinha uma casa grande e boa, que precisava de alguns reparos. Boas aguadas e terras aráveis,
Rodrigo se agradou da proposta e efetivou o negócio. Agora estava com uma boa extensão de campo. A casa seria reformada e se mudariam para lá, e a casa deles ficaria para os empregados, que teria que contratar. Amália não faria mais todo o serviço.
Quando chegou o inicio das aulas, Maria Vitória foi cheia de entusiasmo, gostava de aprender coisas novas, e teria amigas. João Tadeu também queria estudar, então foi para o seminário a pouca distância dali.
Agora estavam os dois apenas em casa. Amália dava instruções aos pedreiros e marceneiros de como queria que ficasse sua casa. Estava empolgada, eram cinco quartos, um quarto de banho, cozinha, copa, despensa, sala de visitas e sala de jantar. Os filhos teriam cada um o seu quarto, fariam um para hóspedes e o que sobrava seria uma saleta para ela e o marido.
A nova entrada da fazenda  dava direto na estrada, e diminuía a distancia da cidade em três km. Assim o percurso era de doze km em uma estrada boa
Mudaram para casa antes da Páscoa. Foi uma alegria estar com os filhos no feriado. Vitória gostou de seu quarto, com cortinas brancas, colcha xadrez nas cores rosa e branco, e almofadas cor de rosa. Abraçou a mãe e agradeceu, o quarto ficou lindo. Tadeu também gostou de seu quarto que tinha cortinas brancas e a colcha era numa tonalidade de verde folha. Deu um beijo em sua mãe em agradecimento.
A casa tinha ficado muito bonita. Estava pintada de branca, com as janelas e portas em verde escuro. Na frente tinha um alpendre grande, onde foram colocadas quatro cadeiras de madeira grandes e confortáveis pintadas de branco com almofadas floral.. Uma mesa e algumas folhagens. Tinham recuperado o jardim e as roseiras estavam floridas  com rosas vermelhas, rosas e brancas.
Rodrigo estava realizado, sua família era linda. Sua filha estava a cada dia, mais parecida com a mãe, era gentil, inteligente e alegre. João Tadeu era mais o tipo dele, e educado, estudioso e trabalhador. E sua mulher, bem, essa era a razão de sua vida.
Estavam comemorando vinte anos de casados. Amália fez um almoço especial. Convidaram o padre Alberto para vir almoçar com eles e abençoar sua família e sua casa nova.
No fim da tarde Rodrigo e Amália gostavam de andar em direção ao por do sol. Admiravam as cores que o céu assumia. Do vermelho ao amarelo. Era lindo!
Eles eram afortunados.  Seus filhos adultos, se preparando para tomarem a sua própria direção. Vitória tinha se formado professora e estava noiva de Carlos que era filho do Dr. Assis, e como o pai também era médico.
João Tadeu queria ser padre. Estava com receio de dar a noticia aos pais, tinha medo da reação de seu pai. Tomou coragem e nos férias de verão contou para a família qual era o seu desejo. Sua mãe logo aprovou. Mas seu pai ficou pensativo e não disse nada.
Rodrigo foi sentar no alpendre depois do almoço para pensar no que o filho lhe dissera. Depois de muito tempo, ele levantou-se e foi dizer ao filho que entendia sua opção, havia sim um amor maior, e Tadeu queria viver esse amor maior.
Rodrigo e Amália agora estavam definitivamente sós. A filha casada vinha todos os fins de semana passar com eles e Tadeu sempre que podia.
Estavam felizes, tinham realizado o sonho se suas vidas, e agora que estavam ficando velhos iriam colher os frutos que plantaram.
                                  Maria Ronety Canibal
                                          Maio de 2017

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