quinta-feira, 11 de maio de 2017

O CASARÃO

                                                             

O CASARÃO



                                                                 
Alana quando chegou a casa bufava de raiva. Nunca tinha visto tanta prepotência.. Não iria ceder, de forma alguma. Subiu e foi tomar uma ducha para se refrescar, o dia estava muito quente, e os ânimos também.
Vestiu um short  e uma regata, sandálias rasteiras e foi para cozinha fazer uma lanche. Célia chegou e logo viu que sua amiga estava irritada. Era melhor nem falar, conhecia muito bem o humor dela. Tomou um copo de água gelada e foi para seu quarto. Alana terminou seu lanche e foi para jardim, no caramanchão, ali corria um vento agradável. Deitou na rede e ficou pensando em sua vida, tudo para ela sempre foi muito difícil.
Ela tinha apenas 9 anos quando sua mãe fugiu com o amante. Seu pai pareceu  não se importar com a fuga da mulher. Juarez, seu pai, que sempre foi irresponsável, deixou-a por conta própria. Foram as empregadas quem cuidaram dela. Verônica foi quem sempre esteve com ela. Nas vezes que esteve doente foi Verônica que a cuidou , nas reuniões de pais na escola foi Verônica que compareceu. Alana a amava  como se fosse sua mãe.
Seu pai era de família muito rica e conceituada, mas ele devia ser a “ovelha negra”, pois gostava de beber, jogar e nunca assumiu os negócios da família. Os primos de seu pai não só tomaram conta DE tudo, como compraram toda a sua parte, por um valor significativo. Seu pai era um fanfarrão. Passava dias sem aparecer em casa, sem dar noticias. Quando chegava estava sempre bêbado e desgrenhado.
Agora Alana entendia porque sua mãe havia escolhido fugir. Só não entendia porque a deixara para trás. Nunca mais tinha visto sua mãe, que morava  na Alemanha.
Seu pai faleceu já fazia cinco anos. E só depois de sua morte, foi  ela soube que uma fortuna fora gasta em noitadas e jogatinas. Só restara a casa que morava. Era uma casarão dos 1960, construído em meio a um lindo e imenso jardim., num bairro nobre e tradicional da cidade.
Nessa época Alana estava cursando arquitetura. Precisou trancar a matricula, para poder resolver todos os problemas que surgiram após a morte de seu pai.  Mas da casa ela não abriu mão, era um bem de família.
Para resolver as questões financeiras, Alana decidiu alugar quartos para moças que estudavam na cidade. A casa era enorme, muito bem e finamente mobiliada. Eram duas suítes composta de quarto de dormir, banheiro, closed e saleta de estar,  e os outros seis quartos que eram servidos por três banheiros, tudo isso no piso superior.
No térreo eram quatro salas, mais escritório, duas suítes de hospedes, copa, cozinha, despensa, lavanderia e três quartos para empregados. Junto à garagem tinha mais um apartamento composto de dois quartos, um banheiro, sala/cozinha conjugada. Onde resolveu se instalar. Assim ficaria independente da casa.

Conseguiu 10 moças como moradoras. Contratou duas empregadas para manter tudo sempre limpo e ordenado. Como eram acomodações de luxo, o preço era alto. Dessa forma ela tinha um bom rendimento, que cobria todas as despesas. E ela retomou os estudos. Formou-se e logo foi convidada para ser projetista em uma construtora, onde recebia um bom salário.
Parecia que a vida ia tomar seu curso, tudo seria tranqüilo.
Mas certa manhã ela foi chamada a sala da diretoria. Lá Alana conheceu Gustavo, irmão de Ivan, seu chefe e donos da empresa. Ela estava sendo promovida, iria trabalhar diretamente com Gustavo, que era engenheiro civil.
Gustavo estava retornando ao país após um período de estudos e de pesquisas de mercado, matérias e técnicas de construção. Alana foi escolhida entre os seus colegas por sua competência e suas idéias inovadoras.
Gustavo quando olhou a primeira vez para Alana a achou bonita, muito bonita, mas antipatizou com ela. Mas teria que superar essa questão porque realmente a moça era boa naquilo que fazia.
Alana tinha uma estatura média, tinha uma elegância natural nos movimentos. Sua pele era clara, os olhos castanhos e os cabelos cor de mel. Tinha o rosto de boneca, delicado e perfeito. Era lindíssima!
Alana  quando pôs os olhos nele viu arrogância e dificuldades pela frente. Mas também notou que era alto, forte, cabelos castanhos claros e os olhos num tom indefinido. Entre o verde e o azul acinzentado. Ele era muito bonito.
Embora havia uma antipatia visível entre eles, ela teria que deixar de lado essa implicância porque precisava trabalhar. Num esforço mútuo, dividiam a sala, falavam educadamente um com o outro, aceitavam sugestões, enfim estavam conseguindo ter um bom ambiente de trabalho.
Alana não se preocupava muito com a sua aparência, usava roupa casual, basicamente jeans  com blusinhas. Mas não sabia bem por que, agora parecia que suas roupas estavam “casuais” demais.
Saiu do escritório e foi para o Shopping. Foi olhando as vitrines para saber o que estava na moda. Comprou algumas peças, foi ao cabeleireiro  para modernizar o corte de seu cabelo. Saiu renovada.
No outro dia foi para o escritório com roupas novas. Quando saiu de casa “se achou um pouco ridícula,” ora roupas novas para trabalhar? Mas quando entrou notou que estava chamando atenção. Até gostou, embora sentisse um pouco de vergonha. Foi firme. Cruzou por Ivan que disse para ela:
-- Hoje resolveu arrasar!
Ela apenas sorriu e foi para sua sala. Entrou, deu bom dia e foi para sua mesa. Gustavo respondeu ao cumprimento, mas não fez comentário algum. Apenas ficou olhando. Ela sentou-se e ele continuava olhando para ela. Até que ele disse:
-- Aceitas almoçar comigo? Devíamos ser amigos.
-- Sim, aceito. Vamos ser amigos.
Trabalharam juntos, discutiram alterações no projeto. Na hora do intervalo do almoço saíram juntos. Foram a uma pequena cantina próxima do prédio onde trabalhavam. Era um lugar sossegado, com uma clientela seleta.
Conversaram sobre vários assuntos, ele contou fatos engraçados e o que viu em sua viagem. Pareciam velhos amigos. Ele soube cativar a atenção dela o tempo todo. Ela procurou ser simpática. Quando estavam retornando Gustavo sugeriu que saíssem mais vezes juntos. Ela tinha sido uma boa companhia.
Naquela tarde foi difícil para Alana se concentrar no trabalho. Lembrava constantemente das historias que ele tinha contado e até sorria. Ele também mais olhava para ela do que trabalhava. Tanto que perguntou:
-- Por que estas sorrindo tantas vezes?
Ela ruborizou, e respondeu:
-- Estava lembrando coisas engraçadas.
Ele riu de disse:
-- Vamos ao trabalho.
Gustavo pensou que precisava rever seu conceito sobre ela. Tinha ficado seduzido por ela. A antipatia aparente nada mais era do que certa timidez. Ela conversava qualquer assunto, era inteligente e sabia dar boas respostas. Ela era incrível! E como era bonita, que olhos fascinantes,  com um brilho de alegria. Seus cabelos estavam diferentes, não sabia o que ela tinha feito, mas estavam muito bem, e ela estava muito elegante. Ela também era delicada, feminina, era uma graça. E Alana ficou nos pensamentos de Gustavo por muito tempo.
Alana saiu do trabalho contente, pensando em Gustavo. Como ela tinha se enganado, rotulando ele de arrogante. Ao contrário, ele era simpático, divertido, gentil e bonito. Aqueles olhos azuis eram lindos demais. O sorriso era cativante. Ele era bem interessante...
E os dias foram passando, eles saindo para almoçar, e jantar também. Foram ao cinema, passearam, foram ao teatro, e se divertiam juntos. Mas sempre no plano de amigos.
Ela sabia pouco da vida pessoal dele. Ele não falava, e ela não perguntava.  Ela era mais aberta, tinha contado muito de sua vida para ele.
Alana convidou Gustavo para almoçar no domingo em sua casa. Ele não conhecia a casa, que ficava em meio a um jardim, pois ele sempre a deixava no portão quando saiam a noite. Ela com muito orgulho mostrou o jardim e a parte térrea da casa para ele, que ficou admirado com o tamanho, com as dimensões do jardim. Eram doze mil metros quadrados que jardim, ali naquela região. Valia uma fortuna!
Sim, valia uma fortuna, mas era um ótimo local para construir prédios de apartamentos,  lojas e escritórios. Que renderia muito mais. Precisava pensar. Fazer uns cálculos e esboços para poder conversar com seu irmão.
Gustavo estava tão concentrado em seu pensamento que nem viu que Alana estava chamando por ele, já na porta da casa. Saiu apressado para alcançá-la. Almoçaram praticamente em silêncio, pois tinha muitos números girando na cabeça dele. Alana estranhou o comportamento dele. Será que ele não estava gostando do assado que ela tinha preparado? Ou o que seria?
Alana achou que ele iria gostar do estilo da casa, já que era de um tempo em que a arquitetura tinha ganhado formas mais audaciosas. Ela como arquiteta achava que sua casa era um tesouro. Mas ele ficou tão impressionado com o terreno que não observou a casa.
Alana começou a perceber que Gustavo estava se tornando muito importante para ela. Preocupava-se em agradá-lo, gostava de estar com ele, e se entristecia quando não podiam estar juntos. Seria amor? Ou apenas uma grande amizade? Ela não sabia definir o que sentia por ele.
Já não saiam mais tantas vezes juntos. Nem para almoçarem durante a semana. Sempre surgia um empecilho, ou pequena viagem que os impediam. Gustavo estava muito envolvido na construção do projeto que tinham elaborado juntos e que ficava distante cerca de 40 km da cidade.
O fim de semana para ela tinha sido muito solitário, época de férias e as moças estavam visitando suas famílias. Ela dormiu muito para o tempo passar mais rápido. Estava ansiosa pela segunda feira.
Alana chegou ao escritório só no fim da manhã, e encontrou Gustavo já de saída com Marcela, uma amiga italiana que veio visitá-lo. Disse a Alana que ele não voltaria a tarde, levaria a amiga para conhecer a cidade. E   saíram conversando alegremente.
Alana sentiu ciúmes de Marcela.
Os dias transcorreram e ela estava com o coração apertado, Gustavo ficava pouco no escritório. E ela agora tinha uma certeza, que estava apaixonada por ele. Ela resolveu se concentrar no seu trabalho.
Gustavo estava muito atarefado, mas sentia falta das conversas com Alana, da sua companhia e de seu jeito meigo de sorrir e falar. Teria que convidá-la para sair. E estava percebendo que ela era muito mais que uma amiga para ele. Estava gostando dela.
Naquela tarde ligou para ela. Disse que precisavam se encontrar, tinham assuntos a tratar. Ele estava na obra, e a noite passaria em sua casa para irem jantar. Ela aceitou, ficou feliz  mas não tinha noção do que ele queria falar. De trabalho tinha certeza que não.
Ao sair do trabalho ela foi depressa para casa, queria se arrumar com calma, ficar bem bonita. Escolheu um vestido vermelho escuro, prendeu os cabelos em um coque meio caído, que ficou diferente e muito legal. Experimentou as bijuterias e escolheu  um conjunto de brincos, pulseira e anel em dourado com uma pedrinha vermelha, quase na tonalidade do vestido. Estava chique. Sabia que Gustavo  iria elogiar.
Desceu e ficou esperando por ele na sala, conversando com   Verônica. Gustavo ligou no interfone e ela logo saiu. Quando ele olhou para ela, disse:
-- Deixa eu te olhar, estas linda! Mereces um beijo.
E deu um beijo em sua face. Alana apenas sorriu e reparou que ele também estava bem elegante, com uma calça preta e uma camisa preta, muito bonita  e além disso ele estava muito cheiroso. Mas não disse nada.
Gustavo escolheu um restaurante da moda. Apesar de o restaurante estar cheio, eles conseguiram uma mesa com uma linda vista para a cidade toda iluminada. Fizeram o pedido e enquanto esperavam tomaram um aperitivo. Ela pediu um Martini Bianco e ele uma caipirinha.
Ambos estavam nervosos, afinal eles estavam tendo um encontro pela primeira vez. Era como começar de novo. E tanto ele com ela estavam cientes disso.
A bebida relaxava a tensão.
Só depois que jantaram, enquanto ainda tomavam vinho, Gustavo pegou a mão dela deu um beijo  e disse:
-- Alana! Eu quero mais que amizade, tu não sai do meu pensamento, eu  me apaixonei por ti.
A medida que ele ia falando o coração dela ia acelerando, parecia que ia saltar fora do peito. Tentou falar sem demonstrar toda a emoção que estava sentindo, mas seu tom de voz revelou, quando disse:
-- Sim...eu também quero ser mais que uma simples amiga.
Ficaram se olhando por um longo tempo e depois Gustavo acarinhou sua mão e beijou novamente e disse:
--Vamos pedir a conta. Depois vamos a algum lugar que possamos dançar. Afinal hoje é sexta feira, merecemos dar uma esticada.
-- Sim, vamos disse sorrindo.
Gustavo a levou a um piano bar. Um lugar agradável, com música boa, e com pista para danças. Ocuparam uma mesa mais ao fundo e de mãos dadas ficaram escutando o pianista tocando jazz. Logo que mudou o ritmo para músicas românticas, ele a levou para pista e começaram a dançar. Ele disse ao ouvido de Alana:
-- Sabe o nome desta música?
-- Sim, chama-se She. Foi fundo musical daquele filme Um lugar chamado Notting Hill, com a Julia Roberts e Huhg Grant, que aliás acho muito parecido contigo.
-- Então esta será a nossa música, pois é a primeira que dançamos juntos. Assim abraçadinho, bem gostoso, sentido esse teu perfume provocante.
Dançaram enquanto a seqüência de músicas era lenta. Voltaram outras vezes a pista. Já era tarde e resolveram ir embora. Ele não queria largar dela, com muita relutância a levou  para casa.  Ela convidou se ele não queria entrar.
-- Bem que eu queria, mas como? Com toda essa gente que mora ai?
-- É nossa primeira noite, nem que seja para tomar um cafezinho, disse ela rindo.
-- Se é assim, vou por o carro para dentro.
-- Sim, e vamos direto a garagem.
-- Garagem?
-- Tenho uma surpresa para ti. Vamos.
Ao sair do carro ela tomou a direção do pequeno apartamento atrás da garagem. Fazia pouco tempo que ela decorara aquele espaço para ela. Assim tinha total privacidade, e era um pequeno apartamento.
Gustavo gostou muito do jeito que ela deu no lugar, era acolhedor, simples e confortável, com uma pequena cozinha bem moderna. Riu e abraçou dizendo:
-- Vamos inaugurar a cafeteira?
-- Ué, se queres um café agora eu faço. Disse rindo.
-- Não pode ser depois?
-- Depois?
E ambos riram.
Gustavo sentou no sofá e a puxou para junto dele e a beijou suavemente. Ela havia subido até as nuvens, retribuiu ao beijo que foi ficando mais intenso. Trocavam carícias. Gustavo perguntou se ela queria seguir adiante, ela respondeu que sim. Então foram para o quarto e ali provaram o amor que sentiam numa entrega recíproca. Foram momentos sublimes para Alana, e Gustavo continuava abraçado a ela como se fosse parte dele.
Resolveram que passariam o fim de semana na serra. Conseguiram lugar numa hospedaria e saíram cedo da manhã. Alana arrumou umas roupas em uma valise e deixou um bilhete para Verônica não ficar preocupada com ela. Passaram pelo apartamento de Gustavo para pegar roupas de frio.
O lugar era lindo, a cabana que ficaram, era muito romântica e eles estavam felizes. Caminharam de mãos dadas apreciando a natureza, as flores, as árvores. Desceram até a beira do rio de onde se apreciava a queda d’água. Foi um final de semana espetacular.
Segunda feira voltaram ao ritmo do trabalho e pouco se viam. Os fins de semana passavam juntos em uma felicidade crescente. Entendiam-se perfeitamente, nunca discutiam e não sabiam o que era brigar.. Havia harmonia entre eles.
As obras que Gustavo supervisionava estavam no fim. Agora ele ficava mais no escritório, e Alana estaca contente, passavam o dia juntos, no trabalho e a noite ele ia para casa dela. Mais de uma vez ela já tinha falado para ela sobre o valor da casa com o terreno. Seria um ótimo negócio para ela, que poderia investir em outros imóveis. Mas ela sempre dizia que não iria vender.
Estavam completando um ano juntos, e saíram para comemorar. Ela se arrumou com esmero, havia comprado um vestido novo. Ela gostava de ser admirada por ele, que sempre tecia muitos elogios.
Era uma data especial e foram a um lugar especial. Depois do jantar Gustavo a levou para o seu apartamento. (Ela raramente ia lá). Ele colocou uma música suave e serviu um espumante e brindaram, então a convidou para dançar. Enquanto dançavam ele sussurrava ao seu ouvido:
-- Eu te amo....Eu te quero...Vamos casar...
Ela escutava enlevada, e repetia a ele as mesmas palavras.
Pararam de dançar e ele (a moda antiga) ajoelhou-se diante dela, tirou uma caixinha do bolso e perguntou:
-- Casa comigo?
Ela abriu a caixinha e tinha um lindo anel de brilhante circundado de pequenas safiras. Era lindíssimo! Ela ficou sem palavras.
-- Eu... é lindo demais...eu... eu...caso.
Abraçaram-se felizes com decisão, beijaram-se e amaram-se.
Passados uns dias Gustavo propôs que casassem logo. Ela podia arrumar o apartamento do jeito dela. Tinha carta branca.
Mas ela queria ficar na casa dela. Ela já tinha um bom projeto para melhorar o espaço atrás da garagem, também para o jardim, ela colocaria uma piscina só para uso deles. Teriam um jardim privativo. Gustavo não queria discutir, mas não concordava. Sua idéia sempre fora vender aquela área.
Ficaram nesse impasse. Até Verônica, que era muito discreta, se envolveu no assunto. Para ela, Gustavo tinha razão. Aquele jardim era muito grande, tanto que parte dele estava abandonado.
E em vista disto, não marcaram a data do casamento.
Ivan convocou uma reunião. Todos os que faziam parte da cúpula da empresa estava presente, inclusive Alana.
Discutiram vários assuntos, projetos, custos. Antes de encerrar a reunião Ivan disse que um grupo importante queria uma área grande para construção de um complexo com sete torres. Que seriam cinco residenciais e duas para escritórios.  Área verde e um centro de cultura. E teria que ser no bairro mais tradicional e nobre da cidade.
Ivan disse também que era um contrato muito importante, que eles deviam sair a procura de uma área como a solicitada. O tempo urge, disse ele. Então, Gustavo olhou para Alana e disse:
-- Alana tem essa área, é onde ela mora. Tem uma casa linda e muito grande, que poderia ser o centro de cultura. É uma construção dos anos 1960, com todas as características da arquitetura da época. Tem um jardim imenso. Só depende dela.
Alana olhou para ele furiosa. Apenas disse:
-- Não está a venda! Posso me retirar?
Levantou-se se saiu sem esperar resposta.
Gustavo não se mexeu, sabia que teria que esperar ela se acalmar. Depois iria procurá-la.
Chegou em casa irritada. Resmungava:
-- Arrogante! Eu sempre soube que ele é muito arrogante.
Verônica a viu deitada na rede e foi até ela. Perguntou por Gustavo que não tinha vindo com ela. Alana só disse:
-- Nem me fale dele. Aquele arrogante. Bem que eu percebi no dia que fui apresentada a ele.
Verônica não estava entendendo, então perguntou?
O que foi que aconteceu? Por que estás tão braba?
Então Alana falou sobre a reunião, e de como ele sem consultá-la, simplesmente disse que ela morava no lugar que estavam procurando. Ela não aceitava esse procedimento dele.
Verônica resolveu dizer qual era o seu parecer sobre a venda da casa.
-- Minha querida, não fica assim. Ele não fez por mal. Ele te ama de verdade, eu vejo isso quando vocês estão juntos. Pensa. Tu não tens ninguém, não despreze esse amor tão lindo.
-- Eu sei...
-- Minha filha, vou te dizer que eu concordo com Gustavo. Devias sair dessa casa, fazer tua vida junto dele. Ir morar no apartamento dele.  E vender tudo isso, que tem muito valor e um custo muito alto para ser mantido, tu sabes disso.
-- É, foi o que sobrou para mim.
-- Mas se tu vender, poderás comprar outras coisas. Será ainda a tua herança.
-- Mas aqui eu vivi minha infância feliz.
-- É, me desculpe, mas foi aqui que fostes abandonada por tua mãe, e de certa maneira, por teu pai também. Eu estou ficando velha, não podes contar muito comigo. Pensa, menina...Não sejas assim...
-- Mas ele foi presunçoso.
-- Vai descansar. Está tarde. Dorme. Amanhã conversa com ele.
Alana não conseguiu dormir. Levantou, tomou um banho, e resolveu que não iria para o escritório. Não queria ver ninguém. Ela estava abatida, com os olhos fundos. Tomou apenas um café puro e deitou na rede e ficou quieta. Não queria pensar, conversar e queria sumir. E essa idéia começou a mexer com seu pensamento.
No fim da manhã Gustavo chegou. Verônica se adiantou em  recebê-lo. Disse onde ela estava e foi fazer uma oração, pedindo a Nossa Senhora que os iluminasse.
Gustavo também estava abatido, mal dormido e com uma tristeza  estampada em sua face. Ele aproximou-se dela, não disse nada, apenas ficaram se olhando. Mas foi ele que quebrou o silêncio.
-- Oi, como estas?
-- Não estas vendo?
-- Precisamos conversar.
-- Fale...
-- Ontem, eu não quis te obrigar a vender a casa. Só quis dizer que ela existia e era tua.
-- Olha, estive pensando. Não dá mais. Tu não me entendes, não sabe qual é o meu sentimento por isso aqui. Essa casa é a minha vida.
-- Alana, tu estas cansada, dizendo coisas que não queres dizer. Vamos tirar uma semana na praia, e não falamos mais sobre isso, até que tu queiras. Que achas?
-- Não, já decidi. Eu vou deixar o escritório, vou pedir demissão. Vou tirar férias sozinha!
-- Meu  amor... Não diga isso... Tira férias, mas não deixe o escritório, não me afaste de ti.
-- Por favor, eu quero ficar sozinha.
Gustavo saiu dali. Foi procurar Verônica. Encontrou-a sentada na copa orando. Sentou e ficou esperando ela terminar. Depois disse:
-- Ela não está bem.
-- Não. Eu sei. Já conversei com ela. Está irredutível. Temos que dar um tempo a ela.
-- Não virei mais aqui, até que ela me chame. Mas quero noticias dela, todos os dias. Ela quer deixar o escritório. Então sugeri férias. Mesmo que ela vá para algum lugar, peço que a acompanhe.
-- Sim.
-- Nunca imaginei uma reação assim.
-- Eu também acho que ela devia vender essa casa. Se libertar de tudo isso aqui. Ela não foi feliz aqui. Não sei o que fazer.
-- Talvez  seja apenas estresse.
-- Mas pode deixar Gustavo, eu não vou tirar o olho dela. Vou te ligar todos os dias.
Gustavo saiu com o coração aos pedaços.
Verônica como havia prometido, ligava todos os dias dando noticias da Alana, que continuava abatida. Ele não conseguia ver razão para tudo isso. Talvez ela realmente precisasse de ajuda. Ele sabia de sua história e chegou a conclusão que a casa era a segurança que ela não tivera dos pais. Por isso esse comportamento. Precisava conversar com Verônica.
Gustavo teria que viajar, talvez ficasse fora uns quarenta dias ou mais. Ele iria telefonar para ela para saber de Alana. E pediu que Verônica a convencesse a consultar uma psicóloga.
As férias de Alana tinham terminado, ela teria que voltar ao trabalho. Foi com medo de encontrar com Gustavo. Ele nunca mais a tinha procurado, desde aquela ultima conversa. Ela estava arrependida da forma que tinha tratado ele, seca e agressiva demais.
Quando chegou ao escritório soube que Gustavo estava fora, trabalhando em um projeto grande, e que ele não tinha data para retornar.
Alana foi para sua sala de trabalho e procurou se concentrar na sua tarefa. No fim da tarde, Ivan bateu a porta e pediu para falar com ela. Sentou diante dela e disse:
-- Alana sinto muito pelo que houve na ultima reunião. Mas gostaria de falar contigo sobre esse novo projeto. Eu sobrevoei a área onde moras, e realmente é o que precisamos, e o valor que querem pagar por ela é surpreendente. Devias pensar melhor.
-- Sim, vou pensar.
-- E tu farias o projeto para o casarão ser transformado em um Centro de Cultura. Tu melhor do que ninguém para valorizar o casarão. Confio em ti.
-- Obrigada.
Alana saiu do escritório e foi para casa andando. Precisava pensar e rever conceitos... Vieram em seu pensamento os bons momentos que teve com Gustavo, ela nunca tinha sido tão feliz. E as moças da pensão todas de olho no bonitão, ainda diziam se não queres, nós pegamos com as duas mãos.
E as coisas que Verônica não se cansava de repetir, que ele era bom, amava ela de verdade e que ela estava o deixandoele escapar por causa de uma casa velha. Que só dava despesas e que ela não tinha recursos para fazer uma boa reforma.  Que ela saísse do sonho e viesse para a realidade da vida.
Chegou em casa e foi ao encontro de Verônica, que a recebeu cheia de preocupação com um problema que surgiu no encanamento da água quente. E o orçamento do reparo era alto.
Alana sentou-se desanimada. Estava sentindo muita falta de Gustavo. Ele era seu esteio. E agora estava longe. Será que estava sozinho? Só em pensar nisso ficou com o coração doendo, um aperto no peito, um nó na garganta.
Saiu sem dizer nada e foi para seu quarto. Deitou-se no sofá e chorou feito uma criança. Ela fez tudo errado. A arrogante era ela mesma. Esperou se acalmar e pegou o telefone e discou o numero dele.
-- Alo, quem fala?
-- Aqui é Marcela, quem fala?
-- Oi, é Alana, queria falar com Gustavo.
-- Ele está ocupado neste momento. Quer deixar recado?
-- Obrigado, ligo outra hora.
As lágrimas escorriam em sua face. Ele estava com sua “amiga” Marcela. Ficou muito tempo ali, parada, esperando o retorno que não veio.
Verônica  foi até ela. Ela estava tomando um banho. Verônica ficou esperando, tinha preparado para lanche leve para ela. Ela apareceu de cabelo ainda pingando, com uma roupa bem caseira.
Alana disse a Verônica:
-- Liguei para ele e quem atendeu ao telefone foi Marcela, ele já me esqueceu.
-- Não! Ele te ama muito para te esquecer.
-- Como tu sabes? Agora é vidente?
-- Não, apenas sou sensata. Coisa que tu não tem sido.
-- Eu sei. Extrapolei.
-- Pois é então conserta.
-- Como?
-- Telefona outra vez, mais tarde.
-- Mas eu já liguei!
-- E ele sabe que tu ligaste? Será que a moça deu o recado? Ela pode muito bem está aproveitando a oportunidade de pegá-lo.
-- É tens razão. Mas ele todo esse tempo não me procurou. Nem um telefonema para saber se eu estava viva ou morta.
-- Ele liga todo o dia, se queres saber. Não fala contigo porque  ele está esperando que tu o procure. Ele te disse, lembra?
-- Sim. Então ele sempre liga. Por que nunca me disseste?
-- Porque ele me pediu para não dizer.
-- Tu estás do lado dele?
-- Não, estou do lado de vocês, quero  ver vocês juntos e felizes.. Vamos, chega de conversa, coma o lanche e depois torna ligar para ele. Ele sempre liga por volta das 22.30h.
Mas ela não ligou mais naquela noite. Verônica foi quem ligou, e de fato Marcela não tinha dito a ele que Alana havia ligado.
Gustavo, que estava terminando seu trabalho, resolveu antecipar sua volta. Chegou ao  inicio da manhã de sábado. E a tarde ele foi procurá-la. Seria uma surpresa para ela. Comprou um lindo buque de flores do campo e foi.
Entrou e foi diretamente para o apartamento atrás da garagem. A porta estava apenas encostada. Ele espiou e viu Alana deitada no sofá olhando o teto. Gustavo entrou sem fazer barulho, aproximou-se com cuidado, e ficou olhando para ela, que tomou um susto ao vê-lo ali. Sentou-se espantada. Ele riu dela, entregou as flores e deu um beijo na sua face. Sentou ao lado dela e pegou sua mão. Não disse nada, apenas olhava para ela. Ele estava com muita saudade, queria contemplar aquele rosto tão querido. Foi ela que falou primeiro:
-- Que bom te ver. Senti muito a tua falta.
-- Eu também senti a tua falta.
-- Eu te liguei, mas foi a Marcela quem atendeu ao telefone. Por quê? Vocês estão juntos?
-- Não! Se eu estou contigo....  Ela sempre foi e sempre será apenas uma amiga. Nós estávamos em uma cafeteria e eu tinha ido ao banheiro, e deixei o telefone sobre a mesa. Ela atendeu, mas não devia ter atendido. Eu vi que era o teu numero, mas ali eu não ia retornar a ligação. Mais tarde houve um temporal muito forte e o sistema caiu. Só bem mais tarde eu falei com a Verônica.
-- Por que não ligou para mim?
-- Quer a verdade?
-- Sim...
-- Eu queria falar pessoalmente, já  estava pronto para voltar. Mais dois dias...
Ele passou o braço por seus ombros e a puxou para perto dele, tomou seu rosto e a beijou suavemente, carinhosamente. Ela aconchegou-se a ele e começou a chorar. Numa explosão e de emoções. Ela esperou e depois a acalmou. Ficaram assim abraçados e quietos um bom tempo.
Alana se refez e começou a contar a ele  tudo que se passou. E que realmente ela queria, mas não tinha condições de conservar a casa e todo o jardim. Ela aceitaria a proposta da empresa, mas queria que ele a ajudasse com os valores. E ela faria a projeto do Centro de Cultura.
Gustavo suspirou aliviado. Foi preciso esse afastamento para ela perceber que estava errada, que estava desperdiçando um bom negocia, que daria uma boa renda.
Passaram o fim de semana juntos. Caia uma chuvinha fria e eles nem saíram do apartamento da garagem. Ele falou do projeto que esteve trabalhando, e que agora trabalhariam junto novamente, e eles fariam o projeto total para o terreno dela.
Já era domingo a noite, quando ele disse:
-- Eu te trouxe alguns presentes, mas ainda estão na mala. Amanhã quando sairmos do escritório vamos para minha casa  e tu poderes ver. Acho até que devias ficar por lá. Que dizes?
-- Sim, posso ficar por lá. Eu vou ter que avisar as minhas inquilinas para procurarem outro lugar, aqui está sem água quente. Instalamos alguns chuveiros elétricos, porque não vou mexer em mais nada.
-- Concordo. E a Verônica?
-- Já falei com ela, eu a quero por perto. Ela quer ir para uma casa de idosos, Mas eu não quero que ela vá.
-- Está certo. Ela pode ir para um apart-hotel que eu tenho. Está desocupado, e é cinco quarteirões do prédio onde moro.
-- Amanhã vamos falar com Ivan?
-- Sim. Quanto antes melhor.
-- Qual o prazo devo dar para elas saírem daqui? Trinta dias?
-- Sim, pelo menos trinta dias, mas não estende muito.
Na manhã seguinte, na primeira hora, foram falar com Ivan, que já tinha elaborado o esboço da proposta e as diretrizes para o projeto. O resto seria com eles. Não precisavam se preocupar com o orçamento.
Gustavo e Alana gostaram da proposta. Ela ficaria com apartamentos, escritórios e receberia outra parte em dinheiro. Ela assustou-se com o valor do casarão. Era uma fortuna. Ficou nervosa, não sabia como administrar todo esse dinheiro.
Ivan a convidou para entrar de sócia na construtora. Ela aceitou e agora os três eram os donos.
Os dias corriam tranqüilos. Gustavo mais uma vez falou em casamento. Ela concordou em marcar a data. A exigência dele era que fosse ao regime de separação total de bens, porque agora ela era uma moça muito rica e ele não queria ser chamado de caçador de dotes, mas, sim de marido apaixonado. Eles riram.
Trabalharam com afinco na elaboração do projeto do casarão. Ela dedicou-se mais o Centro de Cultura. Quando apresentaram a maquete foi um sucesso. Todos gostaram da disposição das torres, dos acessos e do aproveitamento do jardim original e, sobretudo do recanto que daria acesso ao Centro de Cultura. Foram muito elogiados.
Agora que o projeto estava pronto , agora era preciso organizar o casamento. Seria uma cerimônia simples e intima. Apenas os amigos mais chegados. A recepção seria no salão do condomínio.
A capela estava toda enfeitada de lírios brancos. Nada exagerado. Alana primava pela simplicidade. Seu vestido era um modelo de noiva tradicional. Ivan iria acompanhá-la ao altar.
Gustavo estava nervoso. Mas brincava com os amigos dizendo:
-- Estou nervoso, mas também nunca casei.
E todos riram.
Quando Alana entrou no templo ela estava deslumbrante, Gustavo sentiu todo seu ser vibrar com a visão da mulher amada. No altar, ele a recebeu com um beijo carinhoso. Eles demonstravam no olhar o grande amor que havia entre eles. Na saída  os amigos saudou o casal com uma chuva de arroz. A comemoração foi alegre e cedo o casal abandonou a festa. Foram para um hotel e no outro dia saíram em lua de mel.
O casal ficou uma semana, em viagem, e quando retornaram as obras do casarão iriam começar. Alana preparou um leilão dos objetos de arte e móveis dos anos 60 que havia na casa. Escolhera apenas algumas peças para ela. Os quadros e mais alguns objetos selecionados, ficariam  no Centro de Cultura.

Ao mesmo tempo Alana decorava o apartamento de Gustavo. Usou alguns moveis pequenos e vasos e tapetes do casarão. Depois de alguns dias o apartamento estava irreconhecível, agora tinha um toque feminino.
O tempo passou rapidamente, ambos envolvidos na execução do projeto. Faltava um nome para o Centro de Cultura. Gustavo sugeriu o nome do arquiteto que tinha construído o casarão, o que Ivan concordou. Alana disse então será o nome do meu avô. Será Policarpo Quatros.
Chegou o dia da inauguração do complexo. Fizeram uma grande recepção no casarão e foram Alana e Gustavo que descerraram a fita inaugural. O casal estava emocionado.  O casarão tinha  o espaço ideal para o Centro de Cultura, com muitas e amplas peças para o uso em diferentes setores da arte. Sala de exposição,  sala de saraus, sala de concerto, sala para palestras...
Ao saírem da festa de inauguração do casarão, Alana disse a Gustavo:
-- Ficou realmente muito bem. Não porque eu fiz o projeto, mas porque a casa tem  estrutura e ambiente para isso. Agora o casarão tem um bom uso.
-- Sim, tens razão, querida.
-- Muito obrigada!
-- Ué, por que?
-- Porque foste tu que me abriu os olhos, aliás precisou dar uma boa pancada para eu poder enxergar.
Ambos riram, e foram para o seu lar.
Chegaram e ele foi buscar uma água para beberem, ela tirou os sapatos, seu pés estavam doendo, tinha ficado muito tempo em pé.  Gustavo perguntou a Alana se ela queria mudar-se para o apartamento de uma das torres, Ela disse que não. Vamos ficar aqui. Esse apartamento me deu bons momentos. Abraçaram-se e ficaram  olhando através da janela as torres que dali se avistava.
Alana e Gustavo eram o reflexo do amor profundo e verdadeiro que os ligava e que  levava a felicidade.
                                                                           Maria Ronety Canibal
                                                                                      Maio de 2017




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quinta-feira, 4 de maio de 2017

UM AMOR MAIOR



                                                                                 UM AMOR MAIOR

Rodrigo gostava muito do lugar onde morava com sua família. Os campos eram verdes, tinha uma ondulação suave. O rio costeava a estrada e um de seus braços entrava pelas terras de seu pai, e era margeado por lindas árvores que faziam um sombreado muito agradável, e aos domingos depois da missa as famílias vizinhas ali se reuniam para um pic-nic.
Enquanto as crianças brincavam com a bola, as mães estendiam toalhas arrumavam os alimentos trazidos em suas cestas. Os homens conversavam e jogavam bocha. Permaneciam ali até meio da tarde, quando as famílias voltavam para suas casas.
De sua casa Rodrigo enxergava a casa de Amália, uma garota que nunca entrava nas brincadeiras, estava sempre com sua boneca de pano, olhando os meninos jogar. Ela era a mais nova das irmãs.
Amália era uma menina tímida, porém alegre. Gostava muito de ver sua mãe transformar os panos que vinham do armazém em roupas, almofadas e até bonecas. Ela também queria costurar. Sua mãe já estava a ensinado. Ela com 8 anos já tinha tarefas em casa. Ao final da tarde, após terminar suas ocupações, ela sempre ia até a cerca que dividia as terras para ver os meninos trabalharem com as ovelhas.
Rodrigo com 12 anos, ajudava seu pai a recolher as ovelhas para o brete próximo  a casa. Amália ficava olhando até ele se afastar com o rebanho, e Rodrigo sempre se lembrava de abanar para ela, que respondia ao abano com alegria.
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Era um dia de festa. Amanda, irmã de Amália, ia casar. Sua mãe tinha feito um vestido de noiva muito lindo. Amália tinha costurado seu próprio vestido. Olhava-se no espelho e sua mãe lhe disse que ela estava muito bonita, que aquele tom de verde combinava com seus olhos. E que o vestido estava muito bem feito. Ela sorriu e agradeceu.
Foram para a igrejinha do povoado que estava enfeita com flores do campo. Todos os vizinhos estavam presentes. Depois da linda cerimônia, todos foram para o pequeno salão comunitário, ao lado da igreja e lá  foram servidos vários quitutes, e a música começou a tocar e as danças tiveram inicio com o casal de noivos. Logo todos dançavam.
Amália estava sentada em um banco apreciando as danças. Rodrigo foi sentar junto dela. Não eram mais crianças, ela estava com 17 anos e ele completara 21 anos.
Ele tinha muitos planos para sua vida, mas todos incluíam Amália. Desde criança se gostavam, e agora ele queria casar com ela, e sugeriu que fossem falar com seu José, pai de Amália, para pedir sua permissão.
Então Rodrigo pegou Amália pela mão e foram até ele. Seu José ficou muito contente com o anúncio. Até parou o baile para noticiar o noivado de sua filha mais nova. Todos aplaudiram.  Dona Luiza, mãe de Amália veio logo abraçá-los , assim como  os pais de Rodrigo, seu Plínio e dona Cristina.
Dançaram um pouco e depois se sentaram de mãos dadas, para conversar sobre o futuro deles. Rodrigo contou para Amália a vontade que tinha de ter sua própria terra. Ali não havia mais possibilidades, as terras de seus pais não eram muitas. Não sustentariam mais uma família. Eles teriam que ir para outro lugar. Ele tinha algum dinheiro guardado, e soube por um amigo que mais ao sudoeste tinham terras boas, altas e aráveis, por preço razoável. Iria comprovar a informação indo até lá. Se fosse verdadeira iria comprar.
Amália concordou. Ele tinha razão. Seu pai sempre dizia o lucro era pouco. Muitas vezes precisa recorrer ao banco. E isso dificultava ainda mais. Teria que se afastar de sua querida família, mas ela queria ter sua vida junto de Rodrigo. Seu amor desde criança.
Rodrigo foi, e depois de alguns dias voltou muito satisfeito com o que viu e até disse que comprou um pedaço de terra com uma pequena casa e um galpão para ferramentas. Em dois meses seriam desocupadas e eles poderiam mudar-se.
Em dois meses casariam.
Rodrigo e Amália casaram-se no dia 19 de abril de 1896. Seus pais preparam um almoço para comemorar e no fim da tarde o jovem casal partiu rumo ao seu futuro. Tomaram o trem da noite.
Foi uma viagem longa e cansativa.  O trem fez várias paradas, demorava muito em cada lugar. Rodrigo estava preocupado com o horário, chegariam a noite e só no outro dia poderiam chegar a suas terras. Teriam que ficar na pensão. E isso não o agradou.
Amália ia quieta observando a paisagem que ia aos poucos se modificando. Agora as terras eram mais planas, se enxergava longe. Como seria o novo lugar? Seria bonito com onde cresceu? Não queria incomodar Rodrigo com perguntas. Quando chegasse ao destino, ficaria sabendo como era.
Por fim chegaram ! Mimosa era uma pequena cidade, onde pernoitariam. Conseguiram um quarto na pensão da cidade, um quarto pequeno e asseado. Os lençóis cheiravam a limpeza. Havia bacia e um jarro cheio de água para o banho.
Amália estava muito cansada, queria banhar-se e dormir. Estavam casados, mas ainda não tinham consumado a sua união, então Rodrigo deslocou o biombo para que Amália tivesse privacidade para fazer sua higiene.
Enquanto ela tomava seu banho Rodrigo desceu e foi perguntar a Dona Eulália se tinha alguma coisa para eles comerem, já que a hora de janta havia passado. Ela muito solicita disse que arranjaria um lanche para eles e levaria até o quarto. Rodrigo agradeceu e foi para seu quarto.
Amália  já estava limpa e vestida com um roupão cor de rosa. Estava com os cabelos soltos e molhados. Estava linda. Ele disse que ia banhar-se também e que logo viria algo para comerem.
Dona Eulália levou uma bandeja com pedaços de pão, carne fria cortada em fatias finas, parte de um bolo e um bule de chá. Ficaram muito agradecidos com a atenção da proprietária.
Enquanto faziam o lanche conversaram sobre a viagem e planejaram o dia seguinte. Teriam que alugar uma carroça para poderem levar seus pertences, comprar os alimentos necessários para os primeiros dias, além de sabão, vassoura, escova. Depois que estivessem instalados viriam a cidade para uma compra maior.
Amália perguntou qual a distância da cidade, e ele disse que não era muito perto, cerca de 15 km. Ela achou muito distante. Onde foram criados iam a pé ao povoado. Que tempo levariam para fazer esse trajeto? ...
Estavam muito cansados.  Amália caiu de sono. Só restou a Rodrigo ajeitá-la na cama, e deitar-se a seu lado. Deu-lhe um beijo de boa noite e dormiu pesadamente.
Rodrigo acordou cedo. Amália ainda dormia, e ele ficou acariciando seu rosto. Estava tomado de desejo. Não queria ser rude com ela. Não tinha certeza se ela sabia o que deveria acontecer entre eles. Ela sempre foi muito ingênua, e se D. Luiza não tivesse falado com ela, ele teria que ir muito devagar para não assustá-la, já que entre eles não tinha havido nenhum tipo de intimidade. Apenas beijinhos.
Amália acordou e sorriu para ele, e ele animou-se a fazer algumas caricias nela. Ela aceitou. Então com todo o cuidado eles consumaram o casamento. Amália estava radiante, amava seu marido, e sempre sentia dentro dela algo que não sabia identificar, quando estava junto dele. E agora ela sabia o que era, ela tinha um ardor por Rodrigo.
Rodrigo saiu cedo para providenciar tudo o que necessitavam. Ela ficou na pensão esperando por ele. Dona Eulália foi conversar com ela. Falou sobre a cidade, seus moradores, os perigos do interior, enfim mostrou a realidade da região.
Já era  meio da manhã quando Rodrigo veio buscá-la. Amália estava com uma cesta de comida para viagem, que D. Eulália tinha lhes preparado. Não iriam sozinhos, o dono da carroça, seu Bento, ia levá-los até suas terras.
Mais uma vez Amália,  em silêncio, ia observando tudo. Percebeu que as áreas de campo eram maiores, porque as casas eram distantes umas das outras. Não cruzaram com ninguém pelo caminho e a estrada não era boa. Tudo muito diferente de onde veio.
Ao meio da tarde chegaram.
Rodrigo ajudou Amália a descer, e foi  logo abrir a casa, ainda tinha claridade do dia. Era apenas um cômodo, amplo. Tinha um fogão com uma panela e uma chaleira em cima,, uma mesa, dois bancos, uma prateleira, e uma cadeira de balanço. Também uma cama larga, uma mesinha ao lado, um toucador e um armário. Tudo em boas condições. Acendeu um lampião e o fogão e ela pegou uma vassoura que estava encostada na parede e começou a varrer tudo. Descarregaram a carroça e ela foi a busca de roupa de cama e toalhas. Tirou apenas as roupas que iriam precisar. No outro dia queria arejar bem o armário e a casa. Então depois arrumaria a roupa e os utensílios que haviam comprado.
Estava muito tarde para retornar a cidade, então seu Bento ia acomodar-se no galpão das ferramentas. Tinha um poncho, não carecia de mais nada. Mas aceitou o café e os pasteis que ainda tinha. E a noite caiu e todos dormiram. Estavam cansados.
No outro dia cedo pularam a cama e estava um lindo dia. Amália tirou o colchão e trouxe para o sol, também os travesseiros e cobertas. E iniciou uma faxina para valer. No fim do dia estava tudo limpo e arrumado. Cheirava a limpeza e todos os utensílios estavam reluzentes.
Ao fim da tarde Amália e Rodrigo foram caminhar pela propriedade. Pararam em uma cerca para admirar as cores do poente. Rodrigo a abraçou pela cintura e perguntou:
-- Tu gostaste do lugar?
-- Sim, gostei. Não tem o encantamento do lugar de onde viemos. Mas esse chão é nosso, aqui está o nosso futuro. Vamos aprender a amar esse rincão.
Rodrigo a puxou e deu um beijo em sua testa.  Estava feliz com sua esposa e com esperanças no futuro. Estava anoitecendo e se recolheram.
Na manhã seguinte acordaram cedo. Tinham muita coisa ainda para ajeitar. Seu Turíbio, o vizinho, viria trazer o rebanho de ovelha e algumas vacas, que tinham ficado aos cuidados dele. Antes de sair os convidou para no domingo almoçarem em sua casa, sua veia, a Hermínia queria conhecer os novos vizinhos.
Amália tinha deixado a casa deles muito acolhedora. Com os panos que trouxera fez cortinas para as janelas, e com algumas madeiras montou um biombo para terem privacidade na hora do banho.
Rodrigo admirava cada vez mais sua mulher, que estava perdendo a timidez   e a cada noite retribuía com audácia os carinhos entre eles. Ele percebeu que ela era muito fogosa e que ela tinha consciência disso, e que não se envergonhava de demonstrar sua paixão. Ele estava muito satisfeito com essa nova Amália que desabrochou.
Domingo foram a pé até a casa de seu Turíbio e dona Hermínia. Outros vizinhos tinham sidos convidados. Era uma verdadeira festa de acolhida para eles. Foi servido um assado de cordeiro, acompanhado de pão. Mais tarde ofereceram muitos doces: de abobora, figo, de mamão ralado, goiabada e rapadura de leite. A conversa foi animada entre as mulheres e as crianças brincavam alegres por estarem juntas. Ao fim da tarde tomaram o caminho de volta, estavam cansados, mas muito felizes com a vizinhança.
Quando chegaram em casa já estava quase noite, tinha sido um dia quente e Amália pediu para ficarem um pouco ali fora. Rodrigo acendeu um lampião e sentaram no banco. Olhavam o céu. Amália viu o Cruzeiro do Sul, então contou para o marido o que dona Eulália  tinha falado sobre o nome da cidade. Mimosa era o nome de uma das estrelas que formavam o Cruzeiro do Sul. Era aquela que formava a transversa da cruz, a esquerda de quem olha.
Os dias transcorriam tranqüilos, Rodrigo cuidando do rebanho, plantando árvores frutíferas e cultivando legumes e verduras na horta. Com o leite que sobrava, Amália fazia queijo, doce de leite e havia fartura em sua mesa.
Um dia no café da manhã, Amália deu a noticia para seu marido que esta grávida. Foi uma alegria. Escreveram para suas famílias contando a novidade. Não demorou muitos dias e chegou um pacote enviado por dona Luiza com algumas roupinhas de nenê, que tinham sido usadas por Amália e dona Cristina inclui algumas de Rodrigo. Vierem também novelos de lã e agulhas de tricot.
Amália agora não fazia mais as tarefas mais pesadas, Rodrigo não deixava. Ele fazia. Então ela ocupava esse tempo tecendo roupinhas para o bebê. Seu pensamento corria enquanto as mãos teciam. Lembrava de sua infância, dos pic nic aos domingos depois da missa, sobretudo de dona Cecília que  ensinava o catecismo. Leitura e contas tinham aprendido com Dona Josefa que ensinava toda a criançada do povoado. Lembrava das brincadeiras no intervalo das aulas, e de como ela já gostava do Rodrigo. E de como ele sempre a protegia.
Estava feliz ali onde moravam, mas sentia falta de ir à igrejinha. Ela sempre fora religiosa, rezava sempre, todos os dias ao levantar e ao deitar agradecia ao Senhor. Rodrigo não, ele era mais cético. Ela carregava a bíblia que tinha ganhado aos 8 anos, quando fez a Primeira Comunhão.
Rodrigo mandou chamar dona Marieta, que era a parteira da região, para ver se estava tudo certo com Amália, para calcularem para quando seria. Ele estava preocupado. Tinha pedido para sua sogra ou sua mãe vir, queria uma delas perto, quando chegasse a hora.
Mas sua mãe disse que não podia vir, porque seus irmãos, os gêmeos que ainda eram pequenos precisavam dela. Dona Luiza também não poderia vir porque seu José sofrera uma queda e seu tornozelo estava machucado, e ele precisava de auxilio a todo o momento.  E ela não podia contar com Amanda que tinha duas crianças para cuidar.
Bem, eram apenas os dois. Teriam que dar conta. Rodrigo foi à cidade para fazer uma compra boa, para se prevenir, queria estar perto de Amália quando chegasse a hora. Conseguiu um menino de recados, que ficaria com eles, enquanto fosse necessário.
No outro dia amanheceu chovendo. E continuou por vários dias. Amália estava muito barriguda, já cansada e com dores nas costas. Rodrigo mandou avisar dona Marieta, mas ela estava distante ocupada com o nascimento de uma criança. Estava sendo um parto demorado e ela teria que ficar.
As estradas estavam alagadas, a sanga que cortava a propriedade estava crescida. Estavam ilhados. Rodrigo estava uma pilha de nervos. Não queria agitar Amália, mas transparecia sua angustia em seu semblante.
Amália acordou sentindo muitas dores. Não disse nada a Rodrigo. Mas rezou e pediu a Deus e a Nossa Senhora do Bom Parto a sua proteção. Estava confiante. Só quando as dores estavam mais freqüentes foi que ela chamou o marido e deu as instruções a ele. Ele estava fazendo tudo o que ela mandava. E as dores ficaram mais fortes, ela gritava de dor e ele se apavorava. Estava só e com muito medo de perder Amália e também a criança.
Num momento de desespero recorreu a Deus. Pediu perdão por sua arrogância e implorou ajuda, que ele não levasse Amália, o amor de sua vida. Após sua oração se acalmou. E pode ajudar a sua filha nascer. Ela era linda. Abraçou aquele pedacinho de gente e agradeceu a Deus por sua ajuda.
Amália estava exausta. Ficara mais de dez horas em trabalho de parto. Dormiu. E quando acordou, ela viu que Rodrigo estava sentado ao lado da cama com um embrulho no colo. Ele deu banho e vestiu a pequena e agora ninava. Pensou que o nome dela deveria ser Vitória, por causa da dificuldade que teve para chegar a esse mundo. Amália se emocionou com a cena que viu. Rodrigo colocou Vitória em seus braços, ela precisava mamar. Amália tinha dormido muito.
Serviu para esposa uma canja de galinha bem encorpada, ela precisava se restabelecer. Ainda  chovia, e Rodrigo não tinha muito que fazer, então ficava ao lado delas, agradecido por elas existirem.
Só depois de alguns dias que as mulheres da vizinhança puderam  visitar Amália e sua filhinha Vitória. Cada uma dando um conselho diferente, cada uma contando como tinha sido seu parto, as dificuldades e as alegrias. Quando elas foram embora, Amália estava atordoada.
O padre Julio passava duas vezes ao ano por ali, para atender confissões, rezar missa, casar e batizar. E depois de dois meses Maria Vitória foi batizada.
Os dias foram passando, eles estavam prosperando, Vitória crescia cheia de saúde e vigor. Haviam aumentado a casa, adicionaram três peças. Um quarto para eles e outro para Vitória e um quartinho de banho, com uma banheira. Era um luxo, mas Amália achava indispensável.
O amor que os unia era muito forte. A paixão entre o casal não havia diminuído e amavam-se cada vez mais. E Amália engravidou outra vez. Vibraram com a noticia. Mas Rodrigo lá no fundo do seu ser, tinha medo. Lembrava como tinha sido difícil. E desta vez pediu a Deus que os ajudasse outra vez.
Mas as circunstâncias eram outras e o nascimento de Tadeu transcorreu     dentro da normalidade. Mais uma vez foi ele quem fez o parto. Ele pensou que estava ficando bom nisso. A cena se repetiu. A vizinhança voltou vir e a contar casos, mas desta vez Amália estava bem disposta. Riu bastante com as histórias narradas.
Três semanas depois João Tadeu foi batizado.
Eles estavam ali a seis anos, com dois filhos e ninguém da família tinha manifestado o desejo de conhecer o lugar e tampouco conhecer as crianças. Sentiam saudades. Mas Amália e Rodrigo não iam pedir que viessem vê-los. Dessa forma a correspondência com a família foi esfriando. Agora trocavam cartões de fim de ano.
Embora Amália gostasse dos carinhos do marido, ela não queria mais filhos, Um dia conversando com Hermínia deixou escapar essa sua tristeza, de ter que recusar o assédio do marido. Então Hermínia a ensinou a fazer as contas para identificar o período que teria que ficar “longe” dele. Amália ficou feliz, e quando chegou a casa foi logo explicando para o marido como tinham que proceder.
Reinava a paz e a felicidade naquela família.
O verão chegou com muito calor e pouca chuva. Os pastos foram secando, a comida do rebanho estava escassa e os animais emagrecendo. O milho que havia plantado estava perdido. Rodrigo estava muito preocupado. Tinha comprado mais um pedaço de campo e contava com o valor dos animais para o pagamento. Alguns já haviam morrido. No seu Turíbio o fundo do campo tinha pegado fogo. A sanga estava um fio de água. Se continuasse sem chover as perdas seriam grandes, em toda a região. A vizinhança se reuniu para cavar um poço, porque vários tinham secado. A situação era desesperadora.

Rodrigo conversou com Amália e sugeriu que ela fosse com as crianças,  para casa se seus pais, até que a seca terminasse. Era muito triste ver os animais morrer de sede e de fome. Mas ela disse que não. Enfrentariam juntos.  Ali era o lugar deles.
Amália muito religiosa reuniu toda vizinhança e começaram a fazer uma novena para São José, do qual ela era devota. Como dizia São José era chefe de família, era o protetor das famílias, não permitiria que faltasse o pão em suas mesas.
Não só as mulheres, mas também os homens e crianças, todos os dias se reuniam para oração a São José. Fizeram uma promessa, que se a chuva caísse ao fim da novena, construiriam uma capela em honra de São José. Até o padre Julio participou  da novena.
No ultimo dia da novena amanheceu um dia muito quente, com o ar pesado, prenúncio de temporal. Rezaram, fizeram uma pequena procissão com o santo até o local onde seria a capela. E ao retornarem as suas casas desabou uma chuvarada. Todos alegres agradeceram a Deus por essa dádiva.
Como haviam prometido, eles construíram uma pequena capela para São José e todos os domingos se reuniam para rezarem. E o padre quando vinha rezava a missa ali.
Para Amália, agora tudo estava perfeito. Tinha a igrejinha para ir rezar aos domingos. Ela falou com o padre e foi autorizada a ensinar o catecismo não só para crianças, mas também para qualquer adulto que quisesse.
Rodrigo conseguiu pagar sua divida. Agora teria que refazer o rebanho, porque depois do pagamento restaram poucos animais. Mas eles não tinham medo do trabalho, teriam que economizar, e superariam as dificuldades. Não ia recorrer ao banco. Ele concordava com Amália, se fossem buscar dinheiro no banco, sairia muito caro.
O ano  correu, e veio  um inverno ameno e nasceram muitos cordeirinhos e terneirinhos. A safra estava com boas perspectivas. A lavoura de milho foi plantada e o tempo estava colaborando com eles.
As crianças cresciam saudáveis, alegres e agora estavam aprendendo a ler e fazer contas. Dona Emilia era professora e viúva, não tinha filhos, e veio morar com o irmão e a cunhada. Assim agora as crianças tinham uma professora.
Maria Vitória estava completando doze anos. Uma mocinha que ajudava sua mãe nos afazeres domésticos. Nos últimos dias Amália não estava se sentindo bem, sentia muito cansaço. Não sabia o que tinha. Contava com a ajuda da filha e assim podia ficar descansando um pouco. Diversas vezes por dia deitava-se e dormia um pouco.
Ela não tinha se queixado de nada para o marido. Rodrigo entrou no meio da tarde em casa e a encontrou dormindo. Ficou alarmado. Ela era sempre muito ativa, e agora estava tão pálida e abatida. Ele iria a cidade buscar o médico.
Após um exame apurado o médico disse que ela estava muito fraca, era anemia. Não sabia a razão já que moravam em um lugar saudável, com boa alimentação. Precisava de cuidados, repouso e se alimentar bem. Ele voltaria na próxima semana, se não houvesse melhora ele teria que a remover para o hospital.
Rodrigo não se conformava, como que sua querida esposa tinha ficado tão doente? Ele sempre tinha cuidados com ela. Agora com seus filhos também. Queria ver todos bem e felizes. João Tadeu quando soube que sua mãe estava doente começou a chorar. Não queria ficar sem ela. E Maria Vitória tentou acalmá-lo, mas também chorava, e abraçados ao pai, todos choravam.
Amália estava muito  fraca não tinha nem força para falar. A sopa tinha que ser dada em pequenas colheradas. Pai e filha se revezavam nos cuidados com ela. João Tadeu não queria ver sua mãe deste jeito. Então ajudava seu pai, cuidando da horta, alimentando as galinhas.
Hermínia e Emilia vinham ajudar a pequena Vitória que se esforçava para cumprir as tarefas. Elas se propuseram a lavar e passar a roupa da família. Era muita roupa. Os lençóis e toalhas usadas por Amália eram fervidas e lavadas em separado.
Dr. Mario voltou para examinar novamente Amália, Ele tinha que encontrar a causa dessa fraqueza. O médico chamou Rodrigo e eles ficaram muito tempo conversando. Rodrigo saiu cabisbaixo, muito preocupado. Haviam descoberto a razão da anemia. Ela estava com uma hemorragia vaginal muito forte. Devia estar com alguma ferida no útero. Teria que queimar. No outro dia a levaria para o hospital.
Emilia se ofereceu para tomar conta das crianças. Ficaria com elas o tempo que fosse necessário. Turíbio iria cuidar do serviço do campo. Que Rodrigo fosse sossegado. Eles tomariam conta de tudo, e estariam rezando por ela, porque Deus era bom.
Essa afirmação ficou no pensamento de Rodrigo. Deus era bom, não levaria sua esposa. Já tinha pedido a Deus uma vez, estava pedindo outra vez. Deus era bom. Escutaria seu pedido e curaria sua mulher. Foi confiante.
No hospital Dr Mário falou com seu colega ginecologista, Dr. Assis e tornaram a examiná-la. De fato ela tinha uma hemorragia acentuada, teriam que fazer o procedimento. Levaram Amália para uma sala em separado e não deixaram Rodrigo entrar.
Ele andava de pra lá, estava nervoso, até que uma irmã de caridade chegou junto e disse:
-- Venha comigo. Vamos a capela orar por ela. Deus é bom!
-- Deus é bom.
Foi o que Rodrigo repetiu. E foi com a irmã.
Ajoelhou diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus e chorou. Não conseguia rezar. Apenas chorava. E em seu coração pediu a misericórdia da Deus. Ele não merecia, mas as crianças e ele também precisavam tanto dela, Que a curasse. Ali ficou por muito tempo, quieto com seu pensamento em Deus.
A irmã veio chamá-lo. Amália estava no quarto. Já haviam terminado o procedimento. Ele correu para o quarto. Ela estava dormindo, muito pálida e magra. Puxou uma cadeira para perto da cama, pegou a mão de sua mulher e ficou ali segurando, agora sim rezando as orações que tinha aprendido com ela.
Os médicos entraram, precisavam falar com ele. Tinham conseguido cauterizar a ferida, mas ainda levaria algum tempo para cicatrização. Que não poderiam ter relações antes do médico dar permissão. Ele assentiu e perguntou se ela agora recuperaria as forças. Sim, foi a resposta, mas levaria algum tempo. Ela ainda ficaria uns dias e depois poderia ir para casa.
Quando a enfermeira chegou para fazer a higiene dela ele saiu do quarto, e foi direto a capela agradecer a bondade de Deus. Hoje ele havia entendido, quando Amália dizia que havia um amor maior.
Passados cinco dias, voltaram para casa. Amália ainda estava muito fraca, ele a carregou nos braços e a colocou na cama, precisava descansar da viagem. As crianças queriam ver a mãe, e foram pé por pé espiar na porta do quarto. Amália estava acordada e os chamou. Pediu um beijo de cada um. Agora que fossem brincar, ela queria dormir.
Os dias correram e aos poucos tudo voltava ao normal. Amália já estava fortalecida e assumiu suas tarefas. Estavam felizes outra vez.
Havia aberto na cidade uma casa de mulheres e Turíbio e os outros homens estavam freqüentando. Chegavam a ficar dois ou três dias na cidade. Convidaram Rodrigo para ir junto. Ele recusou. Turíbio disse:
-- Tu tens que vir junto, tem cada guria bonita, as nossas mulheres estão velhas, e tua está até imprestável.
Rodrigo ficou furioso. E disse:
-- Quem é tu para falar de minha mulher. Te arranca daqui e não volta mais.
Os homens saíram sem olhar para trás.
Rodrigo ficou pensando no que eles tinham dito. E falou consigo mesmo.
--Minha mulher não está imprestável. Ela sempre será o amor da minha vida. Só com ela eu quero estar.
A rotina seguia. A noticia da briga dos vizinhos correu longe. Mas ninguém sabia qual teria sido a causa.
Aos poucos Rodrigo foi distanciando sua família dos demais. Aquele comportamento não era bom exemplo para seu filho. E Vitória estava uma mocinha, ia fazer treze anos e não queria que ela gostasse de nenhum daqueles meninos, que com certeza um dia seguiriam os mesmos passos dos pais. Largando a família dias a fio para ficarem de farra.
Estava pensando em mandar sua filha para o colégio das irmãs. Havia um internato. Tinha condições de pagar. Estavam muito bem financeiramente. Talvez se comprasse uma casa na cidade. Mas ele teria que ficar longe de sua mulher. Não!
Então conversou com Amália a respeito. Ela concordou. Queria sua filha bem educada. Na escola ela aprenderia música, ela gostava de cantar. E lá ela conheceria outras meninas. Ela também não queria mais a amizade dos vizinhos.
Ele ficou surpreso com a reação dela. Não esperava. Mas Amália justificou sua posição dizendo que havia escutado a conversa deles, no dia em Rodrigo correu os vizinhos. E que ela tinha ficado muito orgulhosa dele. E que ele podia sim chegar perto dela, ela tinha perguntado ao médico e ela não estava “imprestável”.
Rodrigo abraçou Amália e disse:
-- Essa é uma das razões de eu te amar cada vez mais.
Ela rindo respondeu>
-- Eu sei. Também te amo cada dia um pouco mais porque me defendes sempre.
E saíram para pátio, abraçados como se fossem namorados.
Rodrigo era muito cuidadoso em tudo o que fazia. Seu rebanho de ovinos era muito bom. Tinha um carneiro que reproduzia muito bem. Havia acontecido uma feira na cidade e ele levou seu carneiro, que foi premiado como o melhor da exposição. Sua criação estava ficando afamada, e as vendas muito boas.
O vizinho que fazia divisa com ele no lado sul, estava muito velho e queria vender sua terra para evitar que os filhos brigassem entre si após sua morte. Foi procurar Rodrigo e ofereceu a ele sua propriedade, que era muito boa, tinha uma casa grande e boa, que precisava de alguns reparos. Boas aguadas e terras aráveis,
Rodrigo se agradou da proposta e efetivou o negócio. Agora estava com uma boa extensão de campo. A casa seria reformada e se mudariam para lá, e a casa deles ficaria para os empregados, que teria que contratar. Amália não faria mais todo o serviço.
Quando chegou o inicio das aulas, Maria Vitória foi cheia de entusiasmo, gostava de aprender coisas novas, e teria amigas. João Tadeu também queria estudar, então foi para o seminário a pouca distância dali.
Agora estavam os dois apenas em casa. Amália dava instruções aos pedreiros e marceneiros de como queria que ficasse sua casa. Estava empolgada, eram cinco quartos, um quarto de banho, cozinha, copa, despensa, sala de visitas e sala de jantar. Os filhos teriam cada um o seu quarto, fariam um para hóspedes e o que sobrava seria uma saleta para ela e o marido.
A nova entrada da fazenda  dava direto na estrada, e diminuía a distancia da cidade em três km. Assim o percurso era de doze km em uma estrada boa
Mudaram para casa antes da Páscoa. Foi uma alegria estar com os filhos no feriado. Vitória gostou de seu quarto, com cortinas brancas, colcha xadrez nas cores rosa e branco, e almofadas cor de rosa. Abraçou a mãe e agradeceu, o quarto ficou lindo. Tadeu também gostou de seu quarto que tinha cortinas brancas e a colcha era numa tonalidade de verde folha. Deu um beijo em sua mãe em agradecimento.
A casa tinha ficado muito bonita. Estava pintada de branca, com as janelas e portas em verde escuro. Na frente tinha um alpendre grande, onde foram colocadas quatro cadeiras de madeira grandes e confortáveis pintadas de branco com almofadas floral.. Uma mesa e algumas folhagens. Tinham recuperado o jardim e as roseiras estavam floridas  com rosas vermelhas, rosas e brancas.
Rodrigo estava realizado, sua família era linda. Sua filha estava a cada dia, mais parecida com a mãe, era gentil, inteligente e alegre. João Tadeu era mais o tipo dele, e educado, estudioso e trabalhador. E sua mulher, bem, essa era a razão de sua vida.
Estavam comemorando vinte anos de casados. Amália fez um almoço especial. Convidaram o padre Alberto para vir almoçar com eles e abençoar sua família e sua casa nova.
No fim da tarde Rodrigo e Amália gostavam de andar em direção ao por do sol. Admiravam as cores que o céu assumia. Do vermelho ao amarelo. Era lindo!
Eles eram afortunados.  Seus filhos adultos, se preparando para tomarem a sua própria direção. Vitória tinha se formado professora e estava noiva de Carlos que era filho do Dr. Assis, e como o pai também era médico.
João Tadeu queria ser padre. Estava com receio de dar a noticia aos pais, tinha medo da reação de seu pai. Tomou coragem e nos férias de verão contou para a família qual era o seu desejo. Sua mãe logo aprovou. Mas seu pai ficou pensativo e não disse nada.
Rodrigo foi sentar no alpendre depois do almoço para pensar no que o filho lhe dissera. Depois de muito tempo, ele levantou-se e foi dizer ao filho que entendia sua opção, havia sim um amor maior, e Tadeu queria viver esse amor maior.
Rodrigo e Amália agora estavam definitivamente sós. A filha casada vinha todos os fins de semana passar com eles e Tadeu sempre que podia.
Estavam felizes, tinham realizado o sonho se suas vidas, e agora que estavam ficando velhos iriam colher os frutos que plantaram.
                                  Maria Ronety Canibal
                                          Maio de 2017

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