domingo, 17 de setembro de 2017

OBSTINADO

                                                              OBSTINADO

Laerte e Osmar eram muito amigos, haviam se conhecido na faculdade. A família de Laerte morava no interior e por isso aos domingos ele sempre  era convidado para o almoço.
Mas esse domingo era um dia especial. Osmar estava comemorando vinte e um anos e sua família resolveu fazer um churrasco comemorativo. Além da família, alguns amigos e amigas também fariam parte do grupo, inclusive a os pais de Suzana.
Suzana e Olivia, que era irmã de Osmar, eram muito amigas desde crianças. Cresceram juntas e hoje com dezessete  anos elas trocavam confidências, mas não contavam todos os seus segredos.
A festa seria no jardim, havia sido montado um gazebo enorme, com muitas mesas cobertas com toalhas azuis e guardanapos brancos, que  estavam decoradas com pequenos vasos de violetas brancas.
Já havia um grande numero de convidados quando Suzana chegou  festa, acompanhada de seus pais. Ela havia escolhido para a ocasião um vestido leve de verão, na cor branca, usava acessórios  na cor verde esmeralda.
Laerte estava conversando com alguns amigos e quando ele a viu chegar, parou de falar e seu olhar pousou nos olhos de Suzana que também o olhava de um modo especial.
Suzana quando olhou para ele sentiu seu coração disparar, parecia que ia saltar pela boca. E Suzana ficou parada, como que presa ao chão. Foi sua mãe quem a puxou e a levou para sentar a mesa.
Ela não o conhecia pessoalmente, apenas de nome, pois Olivia sempre falava muito nele. Aquele era o  amigo de seu irmão que aos domingos almoçava em sua casa. Devia ser ele.
Laerte se afastou do grupo e ficou parado olhando para ela como se tivesse hipnotizado e com seu coração aos pulos. Foi Oliva que o despertou.
-= Ei, o que houve contigo? Estás com uma cara...
-- Nada. Estava distraído...
-- Hum... Distraído...
Estas olhando para Suzana como se tivesse visto uma miragem, foi o que pensou Olivia.
-- Vem, estamos planejando sentarmos todos juntos, estão juntando as mesas ali, vem...
E Laerte foi com Olivia para junto da turma. E escolheu um lugar do qual poderia continuar a olhar para a recém chegada,  Suzana, era esse o nome que Olivia dissera, quando ela chegou. Essa é a guria que Osmar tanto falava, realmente ele tem razão, ela é linda de mais.
Então Osmar que era apaixonado por Suzana foi convidá-la para sentar junto com o grupo, mas ela desculpou-se e ficou junto dos pais. Ela tinha discutido com Olivia e ainda estava muito zangada com a amiga.
Os pais de Suzana gostavam muito de Osmar e faziam gosto no namoro deles. Mas ela via Osmar apenas como um bom amigo, embora ele já tivesse falado em namoro mais de uma vez. Ele não se convencia de que ela não era apaixonada por ele.
Durante a festa Suzana ficou sentada quieta só observando e Laerte procedeu da mesma forma. Ele estava com vontade de ir lá falar com ela, mas achou que não era uma boa idéia, pois ela não saiu de perto dos pais.
Olivia havia comentado na mesa, que ela e Suzana tinham brigado por causa de uma foto que Olivia tinha postado no Face, que Suzana não gostava que postasse sobre sua pessoa. Que Suzana estava ficando, a cada dia, mais chata, sempre cheia de não-me-toques.
Laerte resolveu ir embora, já tinha feito a sua obrigação e ele tinha que estudar para as provas.
Suzana avisou para os pais que ia embora, estava com dor de cabeça. Que eles não se preocupassem, ela iria a pé, era perto. E ela iria sair à francesa, sem se despedir de ninguém. Deu um beijo em sua mãe de foi embora.
Ela estava chegando ao portão quando viu que Laerte se aproximava. Ele olhou para ela e disse:
-- Também indo embora?
-- Sim – foi o que ela respondeu olhando para ele, que se adiantou e abriu o portão para ela. E já na calçada ele falou:
-- Sou Laerte, prazer em te conhecer.
-- Prazer, Suzana.
-- Para onde vais, posso te acompanhar?
-- Eu vou para casa, é perto. Mas se vais para o mesmo lado, podemos ir juntos sim.
E Laerte a levou até sua casa. Perguntou se poderia ligar para ela, Suzana concordou e deu o seu numero para ele. Despediram-se e Suzana entrou e foi para seu quarto. Tirou o vestido e deitou-se na cama, realmente estava com dor de cabeça. Quando seus pais chegaram a encontraram dormindo.
Era inicio da noite quando Laerte a chamou, e conversaram um bom tempo.
No outro dia, na aula, Olivia estava contando para as outras colegas sobre a festa de aniversário de seu irmão, e falou que Laerte tinha sentado junto com ela no almoço e que ele estava muito interessado nela. Que ela estava feliz, enfim tinha conquistado o coração dele.
Suzana estava sentada em sua classe e escutou toda a conversa de Olivia, só que o que ela estava contando não conferia com o que ela tinha assistido. Pois Laerte tinha passado o tempo todo quieto e olhando para ela.
Depois de alguns dias, Suzana e Laerte, que se falavam todos os dias, já eram bem amigos. E ele perguntou se ela aceitava ir ao cinema com ela. Combinaram de se encontrar no shopping.
E Suzana foi só. Não contou para ninguém que tinha um encontro marcado. Quando ela chegou, ele a estava esperando já com as entradas na mão. Compraram pipoca e se acomodaram para ver o filme, que era uma história triste.
Suzana se emocionou com o drama mostrado no filme e chorou. Laerte que estava a observado secou as lágrimas no rosto dela. Pegou sua mão, beijou e manteve a mão de Suzana entre as suas.
Quando o filme terminou ele a convidou para  irem para a praça de alimentação, comer um sorvete. Ela aceitou e encontraram uma mesa, Laerte buscou o sorvete e  enquanto comiam ele a olhava com intensidade. Por fim ele falou:
-- Naquele domingo quando te vi, não consegui desgrudar os olhos de ti. Tu és tão bonita, tão suave, tão... Nem consigo palavras para me expressar. Guria tu mexeste muito comigo.
-- Tu também mexeste comigo. – falou Suzana olhando para ele.
Ele pegou em sua mão, beijou e olhando para ela pediu:
-- Queres ser minha namorada?
-- Sim, eu quero.

Os dias passavam e Suzana e Laerte estavam muito apaixonados. Os dois passavam a maior parte do tempo deles juntos. Ela havia se afastado se seus amigos e ela de suas amigas. Os dois se bastavam.
Os pais de Suzana eram simpáticos com Laerte, mas na verdade, eles não queriam que aquele namoro continuasse. Embora eles soubessem que Laerte era um bom rapaz, eles achavam que ele não se enquadrava no circulo social de Suzana, que era uma moça rica, bonita e educada e poderia encontrar um marido rico.
Os irmãos Osmar e Olivia estavam indignados com o namoro entre Laerte e Suzana, e de todos os meios procuravam criar intriga. Sabiam que Suzana era “pavio curto”, que logo explodia e isso era o plano deles para separar os dois.
Enquanto Olivia enchia os ouvidos de Suzana, Osmar fazia o mesmo com Laerte. E como era o esperado os namorados brigaram.
Suzana deitada em sua cama chorava, e nem sabia por que eles tinham brigado. Ela só se lembrava das palavras de Laerte “eu te amo muito, e só te peço que acredites em mim”.
Laerte também estava abalado, seu coração estava partido e não entendia a razão da briga. Suzana parecia estar duvidando de tudo a respeito dele, que ele não gostava dela, só estava com ela para subir na vida. Sim foi esta a expressão usada por ela.
Ele estava se sentindo magoado. Sempre fora sincero, direto e Suzana não acreditava no que ele dizia. Ele gostava muito dela, mas ela era teimosa, era mimada, era um gênio difícil.

Laerte estava deitado em sua cama pensando em Suzana, ele a procuraria no outro dia para conversarem. Eles não podiam deixar que uma intriga os separasse. Se amavam muito  e com certeza superariam essa situação.
Mas o telefone tocou. Era o pai de Laerte avisando que sua mãe tinha tido uma isquêmica  e estava muito mal. Ele passou uma mensagem para Suzana avisando que estaria fora uns dias. Arrumou sua valise e correu para a rodoviária e embarcou no primeiro ônibus para sua terra Santa Bárbara do Sul.
Durante a viagem Laerte ia pensando em sua família, em sua gente. Eram pessoas simples e trabalhadoras.  Sua família tinha um pedaço de terra e plantavam trigo. Moravam na pequena cidade e sua mãe e sua irmã cuidavam do mercado da família. Seu irmão mais velho morava no campo e cuidava da plantação. Ele era o mais novo dos irmãos, e teve o privilégio de poder ir para a capital estudar e fazer faculdade, ele era o orgulho de todos. Logo ele seria um Engenheiro Civil, e contribuiria para o progresso de sua cidade. Pois assim que se formasse ele iria voltar para sua terra.
E Laerte se deu conta de como sua família era diferente da família de Suzana, e como ela fora criada com luxo e  como ela era mimada e cheia de manias. Embora ela fosse a dona de seu coração ele não podia deixar de enxergar a realidade. Havia um abismo entre eles. Talvez essa briga fosse um alerta da diferença que existia entre eles.
Depois de uma semana Laerte voltou a Porto Alegre para prestar as provas  na faculdade. Era fim de semestre, ele conversou com os professores e conseguiu dispensa por causa das faltas. Pois devia ajudar em casa. Com a doença, a mãe precisava de cuidados, e sua irmã cuidaria dela, mas não tinha ninguém para ficar no armazém. Então ele se ofereceu para ficar no mercado, enquanto as coisas não se normalizassem.
Passou na casa de Suzana para falar com ela, mas não conseguiu. A empregada disse que ela tinha ninguém em casa. Então ele deixou as flores para serem entregues a ela, e foi embora.
Laerte já estava em viagem quando recebeu telefonema de Suzana agradecendo pelas flores e pedindo para que ele fosse a sua casa para conversarem. Então ele contou o que tinha acontecido e que ele estava indo para Santa Barbara do Sul e não sabia quando retornaria a Porto Alegre.

Suzana adoeceu, tinha uma tristeza em seu peito que machucava muito, ela não tinha mais vontade de estudar, de sair, de  se arrumar, de comer e não dormia só pensando em Laerte.
Os pais de Suzana, Luis e Vera, ficaram assustados com a reação dela. Eles sempre pensaram que aquele namoro era algo passageiro, inclusive quando eles brigaram acharam  muito bom, mas agora estavam percebendo o sofrimento da filha.
Dona Vera resolveu conversar com ela, para saber um pouco mais sobre o namoro e a razão da briga. E se surpreendeu com a armação que prepararam para os dois.
Então d. Vera disse que a levaria até a cidade dele para os dois conversarem. Pois Suzana havia acreditado em fofocas sem fundamento, e tudo isso por causa do seu jeito de primeiro brigar, para depois ver os fatos e analisar a situação.
Seu Luis concordou com a idéia de sua esposa, mas afirmou que não iria. Era melhor elas irem só. E no sábado bem cedinho, elas saíram em direção a Santa Barbara do Sul.
Depois de quatro horas de viagem elas avistaram a pequena cidade de Santa Barbara do Sul, que era bem acolhedora. Pararam para pedir informações e logo acharam o local, e estacionaram em frente ao Armazém.
Suzana entrou no mercado e logo viu Laerte sentado em uma mesa, numa sala envidraçada,  fazendo anotações. Ela foi em direção a porta, mas parou. Achou melhor perguntar a moça do caixa se poderia falar com Laerte.
Então conforme indicação da jovem ela deu uma batidinha na porta e entrou, e parou diante da mesa, e esperou. Ele não levantou a cabeça e disse:
-- Sim, qual o problema?
Mas ela não disse nada, apenas colocou um sorriso nos lábios. Então ele levantou os olhos e a viu. Levantou-se tão rápido que derrubou a cadeira. Levantou a cadeira e contornou a mesa para chegar até ela, a abraçou e sussurrou ao seu ouvido:
-- Tu aqui? O que houve?
-- Não houve nada, vim te ver... Precisamos conversar.
-- Sim, mas não aqui. Como chegaste aqui?
-- Minha mãe me trouxe, ela está no carro.
--  Me aguarda aqui, já volto.
Ela esperou e ele logo voltou com uma sacola cheia coisas. Vamos lá pra casa.
A casa em que a família de Laerte morava era grande, tinha um lindo gramado na frente com canteiros de flores. Era bem próximo ao mercado. Ele entrou e foi gritando para sua irmã que tinham visita para o almoço. E aparece uma jovem muito parecida com ele com os olhos arregalados perguntando:
-- Quem?
E Laerte rindo dela diz:
-- Gente importante, vindos da capital.
E ainda rindo apresentou Ana Luiza sua irmã para D. Vera e Suzana, a qual ele colocou a mão por sobre os ombros dela e ressaltou:
-- Suzana, minha namorada.
Ana Luiza muito simpática foi logo acolhendo e abraçando as recém chegadas. E Laerte disse
-- Não sei o que fizestes para o almoço, mas eu trouxe alguma coisa para complementar. Está aqui. – E entregou a sacola a ela.
E Ana Luiza ofereceu um cafezinho. Pediu que sentassem na sala que ela logo traria o café.  Laerte indicou o banheiro para as recém chegadas.
Tomaram o café, conversaram um pouco sobre a viagem e outras banalidades. Então Laerte levantou-se e as convidou para ir ao quarto ver sua mãe, que estava curiosa, pois tinha percebido alteração na rotina da casa.
Depois do AVC  d. Rosa tinha ficado com um lado todo paralisado e sua fala era difícil. Mas entendeu o que o filho explicou e acenou com a mão boa para que Suzana se aproximasse, e quando a jovem estava perto dela ela fez um carinho em seu rosto, e uma lágrima escorreu de olhos de d. Rosa. Suzana retribuiu o carinho com um beijo na mão de D. Rosa.
Quando voltaram para a sala a mesa já estava arrumada, com uma toalha branca impecável, louça de porcelana com pequenos ramos de trigo e Ana Luiza, ajudada por uma mulher trazia o almoço.
Laerte convidou para que sentassem a mesa, e Ana Luiza fez uma oração e começou a tagarelar sobre várias coisas. Eles tiveram uma refeição agradável e farta e para sobremesa havia uma torta que Laerte trouxera.
Depois do almoço Laerte pediu licença e levou Suzana para sala, precisavam conversar, precisavam namorar.
Sentaram lado a lado no sofá. Ele pegou a mão dela e disse:
-- Vamos recomeçar a partir de hoje. Vamos deixar para trás esse nosso desentendimento que foi provocado por fofocas. Mas, mais uma vez eu te peço. Acredita em mim. Eu não minto. Eu sou uma pessoa simples, aberta que só quer te amar, e ter o teu amor. Me promete?
-- Sim. Tens razão. Precisamos confiar um no outro. Eu te prometo, mas só não admito traição. Nunca!
-- Tens a minha palavra. Eu te amo demais para procurar outra. Tu és a única.
Então se abraçaram e  se beijaram e o olhar de Suzana brilhou outra vez, e Laerte estava feliz. Nada e nem ninguém iria separá-los.
Eram quase quatro da tarde quando d. Vera resolveu ir embora. Laerte queria que elas ficassem, tinha lugar para elas dormirem, mas com a desculpa de que o marido estava só, elas foram embora.
Foi tão rápida a visita delas. Mas foi muito boa. Ele estava com muitas saudades de Suzana, e além do mais eles puderam conversar e retomar o namoro.
D. Vera voltou para casa com uma boa visão da família de Laerte. Comentou com o marido que eles moravam bem, eram todos simpáticos e educados. Embora elas tivessem chegado de surpresa, o almoço foi farto e variado. E além da torta que Laerte tinha trazido do mercado, havia sobremesas de compota. A casa era grande, nova e bem mobiliada e muito asseada.
Enquanto afastados Laerte pensava muito em Suzana, lembrava os momentos de intimidade que tiveram, sobretudo da primeira vez que transaram, que  foi num fim de semana que estiveram na praia. Ela era uma mulher fabulosa, quente e sensivel e correspondia com audácia aos carinhos dele. Era deliciosa...
Os dias passavam e Laerte estava feliz,  ele iria retomar a faculdade. As coisas tinham se ajeitado, sua mãe estava melhor dentro do possível e Ana Luiza havia encontrado uma enfermeira para cuidar da mãe e sua irmã estava retornando a administração do mercado.
Quando ele desceu do ônibus na rodoviária de Porto Alegre, Suzana estava lá esperando por com um sorrido lindo. E ela foi logo dizendo.
-- Estava morrendo se saudades de ti.
-- Eu também, minha flor...
-- Bem, eu planejei algo para nós...
-- Que bom, pra onde vais me levar?
-- Ora para teu apartamento. Espera até chegar lá.
-- Está bem.
E saíram abraçados, rindo, estavam felizes.
Suzana estacionou o carro em frente ao prédio e tirou umas sacolas do carro. Subiram, e enquanto ele tomava um banho ela preparou um saboroso lanche para eles, comeram, conversaram e se amaram. Ela passou a noite com ele, embora fosse em uma cama de solteiro.
Esse tempo em que Laerte e Suzana tinham ficado distantes, serviu para ela aprender a valorizar a presença dele. Agora ela o tratava diferente, sempre atenciosa, alegre e sem ser tão manhosa.  Ela realmente tinha crescido. Tomara!
Houve entre ele e a família de Suzana uma integração, que ajudou muito na relação dos jovens namorados.
Enquanto Laerte cursava a faculdade de engenharia, Suzana cursava a faculdade de farmácia.  Ambos andavam muito atarefados e viam-se pouco durante a semana. E quando chegava sexta a noite eles estavam com saudades um do outro.
Naquela tarde de sabado, os namorados saíram para  dar um passeio no parque, estava um dia agradável de outono. De mãos dadas caminhavam devagar apreciando a beleza das flores.  Sentaram em um banco a meia sombra e Laerte começou falar de seus planos para o futuro deles.
“ Mais dois anos ele estaria formado e eles casariam e  iriam morar em Santa Bárbara do Sul. Lá ele abriria uma empresa de engenharia e faria muitas construções na cidade. E ela poderia ter uma farmácia. Seriam felizes e veriam os filhos crescerem tranqüilos naquele lugar maravilhoso de morar. Um lugar onde todos se conheciam, uma cidade pequena mas com muita vontade de crescer....”
Suzana escutou tudo o que ele falou sem interromper, deixou ele contar seu sonho. E ao final disse:
-- Mas esse não é o meu sonho!
-- Não? Qual é o teu sonho para o nosso futuro, então?
-- Bem, eu sonho em me formar, e ir trabalhar em um laboratório de cosméticos. Se for para sair daqui de Porto Alegre, eu quero morar em uma cidade com praia e pode ser Floripa que é tão charmosa. Não quero filhos. Tu sabes que eu gosto de festas e movimento, jamais vou morar em uma cidade minúscula.
-- Mas tu nunca me falaste sobre isso?
-- Agora estou falando.
-- Parece que não partilhamos das mesmas idéias. Como não quer filhos? Eu quero ter filhos.
-- Dá muito trabalho e estraga o corpo, não quero.
-- Então acho que devemos rever algumas coisas, pois não poderemos seguir juntos se não dividimos do mesmo futuro.
Laerte ficou sério e preocupado. Aquilo não era brincadeira. Jamais ele imaginou que ela se oporia a seus planos para o futuro. Mas ele voltaria para a sua cidade natal. Disso ele não abriria mão e nem de sua profissão e tão pouco de sua descendência.
Laerte levantou e a convidou para irem embora. Ele não falou nada no caminho de volta. Ela também estava calada. Quando chegaram ao portão da casa dela, Laerte despediu-se dela e foi embora.
Suzana ficou parada olhando ele se afastar. Ela não esperava isso dele. Era um sábado, e nem eram cinco da tarde e ele já tinha ido embora. Ela entrou e foi para seu quarto. Seus pais não estavam, e ela estava sozinha em casa. Tinha planejado tanta coisa para essa noite. Faria ele dormir com ela. Laerte era tão certinho, tão respeitador, que ela tinha ânsias de mexer um pouco com ele. Queria provocá-lo para ele possuí-la. Mas agora...
Laerte foi para seu apartamento. Ele tinha ficado preocupado. Jamais imaginou tanta diferença de pensamento. Embora ele a amasse demais, um futuro junto dela seria uma amputação de parte de sua vida. Ele precisa pensar.
Mais tarde ele ligou para ela e ela não atendeu. Passou uns quinze minutos e o interfone tocou. Ele atendeu e era Suzana. Laerte abriu a porta do apartamento para esperá-la.
-- Oi, vim passar a noite contigo.
-- Como assim? E teus pais? E a Maria?
-- Eles foram para praia e avisaram que vão ficar lá, porque o conserto da piscina não ficou pronto. Então vim para cá para não ficar só. A Maria eu dispensei.
-- Bem então eu vou pra lá contigo. Aqui não tem conforto para ti. Sabes que tudo aqui é muito simples. Vamos, disse ele pegando as chaves e a jaqueta.
Voltaram no carro dela. Aliás, ele não tinha carro.
Ao chegar a casa dela, entraram e foram para a cozinha. Ela tinha comprado uns petiscos e um vinho para eles. Sentados no sofá da sala estavam comendo, bebendo e conversando. Não falaram mais sobre a desavença da tarde. Mais tarde transaram e Suzana achou que tinha ficado tudo bem outra vez. Ela não conseguia perceber a diferença que havia entre eles.
Mas agora Laerte estava em estado de alerta. Ele precisava ficar mais atento as coisas que ela dizia, fazia e pensava. Ele queria noivar, mas teria que esperar para ter certeza de que estava com a mulher certa para ele.
Ele sabia que ela o amava de verdade, mas muitas vezes só amor não basta, é preciso os dois olharem na mesma direção, terem os mesmos objetivos, caminharem na mesma estrada. Pois se não é  assim, o amor se desfaz, e o casamento se acaba. E vida vira um inferno.
 Já era de manhã quando Laerte saiu. Chegou em seu apartamento e ligou a TV para se distrair. Ele estava sem sono. Fez um café e ficou mais uma vez pensando na vida que queria para si.  Não conseguia absorver a reação de Suzana, ela continuava fútil.
Os dias passaram e Laerte estava a cada dia mais decepcionado com Suzana, que não crescia, voltara a ser a garota mimada, e agora havia renovado sua amizade com Olivia, que era uma má influencia. Ele já tinha falado para ela sobre isso. Não ia dizer mais nada. Na verdade ele estava ficando cansado das infantilidades de Suzana.
As férias chegaram e ele foi para casa. Esse ano iria passar as festas de fim de ano com sua família, tinha convidado Suzana para vir com ele, mas ela recusou, dizendo que não deixaria de ir para a praia com sua família. Ela gostava de movimento, de badalação.
Na praia, e como as famílias eram muito amigas, Osmar passava o tempo todo com Suzana, que se queixava de Laerte. E Osmar aproveitava para consolá-la. A levava para jantar, dançar, passear de lancha, não saia do lado dela. Fazia todas as vontades dela, sem se importar com o custo, e como dizia: ele mostrava para ela o lado” bom da vida”.
Em meados de janeiro Laerte foi a Porto Alegre para renovar seu aluguel do apartamento. E foi ver Suzana, queria entregar o lindo presente que tinha comprado para ela. Ela não estava, tinha saído com Osmar.
A família de Suzana, agora morava em uma bela cobertura no bairro mais nobre da cidade.
Laerte ficou furioso! Lá estava Suzana dando ouvidos outra vez para aquele aproveitador. Laerte sentou no hall do edifício e esperou  por ela. Ela chegou dando risada das coisas que Osmar falava muito intimamente ao ouvido dela.
Quando eles chegaram, levaram um susto, ao verem que Laerte os observava. Laerte se levantou e muito sério disse:
-- Oi, eu só vim te trazer isso aqui, eu comprei para ti.
-- Obrigada. Quando chegastes?
-- Hoje cedo. E já estou voltando. Vim te dizer que nós precisamos rever nosso compromisso. Vamos nos dar um tempo, No fim das férias conversamos, pois do jeito que está não dá. Precisamos pensar se é isso mesmo que queremos.
-- Mas...
-- É isso. Tchau...
E Laerte saiu furioso, não aceitava esse comportamento dela, que longe dele se dava ao desfrute com outro rapaz, amigo?Nem tanto. Por isso “deu um tempo” no namoro.
Suzana ficou atônita com as palavras de Laerte e mais uma vez Osmar aproveitou para desfazer a imagem de Laerte.
-- Ele é assim. Não serve para ti, quando vais entender isso.
-- Mas eu o amo...
-- Vou te ajudar a superar tudo isso. Vou cuidar de ti. Vem...
E Osmar a abraçou e a levou em direção ao elevador. Quando Suzana entrou na sala se deparou com sua mãe que queria saber o que tinha acontecido. Mas Suzana correu para o quarto.
Suzana abriu o presente que Laerte havia dado para ela. E quando ela viu a linda corrente com um coração de ouro com o nome deles gravado. E ela chorou muito, com uma dor no coração. Por quê? Por que era tão difícil para eles? Amavam-se, mas não combinavam. E ela não conseguia ser a pessoa que ele gostaria que ela fosse.
No outro dia Suzana ligou para Laerte, agradecendo o presente, mas não conseguiram conversar e acabaram os dois chorando ao telefone.
O tempo passou, e Laerte retornou para seu último semestre na faculdade. Ele havia pensado muito, e havia decidido o que queria para sua vida. E Suzana não se encaixava na vida simples e familiar que ele sonhava, com filhos e netos para alegrar sua velhice.
Mas iria tentar mais uma vez. Daria essa chance ao amor que eles tinham.
Retomaram o namoro e tudo estava fluindo bem, a esperanças nasceu no coração de Laerte, até que um dia  no corredor da faculdade ele escutou Osmar falando de Suzana, contando que eles tinham passado o verão juntos, e que além de bonita ela era muito “caliente”.
Laerte foi até Osmar e deu um soco nele, sem dizer uma palavra. Pegou suas coisas e foi embora. Foi procurar Suzana e pedir satisfação dela, sobre o que o idiota do Osmar estava falando dela. E ela não teve como negar, e apenas se defendeu:
-- Nós estávamos dando um tempo... Então ele era o meu braço amigo, nos envolvemos e transamos.
-- Transamos! Simples assim... Eu estou fora. Para mim não dá, não sei dividir minha mulher com outros. O que tu falas não dá para acreditar, juras amor por mim e se deita com o primeiro idiota que aparece. Chega. Não faço parte disso.
-- Mas... Nós estávamos dando um tempo...
-- Dando um tempo para refletir e não para sair dando por ai. Agora é definitivo. Não quero mais, por mais que eu te ame, não quero, não me serve, não suporto.
-- Me deixa explicar...
-- O quê? Explicar o que não tem explicação. E quem foi que falou que “não queria traição” ? Não foste tu? E agora me aplica uma? Não! Chega!
E Laerte foi embora sem olhar para trás. Ela não merecia confiança e sempre foi supérflua... Mais uma vez com o coração aos pedaços Laerte se afastou dela.
Chegou em seu apartamento chorou feito criança, tomou um porre quando as lembranças tomaram conta de seu pensamento.
Aquele semestre foi o mais difícil para Laerte. Dedicou-se aos estudos e começou a planejar a sua empresa de construção. 
Eram os primeiros dias de agosto quando se realizou a formatura. E Suzana estava lá, era a madrinha de Osmar. Ela estava linda, seu coração deu pulos quando ela a viu, e seus olhos não se desviavam dela.
Ele tinha convidado para madrinha, Aline, uma conterrânea que também estudava em Porto Alegre, e estava terminando o curso de arquitetura e como ele,  planejava retornar para sua terra.
Era uma moça muito bonita, alta, elegante, simpática, tinha os cabelos cor de mel, os olhos castanhos e um sorriso encantador. Vinha de uma família bem conceituada e tivera uma educação rígida e era discreta e sensata.
Eles haviam se encontrado por acaso no shopping, e depois disso passaram a se encontrar mais seguido. Ainda não havia compromisso entre eles, mas estavam a caminho disso.
Na semana seguinte a formatura, Laerte estava empacotando seus pertences, quando recebeu a visita de Suzana. Ela entrou e olhou para ele e o beijou, um beijo de desespero, como que querendo deter o que não dava mais para reter. Laerte retribuiu o beijo e depois a afastou.
Suzana chorava e Laerte a abraçou, fez um carinho em sua face, secou as lágrimas dela e a beijou. Suzana enroscou-se toda nele, o provocando deliberadamente. Mas Laerte tinha princípios, não faria isso com ela, embora ele estivesse cheio de desejos.
Mas ela sussurrou ao ouvido dele.
-- Eu quero, eu vim me despedir. Sei que não tem volta, mas quero essa última lembrança nossa.
E Laerte cedeu, e se amaram com loucura, uma, duas, três vezes até ficaram sem fôlego. Ficaram abraçados e ela perguntou:
-- Quando vais?
-- Amanhã despacho as minhas coisas, entrego o apartamento e vou.
-- Vamos nos ver de novo?
-- Não sei...
-- Eu sei que fiz tudo errado, mas eu continuo te amando.
-- Eu também continuo te amando, mas tem coisas que não dá para mudar...
-- Eu pisei na bola quando transei com Osmar, eu sei...
-- Bem eu preciso terminar de arrumar.
-- Eu vou embora. Só vim me despedir, e eu queria uma despedida especial, e isso eu consegui. Vai ficar na nossa lembrança para sempre.
Laerte foi para Santa Barbara do Sul para começar uma vida nova queria deixar as lembranças de Suzana para trás. Ainda era muito forte a presença dela em sua vida. Ainda dominava seus pensamentos e machucava seu coração.
Suzana voltou a sua rotina e agora estava namorando Osmar para alegria das famílias. Eles formavam um belo par, era o que todos comentavam. Mas seu coração pertencia a Laerte.
O tempo passou e Aline estava se formando. Laerte foi a Porto Alegre para acompanhá-la como seu par no baile. Aline estava linda, ele era muito sensual e ele dançou com ela toda a noite.
E naquela noite eles selaram um compromisso. Ele  via nela sua futura esposa. Sabia que não poderia amá-la, pois seu coração ainda estava aos pedaços, mas poderia respeitá-la e  se deixar amar.
Aline estava apaixonada por ele, que era um homem bonito, moreno alto com olhos azuis e com um corpo forte, e dono de um abraço muito acolhedor. Ela gostava de estar com ele, que era gentil e carinhoso e muito envolvente.
Ele a convidou para trabalhar com ele na empresa de construção. Já tinha um projeto encaminhado e ela como arquiteta contribuiria muito para a beleza dos prédios que iriam construir.
Passado um ano Aline e Laerte casaram.  Estavam felizes, sobretudo Laerte que tinha uma esposa que gostava das mesmas coisas que ele, que tinha vontade ser mãe e  que queria trilhar o caminho com ele. E aos poucos ele começou  amar. Não mais aquele amor louco, mas um amor tranqüilo que ocasionava paz.
Agora casado prestes a ser pai, Laerte sabia que tinha tomada a decisão certa. Era essa a vida que queria para si.
                                                   Maria Ronety Canibal
                                                      Setembro de 2017.

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