NADA É PARA SEMPRE
Núria estava feliz!
Sua vida tinha ganhado um significado, agora ela tinha uma
razão para viver. Fernando, o seu grande amor, era o motivo de sua felicidade. Ela
gostava de lembrar, o modo avesso, de como eles se conheceram.
Desde que a sua família foi mal de negócios, ela precisou
buscar o seu próprio sustento. Ela nunca se sentiu bem-vinda naquela casa. Seu
pai, depois da morte de sua mãe, casou-se novamente, e Rute, a sua madrasta,
não a suportava. A falência do pai, foi a
oportunidade que Núria teve, para pular fora. E decididamente arrumou as suas
poucas coisas e tomou o seu rumo.
Aos 18 anos, ela saiu de casa e mudou-se para uma pequena
cidade turística. Alugou um quarto, em uma pensão barata e iniciou o seu
próprio negócio. Um trabalho simples, mas seguro.
Com as economias que tinha guardado ela comprou uma carrocinha
de pipoca usada, pintou de cor de rosa enfeitada com branco, e Núria, sempre usando
um avental impecável, passou a andar pela pequena cidade, oferecendo o seu
produto.
Ela ficou surpreendida com o dinheiro que juntou no fim do mês.
Sorriu ao pensar que ser pipoqueira era um negócio rentável.
Assim, o tempo passava e a vida dela prosperava.
Dona Laura, a dona de pensão onde morava, era uma boa mulher.
Conhecendo a história de Núria, se propôs ajudá-la. Além de costurar os
aventais, ela também os lavava e passava, diariamente.
Naquele dia Núria tinha saído muito cedo de casa. Uma neblina deixara
a visibilidade baixa, e de repente ela foi abalroada por uma camionete enorme.
O carrinho de pipoca virou e ela caiu no asfalto.
Fernando parou o veículo, desceu rapidamente e muito assustado,
lhe perguntou:
-- Moça, como estás? Eu não te vi... Está com alguma dor...
Deixe-me ajudá-la a levantar. – Enquanto falava ele a pegou e a colocou em pé.
Olhou-a de cima a baixo e comentou. – Não vejo nenhum sinal de sangue. Mas vou
levá-la ao hospital.
-- Não, obrigada. Preciso desvirar o meu carrinho... – Disse
ela, gemendo ao mover o braço, e com dificuldade de firmar o pé no chão. – É o
meu instrumento de trabalho.
-- Está bem. Vamos erguer o carrinho. Mas, também vou levá-la
ao médico.
Fernando olhou em volta, e viu que algumas pessoas estavam ali
assistindo. Ele notou que aquelas
pessoas conheciam a moça. Um homem e um rapazote rapidamente ergueram o
carrinho, e viram que estava quebrado.
-- Olha, não tem condições de uso. E agora? – Disse o homem.
Mais pessoas se juntaram ao grupo que olhava para Núria, que
muito desolada falou:
-- Como vou fazer? Eu tiro o meu sustento vendendo pipoca...
-- Vamos dar um jeito. Primeiro precisamos ir ver se estás
machucada. – Afirmou ele. – O senhor mora aqui?
-- Sim. – Disse o homem – Posso ficar com o carrinho, enquanto
a moça consulta o médico.
-- Obrigado! – Disse Fernando abrindo a porta da camionete para
que ela entrasse, e a ajudando a acomodar-se.
Já estavam a caminho do hospital quando ele se deu conta que
não sabia o nome dela:
-- Eu sou Fernando Ruiz, e qual é o teu nome?
-- Núria Marques.
-- Não te preocupes com nada. Agora vamos ao hospital, depois
vamos fazer o B.O. e logo vamos ver onde posso comprar um carrinho novo para
ti.
-- É preciso mandar fazer. – Observou ela sentindo-se desanimada. – E
depende da boa vontade do carpinteiro. Se ele tem outra encomenda, vai
demorar...
-- Não te preocupas, vou dar um jeito. Eu prometo.
Ao entrar no hospital todos abriram passagem para Fernando, que
parecia ser o dono de tudo. Núria achou a atitude dele muito autoritária, ditando
ordens. E ela não gostou do jeito dele.
Os ferimentos dela não eram graves, mas necessitavam de
cuidados e Núria precisou ficar em repouso por um longo período. E sem poder
trabalhar ela estava muito preocupada com a sua situação financeira.
Fernando ia seguidamente visitá-la. E dava-lhe notícias da
carrocinha que tinha mandado fazer. Ele, também, já havia comprado todas as
medicações que ela precisava tomar, e sem querer constranger a moça, ele havia
acertado com a dona Laura, todas as despesas do mês.
Dona Laura estava muito admirada com a atenção especial que
Fernando dispensava a Núria. Um dia ela perguntou a moça?
-- Tu sabes quem é esse rapaz?
-- Não sei nada sobre o Fernando. A senhora o conhece?
-- Não! Mas sei que a família dele é dona de quase toda a cidade.
Gente muito rica e importante.
-- Hum. Então é por isso que no hospital todos são “sim senhor”
para ele, o achei autoritário.
-- Sim, o hospital é da família deles, inclusive leva o nome do
padroeiro do lugar de onde vieram. Hospital Santiago. Eles construíram o prédio
e contrataram os médicos, e é uma referência em alguns tipos de tratamento.
-- Eu não fazia idéia de que ele fosse tão importante, e no
entanto, ele tem sido muito atencioso comigo.
-- Sim, e ele parece ser um bom rapaz. Eles são quatro irmãos,
esse deve ser o mais moço.
-- Além do hospital o que mais eles têm aqui na cidade?
-- Ora, quase tudo. Escola, hotéis, restaurantes, lojas,
prédios... A cidade está se tornando turística graças ao trabalho do pai dele, o
dr. Felipe Ruiz que foi prefeito. Hoje é o filho mais velho que administra a
cidade, o dr. Tiago Garcia Ruiz.
-- Uma família de alto padrão!
-- Sim. Cuidado! Não vai te apaixonar, pois o Fernando é um
rapaz simpático, educado e bonito. Sei que ele é cativante, mas não é para ti.
-- Eu sei. Não se preocupe. Sei que sou um nada perto dele. Mas
concordo que ele é muito lindo, aqueles olhos verdes são magníficos...
Fernando era um homem jovem, de 28 anos, e recentemente tinha ficado
noivo de Ariele Montes, por influência de sua família.
Ariele era filha de José Montes, um vinicultor de renome. Sua vinícola
tinha fama internacional, e por isso, trazia
muitos turistas para a região.
Fernando nutria um sentimento de amizade por Ariele, se
conheciam desde crianças, e foi natural eles assumirem uma relação, que
renderia muitos lucros a ambas as famílias.
O casal formava um lindo par, pois a Ariele era muito culta,
elegante, e era dona de uma beleza incomum. Formada em Administração ela
trabalhava com pai. Era filha única e muito mimada, e vivia com se fosse uma
princesa. Suas vontades eram uma ordem!
E Fernando, o mais novo dos irmãos, cresceu sem regalias. Desde
cedo, ele descobriu que deveria correr atrás das coisas que desejava. Atualmente,
trabalhava com o pai, na construtora e era responsável pela área de Marketing.
E isso o obrigava a viajar seguidamente.
Com a data do casamento marcada, Fernando andava tenso e muito
contrariado. Estava ciente de que Ariele não era o que queria para si mesmo,
ela não era a esposa almejada. E estava arrependido de ter se deixado levar por
seus familiares.
Naquela manhã ele tinha saído de casa preocupado, pois estava
descobrindo que Ariele não era a flor que aparentava ser. Ela era muito mais
espinhosa.
Um tanto distraído com seus pensamentos e com uma densa neblina
que dificultava a visibilidade, ele acabou atropelando a pobre pipoqueira.
Sentia-se culpado. A moça precisava trabalhar e ele havia destruído o seu meio
de trabalho. Por isso ele a visitava regularmente.
A moça ainda não estava
restabelecida, e, portanto, não podia retomar o seu trabalho.
Núria era uma jovem de 20 anos, madura para sua idade, e muito bonita,
ao contrário de Ariele, ela tinha uma beleza angelical. Seus traços eram
delicados, sua pele suave e muito clara, contrastava com os olhos e cabelos
escuros. Era educada, tranquila e cativante.
E Fernando estava muito atraído por ela. Agora ia quase todos
os dias vê-la. Não conseguia mais ficar sem aquele sorriso encantador, sem
escutar aquela voz melodiosa, enfim não conseguia mais ficar longe dela. Um
novo sentimento surgiu no coração de Fernando. Era um bem-querer, algo forte e
inédito para ele.
Consciente de que Núria era o oposto de Ariele, de que ela era
muito jovem, e de que precisava ainda estudar; e sobretudo de que ela não
estava à altura de sua família, ele a queria em sua vida, não se importava com
esses detalhes, ele precisava dela e com urgência.
Ele tinha uma urgência, parecia que o seu tempo era breve. E
por isso, Fernando não queria desperdiçar nenhum segundo de felicidade. Ele
admitiu, para si mesmo, que a amava apaixonadamente. Isso sem nunca ter tocado
nela. Era um amor puro, algo inexplicável.
Por isso, Fernando tratou de desfazer o seu compromisso com
Ariele. Era evidente que ela também estava arrependida... pois, as brigas entre
eles, tinham se tornado intensas e constantes.
As famílias quando souberam que Ariele e Fernando haviam
desfeito o noivado ficaram alarmadas. Ariele aproveitou a ocasião e foi viajar.
A Australia era o seu destino.
Fernando permaneceu na cidade, agora livre para conquistar o
amor da sua pipoqueira.
---
Enfim Núria estava liberada para poder trabalhar.
-- Minha amiga, eu tomei a liberdade de fazer algumas alterações
no teu negócio. Tudo para melhorar. A papelada está toda pronta, tu só precisas
assinar. Mas antes, quero te mostrar como será. Combinado?
Ele a levou até o “O Mundo Infantil”, um parque de diversão com
um grande fluxo de pessoas. Bem no centro, onde havia a praça de alimentação, e
lá estava a carrocinha de pipoca, toda cor de rosa, com o nome pintado em
branco. “Pipocas DA MOÇA BONITA”.
-- Um lugar esplendido para os negócios, eu reconheço, no
entanto, eu não tenho como pagar pelo espaço. – Observou ela com tristeza. –
Aqui eu venderia bem mais.
-- Sim, e por um preço melhor. Não precisas pagar por nada. Eu
criei a tua marca de pipocas, mais adiante poderás até ter uma franquia. Eu te
prejudiquei muito, sem intenção, é claro. E essa é a forma que eu achei de te ressarcir
do teu prejuízo. Está tudo pago e no teu nome. É só assinar os contratos.
-- Não! Tu já pagaste mais até do que o necessário. Sei que
pagou as minhas despesas do mês, minha medicação, e aqui está a carrocinha
nova.
-- Assina esses papeis e aceita está oportunidade que está a
tua frente. Eu fui culpado, vinha distraído e não te vi. Me ajuda a acalmar a
minha consciência. Por favor!
Núria olhou em volta. Trabalhar ali seria muito bom, não
precisaria mais empurrar a carrocinha e andar por toda a cidade... Seria muito
mais confortável, além de estar protegida das intempéries. Decidiu aceitar.
-- Está bem vou aceitar. – Disse ela sorrindo.
-- Vamos até o meu escritório. – Respondeu Fernando a tomando
pela mão. – Venha, é aqui em frente.
O prédio em que ele trabalhava era moderno, bonito e do último
andar se avistava os limites da cidade. Núria apreciou a vista. Depois que ela
assinou todos os documentos, Fernando lhe fez um convite.
-- Para comemorar eu vou te levar para almoçar na Galeteria do Abuelo.
Sabes o que significa abuelo?
-- Sei, é uma palavra espanhola que significa avô ou vovô.
-- Exatamente. Foi do meu avô, até ele morrer. Hoje a minha
família administra, e é um lugar muito bom.
-- Eu sei, mas nunca fui.
-- Aceitas?
-- Sim. Vamos estou faminta.
Aquele almoço selou a amizade entre eles.
A partir daquele momento eles passaram a se ver quase todos os
dias.
A relação tinha se tornado sólida, aliás, era muito mais do que
amizade, era amor que eles sentiam um pelo o outro. Um amor ainda contido.
Núria estava
prosperando, pois, a pipoca DA MOÇA BONITA, tinha conquistado um lugar de
destaque e com o seu sabor especial, que agradou, especialmente as crianças.
Fernando mirava no futuro, e a pedido dele ela se preparou para
prestar vestibular para a faculdade de Nutrição, que o seu ramo.
O tempo passava, e depois de ingressar no curso de Nutrição, Núria
precisou contratar uma senhora para ficar na parte da manhã, enquanto estudava.
Tudo fluía em sua vida.
A paixão era grande, e Núria aceitou a proposta de Fernando, e
mudou-se para o apartamento dele, assumindo assim publicamente um
relacionamento sério.
Fernando, que estava exultante de felicidade, levou a sua amada
para conhecer a sua família. Aos sábados, todos os filhos e netos se reuniam na
casa de Felipe e Anete Ruiz, para o almoço semanal.
E naquele dia Fernando, sem avisar a família, apareceu com a
namorada a tiracolo. Ele queria fazer uma surpresa. E fez! Todos olharam a
pobre Núria de alto abaixo, e a cumprimentaram com educação e frieza.
Ela manteve a cabeça erguida, não iria se deixar abater pela situação.
Nenhuma das pessoas ali presente, conversou com ela e tão pouco a dona Anete se
esforçou para inclui-la no assunto. Ao contrário, mantiveram distância, e a
deixaram sozinha na sala.
Fernando estava reunido com o pai e os irmãos na outra sala,
conversando sobre negócios. E quando se livrou da reunião, ele a viu sozinha e
isolada, Fernado a pegou pela mão e saiu furioso da casa dos pais. Sua família
iria pagar caro por essa atitude.
O namoro continuava firme, apesar de estar enfrentado algumas dificuldades
por causa da família dele, especialmente a mãe dele, dona Anete. Mas Fernando
não ligava e justificava, dizendo:
-- Minha mãe é muito boa, porém autoritária, eu a amo, afinal é
minha mãe. No entanto, não vou permitir que interferira na minha vida amorosa.
Eu quase fiz a besteira de me casar com a Ariele, a moça escolhida pela
família. Tive a sorte de prever o futuro turbulento que me esperava. Saltei
fora na mesma hora. A Ariele também ficou feliz. Nós estávamos noivos só para
satisfazer a vaidade de nossas famílias. E agora reagem negativamente a tua
presença. Eles nem te conhecem... O que mais me entristece, é que tu ficaste
magoada com as atitudes arrogantes de dona Anete.
-- Ninguém merece ser rejeitada gratuitamente... Eu não vou me
abater. Não vou dar esse gosto a elas, jamais! Eu tenho a ti, e é só o que
importa. Nem minha família e tão pouco a tua. Apenas nós dois. Pertencemos um
ao outro. Temos o nosso mundo próprio.
-- Tens razão meu amor. Eu preciso manter as relações
comerciais, mas as relações familiares morreram. Eles não me respeitam. Deviam
ao menos, em consideração a mim, ter te tratado com atenção. Vamos viver o
nosso amor, vamos ser felizes... e aproveitar o tempo que temos.
-- Sim vamos ser felizes para sempre.
O tempo passava, e Fernando nunca mais pisou na casa dos pais.
Ele vivia exclusivamente para a sua amada. Eles passeavam, curtiam a vida, eram
felizes.
Núria tinha terminado o seu curso de Nutrição. Logo conseguiu
trabalho numa clínica de repouso para idosos. O lugar onde ela trabalhava era
lindo. Um casarão em meio um jardim magnifico, cercado por um bosque natural. E
muito perto do local onde morava.
A rotina do casal seguia perfeita.
Naquela tarde após deixar a clínica de repouso, Núria passou no
mercado e comprou alguns itens específicos. Queria fazer daquela noite, uma
noite inesquecível, por isso fez um jantar especial.
Quando Fernando entrou em casa, ela o surpreendeu com a mesa posta
com elegância e com velas acesas. Núria havia comprado um presente para ele,
que daria na hora da sobremesa.
-- Isso é inspiração, meu amor? – Perguntou Fernando a
abraçando.
-- Sim. Eu penso que essa noite ficará em nossa memória, porque
será única. – Respondeu Núria sorrindo.
-- Vou tomar uma chuveirada. Prepara as bebidas. – Disse ele se
dirigindo ao quarto.
O jantar foi agradável, Núria cozinhava muito bem. Depois de
saborearem a sobremesa, ela alcançou para Fernando um pequeno pacote.
-- O que é isso? – Disse ele sacudindo a pequena caixa, que não
emitia barulho.
-- Abra, e saberás porque está noite será inesquecível...
Fernando abriu o pacote e se deparou com um par de meia
infantil. Ele a olhou e se emocionou.
-- Tu estás gravida, minha querida... Um filho a caminho...
Ah... eu te amo, te amo tanto... – Disse ele a abraçando e a beijando.
Naquela noite eles se amaram com paixão e emoção. Depois de
fazerem amor, ele a manteve junto dele e sussurrou:
-- Vamos nos casar. Essa criança terá uma família de verdade, o
amor será visível para ela, porque nós nos amamos sinceramente.
-- Sim, e o nosso amor será para sempre assim, sincero e
profundo.
-- Amanhã vamos ao médico. Quero que sejas muito bem cuidada.
-- Gravidez não é doença... Eu já estive na minha
ginecologista. Dra. Marina Couto.
-- Eu a conheço, é muito boa. Mas eu quero te acompanhar, quero
conversar com ela... – Afirmou Fernando.
-- Está bem vou marcar um horário.
-- Amanhã! – Insistiu ele. – Agora vamos dormir.
Nos dias que se seguiram, Fernando procurou o seu amigo Mateus,
que era advogado. Pediu ao amigo que formulasse um testamento, onde Núria era a
única beneficiaria de todos os seus bens, se algo lhe acontecesse antes da
celebração do casamento.
-- Meu amigo, estás doente? Fazer um testamento é coisa de
velho. – Disse Mateus zombando.
-- Eu sei, mas conheço minha família... Núria não tem ninguém,
e se algo me acontecer eu quero pelo menos deixá-la com segurança financeira, e
estamos grávidos.
-- Desculpe. Não devia ter brincado com algo tão sério. Sei que
a tua mãe não aceitou a tua futura esposa na família. A fofoca se espalhou pela
cidade e muitas pessoas ficaram indignadas com a atitude dos teus familiares,
até porque, os teus irmãos e cunhadas, poderiam ter dado alguma abertura a
moça.
-- Dona Anete dita as ordens. Tu bem sabes...
-- E como sei! Também não passei no teste de aprovação. Minha
família não tinha muitas posses.
-- Exatamente.
Fernando querendo compensar a sua amada, pela forma deplorável que
tinha sido tratada por sua família, planejou uma viagem.
Ele a levou para conhecer Paris, mais um sonho que ela iria
realizar. Era o seu presente de casamento. A viagem foi alegre e divertida. Núria
se apaixonou pela cidade... Antes de voltar eles atiraram um cadeado com os
seus nomes gravados, no rio Sena, já que na ponte não era mais permitido
colocar.
Voltaram animados. Dentro de um mês estariam definitivamente
ligados pelos laços da lei. A gravidez seguia dentro da normalidade e estava
entrando para o quinto mês.
O casamento seria no próximo sábado.
Precisamente naquela semana Fernando precisava viajar, e na
segunda feira bem cedo ele pegou a estrada, para retornar na sexta feira, o
mais tardar.
Mas antes ele foi até a casa dos pais para informar sobre o
casamento, e foi muito breve ao dar a notícia.
-- Passei para dizer que serei pai, e no próximo sábado, as 11h
estarei no cartório, diante do juiz de paz celebrando o meu casamento com a
mulher da minha vida. Depois estaremos diante do padre, e Núria, enfim será a
minha esposa. Com licença preciso pegar a estrada.
Ele saiu apressado. Não queria conversar, mas precisava
anunciar o seu casamento. Ele guardava uma profunda mágoa de sua família,
principalmente da mãe, que nunca fez um gesto de arrependimento e de
conciliação.
Enquanto ele dirigia pensava nas vezes que foi discriminado por
seus irmãos. Hoje ele entendia a razão. Seus irmãos eram soberbos, não se
interessavam pelos mais desvalidos, inclusive, retiravam da cidade, as pessoas
mais humildes, que chegavam em busca de trabalho, e de melhores oportunidades.
Queriam que a cidade tivesse um alto padrão, coisa que ele não concordava.
Sempre pensou que todas as pessoas tinham os mesmos direitos, as mesmas
oportunidades. Cansou de discutir, principalmente com o Pedro, o irmão número
dois.
---
“Depois de tempestade vem a bonança.”
É o que diz o ditado popular.
Após uma tormenta assustadora, o sábado tinha amanhecido com
calmaria, o sol brilhava iluminando o dia. Era o dia do seu casamento... Era
para ser um dia de felicidade.
Mas a felicidade tinha sido arrancada de sua vida, e a tristeza
e o desespero imperavam. Núria chorava copiosamente!
O seu amor não estava mais ao seu lado. Fernando tinha partido
para sempre.
Ela recordava a última vez que fizeram amor. Eles haviam se
entregado com paixão e emoção, como se fosse a derradeira vez, como se não
houvesse amanhã. Núria pressentia que Fernando vivia a sua vida intensamente,
como se fosse sempre a última vez... E foi!
Núria tentava recordar o dia anterior, precisava lembrar de
todos os detalhes, pois cada detalhe seria guardado em seu coração.
Ela acordara com o telefonema de Fernando, como ele fazia
sempre que estava viajando. Falaram e riram cheios de felicidade. Núria
levantou-se, tomou banho e se vestiu para ir para o trabalho. Tomou o seu suco
e comeu frutas e sucrilhos. Saiu apressada, porque como sempre estava atrasa.
Andava pela rua e sorria, quem a visse a acharia louca. Mas ela estava louca de
tanta alegria.
Seu dia no trabalho foi normal, sem nenhum incidente. No início
da tarde o tempo mudou, uma forte tormenta se aproximou, o céu escureceu,
ventos fortes derrubaram árvores e postes. Faltou luz, e então uma chuva pesada
desabou.
Sem poder ir para casa, ela permaneceu na clínica, assim como
os seus colegas, até a noite. Por fim, uma van levou os funcionários em casa.
Núria esperava que Fernando já estivesse em casa.
Ela entrou sorrindo, morrendo de saudades, só queria se aconchegar
no seu abraço. O apartamento estava silencioso. Uma angustia tomou conta de seu
coração. Fernando tinha o hábito de avisar quando ia se atrasar.
Núria pegou o telefone e ligou, mas a ligação não se
completava, informava que o aparelho estava fora de área. Alguma coisa tinha
acontecido.
Se encheu de coragem e ligou para o prefeito, o irmão mais
velho de Fernando, mas este também não atendeu. Nervosa ela andava pelo
apartamento sem saber o que fazer. Era madrugada, e sentindo-se cansada e com
dores no ventre, Núria deitou-se e acabou dormindo.
Era muito cedo quando a campainha tocou com insistência. Núria
levantou-se e caminhou até o interfone. Sentia-se tonta e sem saber qual era o
dia da semana. Sua mente não conseguia entrar na realidade.
Laura chegou à porta do apartamento e viu que estava apenas
encostada. Entrou e caminhou cautelosamente até o quarto, e ali encontrou a sua
querida menina completamente desnorteada.
-- Minha querida, como estás? Vim-te dar apoio, nestas horas
não se tem palavras consoladoras. – Disse Laura a abraçando carinhosamente.
-- Não sei do que estas falando. Acordei meia zonza, mas agora já
estou bem. Fernando já devia ter chegado... Ontem me senti indisposta, com
dores na barriga. Estou com medo... – Disse Núria chorando.
-- Então ainda não sabes! Ninguém te avisou? – Falou dona Laura
com indignação. – Coube a mim essa penosa missão.
-- O que aconteceu? – Indagou ela com impaciência.
-- O Fernando sofreu um acidente, um grave acidente. Seu carro
foi atingido por um ônibus desgovernado, na hora do temporal. O carro dele rolou morro abaixo e ainda não o
encontraram. Não se sabe se está vivo...
-- Não!!! – Gritou Núria e perdendo os sentidos.
Laura imediatamente ligou para a emergência pedindo uma
ambulância. Núria foi levada para o hospital, onde ficou internada, sua
gravidez estava em risco.
Núria chorava continuamente, um choro manso, mas as lágrimas escorriam
e ensopavam o travesseio. O médico tentava mantê-la calma, no entanto estava
difícil.
Naquela tarde o corpo do Fernando foi encontrado sem vida. As
cerimonias fúnebres aconteceram e foi uma grande comoção na cidade, e Núria não
esteve presente.
Uma semana depois, Núria deixou o hospital e foi para o
apartamento, e Laura a acompanhou. Decida a não pedir favor para família Ruiz,
ela estava separando as suas coisas para deixar o apartamento. Voltaria a morar
na pensão e mais tarde alugaria um apartamento para si.
Núria ainda estava de repouso e, portanto, não tinha retomado o
trabalho. E dona Laura tinha ido até a pensão para ver como as coisas estavam.
Desde aquele sábado fatídico, ela permanecia ao lado de Núria, deixando a
pensão a cargo de sua cozinheira, a dona Zulmira.
Passados uns dias, e uma quarta-feira de manhã dona Anete acompanhada
de sua nora Paola, chegou ao apartamento do filho, com prepotência e frieza, e
ordenou:
-- Esse apartamento era do meu filho, quero que saias
imediatamente daqui.
Muito pálida e abatida, Núria mal conseguia ficar em pé. Mas respondeu
com veemência:
-- Não quero nada de sua família. Já estou com tudo empacotado,
ainda não deixei esse lugar porque devo fazer repouso, o médico ainda não me
liberou. – Explicou ela segurando a barriga que já aparecia. -- Não se
preocupe, logo sairei. O único membro da família que era uma pessoa de valor,
Deus pegou para si. Não quero proximidade com nenhum de vocês.
Anete inspecionou o apartamento e foi embora com a mesma
arrogância que chegou. Núria suspirou e fechou a porta. Deitou-se no sofá e
chorou.
No dia seguinte, Mateus ligou marcando um horário. Eles
precisavam conversar. Ela lembrava-se dele. Fernando gostava muito desse seu amigo
de infância. Mateus era um rapaz simpático, que também, não era bem aceito pela
família Ruiz.
Sentindo-se melhor, Núria pediu que dona Laura estivesse ao seu
lado. Não tinha ideia do assunto que Mateus teria com ela. Mas estava com
receio. O que mais de ruim poderia vir?
Na hora combinada Mateus tocou o interfone. Laura atendeu e o
recebeu.
-- Boa tarde! Sente-se, a Núria já vem.
-- Como ela está? Não tem sido fácil, imagino.
-- Não! Ela esteve hospitalizada, quase perdeu o bebê. Ainda
está sob cuidados médicos.
-- Pelo menos, venho trazer boas notícias. Mas não sei quais
serão as consequências.
-- Mais problemas... – Disse Laura.
Núria estava entrando na sala.
Apesar de estar sentindo-se bem, ainda tinha a aparência frágil. Magra, pálida
e triste.
Mateus a olhou e logo percebeu o quanto ela tinha mudado.
Aquela moça bonita e jovial, não estava mais ali. Embora ainda tivesse um rosto
perfeito, os olhos tinham perdido o brilho.
-- Meus sentimentos! Estou aqui para cumprir a última vontade
do meu querido amigo. Preciso fazer a leitura do testamento que ele deixou.
Terá que ser na presença dos pais e irmãos do Fernando, e claro, da tua também.
Acho que devemos fazer essa leitura o mais breve possível. O local será no meu
escritório. Quando terás alta do médico?
-- Eu me sinto melhor. Ainda não voltei a trabalhar, mas creio
que ir até o teu escritório não será nenhum transtorno.
-- Podemos marcar para a próxima segunda-feira as 10h.
-- Sim. Será perfeito.
-- Obrigado pela atenção. – Disse Mateus levantando-se -- Quero
que saibas que o Fernando era como um irmão para mim, e o que precisares estou
a tua disposição, não só eu, mas também minha esposa, a Mirtes.
Núria o acompanhou até porta e agradeceu dizendo:
-- Obrigada. Eu sei que vocês eram bons amigos, que se queriam
como irmãos. E sei, que também, estás com o coração ferido.
Na hora marcada Núria chegou ao escritório do Mateus, e a família
Ruiz já estava reunida na sala onde seria feita a leitura do documento.
-- Bom dia! – Disse ao entrar na sala.
Um murmúrio foi a resposta que escutou. Sentou na cadeira
indicada e aguardou. Mateus sentou na cabeceira da mesa, abriu o lacre do
envelope e iniciou a leitura.
À medida que a vontade de Fernando ia sendo proclamada, a
indignação se mostrava nas feições da família Ruiz. Anete a olhava para Nuria com
aversão.
-- Não pode! Meu irmão não estava em sua sanidade! -- Falou
Tiago, interrompendo a leitura. – Não aceito. Uma fortuna nas mãos dessa
pipoqueira! Vou à justiça.
-- Por favor deixe-me terminar. – Falou Mateus. -- Mas quero adiantar
que o documento tem valor e foi assinado por quatro testemunhas.
O documento declarava Núria como a sua única herdeira, e
receberia todo o seu patrimônio: imóveis, joias, ações e dinheiro no banco. E
que o filho que ela carregava no ventre, receberia as ações das empresas Ruiz,
que somavam 15% de todos os empreendimentos, que seriam tuteladas por Mateus.
A família, furiosa e indignada, levantou e saiu sem se
despedir. Mas antes todos a olharam com ódio. Núria enfrentou o olhar, mesmo sentindo
o desprezo por eles, ela jamais baixaria os olhos diante deles.
Mateus combinou os procedimentos que teriam que ser feitos para
passar tudo para o nome dela, com exceção das ações. Ao fim da conversa, ele a
levou em casa.
---
A vida de Núria mudou, com o filho nos braços, ela tinha
tranquilidade financeira. Não precisava nem trabalhar e as suas pipocas
continuavam a vender bem.
No entanto, permanecia um vazio em sua vida, uma tristeza
imensa em seu coração, que nem a alegria de ser mãe superou. O menino a fazia
lembrar constantemente do amor perdido, pois era parecidíssimo com o pai.
Para padrinho do filho, ela convidou o Mateus e Mirtes, que
tinham se tornado seus amigos. Na pia batismal, o menino recebeu o nome do pai:
Fernando Garcia Ruiz Filho.
Definitivamente, dona Laura mudou-se para o apartamento de Núria,
que ainda andava muito triste a abatida. Mesmo atendendo o filho com carinho e
atenção, demonstrando um imenso amor pela criança, Núria não conseguia deixar
de pensar em seu eterno amado.
Os dias passavam, e aos poucos a vida ia entrando na rotina.
Mesmo com o coração sangrando, ela seguia em frente, e ao contrário do que
todos diziam: “Com o tempo a dor ameniza...” a sua dor não amenizava.
Fernando completara 4 anos, e Núria voltou a trabalhar. Com o
filho na escolinha ela optou por meio expediente. Um dia ao chegar à escolinha para pegar o
filho, ela viu que dona Anete estava muito perto do Fernando. Assustada ela
correu em direção ao filho, e o pegou pela mão.
-- Tudo bem meu amor? – Perguntou ela a criança.
-- Mãe ela disse que é minha avó. Eu tenho avó?
-- Sim, ela é a mãe do teu pai. Tu não tens avó pelo meu lado.
Minha morreu quando eu era muito pequena. Mal lembro dela. – Respondeu Núria ao
filho encarando a sogra.
-- Ele me faz lembrar o Fernado nesta idade. É a cópia fiel do
pai. – Falou Anete em tom conciliatório. – Eu também sinto falta dele, e essa criança
é um pedaço do meu filho. Quero paz, estou muito arrependida dos meus atos.
Precisamos conversar. Aqui não é lugar. Tu aceitas as minhas desculpas?
-- Eu aceito conversar. Amanhã pela na cafeteria. As 9h.
-- Obrigada. Até amanhã. – Disse Anete despedindo-se do neto
com um beijo na face.
Depois que a sogra se afastou ela perguntou ao filho:
-- Desde quando ela conversa contigo?
-- Não é sempre que ela vem. – Disse o pequeno Fernando. – Eu
gosto da minha avó.
-- Eu sei que gostas. Por que não me contastes? Foi ela que
pediu segredo?
-- Não, ela não pediu nada. Não contei porque eu esqueci.
-- Está bem vamos para casa. Mas uma coisa tu precisas
aprender: Não se fala com estranhos! Já pensou que ela poderia ter te levado
para longe de mim.
-- Eu não quero ficar longe de ti, mãe. Não falo mais com
estranhos, eu te prometo.
-- Está prometido! E nem aceita nada de pessoas desconhecidas.
Não foi isso que o teu padrinho te explicou?
-- Sim, o padrinho me disse que é perigoso.
-- Então estamos combinados.
Naquela noite, quando o Fernando já estava dormindo, Núria
contou a Laura sobre o encontro que tivera com Anete.
-- Eu acho que agistes bem. Não deves semear a desavença no
coração do teu filho. Um dia ele vai conhecer os fatos e então poderá julgar as
tuas ações. E elas serão de paz.
-- É, tens razão. Amanhã vamos nos encontrar para conversar.
Posso permitir que eles tenham relação com o neto, mas eu não quero saber dessa
gente.
-- Filha, deixe o tempo correr, nesta vida nada é para sempre.
As pessoas mudam... Pensa que Fernando iria ficar feliz se houvesse harmonia.
Faça isso pela memória dele.
-- Tens razão e o meu filho seria mais feliz. – Disse Núria
pensativa.
Na manhã seguinte, seguindo o conselho de Laura, ela foi para o
encontro com sogra completamente inerme. Deixou para trás todas as magoas e apostava
em uma nova relação familiar para o seu filho.
Quando ela chegou à cafeteria, dona Anete já a esperava. Com um
sorriso amplo e um abraço, elas se cumprimentaram. Sentaram e conversaram sobre
muitas coisas, foi uma conversa dolorida, mas necessária.
-- Eu quero apresentar o Fernandinho para a família. Todos já o
viram de longe, no entanto, é preciso cultivar uma relação de proximidade. Sem
o pai, esse menino, precisa de exemplo masculino. Os tios estão ansiosos para
tê-lo por perto.
-- Ele tem um padrinho que o ama muito. E o ensina a ser uma
pessoa de bem. Fernandinho tem em sua volta pessoas que o amam verdadeiramente.
-- Que bom! Neste sábado, como é tradição, estaremos reunidos
em minha casa. Posso esperar por vocês?
-- Sim, estou disposta a proporcionar para o meu filho uma vida
harmoniosa. Nós estaremos lá... – Núria tinha vontade de completar a frase com “apesar
de tudo que fizeram a mim”. Mas calou-se pelo bem do futuro do filho. Engoliu
em seco e levantou-se para ir embora.
As duas despediram-se com um beijo.
Sorriu ao sair da cafeteria e conjeturou...
A paz estava selada... Seria duradoura?
No fundo do coração, Núria sonhara com isso. Sempre soube que Fernando
havia se distanciado de seus familiares por causa dela. E isso a incomodava.
Ela tinha esperança que depois do casamento e do nascimento do filho, as coisas
se ajeitassem. Mas o casamento não aconteceu e Fernando não estava mais entre
eles. Agora, por seu filho, iria deixar o seu orgulho de lado e fazer o
possível para que ele crescesse em meio a paz e a alegria.
A família Ruiz se esmerou para receber com carinho e atenção o
novo membro. E Fernandinho era o retrato vivo do pai, deixando seu avô
emocionado. Seu Felipe não conseguiu esconder as lágrimas que derramou ao
abraçar o neto.
Daquele dia em diante, a convivência familiar foi se
intensificando, a ponto de passarem as férias de inverno juntos. Felipe e Anete
convidaram mãe e filho para um passeio a Disney. Claro que Fernandinho adorou.
Mas foi no Natal daquele ano que a relação se solidificou.
Todos demonstraram a Núria, respeito e amizade. E ela sentiu-se muito grata,
porque a pior data para passar sozinha com o filho era o Natal.
Naquele ano, a festa de Natal dos Ruiz foi restrita a família.
Dona Laura foi convidada, já que para a Núria ela era como uma mãe. Pois, foi a
velha senhora que ficou ao lado de Núria no pior momento de sua vida. E Anete
reconheceu que o valor das pessoas está no seu modo de ser e agir, e não pela
roupa que usa.
Foi uma festa divertida e barulhenta, e as crianças adoraram a presença
do Papai Noel que chegou ao jardim de trenó.
Fernandinho estava feliz! E isso bastava para a Núria.
O tempo passava, a vida fluía, contudo a dor em seu coração não
passava. Todos os dias, ela lembrava com saudades, o tempo que tiveram juntos,
um tempo breve, mas intenso.
Fernando a amou de verdade, foi um amor sincero e profundo, que
ela continuava sentindo por ele.
Jamais voltaria a amar da forma que amava o seu Fernando. Mesmo
não tendo feito os votos diante do padre, ela permanecia fiel.
Quem sabe no futuro outro homem pudesse atrair a sua atenção...
Talvez, só talvez...
Maria Ronety Canibal
Novembro 2022
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