sábado, 6 de agosto de 2022

LEMBRANÇAS






 

                                                 Lembranças...

 

A fotografia de uma casa antiga, na internet, despertou a atenção a Marilda. Ela conhecia muito bem aquela casa, conviveu com os moradores, e com a tragédia que se abateu sobre suas vidas.

Imediatamente, as lembranças de um passado feliz, vieram a sua mente, um tempo distante, que não volta mais. Lágrimas surgiram e escorreram por suas faces.

-- O que está acontecendo? -- Perguntou Rosane, sua amiga. – Por que estás chorando?

-- Essa foto... – Disse Marilda mostrando a tela do computador. – Me fez lembrar um velho amigo, o Leopoldo Chemisch. O Leo, como o chamávamos. Ele morava nesta casa...

-- Queres me contar? Parece ser uma história interessante... – Afirmou Rosane.

-- Sim. Mas, primeiro deixe-me me recompor... – Pediu Marilda  Glasmam, secando as faces.

-- Eu vou fazer um cházinho enquanto isso. – Falou Rosane levantando-se e indo em direção a cozinha.

Marilda e Rosane eram amigas de longa data, eram professoras, haviam trabalhado na mesma escola. E hoje aposentadas, dividiam um apartamento, no bairro São João, em Porto Alegre.

Marilda ficou órfã muito cedo, não tinha irmãos e era solteira; e Rosane era viúva, não tinha filhos e seus irmãos moravam em Tiradentes do Sul. Sendo assim, elas decidiram cuidar-se mutuamente, afinal, estavam ficando velhas.

-- Aqui está, um chá de camomila, vai te acalmar. E sou toda ouvidos... – Disse Rosane acomodando-se na poltrona perto da janela.

Depois de alguns goles de chá, Marilda se animou a contar a sua história de amor.

Eu era muito jovem quando meus pais se acidentaram e morreram. O sr. Walter, pai do Leo, era um bom amigo do meu pai. Dona Erna tornou-se uma grande amiga de minha mãe. Eram como irmãs. Os casais frequentemente se visitavam, e eu desde pequena adorava o Leo. Ele era um pouco mais velho do que eu, e também filho único, pois a Ana, sua irmãzinha morreu ainda bebe. Não chegou a completar dois anos.

Quando nos encontrávamos ele sempre me tratava bem, cuidava de mim, me protegia. No princípio eu achava que ele via em mim a sua saudosa irmã. Éramos ainda crianças.

Mas, o tempo passou, crescemos, e eu fui percebendo que ele se interessava por mim. Me lançava olhares e sorrisos, me levava para passear, às vezes me dava um presentinho. Eu adorava toda essa atenção. Pois eu gostava muito dele.

Eu tinha 16 anos e ele 19, quando afinal, começamos a namorar. Nossos pais ficaram contentes. Era tudo o que eles queriam.

Após aquela tarde chuvosa fatídica, em que perdi meus pais, eu fiquei desorientada, sem saber o que fazer. Não tinha mais ninguém no mundo.

Meus pais eram alemães, eram recém casados quando decidiram fugir da guerra, que se alastrava na Europa. Eles vieram direto para o sul do Brasil, e se estabeleceram aqui na capital. Eu nasci  eles já estavam estabelecidos aqui em Porto Alegre.

Meu pai era químico e vidreiro, e foi trabalhar com o sr. Walter, que tinha uma fábrica de artefatos de vidros. E assim nasceu a amizade entre as famílias. Laços fortes que faziam as famílias da mesma origem e religião, se unirem e ajudarem-se mutuamente.

E foi o que aconteceu.

A morte prematura de meus pais, fez com que dona Erna me acolhesse em sua casa, ela era uma pessoa maravilhosa... Passei a viver com aquela família.

Como estávamos comprometidos, o seu Walter sugeriu que apressássemos o casamento. Porque era um tanto constrangedor a noiva viver na mesma casa do noivo. “Os vizinhos vão falar.” Dizia ele.

Leo acatou a vontade do pai e colocamos as alianças de noivado, e logo marcamos a data do casamento. Seria no início de julho, no período das férias escolares. Assim poderíamos sair em lua de mel. Iriamos para Caxias do Sul.

Eu ainda estudava, tinha apenas 18 anos, todavia estava feliz, muito feliz. Enfim eu realizaria o meu grande sonho. Casar com o Leo sempre foi a minha fantasia.

Tudo estava correndo bem.

Até que naquela tarde quente de fevereiro, algo explodiu na fábrica, e o Leo foi atingido no rosto, sobretudo nos olhos. Perdeu a visão!

Seus olhos foram feridos com vidro incandescente. Foi horrível! Não gosto nem de lembrar... Ele urrava de dor... Coitado! Ninguém merece uma coisa assim.

Ele que sempre foi um rapaz honesto e sincero, ser castigado dessa forma... Eu fiquei revoltada. Até hoje sou.

Então tudo mudou...

Todos nós entramos em pânico!

A curiosidade era saber como o Leo reagiria?

Eu o amava tanto, que não me importava com a cicatriz feia que ficaria, tão pouco com a falta de visão. Eu estava pronta para dedicar a minha vida a ele.

Sabia o quão difícil devia ser. Ele que sempre foi uma pessoa ativa, alegre, observadora, apreciador de uma boa leitura... De repente ficar na escuridão!

Era evidente que ele não seria mais o mesmo.

Assim como eu, ele também não aceitava a situação. Estava inconformado e revoltado com a vida. Sentia-se punido por algo que não fez.

Até hoje me dói o coração, quando penso nisto.

Os primeiros dias ele tinha bandagens e precisou ficar em repouso. E eu passei a sentar em seu quarto, tentando fazer companhia.

Ele estava quieto, calado e não reagia a nada. Por fim desisti de falar. Apenas ficava ao seu lado, tentando perceber todas as suas necessidades momentâneas.

Quando os curativos foram retirados, pude ver a horrorosa cicatriz que ficou. Seu Walter logo providenciou um par de óculos escuros, para evitar que as pessoas vissem aqueles olhos mutilados.

Tentávamos agir com naturalidade.

Como os demais, passei a ajudá-lo a se locomover dentro de casa. Ele estava rebelde, não queria ajuda, saia se batendo e tropeçando, xingando a si mesmo.

Seu Walter o ajudava, sobretudo na hora do banho. Ficava com ele no banheiro, entregava-lhe a toalha e as roupas na ordem de vestir.

Era dona Erna quem servia o seu prato, e agia como se ele fosse uma criança, com a comida toda picada e lhe entregava uma colher. Ela fazia tudo por ele, entregava tudo na mão dele.

E a mim, coube assistir.

Não tínhamos mais momentos nossos... Nem um carinho ou um beijinho trocávamos; não saiamos mais para nossos passeios de mãos dadas, pelas calçadas do bairro. Ele estava se distanciando de mim.

Eu estava desesperada. Pois eu o amava profundamente e sabia que era muito amada. Mas a tragédia que se abateu sobre as nossas vidas, foi muito intensa, e fez tudo mudar.

O tempo passava, a adaptação dele não progredia, pois, seus pais não lhes davam oportunidade de assumir o controle de seus atos. Tudo eles faziam e decidiam por ele, como se o Leo tivesse ficado sem condições de raciocinar.

O Leo não era mais a mesma pessoa!

A alegria e otimismo que regia a sua vida, não mais existia. Tornou-se sombrio e triste. E parte dessa tristeza era causada pela decisão que ele havia tomado.

Eu sei, porque ele mesmo me falou.

Uma tarde de outono, nós sentamos no banco que ficava nos fundos, em baixo de um pequeno caramanchão. Eu muito entusiasmada, comecei a falar sobre o nosso casamento que estava se aproximando.

Ele me deixou falar. E quando eu me calei, ele pegou a minha mão, a beijou e disse-me. “Eu te amo mais do que tudo. Quero a tua felicidade... Te desejo um futuro brilhante... No entanto, eu não posso me casar contigo. Não nessa condição. A minha cegueira não tem cura, não vou mais voltar enxergar. Não quero ser um estorvo em tua vida. Tu és jovem, bonita, inteligente e logo estarás cansada de ter como marido um homem mutilado. Um homem inútil, o qual deverás conduzir pelo resto da vida. Não! Tu mereces uma vida melhor...

Tu mereces um homem que aprecia a tua beleza, o teu sorriso encantador, que perceba no brilho do teu olhar o estado de tua alma. Sim, porque és transparente... Eu não posso mais ver-te...

Fiquei espantada!

Eu não estava acreditando, aquela conversa não estava acontecendo... Me belisquei para saber se era um pesadelo. Mas infelizmente era verdade.

Eu pedi, implorei para que nos déssemos a chance de ser feliz. Foi inútil.  Leopoldo foi implacável! Não levou em consideração os meus argumentos... Ele já havia decido...

Sentindo-me humilhada e rejeitada, naquela mesma tarde arrumei as minhas coisas e sai daquela casa, para nunca mais voltar!

Marilda calou-se...

Rosane respeitou o silencio. Observava a amiga. Ela tinha ficado muito abatida. Era melhor encerrar a conversa. Outra hora indagaria sobre o que aconteceu depois que ela deixou a casa.

                                              ---

A saída brusca de Marilda, abalou Leopoldo profundamente.

Ele havia pensado muito sobre o assunto. Depois do acidente, sua mãe, passou a implicar com a sua noiva. Não permitia que ela se aproximasse dele, que o ajudasse... Que fosse a sua noiva...

E ele sentia falta do toque suave de Marilda.

Seu pai ao contrário, estava animado com o casamento deles, e afirmava que assim ele teria alguém por ele, para o resto da vida, já que os pais não eram eternos. Só sugeriu que eles ficassem morando ali.

Leopoldo começou a imaginar como seria o seu casamento... Não daria certo! Com a sua mãe interferindo a todo instante. Ele queria a felicidade de Marilda e não a aprisionar em um casamento infeliz.

Ele seria um fardo pesado a ser carregado.

Uma tristeza se abateu em seu coração.

Os dias passavam, a data estabelecida se aproximava, uma decisão era imperativa. E assim ele fez a sua escolha. Conversar com Marilda seria uma tarefa árdua. E ele se preparou para enfrentá-la.

Escutar a voz embargada dela, o desespero dela pedindo, não, implorando para que continuassem juntos, foi dolorido. A sua vontade era abraçá-la e ficar para sempre unido a sua querida noiva.

Mas ele não podia exigir dela um sacrifício de vida, e uma aflição tão grande. Com o coração partido, ele se manteve firme, e não cedeu aos apelos de Marilda.

Um vazio ficou ao seu lado, quando ela chorando levantou-se e afastou-se dele. O deixando sentado sozinho no meio do pátio.

E para a sua tortura, ela tinha ido embora.

Fugiu dele!

Nem um adeus ele ouviu...

Ele não imaginou que a reação de Marilda fosse tão radical. Sabendo que ela não tinha para onde ir, imaginou que ela ainda permaneceria alguns dias ali.

Uma angustia tomou conta dele. Entrou em desespero. Aonde ela estaria? Ela não tinha ninguém... E começou se questionar se tinha agido certo?

Eles se amavam profundamente, desde a adolescência. Ele nunca pensou em outra garota. Marilda sempre esteve em seus pensamentos... Tinha cuidados para com ela. Adorava aquele seu jeito alegre e matreiro. Apreciava a sua inteligência e a queria sempre a seu lado. Fez muitos planos, eles tinham um projeto de vida feliz.

Mas o inesperado fez uma surpresa...

A vida lhe deu uma rasteira...

E agora além da escuridão, havia em sua vida uma tristeza infinita.

Leopoldo muito angustiado pediu ao pai que descobrisse aonde ela estava morando. Seria mais fácil imaginá-la em um lugar, e não solta no mundo.

Não demorou para seu Walter saber que ela havia alugado um quarto, na casa de dona Ilse Scheneider. Pai e filho ficaram sossegados, ela havia escolhido viver em uma casa de gente decente, não muito distante dali.

Dona Erna, a rotulou como mal agradecida, ora viver e conviver com eles tanto tempo, e depois sair sem ao menos deixar um bilhete... E decidiu que não pronunciaria mais o nome da moça. Achava que essa era forma de ajudar o filho a esquecer, aquela ingrata.

Leopoldo havia comprado um apartamento para eles morarem depois de casados. Muito preocupado com o futuro de Marilda, ele pediu ao pai que transferisse o imóvel para ela. Como desculpa poderia alegar ser pagamento da parte do pai dela na empresa. Pois se ela soubesse que era presente dele, talvez ela não aceitasse. E ele queria garantir, ao menos, um teto para ela viver.

Ele sabia que algum dinheiro ela tinha. Pela morte dos pais ela recebeu as economias do casal, que estavam em uma conta de Caixa Econômica Federal.

Depois de tudo feito, Leopoldo acalmou um pouco a sua consciência. Mas o vazio em sua vida só aumentava, a saudade que sentia do som da voz, da risada dela, dor calor de sua pele, estavam o enlouquecendo.

Ela permanecia em seu pensamento, em seu coração, em sua alma. A aliança de compromisso, que ela havia colocado em dedo continuava ali. E ele não sabia mais o que fazer. A noite recolhido ao seu quarto, ele chorava pelo amor desperdiçado...

                                        ---

Nós gostávamos das mesmas coisas, das mesmas sensações... – Disse Marilda, de repente, tocando a corrente que usava sempre, com a sua aliança de noivado. -– Sair a passear na chuva era uma dessas coisas. Uma vez, estávamos na praça que ficava próxima a nossa casa, quando começou a chover, em vez de voltarmos para casa, nós sentamos no banco e abrimos a minha sombrinha. Foi engraçado. Nós riamos felizes...

-- E depois que saístes de lá, o que aconteceu? – Quis saber Rosane.

-- Bem eu fui pedir morada na casa da dona Ilse, eu sabia que ela estava querendo alugar o quarto da filha, que recém havia casado. Ela era viúva, costureira e não queria ficar só. Ela me aceitou na hora... Fiquei morando ali um bom tempo. Até que um dia, seu Walter apareceu e me ofereceu este apartamento como pagamento pela parte do meu pai na fábrica. Eu aceitei. Pensei que se era referente a parte de meu pai na sociedade, eu um direito meu, aceitar. Ele me entregou parcialmente mobiliado. Tinha o essencial. Quando vim morar aqui eu já estava fazendo o estágio. Logo consegui uma colocação aqui no São João. E foi onde trabalhei toda a minha vida. Sou grata ao seu Walter. Sempre tive um teto.

-- Nunca mais soubestes do Leo? – Perguntou Rosane muito interessada em saber o que aconteceu com o pobre rapaz.

-- Sempre que eu ia visitar a dona Ilse, ela me falava. Sim, pois ali na vizinhança todos tinham muita consideração pelo Leo, ele era muito querido, e todos ficaram consternados com o acidente. Assim, que os vizinhos não faziam fofoca, apenas contavam uns aos outros o que sabiam. O primeiro a morrer foi o seu Walter. Ver o filho naquele lamentável estado, o abateu profundamente. Ele vendeu a fábrica... E um dia simplesmente não acordou. Já dona Erna viveu mais um tempo. Um problema de pulmão a consumiu. E o em menos de dez anos o Leo estava só no mundo. Depois da morte a mãe, os vizinhos passaram a cuidar dele. Faziam as compras, cozinhavam, limpavam a casa, e conversavam com ele. Segundo sei ele melhorou, não estava mais tão depressivo. Porém um dia ele tentou se matar... Então um primo distante o levou para o interior. E eu nunca mais soube dele.

-- E depois da morte da mãe dele, não pensastes em procura-lo? – Indagou Rosane.

-- Pensei... Pensei muitas vezes... No entanto, eu tinha medo de ser novamente rejeitada. E isso eu não suportaria. E dizia a mim mesma. E porque ele não vem até mim? Então não o procurei. Sempre rezei por ele... Por fim o perdoei. Na época ele estava muito perturbado, inconformado e tentou fazer o melhor por mim. Disso eu tenho certeza. Talvez se tivéssemos casado o rumo de nossa vida fosse outro, mas alcançaríamos a felicidade com aquela mulher me odiando?

-- É... tens razão. Tivestes uma vida boa? – Atreveu-se Rosane.

-- De certa forma sim. Tinha o meu trabalho, o meu cantinho. Mas meu coração secou. Nunca mais me interessei por ninguém. Todo o meu amor foi para o Leo. A minha vida, a minha juventude ficou com ele.

                           ---

O que Marilda não sabia é que depois da morte dos pais, Leopoldo muitas vezes pensou em ir buscá-la para continuar a vida, de onde parou, para continuar ao lado de sua amada.

Mas ele nada sabia dela.

Sabia aonde morava.

Todavia não sabia se ela o aceitaria outra vez, se o perdoaria por ter sido tão duro, por não ter cedido aos seus apelos...

E se ela estivesse casada...

Ah... Esse pensamento o afligiu...

Pensar que a sua amada poderia estar nos braços de outro o perturbou, tanto que tentou terminar com a própria vida.

Agora nada mais poderia ser feito.

Parentes o levaram para o campo...

Viveria com suas lembranças...

 

                            Maria Ronety Canibal

                                   Agosto 2022

 

 IMAGEM VIA INTERNET

quinta-feira, 24 de março de 2022

AMIGOS...

AMIGOS...



                  

A festa de casamento estava muito animada. Tamires e Daniel tinham dançado a valsa nupcial, abrindo assim o baile, quando Mauricio aproximou-se de Camila, e a convidou para dançar.

Camila estranhou, pois ele tinha um caso mal resolvido com uma amiga dela, a Leila. Mas aceitou, afinal estavam numa festa de casamento. Ele era um cara legal, mas vivia em apuros, pois tinha um problema muito grave, não conseguia ser fiel às suas namoradas.

Camila divertia-se com as histórias relatadas por Leila, que muito apaixonada, não conseguia se afastar de Mauricio, passava se queixando, não tinha determinação e humilhava-se todos os dias.

-- Mauricio, a Leila está me olhando atravessada... Vocês brigaram outra vez? – Perguntou Camila, deixando enlaçar por ele.

-- Estamos brigados faz tempo! Eu não aguento mais, ela passa me infernizando, já implorei para ela me deixar... E ela nem é da nossa turma, que é eclética, cada um com a sua profissão, mas temos em comum a nossa paixão por cavalos.

-- Verdade. A Leila adora cães. Já nem sei mais quantos ela tem.

-- Não quero te mentir, mas já são 32 na casa da mãe dela. E no sitio em que dela são uns 18. Portanto somam 50.

-- Bah... é muita coisa... Me explica a razão da briga de hoje?

-- Ela fica implicando. Disse que eu estava olhando para uma mulher. Não sei o que ela pensa... Para onde vou olhar, senão para uma mulher? Eu estou certo?

-- Perfeitamente. – Afirmou Camila rindo. – Eu acho que bebi demais. Eu estou dançando nas nuvens...

-- Isso é o efeito da minha companhia.

-- Acho que é efeito do álcool, para ser bem sincera.

-- Hoje eu não estou bebendo. Te levo para casa...

-- Vou aceitar essa oferta.

A dança foi interrompida para mais um brinde aos noivos.

Camila era madrinha da Tamires, e uniu-se ao grupo com direito a discurso.

Mauricio encostou-se numa coluna e ficou atento a Camila, que entre muitas risadas, discursou fazendo uma bonita homenagem aos noivos, e sobretudo, ela estava divertindo-se. Eles se conheciam há tanto tempo, e no entanto, ele nunca tinha reparado como ela era bonita e divertida. Lembrava-se da primeira vez que a viu, ela era ainda muito jovem, era Médica Veterinária, já com doutorado. Ela recém tinha chegado do EUA, onde tinha trabalhado em um Haras de PSI.

-- Agora o teu novo caso é com a Camila! – Disse Leila colocando-se ao lado de Mauricio.

-- Me deixa, parece sarna... – Respondeu ele saindo de perto dela. Ele foi sentar na mesa com Vicente e Renata.

-- A Leila está bem transtornada hoje. O que aprontaste? – Perguntou Renata rindo.

-- Por que eu sempre sou o culpado? A Leila vai me enlouquecer. Não sei mais o que fazer. Já implorei para ela ir embora. Ela se instalou na minha vida sem o meu consentimento. Eu fui inconsequente, eu sei, mas foi ela quem se deitou na minha cama, e eu sou homem... Nunca imaginei que uma noitada fosse se transformar em pesadelo... Vou ter que mudar de vida, cidade, trabalho, para me livrar dela.

-- É uma ideia. Tira um tempo na fazenda. Lá eu garanto que ela não vai querer ficar. – Aconselhou Vicente.

-- Talvez eu faça isso. Ou busque outra alternativa.

A festa seguiu bem animada.  Francine e Juliano juntaram-se a eles e a conversa rolou. As observações sobre a fofoca do momento, era o cerne do assunto.

Mauricio notou os olhares de Pedro para Camila. Isso o incomodou. Os demais também tinham percebido a sensualidade dela, em especial nesta noite. O vestido turquesa realçava os seus cabelos cor de mel, o brilho do olhar e o sorriso fácil, a deixavam sedutora.

Pedro aproximou-se dela e os dois conversaram por muito tempo.

Leila bebeu demais, e chorava sozinha num canto. Mauricio nem se abalou. Pensou em sair antes que ela armasse algum escândalo. Convidou Camila para ir com ele. Ela estava engraçada, pois ria de tudo, mas aceitou ir embora com ele. No carro ela pegou no sono. Quando chegou, Mauricio a acordou e  levou até a porta do apartamento. Ela estava muito atraente, mas ele se segurou, afinal, a sua amiga estava embriagada.

-- Precisas que eu te ajude? Ou consegues ir para cama sozinha? – Perguntou Mauricio debochando dela.

-- Obrigada pela carona. Estou um pouco “alta”, mas está tudo sob controle.

-- Tem certeza?

-- Sim. Amanhã nos falamos... temos um projeto de viagem... lembra?

-- Amanhã à tarde conversamos. Te ligo. – Despediu-se ela a beijando no rosto, como um bom amigo.

 

Conforme o combinado, Mauricio ligou para Camila, no domingo à tarde:

-- Oi, como está a ressaca?

-- Estou bem.  Acabei de falar com a Raquel... Depois que saímos, a festa esquentou. A Leila deu um show...

-- O que ela aprontou dessa vez?

-- Dançou escandalosamente...

-- Não me surpreendo. Estava bêbada e nesta situação ela tem tendencia de se despir... Foi o que aconteceu?

-- A intenção era essa, mas a Renata a impediu.

-- Aceitas jantar comigo?

-- Aceito. Que horas vens me buscar?

-- Ao anoitecer. Te ligo antes de sair.

-- Ok. Tchau

 

Camila e Mauricio tinham em comum o gosto por trilhas e estavam planejando sair no feriadão que teria no próximo mês. Durante o jantar eles acertaram o itinerário e reservaram até a hospedagem.

Eles já tinham participados juntos de Passeios de Bicicletas, várias vezes. E foi numa dessas oportunidades que Mauricio começou a perceber a tenacidade de Camila, algo que ele apreciava nas mulheres. Comparar Camila com a Leila, era até um desproposito, já que Camila ganhava longe em todos os quesitos.

Leila tinha se tornado uma mulher chata, pegajosa, insuportável. Queixava-se o dia inteiro, do trabalho, da família, dos amigos... Nada servia para ela. E Mauricio não a aturava mais.

 

Francine e o marido Juliano, tinham uma fazenda muito próxima da capital, era o lugar onde residiam e trabalhavam. Eles criavam cavalos Árabes, e tinham pistas para treinamento de salto com barreiras, trilhas para cavalgadas, assim como hospedagem cavalar. Localizado na beira do lago Guaíba, era um lugar muito aprazível.

Para aquele dias eles tinham convidado os amigos para um churrasco de boas-vindas ao casal que retornava de lua de mel. Tamires era muito querida de todos, pois a sua história de vida e superação era surpreendente. O grupo era grande e quando conseguiam juntar todos era divertimento na certa.

-- Vamos juntos amanhã? – Propôs Mauricio ao telefonar para Camila.

-- Sim... Ando cansada de dirigir. Essa semana não parei. Andei muitos quilômetros para atender os meus “clientes”. – Disse ela rindo referindo-se aos cavalos que atendia.

-- Lá pelas 8h estou chegando ai, para te pegar. Beijos. – Disse desligando o telefone.

Camila desligou pensando que Mauricio era um bom amigo. Era o único que se importava, de fato, com ela. Com a família residindo no interior, ela morava sozinha desde que viera para fazer o Mestrado, seguindo no Doutorado. Depois começou a trabalhar e se estabeleceu na capital. Tamires era uma boa amiga, mas agora casada, não seria mais companhia de todas as horas. Ainda mais que morariam em Santa Cruz, cidade natal de Daniel.

Camila também mudaria de vida. Seu aluguel iria aumentar consideravelmente, e sua vontade era sair de Porto Alegre. Queria viver em numa terra onde poderia ter seus animais de estimação e um lugar para se estabelecer com uma Clínica de Reprodução Equina.

Ela sabia que seria um investimento de alto custo, mas como tinha um dinheiro que ganhara do avô, ela estava procurando um lugar adequado. Já tinha visitado alguns locais, porém nenhum agradou.

 

Mauricio chegou no horário combinado, ele estava feliz naquela manhã:

-- Bom dia, minha querida. Passou bem?

-- Ué, que bicho te mordeu? Por que essa felicidade a essa hora da manhã? – Quis saber Camila.

-- Tomei uma decisão e vou mudar a minha vida completamente. – Disse ele. – Enfim o inventário do meu pai foi resolvido. E eu vou ficar com a fazenda da Barra. E vou iniciar a minha tão sonhada criação de Cavalos Crioulos. Conto contigo para me ajudar...

-- Te ajudo sim. E a Leila, vai também?

-- Nem me fala. Já avisei para ela sair do apartamento. Coloquei para alugar e um conhecido meu já se interessou. Em um mês o apartamento tem que estar à disposição. Aluguei mobiliado.

-- Que bom! E qual foi a reação dela?

-- Esbravejou... Chorou... Gritou... E eu sai de casa. Estou no apartamento do Cristiano por uns dias. Essa semana vou para a fazenda, e já fico por lá.

-- Sinceramente, espero que te livres dela. A Leila precisa de tratamento. Sei que ela é adotada, e por isso tem problemas de rejeição, mas infernizar a vida de todo mundo... é loucura. Que vá se tratar! Não tenho paciência.

-- Concordo.

-- Eu também estou saindo de Porto Alegre. Ainda não sei para onde vou. Quero um lugar só meu, onde eu possa trabalhar e viver com tranquilidade.

-- Pra que lado estás querendo. O irmão do meu cunhado está querendo vender o sitio que ele tem em Mariana, muito próximo a BR.

-- Essa semana vou visitar um em Sertão. As fotografias são lindas. Estou bem entusiasmada. Embora eu ache um pouco distante. Eu queria mais próximo de Porto Alegre.

-- Se queres te acompanho.

-- Seria ótimo. – Comentou Camila, pensando que precisava decidir com urgência a sua mudança.

 

-- Pensei que seriamos os primeiros a chegar... – Falou Mauricio

-- A Flávia e o André devem ter vindo ontem, assim como a Veridiana e o Murilo.

O dia estava quente e a piscina foi a diversão escolhida. Camila tinha levado biquini, e sem demora trocou-se e caiu na água. De onde estava Mauricio a observava disfarçadamente.

-- Vamos cair na piscina também... – Disse André.

-- Não vou ficar por aqui. Vou ajudar o Juliano com o assado. Vá aproveite que a piscina está repleta de “gatas”.

-- E que “gatas”! – Comentou André afastando-se dele.

Mauricio não sabia o que estava acontecendo com ele. Já tinha ficado com um número infinito de mulheres, e nenhuma mexeu com ele, como Camila fazia. Nem mesmo a Leila, que era muito bonita tinha o atraído dessa forma. Com a Leila tudo foi empurrado pelas circunstâncias. Hoje arrependia-se de não ter sido firme em seu propósito.

A diferença de Camila em relação as outras era o respeito. Ela brincava, mas se dava o respeito. Ele que era um conquistador, e tinha na mão a mulher que desejasse, nunca tinha encostado um dedo em Camila. E isso o provocava ainda mais.

Sem conseguir desviar os olhos de Camila, ele permaneceu encostado na árvore, quando escutou Vicente dizer:

-- Cara! Estás dando bandeira. O que te aconteceu?

-- Como assim, estou dando bandeira? – Perguntou Mauricio dissimulado.

-- Tu não tiras os olhos de cima da Camila.

-- Nada!

-- Camila é uma mulher extraordinária. Não vai te meter com ela... 

-- Nem que eu quisesse. Ela mesma me disse que não quer saber de homens, pois sofreu muito por causa de um cafajeste, assim como eu sou.

-- Não brinca, ela te disse isso? – Falou Vicente gargalhando. – Ela é incrível. Não esconde seu ponto de vista, nunca. Uma sinceridade que as vezes dói.

-- Verdade. E ela me falou isto, por causa do meu comportamento em relação a Leila. Descobri que ela é uma mulher fascinante! Mas não é para mim.

-- É, tem muitas outras mulheres para ti. Não admitiremos que magoe a nossa veterinária. – Disse Vicente sério. – Vamos dar um mergulho na piscina.

-- Vou ficar por aqui.

Estavam todos almoçando, a turma toda descontraída, muita conversa, risos, quando despontou um carro na porteira.

-- Era só o que me faltava... – Disse Mauricio levantando-se – Aquele carro é da Raquel e deve estar com a Leila. Estou indo embora.

-- Fica... – Disse Francine. – Te damos guarida.

-- Obrigado. Mas estou saturado, tanto que não posso nem escutar a voz daquela criatura.

-- Vou contigo. – Disse Camila. – Viemos juntos...

-- Fica. Nós te damos carona. – Falou Renata.

-- Obrigada. Vou embora, também.

-- Então leva uma bandeja de doces. Vou pegar – Levantou-se Francine indo buscar os doces para os amigos.

-- Tchau... Até a próxima... – Disse Mauricio indo para o carro.

Camila pegou o pote com os docinhos, abanou para os amigos e entrou no carro de Mauricio, que saiu apressadamente pelo acesso de serviço da fazenda. Evitando cruzar com o carro em que estava a Leila.

Um constrangimento tomou conta de todos. Raquel não fazia parte da turma, era uma penetra que usava o parentesco com Juliano, para participar das divertidas reuniões deles. E para piorar ela ainda estava com a Leila a reboque.

-- Oi – Disse Raquel – Eu avistei fumaça e percebi que o churrasco era aqui.

-- Oi...  sentam, vou servir a carne para vocês... – Falou Juliano tentando amenizar a situação. Ele observou a Leila e viu que ela estava furiosa. Não tinha noção do que poderia acontecer. E pensou que Mauricio e Camila foram perspicazes ao evitar o encontro.

Leila não tinha cumprimentado ninguém. Sentou quieta, não aceitou o pedaço de carne que lhe foi oferecido. Ela bufava! Os amigos sentiram que a situação estava tensa, e que Mauricio ainda teria maus momentos pelo caminho. Então de repente ela falou:

-- Todos vocês, sem exceção estão a favor do cretino do Mauricio. Ele me usou e agora está me descartando como se eu fosse um chinelo velho. Mas eu não vou deixar barato. Hoje ele fugiu de mim. É um covarde! E a Camila está se prestando a fazer o jogo sujo para o meu lado. Vocês todos são uns imbecis!!! – Gritou ela, completamente descontrolada.

Daniel que era médico, logo agiu, dando a ela um copo com água. Mandou que tomasse devagar, gole por gole. Ele sempre carregava no carro a sua maleta, e ali tinha alguns medicamentes. Foi até o carro e trouxe um leve calmante. Fez com que ela tomasse e sinalizou para os amigos que ficassem quietos, sobretudo calados.

Francine buscou a sobremesa. Eles comeram os docinhos pensativos. Aos poucos todos foram embora. O que era para ter sido um dia inteiro de alegria tornou-se uma tarde sombria.

 

Mauricio dirigiu calado. Camila não se atrevia a puxar assunto, pois sabia o quanto o seu amigo estava chateado. Ele sentia-se perseguido... Estavam quase chegando quando ele rompeu o silencio.

-- Me desculpe. Eu estraguei o teu domingo.

-- Não te preocupas comigo. Tu é que tens que buscar o rompimento total e definitivo com a Leila. Ela não tem limites, e acabou com o humor de todo mundo. Todos vieram embora, segundo a Tamires, que acabou de me informar. Ninguém mais suporta essa criatura.

-- Eu não entendo a posição da Raquel. Elas nem são super amigas...

-- A Raquel gosta de ver o circo pegar fogo. Se diverte com a desgraça alheia. Elas não são da turma, não são afinadas com as nossas ideias. São intrometidas...

-- Tens razão. Pronto chegamos. – Disse ele. – Terça feira te pego para irmos ver a propriedade do Matias. Depois te mostro a minha fazenda. Tu serás a única com livre acesso a minha casa. Não confio em mais ninguém.

-- Acho que estás certo. Deixa o tempo correr... Até terça. – Despediu-se ela com um beijo no rosto de Mauricio.

Naquele fim de tarde, a conversa rolou no grupo de amigos no Whatzapp. Francine tinha formado um novo grupo, no qual a Raquel e Leila não participavam. Ali era um espaço só deles.

Todos mostravam-se descontentes com a presença da Raquel e da Leila. Incomodados com intromissão no grupo deles. Fazia muito tempo que eles se reuniam e tinham se tornado bons amigos. E por causa daquelas duas, o grupo estava correndo o risco de se desfazer.

 

Conforme eles tinham combinado, naquela semana Mauricio acompanhou a sua boa amiga Camila na visita de uma área de terra em Mariana. Na visitação, Camila percebeu que a casa e instalações para empregados as cocheiras estavam de acordo com a sua necessidade. Ali tinha tudo o que ela precisava para se estabelecer. O jardim em volta da casa era bonito bem amplo, tinha um pomar bem cuidado, e uma vista magnifica e não era distante da estrada principal.

Camila ficou empolgada e na hora decidiu ficar com a propriedade. Depois de tudo acertado, quando eles já estavam a caminho da fazenda de Mauricio, ele falou:

-- Acho que fizestes uma boa escolha. É um lugar muito agradável.

-- Me apaixonei assim que eu vi.... – Explicou ela.

-- Ah... se te apaixonasses por mim... como eu seria feliz.  – Disse Mauricio olhando para ela.

-- Tu sabes que eu gosto de ti... – Respondeu Camila sorrindo. -- Eu Vou precisar de pouco dinheiro para deixar tudo organizado para o meu trabalho. As cocheiras são espaçosas e tem aquelas peças contíguas, que darão perfeitamente para instalar um laboratório, e escritório.

-- Sim. Eu sabia que tu ias gostar do lugar. A propriedade tem a tua cara. – Falou Mauricio -- Estamos chegando.

-- É aqui? Somos quase vizinhos...

-- Eu te falei que era muito perto.

Mauricio mostrou o campo da fazenda para Camila, havia gado e algumas ovelhas; e só depois se dirigiram para a sede. Ali havia um galpão, algumas cocheiras, alojamento para funcionários e uma boa casa. Tudo precisava de reparo. Apenas um casal residia ali e ambos cuidavam de tudo.

A casa principal estava limpa e arrumada. Dona Olivia, logo foi para a cozinha e voltou trazendo um café recém passado e biscoitos de nata.

-- É uma delícia... – Disse Camila provando um biscoito. – É a senhora quem faz?

-- Sim, aqui tem leite à vontade e eu aproveito nata.

-- Muito bom! – Disse Mauricio. – Já vi que vou passar bem...

-- Sim senhor. Vou fazer só coisas boas... – Comentou dona Olivia bem animada.

Mauricio deixou Camila conversando com a cozinheira e saiu para acertar algumas coisas com seu Ivo. Quando retornou uma nuvem escura e pesada se aproximava rapidamente.

-- Acho que o senhor e doutora terão que esperar. Vai desabar o mundo. – Disse seu Ivo assustado com o temporal que se aproximava. – Vou fechar tudo antes que desmorone o mundo... – Disse correndo em direção ao alojamento.

Mauricio foi até a camionete e a guardou no galpão. Fechou a porta, trancou e correu para dentro de casa. Uma nuvem de poeira indicava que a ventania tinha chegado. Anoiteceu repentinamente e o céu desabou. A chuva era pesada e intensa, relâmpagos cortavam a escuridão e o vento assobiava, e a luz se apagou.

Dona Olivia foi buscar uma vela. A conversa cessou, pois o vento estava cada vez mais forte. O estrago seria grande, pensava seu Ivo. O temporal foi duradouro, e quando enfim passou, deixou um rastro de destruição.

Mauricio e seu Ivo saíram para ver como estavam as vacas leiteiras e as aves. Muitos galhos caídos, mas à primeira vista, todo o resto estava bem. A estrada estava debaixo d’água. Era impossível sair dali.

-- Eu estou enxergando direito. A estrada está coberta pela água? Fica sempre assim? – Perguntou Mauricio preocupado.

-- Não! Hoje a chuva foi excepcional. Mas logo escoa, a drenagem é boa. Deve ter chovido mais de 100mlm.

-- Será? Temos Pluviômetro?

-- Sim. Vamos conferir. – Seu Ivo caminhou até a cerca onde estava o marcador e constatou que não errara na estimativa. Chovera 115 milímetros. Era muita chuva em pouco tempo.

Com um olhar ao redor, seu Ivo constatou que o temporal não havia danificado as construções. Havia, sim, muitos galhos de arvores caídos.

Eles tiveram que passar a noite na fazenda. Camila era uma mulher absolutamente independente, e administrava sua vida conforme a exigência do momento. Precavida ela carregava em sua bolsa uma muda de roupa. Então antes do jantar ela tomou um banho e se apresentou limpa e perfumada, o que perturbou Mauricio.

A conversa animada, fez com que eles não percebessem a adiantado da hora. Quando Camila deitou-se não pensou em nada, simplesmente dormiu.

Já Mauricio ficou pensando no que sentia. Ele, pela primeira vez, estava vivendo um sentimento mais profundo. Não era apenas atração sexual que experimentava por Camila, era algo mais e isso o assustava.

Depois do episódio com a Leila, ele não queria mais implicação, queria apenas as mulheres disponíveis, que não envolvesse sentimentos e tão pouco compromisso. Mas, Camila não se encaixava neste grupo. Ela era uma mulher trabalhadora, honesta e inteligente. Era uma joia preciosa.

 

Os dias que se seguiram foram de muitas atividades, tanto para Camila como para Mauricio, pois ambos estavam vivendo o tempo de adaptação no novo local, aonde iriam morar e trabalhar. Era imprescindível que tudo ficasse bem, sobretudo para o manejo dos animais.

Camila muito comunicativa logo se inseriu na comunidade e fez novos amigos: sendo uma dedicada e excelente profissional, logo  conquistou o seu espaço, e o seu trabalho aumentou consideravelmente. Diariamente ela tinha a agenda completa.

Mauricio e Camila tiveram que cancelar e adiar a trilha que pretendiam fazer. Dois fatores contribuíram para a decisão: trabalho e previsão de muitas chuvas.

Envolvidos no trabalho, eles pouco se viam, e tão pouco participavam das reuniões do grupo de amigos. Agora morando mais distantes era compreensível a ausência deles.

Mas o fim do ano se aproximava, e Camila aliviou a sua agenda de trabalho. Iria visitar os pais e os irmãos que moravam em Dom Pedrito, onde comercializavam secos e molhados. Fazia tempo que ela não visitava a sua cidade natal.

Mauricio iria passar as festas de fim de ano na fazenda e sozinho.

 Mandou instalar uma piscina, e aproveitaria o verão sem sair de casa. Ele não tinha mais ânimo para as noitadas, para conversas fúteis e mulheres fáceis. Tomava consciência de que estava ficando velho... Entretanto, sabia que a razão de seu desânimo, tinha nome, e se chamava Camila. Ele estava completamente apaixonado por ela, essa era a verdade, que ele enfim, admitiu.

Prometeu a si mesmo que iria mudar de vida. Não queria mais ser rotulado de cafajeste, sobretudo por Camila. Ele mudaria o seu comportamento e esperava, que algum dia, ela notasse a mudança, e percebesse que ele se tornara fiel a mulher amada. Então, nesse dia ele revelaria o imenso amor que estava guardado em seu coração. E, que todo esse sentimento era exclusivamente para ela. Ele a faria feliz... muito feliz!

Era fim de março quando eles fizeram a trilha, já planejada anteriormente. Ali, Camila notou que o seu amigo estava diferente, não falava mais de suas conquistas. E estava totalmente focado na sua fazenda. Aliás, o assunto girava sobre animais, em especial a sua criação de Crioulos. Camila tinha inseminado todas as éguas que Mauricio tinha comprado.

Já estavam retornando, e quando pararam num posto de combustível, e Camila assistiu duas mulheres se jogarem sobre ele, mesma ela estando presente. Foi engraçado, e ao mesmo tempo irritante a forma com aquelas duas se insinuavam, para ele. Mauricio, sem jeito, olhou para Camila, a envolveu pela cintura e levou para a camionete. E tratou de sair dali.

-- Desculpe... – Disse Mauricio quando deu partida na camionete.

-- É sempre assim que elas agem? Pensei que ia rolar um sexo a três. – Comentou Camila rindo.

-- Foi tão escandaloso assim?

-- Ainda bem que era só nós. Mas a senhora que estava no caixa arregalou os olhos. São tuas conhecidas?

-- Sim... Dos velhos tempos.

-- Esse distanciamento tem feito maravilhas em ti. – Afirmou Camila com naturalidade. – Não sei o que aconteceu contigo.

-- Eu tenho um objetivo... e para alcança-lo eu preciso ser outro homem.

-- Verdade! Estás apaixonado? E desta vez é sério?

-- Sim...

-- Quem é ela? Eu conheço?

-- Ela é uma mulher maravilhosa...É linda, cativante, divertida, companheira... Cheia de qualidades...

-- E por que ela não está ao teu lado?

-- Ela ainda não sabe. Estou esperando o momento certo.

-- A gente faz o momento... Não perde tempo...

Ele a olhou sorrindo.

-- De hoje não passa. – Disse para si mesmo. Pensando em estender o dia com um jantar na casa dele. Ele tinha desenvolvido seus dons culinários. E segundo dona Olivia, ele estava se saindo muito bem. Ele estava planejando o que iria fazer, lembrando-se dos ingredientes que tinha em casa. Então Camila, cortou seu pensamento ao declarar:

-- Credo! Estou cansadíssima. Só quero chegar em casa, tomar um banho e dormir. Acho que estou ficando velha...

-- Dessa vez foi mais puxado. Era muito íngreme... – Comentou ele decepcionado.

Mauricio a deixou em casa, despediram-se, e ele tomou o caminho da fazenda. Também estava cansado. Talvez tenha sido melhor, num outro dia o assunto poderia fluir de modo mais perfeito.

 

A semana foi cheia de imprevistos, não só para Mauricio com também para Camila. Ela precisou ir para Bagé, pois sua mãe tinha sofrido um acidente caseiro, estava internado no hospital. Ela permaneceu com a mãe por uma semana. Depois que dona Lorena estava bem, foi que ela retornou.

Os dias que se seguiram foram de chuvas intensas, as estradas ficaram intransitáveis e os passos cheios, já que os arroios e rios transbordaram. Camila estava preocupada com o seu calendário, seu serviço estava atraso, e o tempo ruim atrapalhava.

Fazia dias que não falava com Mauricio, ela já tinha ligado várias vezes e ele não dava retorno. Embora estivesse preocupado com o amigo, ela estava impedida de ir até a fazenda dele, pois um pontilhão de madeira, tinha ruido.

Enfim o tempo melhorou e o sol voltou a brilhar. Máquinas trabalhavam para recuperar as estradas. E então Mauricio apareceu de surpresa.

-- Meu amigo! –  Saudou Camila, o abraçando com alegria. – Te liguei inúmeras vezes...

-- Meu telefone foi levado pela correnteza... – Disse ele rindo.

-- Não brinca!  Perdestes tudo...

-- Sim. Vou ter que começar de novo. Uma vantagem eu levo. Só vou dar meu novo número para os bons amigos. Meu passado está morto e enterrado. Vida nova!

-- Realmente estás mudado... Embora eu custe a acreditar, não posso negar que teu comportamento é outro. Acho que posso te dar os parabéns.

-- Aceito com um abraço e um beijo...

-- Oh... Já estás tendo uma recaída. Tu falaste que tudo é por causa de uma mulher... E ela vale tudo isso?

-- Vale muito mais... Ela é maravilhosa, uma pessoa incrível, que aos poucos foi tomando espaço no peito, e conquistou inteiramente o meu amor...

O telefone de Camila soa, e ela pede licença para atender, é um cliente. Uma urgência faz com que ela corra para atender uma égua parindo. Mauricio a acompanha, mas sabe que terá outra oportunidade para revela o seu amor.

Quando chegaram ao local onde estava a égua, Mauricio avistou Tobias, e seu sangue ferveu. O tal cliente novo, era o cafajeste do Tobias. Se ele tinha sido um canalha para com as mulheres, esse era muito pior, pois falavam as más línguas, que ele era também violento.

Antes de sair do carro, ele pegou a mão de Camila e pediu:

-- Vou passar por teu namorado. Não me contrarie. Depois te explico.

-- Sei que o Tobias é metido a conquistador, mas comigo ele não tem vez.

-- Por favor. Sei o que estou fazendo.

-- Certo.  Vamos... Estamos demorando a sair do carro.

Os dois homens se cumprimentaram como dois galos de rinha. Enquanto Camila orientava os funcionários do haras, Mauricio e Tobias se mantinham calados, observando o nascimento do potrinho. Depois de uma hora, recém-nascido já estava em pé ao lado da mãe.

-- Pronto. Ele é sadio, a mãe está bem. Qualquer coisa me avisa.

-- Muito obrigado doutora, posso te chamar de Camila?

-- Como querias... – Respondeu ela.

-- Podemos ir, amor? – Perguntou Mauricio.

-- Sim. Por aqui missão cumprida. Depois te mando a conta. – Disse Camila despedindo-se de Tobias. – Até mais.

Já na camionete, enquanto retornavam Mauricio falou:

-- Além de conquistador ele é violento. Já foi processado por violência doméstica. Ele divorciou-se há pouco tempo. Por isso te peço, não te envolvas com ele.

-- Nem que eu quisesse... Agora já estou comprometida contigo... – Disse ela rindo. – Por que te importas tanto comigo?

-- Porque eu te amo. Quero cuidar de ti, estar sempre contigo...

Mauricio parou a camionete, desligou o motor, se virou para ela e continuou falando:

-- Tu és a razão da minha mudança de vida. Faz muito tempo que eu te quero, primeiro não tinha coragem porque conhecia o teu pensamento sobre o meu comportamento. Então, mudei meus hábitos. Não foi fácil, mas o amor que sinto por ti é maior que tudo...  Eu te quero em minha vida para sempre. – Ele suspirou – Pronto falei.

-- Mauricio... eu não sei o que dizer.

-- Não diga nada. Apenas deixe eu demonstrar o amor que sinto por ti. Me dá essa chance.

Ele acarinhou a face de Camila e a beijou com ímpeto. Sorrindo sussurrou:

-- Eu quero te mostrar o quanto te amo. Só quero uma oportunidade...

Camila o olhou e acenou afirmativamente com o movimento de cabeça. Ele a beijou suavemente, e falou:

-- Obrigado. Não vais te arrepender.

Depois, deu partida no veículo. Ele a levou para a casa dela. Era ainda cedo da tarde, então ele a convidou para jantar. Ele faria o jantar. Olivia e Ivo estavam de folga, seriam apenas eles. Mauricio já estava imaginando a noite romântica que teriam.

Camila aceitou. Tomou um banho e se arrumou. Se aquele homem a queria, ela seria uma mulher charmosa. Escolheu vestir um vestido azul e uma jaqueta de couro cru. Prendeu o cabelo num coque frouxo. Colocou os brincos pingentes dourados. Um batom rosa antigo completava a maquiagem. Olhou-se no espelho e sorriu.

Quando ela viu assim arrumada, ele logo a abraçou e falou:

-- Estás linda, minha querida. – De mãos dadas eles foram em direção ao carro.

Mauricio mostrou-se um namorado muito atencioso e carinhoso. Depois do degustarem um bom vinho, eles saborearam o delicioso jantar.  Camila enxugou a louça e ambos deixaram a cozinha limpa e arrumada.

Sentaram de mãos dadas no sofá e fizeram planos para o futuro.

A noite foi de entrega, amaram-se com paixão.

 

O tempo passava e a relação tornava-se mais sólida. Camila sentia que podia confiar em Mauricio; que realmente ele a amava e a respeitava como mulher e como pessoa.

A turma estava dispersa, com a mudança de Tamires para Santa Cruz do Sul, e de Camila e Mauricio para Barra e Mariana, as distancias haviam aumentado, e as reuniões não eram mais tão frequentes.

Mas Tamires estava planejando o seu aniversário ao bom estilo da turma. Já havia inclusive, providenciado pernoite para os amigos, numa pousada situada próxima a sua casa.

Tudo estava pronto, e desta vez não haveria penetras...

Seria uma festa de arromba!

 

Tamires estava confiante, pois sabia que Leila havia sido internada numa clínica psiquiátrica, depois de um diagnostico apurado.  Definitivamente, ela não iria mais causar problemas para ninguém.

Mauricio e Camila chegaram cedo, Tamires e Daniel os convidaram para o fim de semana. Era fim da manhã de sábado, quando eles chegaram. Daniel gostava de cozinhar e os esperou com um risoto de camarão.

-- Que saudades! – Saudou Tamires alegremente a querida amiga. – Como é bom te rever. Venha vamos entrar...

-- A tua casa é linda! Adorei...

Mauricio e Daniel entraram na sala. Tamires serviu um aperitivo enquanto Daniel servia uma bebida. A conversa rolou alegremente. Até que num gesto automático, Mauricio pegou a mão de Camila entre as suas.

-- Não é possível... – Falou Tamires rindo. – Vocês estão juntos!

-- Estamos... – Respondeu Mauricio. – Ela me aceitou... enfim... agora estávamos felizes.

-- Bem que o Vicente falou... – Disse Daniel.

-- O que ele disse? – Quis saber Tamires, virando-se para o marido.

-- Que o Mauricio estava apaixonado pela Camila.

-- E tu nem me falastes... – Reclamou Tamires.

-- Conversas de homens. – Respondeu Daniel rindo.

No dia seguinte a novidade foi bem aceita por todos os amigos. O casal era querido por todos.

A conversa rolou e foram feitas as atualizações necessárias. Ao fim do dia o brinde foi para o anuncio do anfitrião:

-- Hoje a minha querida está duplamente feliz. Por ser o seu aniversário, e sobretudo, pela gravidez. Estamos grávidos! – Anunciou ele.

Foi uma algazarra geral... A turma voltou aos velhos tempos... A interação entre os amigos era natural e espontânea. Havia uma relação de amizade sincera entre eles.

Camila e Mauricio retornaram para casa mais comprometidos. O próximo passo seria colocar uma aliança, para selar o amor que os unia.

 

                                                                        Maria Ronety Canibal

                                                                            Março de 2022.

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