sexta-feira, 7 de julho de 2023

COMO CRISTAL


 

COMO CRISTAL

 

Vanusa estava radiante de felicidade.

Era o dia do seu casamento, e seus pais haviam organizado uma grande festa, para comemorar o enlace.

Já vestida de noiva ela se olhava no espelho, onde sua bela imagem estava refletida. Sorriu feliz ao pensar no noivo.

Tobias...

Riu ao lembrar a forma como se conheceram. Tudo aconteceu tão rápido, e Vanusa só lembrava de ter escorregado e ter caído sentada no chão, em pleno calçadão da Rua da Praia. Estava pagando o maior mico. Lisette, a sua amiga, em vez de acudir, desatou a rir, com sonoras gargalhadas, como se fosse uma adolescente.

Então um rapaz, muito gentil, parou e estendeu a mão para ajudá-la a levantar. Muito preocupado ele perguntou:

-- Tu estás bem?

-- Sim, obrigada. – Respondeu a Vanusa muito envergonhada.

-- Eu sou o Tobias e tu como te chamas?

-- Vanusa, e a minha amiga é a Lisette.

-- Vamos tomar um café? – Disse o Tobias indicando a cafeteria que ficava logo adiante. – Assim tens tempo para te recompor e a tua amiga parar de rir.

-- Eu aceito, obrigada. – Disse Vanusa.

-- Eu não posso, tenho hora no dentista, já estou atrasada. – Disse Lisette, tentando sufocar o riso, e se afastando deles.

Tobias a conduziu até a cafeteria, escolheu uma mesa e a ajudou a sentar. Preocupado ele perguntou:

-- Tens certeza de que estás bem?

-- Sim, obrigada. Foi apenas um escorregão.

Aquele café serviu para deixar Vanusa fascinada pelo rapaz. Ele era gentil, educado e muito simpático. E até bonito! Na conversa, que fluiu como se fossem velhos conhecidos, ela descobriu que o Tobias era Formado Ciências da Computação e trabalhava na programação de drones. E que eles moravam bem próximos um do outro.

Sem reservas ela aceitou sair com ele no fim de semana. E assim eles começaram a namorar. E hoje, pouco mais de um ano, eles estavam se casando.

Vanusa reconhecia que tudo tinha sido muito rápido. Mas o amor que os envolveu era intenso, e eles não queriam protelar o namoro. Iriam casar direto.

Dona Ângela, a vó de Vanusa, achava que a neta estava se precipitando, que o casamento era coisa séria, e que ela precisava ter absoluta certeza de que estava se casando com a pessoa certa. O amor, muitas vezes, dizia a dona Ângela, nos conduz ao erro. Pois amamos a pessoa errada. E isso faz sofrer.

-- Vó, não te aflijas, nós estamos apaixonados, e eu não sou mais uma guriazinha. Já tenho 24 anos e sei o que quero. Ele é tudo o que eu preciso para ser feliz. – Disse Vanusa para a avó, e também para o pai, que concordava com a sogra, dizendo que eles estavam muito apressados.

-- Minha filha, se tu estivesses grávida, eu até concordaria com um casamento, agora, mas não é o teu caso. Espera mais um pouco. A paixão cega, e não te deixa enxergar a pessoa como ela realmente é.

-- Pai, tens alguma coisa contra o Tobias, ou a família dele?

-- Não, minha querida. Não tenho nada a dizer, mas também não os conheço bem.

-- Não perturbe a nossa filha... – Falou Beatriz ao marido. – Eles se gostam, e não há como prever o futuro. O casamento é construído no dia a dia, nas escolhas que fizemos a cada manhã. E se existe amor, as coisas se ajeitam. Quantas brigas sérias nós tivemos, e, no entanto, continuamos juntos, porque o amor nos mantém unidos. Esse é o segredo do bem viver. E a nossa filha sabe bem disso. Esse é o dia dela. Devias ter a convencido antes. Hoje nada conseguirás.

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Era o seu grande dia!

Mas era também o grande dia para Tobias.

Parado a porta da igreja, ele relembrava o início do namoro, o modo como se conheceram, e como Vanusa mexeu com o seu íntimo, naquele primeiro instante, quando a ajudou levantar-se, no calçadão da Ru da Praia. Tobias estava convicto de que estava fazendo o que era certo. Eles se amavam e o casamento era o único caminho. Logo eles estariam unidos para sempre, na Lei de Deus e dos homens.

Ele reconhecia que sempre foi um“galinha”, contudo desde que Vanusa surgiu em sua vida, ele havia mudado, tinha amadurecido e o amor tinha tomado conta do seu coração.

Jorge, o seu primo, tinha perguntado:

-- Tens certeza do que estás fazendo? Sabes que o matrimônio é um laço que só a morte desfaz?

-- Eu sei disso. Já pensei a respeito.  Vanusa é a mulher da minha vida. – Afirmou Tobias.

Sentiu uma forte emoção ao pensar o quanto a amava.

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O carro que trazia a noiva dobrou e esquina.

Tobias acompanhado de sua mãe, entrou na igreja, pela nave principal, sob os olhares dos convidados, que lotavam o templo.

O som suave do órgão tocando a Ave Maria acompanhou a entrada de Vanusa na igreja. Ela estava encantadora vestida de noiva. Trazia um sorriso deslumbrante e seus olhos brilhavam de emoção.

Tobias tremeu ao recebê-la diante do altar.

De mãos dadas eles se aproximaram do celebrante. O padre fez uma breve reflexão sobre o sacramento de matrimonio, e deu início ao rito.

Tobias e Vanusa saíram da igreja felizes. Estavam casados!

A festa foi animadíssima, assim como os noivos que fizeram uma exibição de dança, ao ritmo alucinante do rock roll. Foram aplaudidos pelos convidados.

Então, os noivos deixaram a festa e rumaram para a lua de mel.

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Apesar da rotina estabelecida, o jovem casal vivia em plena felicidade. Tobias era um bom marido. Estava sempre preocupado com a esposa. Suas noites eram intensas, e o amor explodia em seus corações, os deixando cheios de júbilo.

Vanusa decidiu que se era para engravidar, que fosse logo, pois assim ficaria livre da tal incumbência. E seria uma única vez. 

E de brincadeira disse ao marido:

-- Eu quero apenas um filho, se achas que precisas de mais de um, vai procurar outra mulher.

-- Não quero outra mulher. Tu já preenches os meus dias. – Respondeu ele rindo.

Os dias passavam, e eram dias de intensa felicidade.

Mas aquele amor ardente tinha perdido o ardor. Já não era mais como antes. Tinham entrado na rotina. Mas felicidade reinava.

Enfim, ela engravidou. Foi uma gravidez tranquila, e Vanusa trabalhou até o último mês, já que seu trabalho era em casa. Ela fazia, sob encomenda, pães especiais. E ela era uma ótima padeira.

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Era madrugada de sábado, e chovia torrencialmente, quando a Vanusa despertou com fortes dores abdominais. Acordou o Tobias, e disse:

-- Acho que chegou a hora. Precisamos ir para o hospital.

-- Tens certeza. Escuta o barulho da chuva. É muita chuva para sair assim. – Protestou o marido.

-- As minhas contrações estão mais fortes e mais seguidas. – Explicou ela. – Se não queres me levar, vou chamar o meu pai.

-- Não! Eu sou o teu marido. Eu te levo. – Falou Tobias levantando-se rapidamente.

Minutos depois eles estavam no carro rumo ao hospital. Ruas alagadas dificultou o trajeto, mas enfim conseguiram chegar. Vanusa com fortes dores, logo foi colocada numa cadeira de rodas e levada para a ala da maternidade.

Tobias olhou o relógio e caminhou até a máquina de café. Pegou mais um capuccino e bebeu vagorosamente. Voltou e sentou no banco. Ele estava inquieto. Já amanhecia e fazia quase duas horas que eles tinham levado a sua mulher e ele estava sem nenhuma informação.

Ele teria que ligar para os pais da Vanusa. Mas ainda era muito cedo. Resolveu acordá-los. Estava preocupado e com receio de que as coisas não estivessem correndo bem. Precisava dividir a responsabilidade com a família dela.

Tão logo receberam o aviso, Beatriz e Guilhermo se apressaram em ir para o hospital. Quando lá chegaram encontraram Tobias, que muito nervoso, andava de um lado para o outro.

Tobias explicou que ainda não tinham avisado nada e fazia bastante tempo que Vanusa tinha entrado para ala da maternidade sentindo fortes dores. Beatriz, bem angustiada, saiu à cata de informações, porém não conseguiu. O remédio era esperar. E eles esperaram.

Uma enfermeira se aproximou dizendo que o marido estava autorizado a entrar. Beatriz indagou sobre a filha, e a moça disse:

-- Foi um parto difícil, mas agora mãe e filha passam bem. Logo o médico virá falar com vocês. – Virando-se para o Tobias, a enfermeira disse. – Vamos.

Ele a seguiu.

Vanusa estava exausta. Sua fisionomia era sofrida, mas tinha um sorriso no rosto, e olhava encantada para o pacotinho que trazia nos braços.

Tobias se aproximou e beijou a testa de esposa e olhando para a filha. Foi um momento mágico, e ele sentiu seu coração pulsar mais forte. Aquele pequeno ser era parte dele. Lágrimas afloraram em seus olhos e ele as deixou rolar. Aquela pequena criança, já era a dona do seu coração.

-- Paola... – Sussurrou ele. – Vamos chamá-la de Paola.

-- Eu tinha pensado em Estela. – Disse Vanusa sem convicção. – Mas se queres Paola, que seja.

-- Paola, minha princesinha. – Falou ele a tomando nos braços.

Vanusa observou o modo com o marido olhava para a filha. Era uma paixão avassaladora. E ela sentiu uma pontada de ciúme... não era mais o único amor na vida de Tobias. Paola tornou-se a sua rival.

Tobias foi convidado a se retirar, pois a Vanusa precisava descansar e a criança iria ser examinada pelo pediatra.

Mesmo estando em sua casa, Vanusa sentia-se uma inútil. Tobias havia tirado uns dias de folga no trabalho para dedicar-se a paternidade. Sua mãe, pai, irmã e demais parentes, tomaram conta de sua casa. Só lembravam dela na hora da Paola mamar.

Vanusa sentia-se uma vaca leiteira!

Estava revoltada por ter que permanecer de cama por causa da rotura perineal que tivera durante o parto. A parentada tinha invadido a sua casa, todos queriam conhecer a pequena Paola.

Os dias passaram, e agora Vanusa sentia-se solitária, pois sua casa tinha se tornado um deserto. Tobias tinha retornado ao trabalho, e os parentes tinham sumido. E Vanusa precisava assumir os cuidados da filha, muitas vezes sem saber o que deveria fazer, para acalmar um choro repentino.

Vanusa sentia amor por sua filha, assim como sentia ciúmes da atenção que o marido dedicava a pequenina. Tobias chegava do trabalho e mal olhava para esposa, queria apenas estar com a filha, e a mimava de todas as formas. Ela tinha consciência de que Paola merecia toda a atenção do pai, mas não era justo que ela, a mãe, ficasse em segundo plano.

O tempo foi passando, e Paola crescendo. Ela com um aninho, já dava os primeiros passos e balbuciava papa, quando via o pai se aproximara dela. Paola se tornara uma menina encantadora, porém muito travessa. Sua curiosidade fazia com que mexesse em tudo, até nas coisas de seu pai. E Tobias não gostou da teimosia da filha.

Aos poucos ele foi se distanciando da filha, assim como da esposa. Nas suas horas livres, Tobias não ficava mais em casa. Fazia academia, jogava futebol, e até mesmo alimentava seu novo passatempo: antiguidades.

Aos fins de semana Tobias saia para garimpar pequenos objetos antigos, em feiras e briques. Claro que era uma atividade que ele fazia sozinho.

Vanusa sentia-se cada dia mais apartada da vida do marido.

Ela não se queixava das atitudes de seu marido, para ninguém. Em primeiro lugar porque era orgulhosa, e seguidamente lembrava-se das palavras da avó e do pai, que eram de opinião que de ela precisava conhecer melhor o rapaz antes de casar.

A vida do casal virou uma rotina, e os momentos de intimidade, eram escassos. Mas a vida continua, pensava Vanusa, e ela dedicou-se inteiramente a filha.

Eles estavam completando 6 anos de casados. Bodas de Perfume. Seria a combinação entre dois elementos que representam a essência da vida.

-- Essência da vida?  Que piada! – Disse Vanusa para si mesma ao receber uma mensagem de sua mãe, a parabenizando pelo o aniversário de casamento.

Aquele dia passou sem que Tobias se lembrasse da data.

-- Homem é assim...  -- Comentavam as amigas, não ligam para as datas.

Mas Vanusa sentiu-se magoada. No entanto, não deixou transparecer.

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Aquele verão tinha sido maravilhoso.

Tobias programou as férias da família de modo diferente. Em vez de ficaram hospedados na casa de mãe dele, na praia, ele propôs fazerem uma viagem de carro, pelas praias de Santa Catarina.

Foram dias de convivência familiar como nunca tiveram. A relação do casal retornou ao que era no início do casamento. E eles transaram muito. Tudo estava perfeito!

Paola também aproveitou a presença do pai. Os dois caminhavam pela praia, apostavam corridas e entravam no mar e divertiam-se. Vanusa observava a interação entre pai e filha. E perguntava-se:

-- O que aconteceu?  Claro que tudo estava fantástico, mas qual era a razão de uma mudança repentina e tão significativa?

Vanusa não encontrou uma resposta.

No entanto ela não iria desperdiçar esses momentos de felicidade familiar pensando... Iria curtir!

A família retornou das férias e voltou a rotina, porém com uma pequena diferença, Tobias estava mais presente. E isso, fazia toda a diferença, não só para ela, como também para a Paola que era apaixonada pelo pai.

Os dias foram de felicidade.

Tempo passou.

Paola estava na escola e numa tarde sombria, Vanusa decidiu arrumar os armários. Era uma tarefa que ela detestava, mas como ele tinha tempo naquela semana, resolveu se livrar dessa incumbência.

Começou pela parte do marido. Tirou todas as roupas, limpou o armário por dentro, se pôs a revisar as roupas dele. No bolso de um blazer de lã, ele encontrou uma folha de papel dobrada. Abriu e leu.

-- Não é possível! – murmurou.

“Te espero no lugar de sempre as 17h. Sempre tua M.”

Foi o que ela releu.

Sem saber como agir, ela colocou o bilhete de volta no bolso do casaco. Recolou as roupas no armário.

Foi para o chuveiro e chorou.

Se arrumou muito bem e antes de sair pediu para a dona Beatriz, a sua mãe, pegar a Paola na escola.

Resolveu ir de Uber. Estava muito agitada para dirigir.

Foi até o prédio da empresa onde seu marido trabalhava.

Sentou-se no saguão e esperou. Faltava pouco para o fim do expediente. Não demorou muito e ela viu o Tobias entrar no prédio acompanhado por uma mulher. Uma colega de trabalho bastante intima dele.

Ela a conhecia, e chamava-se Marina. Então era M de Marina.

Credo! Essa mulher havia estado na sua casa mais de uma vez... Ela era casada!

Será que eles eram tão descarados, a ponto de não se importarem com o que os colegas poderiam pensar, ou mesmo os seus superiores?

Ali diante dos fatos, ela agiu com frieza. Era assim que iria proceder. Ele não podia desconfiar que ela sabia que ele tinha um caso.

Vanusa não voltou para casa. Desligou o telefone e foi para o shopping fazer compras. E comprou muitas coisas. Ela chegou em casa muito tarde, com muitas sacolas.

Tobias a esperava bem preocupado.

-- Aonde estavas? Por que estas com o telefone desligado? Liguei mil vezes...

-- Eu precisava sair um pouco. Fui passear...

-- E gastou uma fortuna... – Disse ele olhando a quantidade de sacolas. – Deves ter estourado o cartão de credito.

-- É... Talvez... – Disse ela indo em direção ao quarto e anunciando. – Eu vou dormir sozinha. Hoje eu não te quero na minha cama. Amanhã não sei, mas hoje não! – Vanusa fechou a porta e trancou a chave.

Tobias estava espantado.

Não entendia a atitude de Vanusa. Ela sempre foi tão calma, tão fácil de manobrar, e agora se apresentava desse jeito... Algo tinha acontecido. Mas ele era tão cuidadoso... Nunca deixou nenhum rastro.

Tobias dormiu no sofá.

Na manhã seguinte ele saiu muito cedo de casa.

Ainda bem que ele sempre tinha uma muda de roupa no escritório. Tomou uma chuveirada e vestiu-se, só então pediu uma entrega de café com bolinho.

Ele não ligou para casa, e tão pouco recebeu algum telefonema de Vanusa ou algum familiar. Uma situação muito estranha.

Ao fim do dia ele voltou sem saber o que encontrar. Estava curioso e ao mesmo tempo receoso.

Tobias entrou em casa e sentiu o cheiro de carne de porco assada. Era o seu prato favorito. Respirou aliviado, a Vanusa tinha voltado ao normal. Bem, nem tanto, pois a Paola não estava em casa.

-- Olá! – Disse a porta da cozinha. – Tudo bem por aqui? Onde está a minha filha?

-- A nossa filha está na casa da minha mãe. E tudo muito bem por aqui. Como passastes o dia?

-- Bem, e com muito trabalho. Reuniões e reuniões. – Queixou-se.

-- Tudo normal, então. – Disse Vanusa em tom de deboche.

-- O que está acontecendo contigo?

-- Nada. Vamos jantar depois conversamos. Aliás fiz esse prato especial para celebrar.

-- Celebrar o quê?

-- Come, logos saberás.

Tobias começou a comer e se surpreendeu com o sabor, não se conteve e comentou:

-- Humm... Está muito bom! Hoje tu te superaste. Parabéns!

-- Obrigada! Essa era a intenção. – Respondeu Vanusa sorrindo.

Quando ele terminou de comer a sobremesa, ela falou:

-- Eu quero um tempo.

-- Como assim, queres um tempo? – Indagou ele surpreso.

-- Eu preciso pensar, rever a minha escolha. – Explicou ela calmamente.

-- Tu estás me traindo. – Afirmou ele a olhando com raiva.

-- Não sou dessa laia. Sou leal e honesta. Por isso estou te pedindo para sair desta casa agora. As tuas coisas já estão arrumadas. É só pegar a mala e te mandar.

-- Se estás pensando que...

-- Vai embora agora – Disse Vanusa com firmeza -- Eu não vou discutir contigo. E essa casa é minha, não esquece. Aqui mando eu.

Indignado, Tobias pegou a maleta e foi embora.

Ele não estava preparado para essa situação. Teria que ir para um hotel. Não iria para a casa de seus pais. Era ridículo!

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Paola sentia saudades do pai.

Já se passara um mês e Tobias não tinha ido visitar a filha. Ele continuava indignado com a esposa. Ele mandou investigar, colocou um detetive para vigiá-la e a esposa seguia com a sua vida normal. Nem de casa saia. Só saia para cumprir a rotina, ou seja, fazer as compras da casa, levar e buscar a filha na escola, uma vez por semana ir ver mãe.

O que tinha acontecido? A Vanusa sempre foi apaixonada por ele, por isso ele andava com a Marina, pois tinha certeza que a esposa seria sempre submissa, pois o amava muito.

A Marina não era compromisso. Era uma mulher bonita, sensual e fácil. Ela tinha marido, que era 35 anos mais velho, e não se importava com as folias da esposa. Por isso Marina era a amante ideal.

Então, ele se perguntou:

-- Por que eu tenho uma amante? A minha esposa não é bonita, carinhosa e sincera? Por que eu fiz essa loucura? E será que a Vanusa me quer de volta?

Passado o tempo que Vanusa tinha pedido, Tobias a procurou. Eles marcaram um encontro no shopping.

-- Aceitas mais um café? – Perguntou o Tobias, tentando esticar a tarde.

-- Não, obrigada. Só preciso te dizer que eu pensei muito e não quero mais me sujeitar a vida que eu tinha. Ser tua esposa não é para mim. Vamos providenciar a nossa separação legal.

-- Tens certeza? O que eu te fiz de tão grave?

-- Se tu não tens a capacidade de reconhecer os teus erros, procura ajuda profissional. Eu não vou me rebaixar, jamais. Meu advogado vai entrar em contato contigo.

-- Não estou te entendendo. – Disse Tobias.

-- A relação de um casal é como cristal. Depois que se quebra não fica mais igual. Não adiante tentar colar. Se quebrou!

Tobias entrou numa crise existencial.

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Um ano depois, após tratamento psicológico, Tobias procurou por Vanusa. Ele a queria de volta. Reconhecia que tinha feito tudo errado, que ele a amava, amava a filha e sentia muita falta da vida que eles tiveram. Ele queria ter uma chance de recomeçar.

Vanusa estava segura de si. Estava em paz. Mesmo sendo assediada por um antigo namorado, que estava divorciado, ela inda não queria envolvimento.

Não estava pronta para um novo amor. Seu coração ainda estava se refazendo do terrível golpe que sofrera.

Ainda estava convalescente!

Vanusa escutou tudo o que Tobias tinha para lhe dizer. Ela até sentiu pena dele, no entanto foi firme em sua decisão. Paola estava bem, também estava tendo acompanhamento psicológico, e ela não queria estragar a vida da filha mais uma vez.

Vanusa foi muito clara ao repetir:

-- O amor é como cristal... Depois que quebrou não tem como restaurar.

                                                                             

                                                                      Maria Ronety Canibal

                                                                                     Julho 2023.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

UM SONHO LINDO








                                         Um sonho lindo...

 

Era uma tarde fria de julho, quando uma agente de saúde entrou no casebre em que morava Carlito. Assustado com invasão da moça, o menino se colocou a frente de sua mãe.  Cris estava deitada num catre, e não tinha mais forças para levantar-se. Fazia dias que jazia sem forças e disposição. A lata em que guardavam algum alimento estava vazia, e há dois dias que a única refeição era uma sopa rala.

Depois de olhar a miséria em que eles viviam, e sentir o mau cheiro, que a mulher exalava, a agente falou:

-- Eu sou agente de saúde e meu nome é Luiza. Como é o teu nome e nome de tua mãe?

-- Meu nome é Carlos Ramos Porto. E o nome da mãe é Cristina Ramos.

-- Seu pai aonde está?

-- Não sei. Faz muito tempo que ele não aparece.

-- Como é o nome dele?

-- José Porto.

-- Tens irmãos?

-- Tenho, mas eles foram embora. Só restou eu, para cuidar da mãe.

-- Quantos anos tu tens?

-- Acho que 10 anos.

-- Estás na escola?

-- Não vou mais. Preciso trabalhar, eu sou catador. Ajudava a mãe, mas agora sou só eu.

-- A tua mãe está muito doente. Desde quando ela está assim?

-- Acho que uma semana. Ela não tem mais forças para levantar. E eu não consigo ajudá-la.

-- Bem, ela será levada para ser examinada na UPA. Talvez precise ficar para fazer um tratamento.

-- Está bem. – Disse o menino conformado. Ele tinha consciência de que a mãe estava muito mal.

-- E tu será levado para a casa de passagem, até a tua mãe melhorar...

-- E se ela morrer?

-- Então veremos o que fazer.

Não demorou muito e uma ambulância estacionou em frente ao casebre. Carlito sabia, que sua mãe não voltaria. Ele iria ficar sozinho, com a esperança de que o pai voltasse.

 Mas naquela mesma tarde, Carlito foi recolhido pela Ação Social, e levado para casa de passagem. Ele protestou, não queria ir, mas não tinha opção, então recolheu suas poucas coisas e foi em busca do futuro, talvez fosse um pouco melhor...

Ao chegar na Moradia Transitória, ele percebeu que aqueles outros garotos estavam na mesma situação que ele, porém um menino se destacava. Ele era alto e bem apresentável. Estava limpo, penteado e seus olhos tinham um brilho diferente. Ele era esperto, revelava o seu olhar penetrante. Carlito simpatizou com ele. Os dois se tornaram amigos inseparáveis, até o dia em que José Eduardo Cunha foi adotado por um casal.

A conversa era que José Eduardo tinha tido muita sorte, pois, a família que o levou era muito rica e ele teria uma boa vida. Com isso Carlito se encheu de esperança. Talvez, tivesse a mesma sorte.

No entanto, ele foi acolhido por um casal atencioso e carinhoso. Carlito, não foi adotado, mas foi criado por Júlio e Vera, que receberam a guarda oficial, e ofereceram ao menino um lar estável e seguro, além de uma boa educação, dando-lhe, assim, condições para ter um futuro digno.

O tempo correu e os amigos tomaram caminhos diferentes, e nunca mais se encontraram.

                                                         ...

Era fim de tarde, e Carlito estava fechando o seu bazar, quando o telefone tocou. Ele atendeu:

-- Alô!

-- O Carlito está?

-- Sou eu mesmo. Quem fala?

-- Graças a Deus, te encontrei. Aqui é o José Eduardo. Faz muito tempo que estou a tua procura. Amanhã vou estar aí na tua cidade, e vamos nos ver, tenho muita saudade.

-- Eu até pensei que nunca mais nos veríamos. Minha casa é modesta, mas terei uma imensa alegria em te receber. Venha almoçar comigo e aproveitar para conhecer a minha família.

-- Combinado. Qual o endereço?

Carlito chegou em casa muito animado, pediu a esposa que preparasse uma boa refeição, porque no dia seguinte, um velho amigo viria visitá-lo.

Carlito trabalhou na parte da manhã, e por volta das 11h ele colocou um aviso na porta, anunciando que a loja estaria fechada na parte da tarde. Foi cedo para casa para receber o seu “irmão”. Um estranho nervosismo tomou conta dele.

A emoção do encontro foi presenciada pela a esposa e pela filha, que se chamava Eduarda, em homenagem ao amigo. A conversa se estendeu até a noite.

José Eduardo contou sobre a sua vida.

-- Eu estou viúvo, só tenho um filho e atualmente moro em São Paulo, capital.  A família que me adotou era origem francesa, e logo que fui adotado fui morar nos arredores de Curitiba. Meus pais eram médicos e me deram uma boa educação. Estudei e me formei em Direito. Cuidei dos negócios da família, ainda hoje administro os bens da família, além de outros interesses.

 Carlito também falou sobre a sua vida.

-- Eu estou no segundo casamento. Com a mãe da Eduarda não deu certo. A Ana sempre foi uma pessoa inconformada, tinha sonhos de riqueza. Mas isso não é para mim. Hoje ela mora no Chile e está muito bem casada. Agora ela tem a vida de luxo que sempre sonhou. Mas a Ana Eduarda, a minha filha, preferiu ficar comigo, o que para mim é uma felicidade.

A conversa seguiu, e muitas perguntas foram respondidas, pois a curiosidade que eles demonstravam era genuína, havia um empenho em saber mais sobre a vida que tiveram, depois que se separaram.

Atualizados sobre os acontecimentos da vida, na despedida os amigos prometeram manter contato. E desde então um telefonema, um cartão de Natal os conservavam unidos.

                                                      ...

Três anos depois.

-- Eduarda, o que diz a carta? – Perguntou o seu pai.

-- Não sei se entendi direito. Mas é uma oferta de ajuda para eu cursar a faculdade, qualquer curso com tudo pago. Estadia, livros... tudo!

-- Que estranho! – Falou Marlene, a mulher de seu pai.

-- É a Fundação Camile De Lion, do Paraná. – Leu Eduarda pensativa.

-- E tu vais aceitar, filha?

-- Eu vou. Por quê? Tu achas que eu não devia aproveitar essa oportunidade?

-- Faça o que achares melhor. Qual o curso que pretendes fazer?

-- Biologia. Vou aceitar a oferta e vou dar o meu melhor.

Eduarda respondeu a carta. E foi encaminhada para a PUC-PR. Quando ela recebeu uma carta com as instruções e o cheque, ela se surpreendeu com o valor.

Quando Eduarda chegou em Curitiba, soube que um pequeno apartamento próximo a faculdade, estava a sua espera, com tudo o que ela precisava, e até a geladeira abastecida. Eduarda emocionou-se, chegou a chorar. Ela escreveu uma carta agradecendo ao seu benfeitor, e prometeu dedicar-se inteiramente aos estudos.

                                                           ...

Era o primeiro dia de aula, e Eduarda foi atraída pelo olhar penetrante de um colega, que a olhava.  Aqueles olhos a fascinaram. Para ela era um olhar conhecido, mas era impossível.  Apesar de ela tentar concentrar a sua atenção aos demais colegas, seus olhos de dirigiam ao rapaz. E quando os seus olhos se encontraram e uma corrente elétrica percorreu o corpo dela. Ele era um rapaz alto e bonito. Seus olhos azuis eram lindos e enigmáticos, e ela se sentiu arrebatada por ele.

Curiosa para saber o nome dele, ela ficou atenta a chamada. Henri Marcel  Marin. Um nome diferente, pensou Eduarda, que combinava perfeitamente com ele.

E os dois ficariam na mesma turma... pura sorte!

O que Eduarda não sabia, é que Henri também prestou atenção ao nome dela, ficou contente por estarem na mesma turma. Ele havia se agradado do jeito dela. Parecia ser uma moça diferente das outras, tanto pelo seu comportamento, como seu modo de vestir discreto.

Naquela noite, sozinha em seu pequeno apartamento Eduarda sonhou acordada, e teve um sonho lindo. Sorriu ao pensar que seria a sua felicidade se aquele sonho se tornasse real.

Tomou m banho para esfriar a cabeça. Ela estava ali para estudar. Precisava se concentrar e pensar que o seu futuro dependia do sucesso de seus estudos. Ela sempre sonhou em ser pesquisadora, e estava dando o primeiro passo para a realização dessa aspiração. Do seu sonho mais antigo ao sonho lindo!

As aulas tiveram início, e Eduarda percebeu que Henri era rico. Tinha um carro moderno, desfilava roupas de grife, e a cada dia exibia uma namorada diferente. Embora seu coração pulsasse por ele, ela se retraiu ainda mais. Conhecia o seu lugar.

O primeiro semestre, para Eduarda, foi um período de adaptação. Longe de casa, ela sentia-se muito só. Embora conversasse com seus colegas, ela ainda não tinha amigos. Pois, para ela, considerar alguém como amigo, requeria confiança, conhecimento e compatibilidade. E isso, ela não havia encontrado.

Seus passeios eram pelo supermercado. Ela se distraia olhando a variedade de produtos, comprava um pãozinho diferente, ou um doce e voltava para casa. Os livros eram os seus melhores amigos. Embora custassem caro, ela os comprava nos Sebos, onde eram bem mais baratos.

As férias de inverno vieram, e Eduarda aproveitou para visitar seu pai, que não estava muito bem saúde. E coincidentemente, ela encontrou com o amigo de seu pai. Sabendo que Carlito havia passado mal, José Eduardo foi visitá-lo.

-- Eu soube que entrastes para a faculdade. Meus parabéns! – Disse José Eduardo à Eduarda. – Nem sempre é fácil. – Completou.

-- Sim. Eu recebi uma bolsa de estudos integral, e preciso aproveitar essa sorte. Estou me dedicando aos estudos. Só que ainda não estou no curso.  Serão quatro semestres preparatórios. Só depois é que farei a opção profissional. Eu quero cursar Biologia, que tem um campo bem amplo, mas meu interesse é pela pesquisa médica.

-- Já ouvi falar sobre esse novo método. Em outros países funciona assim o ensino superior. Essa área de pesquisa médica é para quem tem vocação, é uma bela profissão. Precisa ser abnegada. – Disse José Eduardo. – E atualmente está muito valorizada, e com bons salários.

-- Abnegada, a minha filha é. – Disse Carlito cheio de orgulho. – Essa menina será uma ótima profissional, seja a área que escolher.

-- Ah, pai não exagera. – Replicou Eduarda encabulada.

-- Me fala sobre a cidade. Estás gostando? – Perguntou a Marlene.

Eduarda respondeu com entusiasmo. Ela havia gostado de Curitiba e à medida que ia conhecendo melhor a cidade, ela se encantava. Discorreu sobre o campus e mostrou fotos dos lugares que ela mais apreciava.

Os dias que Eduarda permaneceu na casa do pai foram revigorantes. Ela retornou das férias pronta para enfrentar as aulas na faculdade.

O retorno foi confuso. Ela não sabia que as turmas seriam novamente distribuídas. E quando chegou ao salão, já estava lotado. O reitor discursava. Eduarda permaneceu em pé no fundo junto a porta.

Correu os olhos pelo salão, e se deparou com aqueles lindos olhos azuis, que a olhava com insistência. Então ela percebeu que ele estava indicando que havia uma cadeira vazia ao seu lado. Discretamente ela caminhou, alguns passos, e sentou-se ao lado do homem de seus sonhos.

Um tremor tomou conta dela, tanto que não prestou atenção nas palavras do diretor de curso. Ela jamais se imaginou tão perto dele, de falar com o rapaz, que a saudou alegremente, como se fossem velhos conhecidos.

-- Vamos ser colegas mais uma vez. – Disse Henri sorrindo.

-- Sim... – Respondeu ela timidamente. Céus, ela parecia uma retarda, não conseguia articular palavras diante dele. – Colegas mais uma vez – Disse por fim.

-- Vamos nos encaminhar para a nossa sala. – Disse ele levantando-se e a tocando no braço, e gentilmente a conduziu pelo corredor.

Muitas colegas vieram até ele, o convidando para festas de abertura do semestre, para comemorar no bar, para um fim de semana na serra. Enfim, inúmeras propostas foram feitas. E Henri não deu ouvidos a nenhuma delas. Ele se justificou dizendo:

-- Elas não cansam de festejar. Estão sempre inventando alguma coisa. Falando nisso, eu nunca te vi em nenhum lugar, a não ser a sala de aula. Tu não costumas sair?

-- Não. Prefiro ter a companhia de um bom livro a me meter nestas festas aloucadas.

-- O que fazes muito bem. Mas ir ao cinema, ou ao teatro é bom.

-- Sim. Mas não tenho dinheiro sobrando para essas coisas. Estou aqui porque recebi uma bolsa integral. Sei muito bem o quanto meu pai trabalha para sustentar a casa. Não sou de família rica.

-- Entendo. E se eu te convidar para passear, tu aceitarias?

-- Não sei. Eu nem te conheço...

-- Mas vai me conhecer. Isso eu te prometo.

Na segunda semana de aula, o professor de antropologia organizou um trabalho em duplas, através de sorteio. Eduarda tirou o número 11 e ficou na expectativa de saber com quem formaria a dupla. Estava receosa de que pudesse ser com algum colega esnobe, e ali havia alguns.

Mas para a sua surpresa, foi o Henri que saiu como seu parceiro. Extraordinária coincidência. Ela sorriu e pensou que o universo estava tramando alguma coisa para ela. Seria uma coisa boa?  

Eduarda viu Henri se aproximar dela rindo.

-- Nunca gostei tanto de um trabalho em aula como hoje. – Disse ele a olhando daquela forma intensa.

-- Mas nem sabemos ainda o que devemos fazer – Respondeu ela ingenuamente.

-- Pois é... mas a companhia será muito boa.

O professor começou a entregar os envelopes aos grupos e a fim disse:

-- Sei que o assunto é amplo, e o grupo de aprofundar mais o assunto, com larga pesquisas na biblioteca com referências e etc... Estes terão um ponto a mais. Espero que façam um bom trabalho, na verdade, gostaria de dar ponto a mais para todos. Conto com o interesse de vocês.

-- Professor, o prazo de entrega? – Gritou o Rafael do fundo da aula.

-- Ah sim. Até o dia 13 de novembro. A apresentação será no salão como se fosse uma defesa de tese. Caprichem!

-- Bah, é muita coisa, precisamos iniciar logo. – Falou Eduarda.

-- Estou a tua disposição. Deixo a organização dos horários contigo. Vamos sentar e analisar tudo o que devemos responder.

-- Vou pegar meu caderno para anotar. Hoje mesmo vou entrar na internet para ver o quanto é amplo esse tema.

-- Boa ideia. Podíamos almoçar juntos e iniciarmos essa busca juntos. Aceitas? – Propôs Henri ansioso por uma resposta positiva. Esse era o momento de se aproximar dela, sem que ela percebesse o quanto ele estava interessado nela. Aliás, já estava caído por ela, para não dizer completamente apaixonado.

-- Eu aceito. – Disse ela estranhando o seu próprio comportamento. Mas era estudo, pensou ela, tentando encontrar uma desculpa para si mesma.

-- Legal. Temos mais uma aula. Depois saímos juntos. – Disse Henri e voltando para a sua classe.

Eduarda ainda não acreditava no que estava acontecendo. Uma alegria tomou conta de seu coração, e ela não tinha para quem contar. Rabiscou alguns símbolos em seu caderno. Sorriu de sua infantilidade.

Henri a levou em um pequeno restaurante, e ali naquele ambiente sossegado, depois de um almoço saboroso eles iniciaram uma conversa de âmbito pessoal. 

Ele falou sobre a falta que sentia da mãe, que morreu em um acidente de avião. Seu pai era um homem bom, mas desde a morte da esposa ele vivia para o trabalho. Sentia-se muito só, apesar da vida agitada que levava, confessou Henri.

Eduarda o admirou por sua sinceridade. Ela também falou sobre a sua vida: a separação dos pais e a ausência da mãe em sua vida. Revelou que ela mesma tinha optado por viver com o pai, pois, este lhe dava mais amor, mas admitiu que a figura materna fez muita falta em sua adolescência.

Foi uma conversa surpreendente.

Eduarda era muito fechada e não costumava falar sobre si. No entanto o clima da conversa a levou a confiar nele. Henri, por sua vez, também não revelava as suas tristezas a ninguém. Mas aquela garota era diferente das demais, e isso fez com que abrisse o seu coração, já na primeira oportunidade.

-- Temos algo em comum. – Disse Henri a olhando com fascínio. – Vamos ser bons amigos, disso eu tenho certeza. – Afirmou sorrindo.

-- Com certeza – Respondeu Eduarda sentindo o seu rosto quente. Aquele olhar intenso a deixava encabulada.

-- Vamos para a biblioteca.  – Determinou Henri.

Os dias passavam.

O trabalho deles estava bem adiantado, pois ambos estavam dedicando todo o tempo livre para a pesquisa. No entanto, aquela tarde, depois saírem da biblioteca, Henri a convidou para irem ao shopping fazer um lanche.

Caminhavam em direção ao estacionamento, quando o cartaz do filme atraiu a atenção de Eduarda que falou:

-- Acho que esse filme é muito bom, segundo a crítica que eu li.

-- Em quinze minutos inicia a sessão, vamos rápido... – Disse a pegando pela mão e apressando o passo.

Sentaram mais atrás, e ainda estavam rindo da corrida que fizeram, então eles se olharam. As luzes apagaram e um beijo suave aconteceu. O filme apresentava uma história de amor, era triste e emocionante. Aproveitando o ambiente Henri tomou a mão de Eduarda entre as suas e beijou. Com o desenrolar da história a emoção tomou conta e um beijo mais profundo aconteceu.

Eduarda nunca tinha sido beijada, não sabia com agir, sentiu-se envergonhada por ser tão inexperiente.

-- Desculpe – sussurrou ela. – Eu não sei nem beijar.

-- Ah... Não se desculpe por isso. Ao contrário, tenha orgulho!  E eu te aprecio muito mais, por isso.  Vou te ensinar tudo. – Murmurou ele ao ouvido dela.

E mais beijos aconteceram.

Naquela noite Eduarda não conseguiu dormir. E agora? Pensava ela. Tornei-me a namorada dele? Ou sou mais uma vadia em sua vida? Não sabia como encará-lo. E decidiu não ir a aula.

Henri estava radiante. Enfim tinha conseguido conquistar a garota de seus sonhos. Nunca tinha se interessado tanto por alguém como por Eduarda, e ela era perfeita, não, mais que perfeita! Prometeu a si mesmo respeitá-la, pois aquela garota era para casar.

O namoro seguiu e progredia a relação entre eles. Ela passou a confiar nele, e cada dia se afirmava mais na ideia de que ele a amava. Embora ele se declarasse em alguns momentos, para Eduarda eram as atitudes que revelavam o verdadeiro sentimento.

Eduarda estava assustada com a rapidez do namoro. Tinha receio de que no futuro fosse sofrer as consequências desse momento. Sabia que o abismo que havia entre eles era enorme, eram de classes socias distintas. Mas ela o amava, e muito.

Henri estava cumprindo o seu propósito e não saía mais com os seus amigos, e não mais se envolvia com as mulheres. Por respeito e amor a Eduarda, ele mudou completamente seu estilo de vida.

 Os amigos debochavam dele e a ala feminina odiava a Eduarda. Alguns de seus amigos, especialmente aqueles que tiravam proveito da amizade com um cara riquíssimo, não estavam contente com o novo Henri. Ele tinha se tornado muito certinho, não frequentava mais a noite e não saía mais com a mulherada.

Gonçalo, que era foi o melhor amigo de Henri, resolveu brincar com os namorados, e postou na rede social da faculdade, um vídeo antigo, com a data alterada, onde aparecia o Henri abraçado a duas garotas em uma boate, se divertindo bastante.

Eduarda viu aquilo e ficou furiosa consigo mesma. Dizia para si:

-- Tu sabias que em algum momento isso iria acontecer...

-- Agora aguenta... Enfrenta os efeitos da tua burrice.

-- Ora... ora.  Confiar em alguém!

-- Não foi assim com o teu pai? A tua mãe não o traiu descaradamente? Pensavas que contigo seria diferente?

Uma chamada de Henri apareceu na tela do celular de Eduarda. Furiosa ela desligou o telefone. Não queria falar com ninguém, e muito menos ver alguém.

Ela chorou copiosamente.

Depois de ver o vídeo, Henri ligou para Eduarda, mas ela não atendeu e desligou o aparelho. Ir até o apartamento dela não era uma boa ideia, aliás, ele nunca tinha entrado lá. Eduarda era toda certinha.

Bem, deveria esperar o dia seguinte. Era o dia da apresentação do trabalho. Bah... Como seria?

Inconformado, Henri procurou por Gonçalo, para tirar tudo a limpo, e as desculpas de que foi apenas uma brincadeira, não impediu que Henri brigasse a socos com o rapaz.

O problema foi que a briga não ficou só entre os dois, e Henri precisou lutar contra três. Claro que levou a pior. Foi parar no hospital.

                                                      ...

O dia seguinte amanheceu com uma forte tormenta e chovendo, chovendo muito. Algumas avenidas estavam tomadas pela água, outras com postes caídos, fios arrebentados, ou árvores arrancadas, impedindo a passagem de veículos. O trânsito estava caótico, segundo a TV, e Eduarda não tinha vontade de encarar os seus colegas.

Sabia que a universidade inteira acompanhava o desenrolar do namoro dela com o “rico gostosão”; e que todos já tinham visto o vídeo, e com certeza iriam zoar dela. Mas era o dia da apresentação do maldito trabalho. E ela não podia deixar de comparecer e dar o seu melhor, afinal de contas, ela era uma bolsista, e não devia ter se metido com um cara de outra esfera social.

-- Burra! Burra! Burra!  -- Dizia Eduarda socando a sua testa.

Ligou o seu celular e uma infinidade de mensagem apareceu em sua tela, inclusive uma do Henri. Tentou ligar para a faculdade para saber se haveria aula, mas foi inútil.

Então resolveu ir. Vestiu sobre a roupa uma capa de chuva e calçou botas de borracha, e na mochila colocou o seu tênis. Ela morava relativamente perto e foi a pé.

Depois de alguns percalços ela chegou no campus. Ali havia um caos. Vidros quebrados estavam espalhados pelo chão. Eduarda ergueu os olhos e viu que muitas janelas estavam danificadas, inclusive as da sua sala de aula.

Ela avistou um funcionário e foi até ele, então soube que as aulas tinham sido suspensas por alguns dias. Eduarda respirou aliviada. Iria voltar para o seu apartamento e lá permanecer por uma semana, completamente isolada do mundo.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Eduarda religou o seu telefone, e leu todas as mensagens, e nem todas eram pejorativas. Grande parte da ala feminina lhe dava apoio. Isso a deixou animada.

Então, um novo vídeo foi postado. Uma briga muito violenta. Ela viu que era o Henri enfrentado três agressores, sendo que um deles ela reconheceu, era o tal Gonçalo, o cara que adulterou o vídeo, segundo alguns comentários. A briga foi apartada pelos seguranças do local, e o Henri parecia estar muito machucado. Com o coração batendo em descompasso, Eduarda chorou. Ele estava muito machucado! Foi carregado por paramédicos...

Eduarda se pôs de joelhos e rezou à Virgem Maria, pedindo pela boa recuperação do Henri.

Eduarda ficou preocupada. Mas uma dúvida surgiu, essa briga era recente, ou também era um vídeo adulterado. Como saber? Aguardou os comentários, e logo soube que o Henri tinha brigado, por causa do vídeo de Gonçalo. E que ele tinha levado a pior e estava hospitalizado.

Aqueles dias foram penosos para Eduarda.

Ela tentou inúmeras vezes ligar para o Henri, mas o telefone estava sempre fora de área. Não sabia aonde ele morava e não tinha os contatos de seus colegas para procurar saber sobre o estado de saúde do seu amado. Só então ela percebeu que permanecia muito isolada. Nesse tempo todo, ela não havia cultivado nenhuma amizade.

As aulas só retomaram sete dias depois do temporal que danificou muitas coisas. A apresentação do trabalho em dupla tinha sido cancelada, bastava entregar o texto. As provas estavam marcadas para a semana seguinte.

Eduarda dedicou-se aos estudos.

                                                        ...

Já era dezembro!

E o Henri havia sumido.

Os planos de Eduarda eram de permanecer na cidade e conseguir um trabalho temporário no período de férias. Sabia que o apartamento ficaria a sua disposição. Porém um aviso de que seu pai havia se acidentado, a fez correr para casa.

Carlito havia sido atropelado por uma moto. Seu estado de saúde não era bom. Ficaria hospitalizado por um longo tempo. E coube a Eduarda assumir o pequeno bazar de onde a família tirava o seu sustento.

Henri recuperou-se inteiramente. Mas seu pai o aconselhou a não voltar para Curitiba, e sim estudar em uma universidade de renome. E no caso da medicina as escolhas estavam entre Harvard e Oxford.

                                                         ...

As férias terminaram, e como seu pai ainda precisava de cuidados especiais, Eduarda não pode voltar aos estudos. Carlito permanecia precisando de cuidados especiais, e conformada, ela pediu a suspensão da bolsa.

Uma imensa tristeza tomou conta de seu coração. Nunca mais encontraria com o Henri, o seu querido namorado. Viveria de lembranças...

Uma carta da fundação a informou que a sua matricula estava assegurada para o próximo semestre, para ela poder dar continuidade aos seus estudos. Estava em destaque a frase: Suas notas são excelentes!

Eduarda animou-se, nem tudo estava perdido, havia possibilidades de reencontrar-se com o Henri. Ela contava os dias e orava pedindo que a saúde do pai se restabelecesse.

Enquanto isso, ela lembrava os bons momentos. Sorriu ao rememorar o quase beijo. Eles estavam na biblioteca em busca de livros, um dos livros, que ela segurava escorregou, e Henri com rapidez o agarrou para não cair ao chão. E esse gesto os deixou muito próximos, seus olhos se encontraram, seus corações aceleraram... No entanto, Henri se afastou. Sorriu e eles voltaram para a mesa de trabalho. Eduarda ficou um tanto decepcionada, apesar de suas convicções e atitudes de manter-se longe dessas situações. Fazia apenas uma semana que tinham formado a dupla. Por fim, interiormente, ela sentiu-se grata pela atitude dele. E concluiu que Henri a respeitava, apesar da sua fama de “galinha”.

Foram longos dias e intermináveis noites.

Enfim, ela estava de volta. Na manhã seguinte retomaria os seus estudos. Eduarda sentia-se muito feliz.

No dia seguinte ela soube, que Henri não tinha voltado. Segundo alguns ele estava estudando nos Estados Unidos. Totalmente fora do seu alcance. Conformada, ela dedicou-se totalmente aos estudos.

Formou-se em Biomedicina e foi laureada com uma Menção Honrosa.

Eduarda queria trabalhar na pesquisa, e conseguiu uma vaga, no Instituto de Pesquisas Celina Marin, através da Fundação Camile Di Lion. Em vista disto, ela mudou-se para São Paulo.

A renumeração era muito boa, e Eduarda alugou um pequeno apartamento, nas proximidades de seu local de trabalho. Uma caminhada matinal a deixava animada para mais um dia de trabalho.

                                                           ...

O tempo passava...

Henri tinha concluído seu doutorado e estava pronto para voltar para o Brasil. Embora tivesse oferta de trabalho na universidade, ele queria retornar.

Por insistência de seu pai, Henri começou a sair com Anabel Rubim, filha de uma grande amiga de sua falecida mãe. Eles se conheciam desde crianças. Fazia muito tempo que não se viam, e ele pode constatar, que Anabel tinha se tornado uma mulher fascinante. Fazia um trabalho voluntário em instituição de caridade. Única filha de Santiago Rubim, ela era herdeira de uma significativa fortuna.

Depois de saírem algumas vezes, a amizade de outrora veio à tona, A conversa fluía fácil, riam e descobriram que gostavam das mesmas coisas. Amor? Não era amor, era só amizade.

Anabel contou para Henri, a sua trágica história de amor, vivida na Suécia. E confessou que sofreu muito com a perda de Erik, que morreu em seus braços, vítima de uma bala perdida. Com isso ela havia fechado o seu coração.

-- É tudo muito recente. – Completou Anabel

Henri não revelou, mas pensou que ele só queria reencontrar a sua querida Eduarda... Não era nada recente, mas ele também sofria com o mal entendido que ficou entre eles. Ele ainda a amava.

José Eduardo estava muito satisfeito com a aproximação de Henri e Anabel. Eles formavam um belo par, e tanto ele como Santiago, queriam essa união. Iriam unir as fortunas.

                                                        ...

Fazia algum tempo que Henri já estava em casa. Ainda não estava trabalhando, mas já sabia onde trabalhar. Então foi conversar com o pai.

-- A área da medicina que me especializei é a Oncologia, e tem muito a ver com a pesquisa, tu bem sabes. E eu quero trabalhar em parceria com IPCM, de nossa família. Eu quero dar uma chegada lá, para avaliar o trabalho que está sendo feito e se a tecnologia que temos é a de ponta. Queres me acompanhar?

-- Sim. Inclusive quero te apresentar a biomédica que está trabalhando em uma pesquisa inédita. O Dr. Juarez está muito animado com a moça. Ela foi uma favorecida da Fundação.

-- Interessante... Vamos – Disse Henri levantando-se.

-- Vamos.

O diretor do Instituto de Pesquisas os recebeu com certa cerimônia, pois não era sempre que os donos se faziam presentes. Sabendo que Henri recentemente tinha vindo como doutor de Harvard, ele estava entusiasmado com a visita.

Depois de conversarem sobre o instituto e andar pelo prédio, eles entraram na sala de pesquisa avançada. Dr. Juarez explicava em que se concentrava a pesquisa. E falou:

-- A dra. Ana não está. É uma lástima. Ela é quem está a frente desse trabalho. Ela teve um problema de família e precisou viajar. Creio que o pai adoeceu, coisa assim.

-- Me informe quando ela voltar, eu tenho interesse em conversar com ela. Tenho algumas ideias para partilhar.  – Disse Henri sorrindo.

-- Seria muito bom! Penso que a doutora só retorna na semana que vem. Eu dei 10 dias de licença. O senhor também vai trabalhar aqui? – Perguntou o dr. Juarez.

-- Não! Vou para o hospital do câncer. Mas é preciso que tenhamos um trabalho integrado, pois tratamento e cura do câncer dependem da pesquisa.

-- Sim. Evidentemente.

-- Obrigado pela atenção. – Disse José Eduardo despedindo-se.

Ao cruzarem a porta, Henri perguntou:

-- Quem é mesmo essa doutora? Tu a conheces?

-- Sim. Ela é filha de um velho amigo. Eu o conheci na Moradia Transitória. Ficamos amigos, porém eu sai para ser adotado e ele ainda ficou. Mais tarde foi acolhido por um casal que o criou. Deu-lhe uma boa educação e estudo técnico. Hoje ele tem um bazar, onde vende mercadorias vindas da China. Ele mantém a família com uma vida simples.

-- E a filha? Tu a conheces?

-- Sim. É uma moça bem educada, bonita e muito inteligente. Eu a incluí no programa de bolsas de estudo da Fundação. E ela formou-se com honras. Claro, que eu ofereci a ela, um lugar de pesquisadora aqui no Instituto, já não queria perdê-la. E ela está mostrando que tem talento.

-- Ela estudou em Curitiba?

-- Sim. Ela terminou o doutorado fazem 2 anos. Ela precisou interromper a faculdade por causa de um acidente que o Carlito sofreu. Ela é tão integra, que quando viu que perderia o semestre, para cuidar da loja do pai, ela pediu desistência. Mas eu a mantive no programa, e não me arrependo.

-- Talvez eu a conheça... Só não lembro de nenhuma Ana.

-- E como vão as coisas com a Anabel?

-- Pai, não vou me comprometer da forma como queres. Somos apenas bons amigos. Mas combinamos de passar o próximo fim de semana na fazenda, com o Pierre e a Arlete Merly.

-- Cuidado. Vais acabar dormindo com a moça, e então estarás mais comprometido do que imaginas.

-- Não! A Anabel está desenganada do amor.

-- Eu não falei em amor. Bem, eu te alertei. Tome cuidado.

-- Não te preocupe, eu sei me cuidar.

                                                         ...

Enquanto viajava para o sul, Eduarda relembrou o seu sonho lindo, o seu sonho de juventude. E Henri surgiu em suas lembranças. Seu coração se apertou, ela ainda o amava. Incrível, esse sentimento, pensava ela, que vem e toma conta do coração sem pedir licença. Foi um namoro tão breve... No entanto, foi era o amor de sua vida. Desde então, nunca mais se interessou por homem algum.

Suspirou, e agradeceu aos céus por ter podido estudar e hoje ter um trabalho tão envolvente, que não lhe dava tempo para sonhar.

Eduarda chegou em casa e viu que o pai não estava bem. E o problema maior era que a Marlene não o tratava como deveria. Percebeu que o casal estava em vias de separação. Teria que levar o pai para São Paulo. Bah, seria um transtorno em sua vida. Mas era o seu pai, um homem bom, que teve uma infância difícil, coisa que ele nunca superou.

Ela precisava resolver logo, pois só tinha só alguns dias, então falou:

-- Pai, eu tenho um bom salário, e estou pensando em te levar comigo. As coisas aqui não estão bem, e tu precisas ter uma vida mais tranquila. Tu não falaste que o seu Roberto te fez uma oferta pela loja?

-- Sim, mas e a Marlene, ela não vai querer me acompanhar...

--É lógico que não. Ela nem está te cuidando. Como eu posso ficar descansada? Sabendo que estás atirado as traças. A tua mulher não é mais a mesma.

-- Eu sei. Estou desconfiado de que ela tem um amante. Determinada hora ela desaparece sem explicações.

-- Então, vem comigo. Queres eu chamo o seu Roberto para conversarmos sobre a venda da loja.

-- Minha filha, não é bem assim. Te prometo que vou pensar sobre tudo isso.

Desiludida, Eduarda retornou a São Paulo.

                                                      ...

O Instituto de Pesquisa Celina Marin estava completando 15 anos, e um jantar foi organizado. Pessoas de destaque da sociedade paulistana estavam na lista de convidados, assim como os pesquisadores que trabalhavam no IPCM.

Eduarda havia comprado um vestido adequado ao evento. Com a ajuda da vendedora, ela escolheu um modelo discreto, na cor azul empoeirado, como disse a moça. Ela prendeu os cabelos, e usou uma maquiagem discreta. Ao olhar-se no espelho, Eduarda gostou de sua aparência. Não ia fazer feio... Sorriu e saiu de casa confiante.

Ao chegar no salão, ela se juntou aos seus colegas de trabalho. Dr. Juarez estava acompanhado da esposa, dona Mirtes. Reinaldo Luz, não perdeu a oportunidade de ficar ao lado de Eduarda. Fazia um tempo que ele estava interessado na sua colega de trabalho, e ele não iria perder  a oportunidade de caiu do céu. Hoje ele iria abrir o seu coração e firmar um compromisso.

Eduarda conversava com Mirtes quando olhou para as pessoas, e de repente o seu coração parou, foi quando ela mirou aqueles lindos olhos azuis. Era Henri acompanhado por uma bela mulher.

Ele também a olhava...

Um movimento e Eduarda viu que ele usava uma aliança.

Claro, um homem com ele não ficaria sozinho. Ela sempre soube, e por que essa dor no coração? Ela sempre soube que ele não ficaria sozinho por muito tempo.

E quanto tempo fazia que o namoro tinha terminado?

Ela nunca mais teve ninguém, mas ele... Talvez um número incontável de casos... Afinal ele era um homem muito charmoso...

Nervosa, Eduarda virou-se costa e tentou prestar atenção na conversa. Foi Reinaldo que percebeu que ela estava alterada, então perguntou:
-- Estás tão pálida? Até parece que viu um fantasma...

-- Talvez essa seja a questão. Eu vi um fantasma. – Respondeu ela tentando parecer despreocupada. Mas ainda estava toda trêmula.

-- Bebe um gole de água, vai te ajudar. – Disse Reinaldo gentilmente, e alcançou-lhe um copo.

-- Obrigada! – Disse ela procurando um lugar para sentar.

-- Ah, ele chegou. – Disse o dr. Juarez. – Ana vem comigo, quero te apresentar o dr. Marcel, ele recém chegou de Harvard.

Atônita, Eduarda seguiu o seu chefe. Quando ela percebeu quem era a pessoa, ela teve vontade de morrer ali mesmo.

-- Com licença. – Disse o dr. Juarez – Como vai?

-- Como vai o senhor? – Respondeu Henri gentilmente.

-- Eu quero apresentar a doutora Ana, a responsável pela nossa pesquisa avançada.

-- A doutora Ana. – Disse Henri a olhando e erguendo as sobrancelhas, e estendendo a mão a moça. – Prazer. Confesso que eu estava ansioso por conhecê-la. Soube que seu trabalho é excelente.

-- Obrigada, doutor. Só faço o meu trabalho com dedicação. – Respondeu ela o encarando.

-- Obrigado, doutor Juarez. Vou segurar a doutora Ana por aqui. – Disse Henri a pegando pelo cotovelo para que permanecesse ao seu lado.

-- Por nada. – Disse Juarez afastando-se.

-- Precisamos conversar. – Disse Henri em tom mais baixo. – E o assunto não é pesquisa. Por que te chamam de Ana?

-- Porque o meu nome é Ana Eduarda Porto. Esqueceu? – Respondeu ela com arrogância. – E acho que não temos nada para conversar. Essa aliança em tua mão, não te dá o direito de tocar no passado. Com licença. – Disse Eduarda afastando-se rapidamente,  em direção o toalete.

Ela entrou, e viu que a mulher que estava com Henri estava ali conversando com uma amiga. Entrou no banheiro e ficou escutando a conversa.

-- Parabéns Anabel! Conseguiste pegar o bonitão?

-- Sim. Ora, Arlete, eu usei o velho truque. Disse que estou grávida. Consegui um atestado falso. Sabes que com dinheiro tudo se resolve. Vamos casar em breve.

-- E depois como farás?

-- Um aborto, esmalte vermelho em uma toalha resolve tudo.

-- Mas ele é médico, saberá de diferença.

-- Eu já estarei casada. O que ele poderá fazer? Nossas famílias não costumam provocar escândalos, e tão pouco divórcio.

-- Que loucura!

Depois desse diálogo, as duas mulheres deixaram a toalete. Eduarda ficou espantada com o que ouviu. O que fazer? Alertá-lo?

Eduarda retornou ao salão e os discursos iniciaram. O Dr. Jose Eduardo Marin estava narrando a trajetória do IPCM. Falou da falecida esposa com carinho, e afirmou que Celina foi uma pessoa benemérita. Por isso foi criado o Instituto de Pesquisa com o seu nome.

Em seguida quem tomou a palavra foi o Henri, que falou sobre o trabalho de pesquisa e fez referência a Ana Eduarda, a chamando a mesa principal.

Ela levantou-se e caminhou até lá. Sentia-se insegura. O que ele estava aprontando? Para a sua surpresa ela recebeu das mãos do Dr. Juarez um broche de ouro do IPCM.

Depois de ser cumprimentada pelo dr. Juarez, dr. José Eduardo e pelo Henri, ela foi convidada a permanecer ao lado dele. Ele a segurou firme o seu braço. E sussurrou:

-- Por favor, fique.

Ela anuiu, e jantou sentada entre o dr. José Eduardo e o dr. Henri, e Anabel, que acompanhava ao noivo estava sentada do outro lado de Henri. Anabel logo reconheceu a moça que tinha entrado na toalete, ficou um pouco receosa. Jamais imaginou aquela sujeita era alguém de renome.

A noite foi “sui generis”:

Reinaldo saiu contrariado. Nada foi como o esperado.

Anabel saiu preocupada. Aquela mulher conhecia o seu segredo.

Henri saiu feliz. Eduarda estava ao seu alcance.

Eduarda saiu indecisa. Não apreciava a mentira.

José Eduardo satisfeito. A homenagem a sua esposa tinha sido incrível.

Juarez saiu realizado. A dr. Ana tornou-se conhecida.

A consciência de Eduarda estava pedindo que não permitisse que Henri fosse enganado por aquela mulher. Ela rolou a noite toda na cama, sem conseguir dormir, pensando como deveria agir.

Sem saber porque, ela tinha gravado a conversa. E isso valia como prova.

                                                          ...

Dias depois, dona Francis que era a governanta da casa, entregou a Henri um envelope enviado pelo correio. O remetente apenas colocou as iniciais. AP

Ele abriu e atônito leu a mensagem: “Tua noiva não está grávida. Estás sendo enganado. Ela quer te obrigar a casar.” AP

Henri releu. Franziu o cenho...

Recolocou no envelope e levantou-se.

-- Estou saindo. – Avisou.

-- Com essa chuvarada! – Observou Francis.

Não demorou muito e ele estava diante de Anabel.

-- Venha comigo. – Falou Henri secamente.

-- Para onde? Eu não vou sair com essa chuva.

-- Então não tem casamento. – Afirmou ele tomando a direção da porta.

-- Espere... Já estou indo. – Protestou ela pegando a sua bolsa.

Sem nenhuma explicação ele a levou ao laboratório.

-- Um exame de sangue, por favor. Para constatar gravidez.

-- Mas eu já fiz exame, até já te mostrei.

-- Sim. Eu sei. Mas quero outro exame...

--- Foi aquela zinha – Resmungou Anabel.

-- O que falaste? -- Indagou Henri. – Quem é a Zinha?

-- Nada!

Henri acompanhou a sua noiva, a sala de exames. Queria se certificar de tudo. Pediu para acompanhar o processo, e foi permitido. A reação é rápida, e o teste negativou. Anabel não estava grávida.

--Mas como deu negativo? – Gritou Anabel. – Esse laboratório não é de confiança.

-- Te enganas. É muito bem conceituado. Vamos embora. – Disse Henri depois de pagar e pegar o resultado do exame.

Ele suspirou aliviado.

Mas quem o tinha avisado. AP

Então sorriu, e pensou: eu sou um tolo...

                                                           ...

Um telefonema fez com que Eduarda saísse apressada do IPCM. Seu pai tinha tido um enfarte. Ela tomou o primeiro avião para o sul.

Apressada ela entrou no hospital. Seu pai estava na UTI. Eduarda ainda conseguiu entrar e ver o seu pai ainda com vida. Foram os seus últimos minutos de vida. Ele morreu sorrindo para ela. Parecia que ele estava esperando por ela.

Eduarda logo ligou para o dr. José Eduardo, avisando do falecimento do pai. Ele lamentou e disse que viria imediatamente.

Foi uma noite longa e solitária.

Ana Eduarda chorou pela perda do pai, e por si mesma.

Sentindo-se muito sozinha, Eduarda estava em pé junto ao caixão, pensando. Marlene recebia alguns vizinhos e amigos. Ela tinha se distanciado dessa gente toda. Também fazia muito tempo que ela não morava mais com o pai. Estudo e trabalho a afastaram de casa.

Marlene tinha ficado até o fim. E Eduarda era grata a ela. Ao menos seu pai não sofreu a dor de outra separação. Ela ainda lembrava do sofrimento do pai, quando sua mãe foi embora. Ao ver o pai tão desolado ela resolveu ficar ao lado dele. A riqueza que sua mãe oferecia não valia a dor do pai.

Um abraço reconfortante a tirou do devaneio.

Seu coração disparou. Era só imaginação... não podia ser verdade.

Ela virou-se e chorou. Deixou-se abraçar.

-- Meu pai se foi... agora estou completamente só. – Choramingou Eduarda, no aconchego daquele abraço.

-- Não estarás sozinha, eu vou cuidar de ti. – Disse Henri emocionado.

José Eduardo quando viu o filho abraçar a dr. Ana, deu-se conta de que eles já se conheciam, e ela devia ser a moça que o filho tanto amava. Entendeu porque ele fez questão de o acompanhar. E pensou, que contra o destino ninguém tem força.

Na verdade, ele ficou feliz com a descoberta. A Ana era uma excelente pessoa, muito melhor do que a pérfida Anabel.

Após o enterro, José Eduardo voltou para São Paulo. Tinha compromissos inadiáveis. Mas Henri permaneceu ao lado de Eduarda. Ela iria mandar rezar a missa de sétimo dia e então iria embora para nunca mais voltar aquele lugar. Os restos do pai estavam na urna funéria, a qual lhe pertencia.

Carlito tinha pouca coisa, apenas a loja, a qual Eduarda fez questão de deixar com a Marlene. Preferia abrir mão de sua parte, a ter que manter uma sociedade com a madrasta.

                                                             ...

Henri manteve a promessa que fez a si mesmo. Respeitou a Eduarda inteiramente, e só a tocou na noite núpcias. E foi a uma noite especial. Ele a desejava com todo o seu ser, e ela retribuiu todo o amor com entusiasmo.

A felicidade era visível no jovem casal.

Um sonho lindo foi realizado.

Aliás, era um sonho a dois...

                                                                            Maria Ronety Canibal

                                                                                  Janeiro 2023.

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