quinta-feira, 24 de março de 2022

AMIGOS...

AMIGOS...



                  

A festa de casamento estava muito animada. Tamires e Daniel tinham dançado a valsa nupcial, abrindo assim o baile, quando Mauricio aproximou-se de Camila, e a convidou para dançar.

Camila estranhou, pois ele tinha um caso mal resolvido com uma amiga dela, a Leila. Mas aceitou, afinal estavam numa festa de casamento. Ele era um cara legal, mas vivia em apuros, pois tinha um problema muito grave, não conseguia ser fiel às suas namoradas.

Camila divertia-se com as histórias relatadas por Leila, que muito apaixonada, não conseguia se afastar de Mauricio, passava se queixando, não tinha determinação e humilhava-se todos os dias.

-- Mauricio, a Leila está me olhando atravessada... Vocês brigaram outra vez? – Perguntou Camila, deixando enlaçar por ele.

-- Estamos brigados faz tempo! Eu não aguento mais, ela passa me infernizando, já implorei para ela me deixar... E ela nem é da nossa turma, que é eclética, cada um com a sua profissão, mas temos em comum a nossa paixão por cavalos.

-- Verdade. A Leila adora cães. Já nem sei mais quantos ela tem.

-- Não quero te mentir, mas já são 32 na casa da mãe dela. E no sitio em que dela são uns 18. Portanto somam 50.

-- Bah... é muita coisa... Me explica a razão da briga de hoje?

-- Ela fica implicando. Disse que eu estava olhando para uma mulher. Não sei o que ela pensa... Para onde vou olhar, senão para uma mulher? Eu estou certo?

-- Perfeitamente. – Afirmou Camila rindo. – Eu acho que bebi demais. Eu estou dançando nas nuvens...

-- Isso é o efeito da minha companhia.

-- Acho que é efeito do álcool, para ser bem sincera.

-- Hoje eu não estou bebendo. Te levo para casa...

-- Vou aceitar essa oferta.

A dança foi interrompida para mais um brinde aos noivos.

Camila era madrinha da Tamires, e uniu-se ao grupo com direito a discurso.

Mauricio encostou-se numa coluna e ficou atento a Camila, que entre muitas risadas, discursou fazendo uma bonita homenagem aos noivos, e sobretudo, ela estava divertindo-se. Eles se conheciam há tanto tempo, e no entanto, ele nunca tinha reparado como ela era bonita e divertida. Lembrava-se da primeira vez que a viu, ela era ainda muito jovem, era Médica Veterinária, já com doutorado. Ela recém tinha chegado do EUA, onde tinha trabalhado em um Haras de PSI.

-- Agora o teu novo caso é com a Camila! – Disse Leila colocando-se ao lado de Mauricio.

-- Me deixa, parece sarna... – Respondeu ele saindo de perto dela. Ele foi sentar na mesa com Vicente e Renata.

-- A Leila está bem transtornada hoje. O que aprontaste? – Perguntou Renata rindo.

-- Por que eu sempre sou o culpado? A Leila vai me enlouquecer. Não sei mais o que fazer. Já implorei para ela ir embora. Ela se instalou na minha vida sem o meu consentimento. Eu fui inconsequente, eu sei, mas foi ela quem se deitou na minha cama, e eu sou homem... Nunca imaginei que uma noitada fosse se transformar em pesadelo... Vou ter que mudar de vida, cidade, trabalho, para me livrar dela.

-- É uma ideia. Tira um tempo na fazenda. Lá eu garanto que ela não vai querer ficar. – Aconselhou Vicente.

-- Talvez eu faça isso. Ou busque outra alternativa.

A festa seguiu bem animada.  Francine e Juliano juntaram-se a eles e a conversa rolou. As observações sobre a fofoca do momento, era o cerne do assunto.

Mauricio notou os olhares de Pedro para Camila. Isso o incomodou. Os demais também tinham percebido a sensualidade dela, em especial nesta noite. O vestido turquesa realçava os seus cabelos cor de mel, o brilho do olhar e o sorriso fácil, a deixavam sedutora.

Pedro aproximou-se dela e os dois conversaram por muito tempo.

Leila bebeu demais, e chorava sozinha num canto. Mauricio nem se abalou. Pensou em sair antes que ela armasse algum escândalo. Convidou Camila para ir com ele. Ela estava engraçada, pois ria de tudo, mas aceitou ir embora com ele. No carro ela pegou no sono. Quando chegou, Mauricio a acordou e  levou até a porta do apartamento. Ela estava muito atraente, mas ele se segurou, afinal, a sua amiga estava embriagada.

-- Precisas que eu te ajude? Ou consegues ir para cama sozinha? – Perguntou Mauricio debochando dela.

-- Obrigada pela carona. Estou um pouco “alta”, mas está tudo sob controle.

-- Tem certeza?

-- Sim. Amanhã nos falamos... temos um projeto de viagem... lembra?

-- Amanhã à tarde conversamos. Te ligo. – Despediu-se ela a beijando no rosto, como um bom amigo.

 

Conforme o combinado, Mauricio ligou para Camila, no domingo à tarde:

-- Oi, como está a ressaca?

-- Estou bem.  Acabei de falar com a Raquel... Depois que saímos, a festa esquentou. A Leila deu um show...

-- O que ela aprontou dessa vez?

-- Dançou escandalosamente...

-- Não me surpreendo. Estava bêbada e nesta situação ela tem tendencia de se despir... Foi o que aconteceu?

-- A intenção era essa, mas a Renata a impediu.

-- Aceitas jantar comigo?

-- Aceito. Que horas vens me buscar?

-- Ao anoitecer. Te ligo antes de sair.

-- Ok. Tchau

 

Camila e Mauricio tinham em comum o gosto por trilhas e estavam planejando sair no feriadão que teria no próximo mês. Durante o jantar eles acertaram o itinerário e reservaram até a hospedagem.

Eles já tinham participados juntos de Passeios de Bicicletas, várias vezes. E foi numa dessas oportunidades que Mauricio começou a perceber a tenacidade de Camila, algo que ele apreciava nas mulheres. Comparar Camila com a Leila, era até um desproposito, já que Camila ganhava longe em todos os quesitos.

Leila tinha se tornado uma mulher chata, pegajosa, insuportável. Queixava-se o dia inteiro, do trabalho, da família, dos amigos... Nada servia para ela. E Mauricio não a aturava mais.

 

Francine e o marido Juliano, tinham uma fazenda muito próxima da capital, era o lugar onde residiam e trabalhavam. Eles criavam cavalos Árabes, e tinham pistas para treinamento de salto com barreiras, trilhas para cavalgadas, assim como hospedagem cavalar. Localizado na beira do lago Guaíba, era um lugar muito aprazível.

Para aquele dias eles tinham convidado os amigos para um churrasco de boas-vindas ao casal que retornava de lua de mel. Tamires era muito querida de todos, pois a sua história de vida e superação era surpreendente. O grupo era grande e quando conseguiam juntar todos era divertimento na certa.

-- Vamos juntos amanhã? – Propôs Mauricio ao telefonar para Camila.

-- Sim... Ando cansada de dirigir. Essa semana não parei. Andei muitos quilômetros para atender os meus “clientes”. – Disse ela rindo referindo-se aos cavalos que atendia.

-- Lá pelas 8h estou chegando ai, para te pegar. Beijos. – Disse desligando o telefone.

Camila desligou pensando que Mauricio era um bom amigo. Era o único que se importava, de fato, com ela. Com a família residindo no interior, ela morava sozinha desde que viera para fazer o Mestrado, seguindo no Doutorado. Depois começou a trabalhar e se estabeleceu na capital. Tamires era uma boa amiga, mas agora casada, não seria mais companhia de todas as horas. Ainda mais que morariam em Santa Cruz, cidade natal de Daniel.

Camila também mudaria de vida. Seu aluguel iria aumentar consideravelmente, e sua vontade era sair de Porto Alegre. Queria viver em numa terra onde poderia ter seus animais de estimação e um lugar para se estabelecer com uma Clínica de Reprodução Equina.

Ela sabia que seria um investimento de alto custo, mas como tinha um dinheiro que ganhara do avô, ela estava procurando um lugar adequado. Já tinha visitado alguns locais, porém nenhum agradou.

 

Mauricio chegou no horário combinado, ele estava feliz naquela manhã:

-- Bom dia, minha querida. Passou bem?

-- Ué, que bicho te mordeu? Por que essa felicidade a essa hora da manhã? – Quis saber Camila.

-- Tomei uma decisão e vou mudar a minha vida completamente. – Disse ele. – Enfim o inventário do meu pai foi resolvido. E eu vou ficar com a fazenda da Barra. E vou iniciar a minha tão sonhada criação de Cavalos Crioulos. Conto contigo para me ajudar...

-- Te ajudo sim. E a Leila, vai também?

-- Nem me fala. Já avisei para ela sair do apartamento. Coloquei para alugar e um conhecido meu já se interessou. Em um mês o apartamento tem que estar à disposição. Aluguei mobiliado.

-- Que bom! E qual foi a reação dela?

-- Esbravejou... Chorou... Gritou... E eu sai de casa. Estou no apartamento do Cristiano por uns dias. Essa semana vou para a fazenda, e já fico por lá.

-- Sinceramente, espero que te livres dela. A Leila precisa de tratamento. Sei que ela é adotada, e por isso tem problemas de rejeição, mas infernizar a vida de todo mundo... é loucura. Que vá se tratar! Não tenho paciência.

-- Concordo.

-- Eu também estou saindo de Porto Alegre. Ainda não sei para onde vou. Quero um lugar só meu, onde eu possa trabalhar e viver com tranquilidade.

-- Pra que lado estás querendo. O irmão do meu cunhado está querendo vender o sitio que ele tem em Mariana, muito próximo a BR.

-- Essa semana vou visitar um em Sertão. As fotografias são lindas. Estou bem entusiasmada. Embora eu ache um pouco distante. Eu queria mais próximo de Porto Alegre.

-- Se queres te acompanho.

-- Seria ótimo. – Comentou Camila, pensando que precisava decidir com urgência a sua mudança.

 

-- Pensei que seriamos os primeiros a chegar... – Falou Mauricio

-- A Flávia e o André devem ter vindo ontem, assim como a Veridiana e o Murilo.

O dia estava quente e a piscina foi a diversão escolhida. Camila tinha levado biquini, e sem demora trocou-se e caiu na água. De onde estava Mauricio a observava disfarçadamente.

-- Vamos cair na piscina também... – Disse André.

-- Não vou ficar por aqui. Vou ajudar o Juliano com o assado. Vá aproveite que a piscina está repleta de “gatas”.

-- E que “gatas”! – Comentou André afastando-se dele.

Mauricio não sabia o que estava acontecendo com ele. Já tinha ficado com um número infinito de mulheres, e nenhuma mexeu com ele, como Camila fazia. Nem mesmo a Leila, que era muito bonita tinha o atraído dessa forma. Com a Leila tudo foi empurrado pelas circunstâncias. Hoje arrependia-se de não ter sido firme em seu propósito.

A diferença de Camila em relação as outras era o respeito. Ela brincava, mas se dava o respeito. Ele que era um conquistador, e tinha na mão a mulher que desejasse, nunca tinha encostado um dedo em Camila. E isso o provocava ainda mais.

Sem conseguir desviar os olhos de Camila, ele permaneceu encostado na árvore, quando escutou Vicente dizer:

-- Cara! Estás dando bandeira. O que te aconteceu?

-- Como assim, estou dando bandeira? – Perguntou Mauricio dissimulado.

-- Tu não tiras os olhos de cima da Camila.

-- Nada!

-- Camila é uma mulher extraordinária. Não vai te meter com ela... 

-- Nem que eu quisesse. Ela mesma me disse que não quer saber de homens, pois sofreu muito por causa de um cafajeste, assim como eu sou.

-- Não brinca, ela te disse isso? – Falou Vicente gargalhando. – Ela é incrível. Não esconde seu ponto de vista, nunca. Uma sinceridade que as vezes dói.

-- Verdade. E ela me falou isto, por causa do meu comportamento em relação a Leila. Descobri que ela é uma mulher fascinante! Mas não é para mim.

-- É, tem muitas outras mulheres para ti. Não admitiremos que magoe a nossa veterinária. – Disse Vicente sério. – Vamos dar um mergulho na piscina.

-- Vou ficar por aqui.

Estavam todos almoçando, a turma toda descontraída, muita conversa, risos, quando despontou um carro na porteira.

-- Era só o que me faltava... – Disse Mauricio levantando-se – Aquele carro é da Raquel e deve estar com a Leila. Estou indo embora.

-- Fica... – Disse Francine. – Te damos guarida.

-- Obrigado. Mas estou saturado, tanto que não posso nem escutar a voz daquela criatura.

-- Vou contigo. – Disse Camila. – Viemos juntos...

-- Fica. Nós te damos carona. – Falou Renata.

-- Obrigada. Vou embora, também.

-- Então leva uma bandeja de doces. Vou pegar – Levantou-se Francine indo buscar os doces para os amigos.

-- Tchau... Até a próxima... – Disse Mauricio indo para o carro.

Camila pegou o pote com os docinhos, abanou para os amigos e entrou no carro de Mauricio, que saiu apressadamente pelo acesso de serviço da fazenda. Evitando cruzar com o carro em que estava a Leila.

Um constrangimento tomou conta de todos. Raquel não fazia parte da turma, era uma penetra que usava o parentesco com Juliano, para participar das divertidas reuniões deles. E para piorar ela ainda estava com a Leila a reboque.

-- Oi – Disse Raquel – Eu avistei fumaça e percebi que o churrasco era aqui.

-- Oi...  sentam, vou servir a carne para vocês... – Falou Juliano tentando amenizar a situação. Ele observou a Leila e viu que ela estava furiosa. Não tinha noção do que poderia acontecer. E pensou que Mauricio e Camila foram perspicazes ao evitar o encontro.

Leila não tinha cumprimentado ninguém. Sentou quieta, não aceitou o pedaço de carne que lhe foi oferecido. Ela bufava! Os amigos sentiram que a situação estava tensa, e que Mauricio ainda teria maus momentos pelo caminho. Então de repente ela falou:

-- Todos vocês, sem exceção estão a favor do cretino do Mauricio. Ele me usou e agora está me descartando como se eu fosse um chinelo velho. Mas eu não vou deixar barato. Hoje ele fugiu de mim. É um covarde! E a Camila está se prestando a fazer o jogo sujo para o meu lado. Vocês todos são uns imbecis!!! – Gritou ela, completamente descontrolada.

Daniel que era médico, logo agiu, dando a ela um copo com água. Mandou que tomasse devagar, gole por gole. Ele sempre carregava no carro a sua maleta, e ali tinha alguns medicamentes. Foi até o carro e trouxe um leve calmante. Fez com que ela tomasse e sinalizou para os amigos que ficassem quietos, sobretudo calados.

Francine buscou a sobremesa. Eles comeram os docinhos pensativos. Aos poucos todos foram embora. O que era para ter sido um dia inteiro de alegria tornou-se uma tarde sombria.

 

Mauricio dirigiu calado. Camila não se atrevia a puxar assunto, pois sabia o quanto o seu amigo estava chateado. Ele sentia-se perseguido... Estavam quase chegando quando ele rompeu o silencio.

-- Me desculpe. Eu estraguei o teu domingo.

-- Não te preocupas comigo. Tu é que tens que buscar o rompimento total e definitivo com a Leila. Ela não tem limites, e acabou com o humor de todo mundo. Todos vieram embora, segundo a Tamires, que acabou de me informar. Ninguém mais suporta essa criatura.

-- Eu não entendo a posição da Raquel. Elas nem são super amigas...

-- A Raquel gosta de ver o circo pegar fogo. Se diverte com a desgraça alheia. Elas não são da turma, não são afinadas com as nossas ideias. São intrometidas...

-- Tens razão. Pronto chegamos. – Disse ele. – Terça feira te pego para irmos ver a propriedade do Matias. Depois te mostro a minha fazenda. Tu serás a única com livre acesso a minha casa. Não confio em mais ninguém.

-- Acho que estás certo. Deixa o tempo correr... Até terça. – Despediu-se ela com um beijo no rosto de Mauricio.

Naquele fim de tarde, a conversa rolou no grupo de amigos no Whatzapp. Francine tinha formado um novo grupo, no qual a Raquel e Leila não participavam. Ali era um espaço só deles.

Todos mostravam-se descontentes com a presença da Raquel e da Leila. Incomodados com intromissão no grupo deles. Fazia muito tempo que eles se reuniam e tinham se tornado bons amigos. E por causa daquelas duas, o grupo estava correndo o risco de se desfazer.

 

Conforme eles tinham combinado, naquela semana Mauricio acompanhou a sua boa amiga Camila na visita de uma área de terra em Mariana. Na visitação, Camila percebeu que a casa e instalações para empregados as cocheiras estavam de acordo com a sua necessidade. Ali tinha tudo o que ela precisava para se estabelecer. O jardim em volta da casa era bonito bem amplo, tinha um pomar bem cuidado, e uma vista magnifica e não era distante da estrada principal.

Camila ficou empolgada e na hora decidiu ficar com a propriedade. Depois de tudo acertado, quando eles já estavam a caminho da fazenda de Mauricio, ele falou:

-- Acho que fizestes uma boa escolha. É um lugar muito agradável.

-- Me apaixonei assim que eu vi.... – Explicou ela.

-- Ah... se te apaixonasses por mim... como eu seria feliz.  – Disse Mauricio olhando para ela.

-- Tu sabes que eu gosto de ti... – Respondeu Camila sorrindo. -- Eu Vou precisar de pouco dinheiro para deixar tudo organizado para o meu trabalho. As cocheiras são espaçosas e tem aquelas peças contíguas, que darão perfeitamente para instalar um laboratório, e escritório.

-- Sim. Eu sabia que tu ias gostar do lugar. A propriedade tem a tua cara. – Falou Mauricio -- Estamos chegando.

-- É aqui? Somos quase vizinhos...

-- Eu te falei que era muito perto.

Mauricio mostrou o campo da fazenda para Camila, havia gado e algumas ovelhas; e só depois se dirigiram para a sede. Ali havia um galpão, algumas cocheiras, alojamento para funcionários e uma boa casa. Tudo precisava de reparo. Apenas um casal residia ali e ambos cuidavam de tudo.

A casa principal estava limpa e arrumada. Dona Olivia, logo foi para a cozinha e voltou trazendo um café recém passado e biscoitos de nata.

-- É uma delícia... – Disse Camila provando um biscoito. – É a senhora quem faz?

-- Sim, aqui tem leite à vontade e eu aproveito nata.

-- Muito bom! – Disse Mauricio. – Já vi que vou passar bem...

-- Sim senhor. Vou fazer só coisas boas... – Comentou dona Olivia bem animada.

Mauricio deixou Camila conversando com a cozinheira e saiu para acertar algumas coisas com seu Ivo. Quando retornou uma nuvem escura e pesada se aproximava rapidamente.

-- Acho que o senhor e doutora terão que esperar. Vai desabar o mundo. – Disse seu Ivo assustado com o temporal que se aproximava. – Vou fechar tudo antes que desmorone o mundo... – Disse correndo em direção ao alojamento.

Mauricio foi até a camionete e a guardou no galpão. Fechou a porta, trancou e correu para dentro de casa. Uma nuvem de poeira indicava que a ventania tinha chegado. Anoiteceu repentinamente e o céu desabou. A chuva era pesada e intensa, relâmpagos cortavam a escuridão e o vento assobiava, e a luz se apagou.

Dona Olivia foi buscar uma vela. A conversa cessou, pois o vento estava cada vez mais forte. O estrago seria grande, pensava seu Ivo. O temporal foi duradouro, e quando enfim passou, deixou um rastro de destruição.

Mauricio e seu Ivo saíram para ver como estavam as vacas leiteiras e as aves. Muitos galhos caídos, mas à primeira vista, todo o resto estava bem. A estrada estava debaixo d’água. Era impossível sair dali.

-- Eu estou enxergando direito. A estrada está coberta pela água? Fica sempre assim? – Perguntou Mauricio preocupado.

-- Não! Hoje a chuva foi excepcional. Mas logo escoa, a drenagem é boa. Deve ter chovido mais de 100mlm.

-- Será? Temos Pluviômetro?

-- Sim. Vamos conferir. – Seu Ivo caminhou até a cerca onde estava o marcador e constatou que não errara na estimativa. Chovera 115 milímetros. Era muita chuva em pouco tempo.

Com um olhar ao redor, seu Ivo constatou que o temporal não havia danificado as construções. Havia, sim, muitos galhos de arvores caídos.

Eles tiveram que passar a noite na fazenda. Camila era uma mulher absolutamente independente, e administrava sua vida conforme a exigência do momento. Precavida ela carregava em sua bolsa uma muda de roupa. Então antes do jantar ela tomou um banho e se apresentou limpa e perfumada, o que perturbou Mauricio.

A conversa animada, fez com que eles não percebessem a adiantado da hora. Quando Camila deitou-se não pensou em nada, simplesmente dormiu.

Já Mauricio ficou pensando no que sentia. Ele, pela primeira vez, estava vivendo um sentimento mais profundo. Não era apenas atração sexual que experimentava por Camila, era algo mais e isso o assustava.

Depois do episódio com a Leila, ele não queria mais implicação, queria apenas as mulheres disponíveis, que não envolvesse sentimentos e tão pouco compromisso. Mas, Camila não se encaixava neste grupo. Ela era uma mulher trabalhadora, honesta e inteligente. Era uma joia preciosa.

 

Os dias que se seguiram foram de muitas atividades, tanto para Camila como para Mauricio, pois ambos estavam vivendo o tempo de adaptação no novo local, aonde iriam morar e trabalhar. Era imprescindível que tudo ficasse bem, sobretudo para o manejo dos animais.

Camila muito comunicativa logo se inseriu na comunidade e fez novos amigos: sendo uma dedicada e excelente profissional, logo  conquistou o seu espaço, e o seu trabalho aumentou consideravelmente. Diariamente ela tinha a agenda completa.

Mauricio e Camila tiveram que cancelar e adiar a trilha que pretendiam fazer. Dois fatores contribuíram para a decisão: trabalho e previsão de muitas chuvas.

Envolvidos no trabalho, eles pouco se viam, e tão pouco participavam das reuniões do grupo de amigos. Agora morando mais distantes era compreensível a ausência deles.

Mas o fim do ano se aproximava, e Camila aliviou a sua agenda de trabalho. Iria visitar os pais e os irmãos que moravam em Dom Pedrito, onde comercializavam secos e molhados. Fazia tempo que ela não visitava a sua cidade natal.

Mauricio iria passar as festas de fim de ano na fazenda e sozinho.

 Mandou instalar uma piscina, e aproveitaria o verão sem sair de casa. Ele não tinha mais ânimo para as noitadas, para conversas fúteis e mulheres fáceis. Tomava consciência de que estava ficando velho... Entretanto, sabia que a razão de seu desânimo, tinha nome, e se chamava Camila. Ele estava completamente apaixonado por ela, essa era a verdade, que ele enfim, admitiu.

Prometeu a si mesmo que iria mudar de vida. Não queria mais ser rotulado de cafajeste, sobretudo por Camila. Ele mudaria o seu comportamento e esperava, que algum dia, ela notasse a mudança, e percebesse que ele se tornara fiel a mulher amada. Então, nesse dia ele revelaria o imenso amor que estava guardado em seu coração. E, que todo esse sentimento era exclusivamente para ela. Ele a faria feliz... muito feliz!

Era fim de março quando eles fizeram a trilha, já planejada anteriormente. Ali, Camila notou que o seu amigo estava diferente, não falava mais de suas conquistas. E estava totalmente focado na sua fazenda. Aliás, o assunto girava sobre animais, em especial a sua criação de Crioulos. Camila tinha inseminado todas as éguas que Mauricio tinha comprado.

Já estavam retornando, e quando pararam num posto de combustível, e Camila assistiu duas mulheres se jogarem sobre ele, mesma ela estando presente. Foi engraçado, e ao mesmo tempo irritante a forma com aquelas duas se insinuavam, para ele. Mauricio, sem jeito, olhou para Camila, a envolveu pela cintura e levou para a camionete. E tratou de sair dali.

-- Desculpe... – Disse Mauricio quando deu partida na camionete.

-- É sempre assim que elas agem? Pensei que ia rolar um sexo a três. – Comentou Camila rindo.

-- Foi tão escandaloso assim?

-- Ainda bem que era só nós. Mas a senhora que estava no caixa arregalou os olhos. São tuas conhecidas?

-- Sim... Dos velhos tempos.

-- Esse distanciamento tem feito maravilhas em ti. – Afirmou Camila com naturalidade. – Não sei o que aconteceu contigo.

-- Eu tenho um objetivo... e para alcança-lo eu preciso ser outro homem.

-- Verdade! Estás apaixonado? E desta vez é sério?

-- Sim...

-- Quem é ela? Eu conheço?

-- Ela é uma mulher maravilhosa...É linda, cativante, divertida, companheira... Cheia de qualidades...

-- E por que ela não está ao teu lado?

-- Ela ainda não sabe. Estou esperando o momento certo.

-- A gente faz o momento... Não perde tempo...

Ele a olhou sorrindo.

-- De hoje não passa. – Disse para si mesmo. Pensando em estender o dia com um jantar na casa dele. Ele tinha desenvolvido seus dons culinários. E segundo dona Olivia, ele estava se saindo muito bem. Ele estava planejando o que iria fazer, lembrando-se dos ingredientes que tinha em casa. Então Camila, cortou seu pensamento ao declarar:

-- Credo! Estou cansadíssima. Só quero chegar em casa, tomar um banho e dormir. Acho que estou ficando velha...

-- Dessa vez foi mais puxado. Era muito íngreme... – Comentou ele decepcionado.

Mauricio a deixou em casa, despediram-se, e ele tomou o caminho da fazenda. Também estava cansado. Talvez tenha sido melhor, num outro dia o assunto poderia fluir de modo mais perfeito.

 

A semana foi cheia de imprevistos, não só para Mauricio com também para Camila. Ela precisou ir para Bagé, pois sua mãe tinha sofrido um acidente caseiro, estava internado no hospital. Ela permaneceu com a mãe por uma semana. Depois que dona Lorena estava bem, foi que ela retornou.

Os dias que se seguiram foram de chuvas intensas, as estradas ficaram intransitáveis e os passos cheios, já que os arroios e rios transbordaram. Camila estava preocupada com o seu calendário, seu serviço estava atraso, e o tempo ruim atrapalhava.

Fazia dias que não falava com Mauricio, ela já tinha ligado várias vezes e ele não dava retorno. Embora estivesse preocupado com o amigo, ela estava impedida de ir até a fazenda dele, pois um pontilhão de madeira, tinha ruido.

Enfim o tempo melhorou e o sol voltou a brilhar. Máquinas trabalhavam para recuperar as estradas. E então Mauricio apareceu de surpresa.

-- Meu amigo! –  Saudou Camila, o abraçando com alegria. – Te liguei inúmeras vezes...

-- Meu telefone foi levado pela correnteza... – Disse ele rindo.

-- Não brinca!  Perdestes tudo...

-- Sim. Vou ter que começar de novo. Uma vantagem eu levo. Só vou dar meu novo número para os bons amigos. Meu passado está morto e enterrado. Vida nova!

-- Realmente estás mudado... Embora eu custe a acreditar, não posso negar que teu comportamento é outro. Acho que posso te dar os parabéns.

-- Aceito com um abraço e um beijo...

-- Oh... Já estás tendo uma recaída. Tu falaste que tudo é por causa de uma mulher... E ela vale tudo isso?

-- Vale muito mais... Ela é maravilhosa, uma pessoa incrível, que aos poucos foi tomando espaço no peito, e conquistou inteiramente o meu amor...

O telefone de Camila soa, e ela pede licença para atender, é um cliente. Uma urgência faz com que ela corra para atender uma égua parindo. Mauricio a acompanha, mas sabe que terá outra oportunidade para revela o seu amor.

Quando chegaram ao local onde estava a égua, Mauricio avistou Tobias, e seu sangue ferveu. O tal cliente novo, era o cafajeste do Tobias. Se ele tinha sido um canalha para com as mulheres, esse era muito pior, pois falavam as más línguas, que ele era também violento.

Antes de sair do carro, ele pegou a mão de Camila e pediu:

-- Vou passar por teu namorado. Não me contrarie. Depois te explico.

-- Sei que o Tobias é metido a conquistador, mas comigo ele não tem vez.

-- Por favor. Sei o que estou fazendo.

-- Certo.  Vamos... Estamos demorando a sair do carro.

Os dois homens se cumprimentaram como dois galos de rinha. Enquanto Camila orientava os funcionários do haras, Mauricio e Tobias se mantinham calados, observando o nascimento do potrinho. Depois de uma hora, recém-nascido já estava em pé ao lado da mãe.

-- Pronto. Ele é sadio, a mãe está bem. Qualquer coisa me avisa.

-- Muito obrigado doutora, posso te chamar de Camila?

-- Como querias... – Respondeu ela.

-- Podemos ir, amor? – Perguntou Mauricio.

-- Sim. Por aqui missão cumprida. Depois te mando a conta. – Disse Camila despedindo-se de Tobias. – Até mais.

Já na camionete, enquanto retornavam Mauricio falou:

-- Além de conquistador ele é violento. Já foi processado por violência doméstica. Ele divorciou-se há pouco tempo. Por isso te peço, não te envolvas com ele.

-- Nem que eu quisesse... Agora já estou comprometida contigo... – Disse ela rindo. – Por que te importas tanto comigo?

-- Porque eu te amo. Quero cuidar de ti, estar sempre contigo...

Mauricio parou a camionete, desligou o motor, se virou para ela e continuou falando:

-- Tu és a razão da minha mudança de vida. Faz muito tempo que eu te quero, primeiro não tinha coragem porque conhecia o teu pensamento sobre o meu comportamento. Então, mudei meus hábitos. Não foi fácil, mas o amor que sinto por ti é maior que tudo...  Eu te quero em minha vida para sempre. – Ele suspirou – Pronto falei.

-- Mauricio... eu não sei o que dizer.

-- Não diga nada. Apenas deixe eu demonstrar o amor que sinto por ti. Me dá essa chance.

Ele acarinhou a face de Camila e a beijou com ímpeto. Sorrindo sussurrou:

-- Eu quero te mostrar o quanto te amo. Só quero uma oportunidade...

Camila o olhou e acenou afirmativamente com o movimento de cabeça. Ele a beijou suavemente, e falou:

-- Obrigado. Não vais te arrepender.

Depois, deu partida no veículo. Ele a levou para a casa dela. Era ainda cedo da tarde, então ele a convidou para jantar. Ele faria o jantar. Olivia e Ivo estavam de folga, seriam apenas eles. Mauricio já estava imaginando a noite romântica que teriam.

Camila aceitou. Tomou um banho e se arrumou. Se aquele homem a queria, ela seria uma mulher charmosa. Escolheu vestir um vestido azul e uma jaqueta de couro cru. Prendeu o cabelo num coque frouxo. Colocou os brincos pingentes dourados. Um batom rosa antigo completava a maquiagem. Olhou-se no espelho e sorriu.

Quando ela viu assim arrumada, ele logo a abraçou e falou:

-- Estás linda, minha querida. – De mãos dadas eles foram em direção ao carro.

Mauricio mostrou-se um namorado muito atencioso e carinhoso. Depois do degustarem um bom vinho, eles saborearam o delicioso jantar.  Camila enxugou a louça e ambos deixaram a cozinha limpa e arrumada.

Sentaram de mãos dadas no sofá e fizeram planos para o futuro.

A noite foi de entrega, amaram-se com paixão.

 

O tempo passava e a relação tornava-se mais sólida. Camila sentia que podia confiar em Mauricio; que realmente ele a amava e a respeitava como mulher e como pessoa.

A turma estava dispersa, com a mudança de Tamires para Santa Cruz do Sul, e de Camila e Mauricio para Barra e Mariana, as distancias haviam aumentado, e as reuniões não eram mais tão frequentes.

Mas Tamires estava planejando o seu aniversário ao bom estilo da turma. Já havia inclusive, providenciado pernoite para os amigos, numa pousada situada próxima a sua casa.

Tudo estava pronto, e desta vez não haveria penetras...

Seria uma festa de arromba!

 

Tamires estava confiante, pois sabia que Leila havia sido internada numa clínica psiquiátrica, depois de um diagnostico apurado.  Definitivamente, ela não iria mais causar problemas para ninguém.

Mauricio e Camila chegaram cedo, Tamires e Daniel os convidaram para o fim de semana. Era fim da manhã de sábado, quando eles chegaram. Daniel gostava de cozinhar e os esperou com um risoto de camarão.

-- Que saudades! – Saudou Tamires alegremente a querida amiga. – Como é bom te rever. Venha vamos entrar...

-- A tua casa é linda! Adorei...

Mauricio e Daniel entraram na sala. Tamires serviu um aperitivo enquanto Daniel servia uma bebida. A conversa rolou alegremente. Até que num gesto automático, Mauricio pegou a mão de Camila entre as suas.

-- Não é possível... – Falou Tamires rindo. – Vocês estão juntos!

-- Estamos... – Respondeu Mauricio. – Ela me aceitou... enfim... agora estávamos felizes.

-- Bem que o Vicente falou... – Disse Daniel.

-- O que ele disse? – Quis saber Tamires, virando-se para o marido.

-- Que o Mauricio estava apaixonado pela Camila.

-- E tu nem me falastes... – Reclamou Tamires.

-- Conversas de homens. – Respondeu Daniel rindo.

No dia seguinte a novidade foi bem aceita por todos os amigos. O casal era querido por todos.

A conversa rolou e foram feitas as atualizações necessárias. Ao fim do dia o brinde foi para o anuncio do anfitrião:

-- Hoje a minha querida está duplamente feliz. Por ser o seu aniversário, e sobretudo, pela gravidez. Estamos grávidos! – Anunciou ele.

Foi uma algazarra geral... A turma voltou aos velhos tempos... A interação entre os amigos era natural e espontânea. Havia uma relação de amizade sincera entre eles.

Camila e Mauricio retornaram para casa mais comprometidos. O próximo passo seria colocar uma aliança, para selar o amor que os unia.

 

                                                                        Maria Ronety Canibal

                                                                            Março de 2022.

IMAGEM VIA INTERNET

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

NOVO AMOR


NOVO AMOR



Adriana não perdia nenhuma aula do professor de linguística. Além do interesse pela matéria, já que pretendia ser escritora, suas aulas eram bem interessantes, e ele um gato! Estava ficando difícil se concentrar no que o professor Mateus falava, sem ficar divagando sobre momentos íntimos.

Naquela manhã, depois de uma vasta explicação, ele fez uma breve narrativa, e pediu que os alunos fechassem os olhos e imaginassem a sequência da cena, cada um acrescentando um fato pessoal.

O silencio na sala de aula era absoluto.

Mateus pediu para um dos alunos continuar a narração. Luciana foi a primeira a falar. “Uma menina de oito anos, amedrontada corria pelo campo, lágrimas escorriam em suas faces... Ela sentia-se abandonada, não confiava em mais ninguém... (continuou Paolo) A separação de seus pais, a deixou desamparada... (disse Adriana) A menina buscou consolo em seu cão...” (acrescentou Marcela)

 -- Muito bem. É isso que eu quero de vocês. Que coloquem em seus textos mais emoção. Para a próxima aula quero uma autobiografia. Obrigado – Disse o professor Mateus dispensando a turma.

 Mateus juntou seu material e pegou o telefone. Havia uma mensagem de sua esposa, o convidando para almoçarem juntos. Sorriu ao responder. Silvia era especial, ele a amava profundamente.

Já estava deixando a sala de aula, quando percebeu que uma das alunas estava o aguardando para conversar, foi até ela e perguntou:

-- Alguma questão que não ficou esclarecida na aula?

-- Não. É que eu não consigo escrever sobre a minha vida. – Explicou Adriana.

-- Tenta. Ajuda a resolver os traumas e dá confiança. É só um exercício. Não será publicado.

 -- Mas o senhor vai ler...

-- Deixa o senhor de lado. Me chame de Mateus. Sim, eu vou ler e colocar observações sobre o desenvolvimento do raciocínio.  Depois devolvo. Faça um esforço e tente cumprir a tarefa. Se queres aprender escrever é preciso colocar para fora os sentimentos. Agora preciso ir, tenho um compromisso. – Disse ele afastando-se da aluna.

 Adriana ficou olhando o professor se afastar. Seu pensamento voava, criando situações para encontrá-lo fora do horário de aula, fora da universidade... Estava fascinada por ele. Iria conquistá-lo!

Mateus era muito lindo para ser de uma só mulher, pensava ela. Com pensamentos ousados, Adriana acreditava em relacionamentos abertos, sem compromisso. Ele ainda não a tinha notado, mas logo ele estaria nas mãos dela, ou não se chamava Adriana Pradela.

Mateus Krye era um homem de 40 anos, que já tinha conseguido renome internacional após a publicação de seu primeiro livro: Desencontros. Neste livro ele tratava do seu tema preferido, discorria sobre os desencontros do amor, no mundo contemporâneo.

 Ele tinha o dom de ensinar. Suas aulas eram um sucesso no meio acadêmico, pois o seu ideal era transformar o mundo através da escrita, consequentemente pela leitura. Por isso, continuava lecionando. Ver aqueles jovens vencendo as barreiras pessoais e alcançar a desenvoltura na escrita, era a melhor recompensa.

 Casado e apaixonadíssimo por sua esposa, ele tinha ideias conservadoras sobre o casamento. Via a fidelidade como consequência natural do amor. Quem ama não trai, dizia ele.

Silvia, sua esposa, aos 38 anos, era uma mulher bonita, inteligente, simpática e comunicativa. Formada em Arquitetura, ela tinha paixão pela profissão, trabalhava com o professor Carlos Ponte, renomado arquiteto, que a convidou para fazer parte de sua equipe de projetistas.

 Atualmente, ela estava trabalhando num projeto especial, um prédio em Santiago do Chile. A permanência junto a obra era necessária, já que os responsáveis pela execução do projeto, eram Henrique e Silvia.

 Mesmo eles vivendo em cidades diferentes, eram parceiros no projeto chileno. Um prédio residencial de alto gabarito, num dos melhores bairros de Santiago

Henrique, era solteiro e não se importava de ficar uma temporada longe de casa, cedia sua folga para a sua parceira. Com a previsão de chuvas intensas, Silvia aproveitou para vir em casa, estava muito saudosa de seu marido. Ficaria apenas uns dias. E o casal queria desfrutar ao máximo desses momentos.

 

 Rever os amigos e colocar o papo em dia, fez com que Silvia preparasse um pequeno jantar para Estevão e Lucia, os melhores amigos do casal. As notícias sobre a separação Cristiano e Leticia os deixou estarrecidos.

-- Eles eram perfeitos! Como aconteceu? – Disse Silvia surpresa.

-- Muito simples. Leticia descobriu que foi traída. – Explicou Lucia.

 -- Não foi traição, foi uma aventura – Argumentou Estevão. -- Ele transou com a garota uma vez, e estava bêbado. Isso não pode ser razão para separação.

 -- É, mas ela se sentiu no direito de transar também. -- Falou Lucia – E quando foi a vez da mulher, ele não gostou, e se sentiu traído.

 -- Os dois erraram. Não pode ser assim. Eu sempre digo, que o amor não permite traição. A relação deles já estava desgastada, viviam de aparências. – Falou Mateus.

 -- E por que o desgaste? Falta de atenção? Falta de carinho? – Quis saber Silvia.

 -- Eu acho que um pouco de tudo, a rotina espanta o amor. – Falou Mateus. – Por isso, é indispensável investir, ou seja, estar sempre presente, dar atenção e manter o diálogo. É preciso ter tempo para o amor, é importante continuar a namorar, ou seja, ir ao cinema e ficar de mãos dadas, roubar beijos... enfim fazer essas bobagens que as pessoas apaixonadas fazem. Não tem essa de “já está no papo” e deixar a chama se apagar.

 -- Mas eles sempre juntos, animados, envolvidos... Não entendo! – Disse Lucia.

 -- Só aparências? Então o que será de nós?  Mateus e eu estamos passando por um período difícil, pois estamos distanciados, por causa do meu trabalho, então terminaremos separados, também? – Perguntou Silvia.

 -- Vai depender de vocês, da fidelidade de cada um. – Disse Estevão. – Cristiano me falou que depois das tais transas, eles tentaram voltar; na cama se davam bem, mas na convivência diária foi difícil, me afirmou, e salientou que fica tudo muito diferente, é estranho pois não há mais conexão, cumplicidade e confiança. E as discussões passaram a acontecer, por qualquer coisa... Então meus amigos, a chave de uma relação é o crédito no parceiro. Se perder a confiança, vai tudo por água abaixo.

-- Eles namoraram desde a faculdade, estão pelo menos 15 anos casados... Não dá para acreditar. – Disse Silvia preocupada.

 Silvia estava preocupada, porque Henrique, seu parceiro de trabalho lá no Chile, era um cara charmoso, simpático e envolvente. Não havia rolado nada entre eles, mas ela até que pensou que ele era bem interessante. E para complicar, eles dividiam o mesmo apartamento. E o pior era que ela não tinha contado para o marido que estava dividindo o apartamento. Bah... na hora que ele descobrisse, seria um Deus nos acuda!

Olhou para o marido e conjecturou se ele não tinha atração por uma de suas alunas, garotas novas e sedutoras. Será que ele a amava tanto assim?

 Os dias passavam...

Era uma quarta feira e ao fim de mais uma aula, Adriana foi conversar com o professor Mateus:

-- Mateus eu estou com muitas dificuldades. Eu sei o que quero escrever, mas não consigo as palavras certas para colocar no papel. Poderias me ajudar. Estou pedindo aulas particulares. Eu te vou pagar...

-- Os meus horários são apertados. Estou finalizando o meu livro, meu editor está me pressionando, pois já extrapolei meu prazo. Não sei se posso te ajudar.

-- Mas só tu podes, eu tenho tanto para contar. Por favor... – Disse ela com voz chorosa. -- Arranja uma hora que seja por semana. Pode ser numa cafeteria...

-- Está bem. Amanhã combinamos. Preciso ir. -- Disse Mateus se afastando. Ele não podia se envolver, e aquela garota era muito bonita e bastante atraente. Mas um dinheiro extra sempre vinha bem. Iria cobrar bem caro...

 Mateus passou encontrar-se com Adriana todas as quartas feiras, sempre em uma cafeteria diferente, não podiam ser vistos constantemente juntos. Adriana lentamente progredia, e Mateus estava ganhando uma boa grana extra.

  Adriana realmente tinha potencial para ser uma escritora de destaque. Ela estava evoluindo satisfatoriamente, e Mateus achou que deveria continuar com as aulas particulares.

 Ele percebia, também, todas as insinuações dela sobre a atração física. Ela deixava bem claro o seu modo de ser e pensar, e talvez de agir. Acreditava no amor livre, sem limites e preconceitos. O fato é que ela era muito bonita e o provocava, até na sala de aula. Ele estava se mantendo firme, mas não estava sendo fácil, ainda mais com a esposa longe.

 O período de férias, de inverno, chegou e ele foi para Santiago, do Chile, para aliviar as tenções. Estava com saudades da sua mulher. Nunca tinham ficado tanto tempo separados por causa do trabalho. Mas, para ela esse trabalho, era uma alavanca para uma ótima promoção.

 Olhando por sobre as nuvens ele deixou sua imaginação solta e acabou dormindo boa parte da viagem. Acordou quando já estavam próximos de Santiago.

 Ele apreciou a vista cidade.

 Já com a sua bagagem, Mateus ligou o celular.

 A primeira decepção foi que Silvia não ia buscá-lo no aeroporto. Ela havia enviado uma mensagem explicando, que um problema na obra a reteve, e como o aeroporto era muito longe, não chegaria a tempo.

 Contrariado ele andou pelo aeroporto em direção a porta de saída, e ali procurou por um taxi, optou por um Uber que era mais rápido. Mesmo assim, foi preciso esperar por quase uma hora. Não era dessa forma que ele tinha imaginado a sua chegada a Santiago.

 Estava dando tudo errado

Realmente a distância do aeroporto até o centro da cidade era considerável. O taxi o deixou no endereço que Silvia lhe dera, e para a sua surpresa, não era um hotel, ou apart-hotel, era um prédio residencial.

 Ele tocou no interfone e um tal Henrique o atendeu. Quem era Henrique?

 Mateus subiu muito contrariado. Sua mulher estava dividindo o apartamento com esse Henrique, que era completamente desconhecido dele. Sim, porque ele conhecia a equipe de projetistas que trabalhavam com a Silvia.

 Ao chegar ao andar, ele saiu do elevador e logo viu a porta do apartamento estava semiaberta e ele entrou silenciosamente. Então se deparou com o cara.

 -- Olá, como vais? Sou Henrique, companheiro de trabalho de Silvia. Prazer em conhecê-lo.

 -- Prazer! Mateus. – Disse estendendo a mão para cumprimentar Henrique.

 -- Fez boa viagem?

 -- Sim. Melhor do que esperava. Pegamos mau tempo sobre a Argentina. Tu és novo na empresa?

 -- Não. Pertenço a filial de Curitiba.

 -- Hum... Onde está a minha esposa?

 -- Está tomando banho. Ela recém chegou. Tivemos um contratempo.

 -- Sei.

 -- Com sua licença. Eu estou de saída. Até mais... – Disse Henrique saindo apressado.

 Mateus andou pelo apartamento, inspecionou a cozinha e foi até a janela olhar a vista da cidade. Mas seu pensamento estava a mil. Não iria ficar ali. Como seria “tirar o atraso” com sua mulher com o cara no quarto ao lado. Ali não teriam privacidade.

Enfim Silvia apareceu, de cara lavada, cabelo molhado, e um abrigo caseiro. Credo! Era assim que se recebia um marido depois de dois meses distantes?

-- Oi! Como estás? – Disse ela o cumprimentando com dois beijinhos no rosto.

-- Eu estou muito bem. Mas tu não me pareces bem. O que aconteceu?

-- Nada! Só estou cansada. Tivemos um dia difícil no trabalho.

-- Acho que tem mais coisa... O que tens para me contar?  Não estou aqui para fazer o papel de bobo.

-- Um escritor está sempre imaginando coisas. Não há nada!

-- Arruma as tuas coisas, vamos para um hotel.

-- Ir para um hotel? Por quê? Aqui não gastamos nada...

-- Não vou ficar com a minha mulher num lugar que não nos dá privacidade.

-- Eu não vou para o hotel, vou ficar aqui.

-- Mas eu vou... – Disse ele pegando e telefone para chamar um Uber.

 Mateus escolheu um hotel próximo ao apartamento, era padrão três estrelas e bem confortável. Ele tomou um banho, pediu um lanche ao serviço de quarto e ligou a TV.

 Estava faminto, só depois de saciar o apetite, ele passou a pensar no problema que havia surgido. Estava decidido a dar um dia para Silvia o procurar. Se ela não ligasse para ele e se desculpasse pela sua preterição, ele iria retornar para casa. Aliás, iria abreviar a estadia. Ligou para a companhia de aviação e solicitou o retorna para o próximo domingo. Como era quinta-feira, ficaria apenas dois dias.

 Ele estava cansado e dormiu logo.

 Só depois que Mateus já a tinha deixado sozinha e ido para o hotel, foi que Silvia se deu conta da besteira que tinha feito. Teria de consertar, mas como? Ficaria evidente que tinha algo errado. Em 8 anos de casados era a primeira vez que brigavam sem razão aparente. Mas seu marido não era bobo, ele pegava as coisas no ar.

Era muito cedo e Mateus já acordado, pensava na vida. O que tinha acontecido no dia anterior era consequência do distanciamento deles. Um casal não deveria ser colocado a prova, dessa maneira.

O ciúme que ele sentiu ao saber que a sua Silvia estava dividindo o apartamento com outro homem, e um jovem bem apessoado, o deixou transtornado e inseguro. Foi a causa de sua repentina decisão, de não querer permanecer no apartamento. Por outro lado, a própria Silvia não demonstrou alegria ao vê-lo. Teve a sensação de ser inoportuno aos olhos da esposa.

O telefone soou, ele olhou e viu que era uma chamada de Adriana, atendeu:

-- Alô...

-- Oi... Te acordei? Não sei qual é o fuso horário... Desculpe se é muito cedo.

-- Não me acordou... Estava aqui pensando na vida.

-- E eu faço parte dos teus pensamentos?

-- Não seja atrevida. O que queres?

-- Liguei para te desejar um bom dia. Sonhei sonhos maravilhosos e me deu vontade de escutar a tua voz. Tudo bem contigo, não me pareces muito animado.

-- Está tudo bem, sim. Te desejo, também, um bom dia. Obrigado por ligar.

-- Beijos

Mateus desligou o telefone e foi tomar um banho. Falar com Adriana tinha o deixado mais animado. Iria sair para conhecer a cidade. Depois decidiria o que fazer.

Ainda enrolado na toalha ele checou o telefone e viu que Silvia havia ligado duas vezes. Não retornou. Iria primeiro se vestir. Estava pronto para descer para o café quando ela ligou novamente.

-- Oi, me desculpe por ontem, eu estava de TPM e meu dia foi horrível. Sei que procedi mal. Em que hotel tu estás. Vou tomar café contigo, assim conversamos.

-- Certo. Precisamos conversar. Te passo o endereço por mensagem. Te espero na sala de café.

 Mateus ficou apreensivo, não imaginava o tipo de conversa que teriam. O mais estranho de toda a situação, que não era Silvia que domina seus pensamentos, e sim Adriana. Ah... aquela garota estava mexendo com ele.

Silvia chegou. Estava bem arrumada e sorridente o abraçou carinhosamente. Ali diante dele e o olhou, de uma maneira que parecia querer perscrutar seus pensamentos.

 Ele levantou-se para recebe-la e a abraçou carinhosamente. Ambos sentaram e Silvia logo falou:

-- Preciso me desculpar por ontem. Eu estava péssima, e não te recebi como eu tinha planejado. Deu tudo errado. Podemos esquecer o dia de ontem, e recomeçar a partir de hoje?

-- Se tu achas que dá, vamos tentar. – Respondeu Mateus a analisando. Ela não era mais a mesma, por mais que tentasse parecer. Alguma coisa tinha acontecido, mas o quê?

-- Vamos aproveitar esse café farto e delicioso café. Depois vou te levar para conhecer os pontos históricos da cidade. Hoje tirei o dia de folga, estou a tua disposição.

-- Que bom! É muito melhor ser apresentado a uma cidade, do que ficar tentando descobrir os lugares mais interessantes sozinho. – Disse ele em tom de ironia.

-- Não sejas sarcástico. Eu já me desculpei. – Falou ela bem chateada.

O telefone de Mateus soou e ele logo atendeu, e Silvia ficou atenta ao diálogo:

-- Olá! ...Sim... Não tanto (sorriso) ... Acho que antes do previsto... Claro... Te aviso...  Outro para ti...

Mateus desligou o telefone e colocou no bolso de seu casaco. Ele não iria contar para ela, que era o seu editor. Levantou-se da mesa e falou:

-- Vamos?!

-- Sim.

Os dois caminhavam lado a lado, não se tocavam. Silvia não queria tomar a iniciativa, e ele, por sua vez, a estava testando. Aos poucos a tensão foi diminuindo e eles tiveram um dia agradável.

 Eles haviam terminado de jantar, quando Silvia revelou ao marido sua intenção de passar a noite com ele. Mateus até sorriu ao perceber a situação que tinha se instalado entre eles. Silvia notadamente, tentava parecer natural, mas era inútil, pois a sua inibição era de uma garota que foi pega em flagrante.

 Mateus e a esposa transaram e foi uma decepção. Silvia evidentemente estava sexualmente saciada. Ele soube pelo seu comportamento. Ele a conhecia muito bem.

 Ela o tinha traído... com Henrique?  Talvez... Era o mais provável.

Mateus não falou nada.

Aproveitou o sábado para visitar uma vinícola. Domingo pela manhã retornou.

Durante a viagem ele teve tempo para analisar todos os acontecimentos. Uma coisa o surpreendeu, a sua reação. Por que ele não pediu explicação a Silvia? Por que ele ficou indiferente? Não estava mais apaixonado por sua esposa?

 A imagem de Adriana surgiu em sua mente.

 Não era possível! Ela era uma jovem de 20 anos. Ele podia ser seu pai, e não rolara nada entre eles, nem um beijo... mesmo a tentação sendo enorme.

 A garota tinha futuro como escritora e ele queria ser o seu mentor literário. Como professor ele jamais iria se envolver com uma aluna.

 Mateus não queria jogar fora o seu casamento por uma situação atípica. Eles estavam distanciados, e ainda ficariam por mais algum tempo. Eram adultos e sobreviveriam a esta crise.

 Silvia deixou o marido no aeroporto e foi para um shopping. Sentou-se em uma cafeteria, pediu um café e permitiu-se analisar a situação que se criara entre ela e o marido. Ela estava convicta de que Mateus achava que tinha sido traído. Estava estampado em sua face. Ela o conhecia muito bem, aliás, eles se conheciam e sabiam quando estavam tentando encobrir uma situação constrangedora.

 Não estava nos planos o encontro de Henrique e Mateus.

 Mas a quinta feira tinha sido o seu dia de azar. Tudo tinha dado errado. E não havia como consertar o estrago que fizera no casamento dela. Agora teria que esperar calmamente... Mateus era conservador no modo de ser e não terminaria o casamento por causa de uma suspeita. Era só suspeita. E ele não tinha como saber a verdade. E qual era a verdade?

Mateus suspirou aliviado, quando entrou em sua casa. Eles moravam numa casa encantadora, num condomínio com ares de romantismo. Eram casas de 100m², uma diferente a outra, em estilo francês, lembrando os chalés rurais. Os jardins tinham muitas flores e coloriam os jardins.

Tomou um banho, pediu uma pizza e se recostou no sofá. Olhou a sala bem decorada da casa deles, Silvia sempre foi detalhista e tinha bom gosto. Não só a sala, mas cada cantinho da casa tinha o toque dela.

 Ele sentia-se magoado com o que tinha ocorrido entre eles.  Silvia, quando soube que fora designada para ir ao Chile, pediu ao marido para acompanha-la, pois sabia que seria uma empreitada longa. Mateus recusou a ideia porque não queria deixar os seus alunos, o seu posto de professor na universidade.

 Agora estava em duvidas: será que tinha feito a escolha certa?

 Essa situação não seria o fim de seu casamento?

 Bem distante dali. Silvia pensava em seu casamento. Não tinha como avaliar o estrago tinha acontecido na relação deles. Ela conhecia Mateus, muito bem, e sabia que ele não perdoaria facilmente. E ela permaneceria em Santiago por mais um bom tempo.

 Faltava pouco para o aniversario de Mateus.

 E se lhe fizesse uma surpresa?!

 Ainda era muito cedo, quando Mateus saiu de casa em direção a Editora Atena. Enfim, o seu livro seria publicado. Depois de muitos atrasos, ele tinha conseguido terminar de escrever. Já estava revisado e precisava acertar a parte artística, ou seja, fazer a capa do livro.

Foi recebido com alegria pelo seu amigo e editor, Zacarias. Conversavam animadamente quando uma jovem mulher entre na sala. Ela era linda! Parecia um anjo... Tinha os cabelos claros, olhos azuis piscina e a pele alva e sedosa. Esguia sem ser muito alta. A voz era melodiosa. E maneiras gentis e suaves.

-- Mateus, essa é Larissa – Apresentou Zacarias – Ela é a nossa nova desenhista.

-- Prazer Larissa! – Disse Mateus a comtemplando com um sorriso. – Fazes jus ao nome, que significa adorável.

-- Obrigada! – Disse ela erubescendo.

-- Vocês dois terão que se acertar. Eu vou sair em viagem e ficarei fora cerca de um mês. Portanto, entrego a responsabilidade não suas mãos. Entendido?

 -- Não teremos problemas – Respondeu Mateus a olhando com intensidade. – Estou aqui para trabalhar. Podemos começar?

 -- Sim. – Respondeu Larissa. – Tenho um esboço pronto. Vamos para a minha sala. – Convidou.

-- Eu tenho outra reunião. Vão façam o melhor. – Disse Zacarias se dirigindo para a sua escrivaninha.

 Aqueles dias que restavam de férias, Mateus se envolveu na confecção da capa do seu livro. Iria ficar maravilhosa, completamente diferente dos outros livros já editados. Larissa tinha sensibilidade artística. Ela era demais! Dizia ele para si mesmo.

Mateus e Larissa passaram muito tempo juntos, e acabaram se conhecendo bem. E ele estava enfeitiçado por ela. Essa era a verdade. Com o retorno das aulas, eles tiveram que acertar os horários para poderem se encontrar. Geralmente era no fim da tarde que Mateus aparecia na editora. E quase sempre a convidava para jantar.

Adriana percebeu a mudança em Mateus, e muito direta ela perguntou:

-- Por que estás tão mudado? O que aconteceu?

-- Aconteceram varias coisas. E todas essas coisas me afetaram profundamente. Algumas mudanças aconteceram, uma para o bem, e outras não. Mas a vida é assim. Nem sempre se ganha, mas sempre se anda para frente. Por isso estou seguindo adiante...

-- Não entendi e nem quero entender. Vai me dar um nó.

-- E para ti como foi as férias? Produtivas?

-- Sim. Estou com um material para te entregar. Espero que goste...

Mateus levou o texto dela, e naquela mesma noite leu. Estava curioso, e ficou admirado com a desenvoltura dela. Estava perfeito. Alguns retoques e tinha material para publicar.

 No dia seguinte, eles iriam se encontrar na cafeteria para retomarem as aulas particulares. Adriana estava muito animada, chegou cedo, sentou-se e esperou o professor, que não tardou.

-- Olá, professor!

-- Oi. Antes de tudo, quero te dar os parabéns! Um excelente trabalho. – Falou Mateus devolvendo o material. – Eu li e gostei muito. Segue em frente garota. Até essas aulas não são mais necessárias. Segue neste ritmo e no fim do ano teremos o texto concluído. Então é só publicar e aguardar a manifestação do público. Irás para o topo...

-- Mesmo!? Mas poderei pedir socorro a qualquer momento?

-- Estarei a tua disposição, mas sei que não será necessário. Rompestes as barreiras. Estás livre... e podes escrever tudo o que quiseres. Eu te garanto. Estou muito feliz e orgulhoso de ti. Alcancei o meu objetivo. 

-- Vamos brindar com um espumante...

-- Vamos brindar com um suco de laranja. – Disse Mateus rindo.

  Os dias passavam...

 O livro de Mateus teria um pré-lançamento em São Paulo. Zacarias e Larissa iriam acompanhá-lo, já que ela era a desenhista e assinava a capa do livro. O coquetel seria no dia do aniversário dele. Mas Mateus não se importou, pois, do contrário, passaria seu aniversário sozinho... Dois dias antes eles embarcaram para Curitiba, aonde fariam uma apresentação do livro numa oficina de literatura. Depois seguiram para São Paulo.

 A livraria estava lotada para surpresa de Mateus, com efeito, Zacarias que tinha feito um bom trabalho na divulgação do novo livro. O anterior tinha Desencontros como título, e esse chamava-se Convergência. Como se fosse uma sequencia de pensamentos, em relação ao livro anterior, aqui ele citava a harmonia de ideias, como resultado dos desencontros. Era, enfim, a realização das vontades.

 Um público eclético formava os leitores e seguidores de Mateus.

 Foi o melhor aniversário que tivera nos últimos tempos, depois de um jantar por conta de Zacarias, Mateus foi para o hotel de dormiu tranquilamente. O sucesso de seu livro já estava assegurado.

 Silvia desembarcou em Porto Alegre muito segura de que a sua relação matrimonial não estava abalada, e que esta visita surpresa, apagaria as mágoas do último encontro. Entrou em casa e encontrou tudo perfeitamente arrumado, limpo e vazio. Aonde estava seu marido?

Desiludida, Silvia ligou para Mateus, e para a sua decepção o telefone soou na bancada a cozinha, com a carga quase zerada. Ela ficou intrigada. Seu marido sempre carregava o telefone, o que tinha acontecido.

Silvia ligou para a faculdade, e lá ele não estava. Ligou para o seu melhor amigo, Estevão:

-- Olá, cheguei sem avisar e não consigo saber onde está o meu marido. Tu podes me informar?

-- Olá Silvia! Como estás? Não sei nada sobre o Mateus. Faz algum tempo que não falamos. Ele tem andado muito ocupado trabalhando no livro, que deve estar já finalizado. Ele me disse que faltava pouco e que estava com os prazos vencidos. Precisava entregar o quanto antes. Não posso te ajudar, querida! – Disse ele ironicamente.

  -- Obrigada. Um abraço para Lucia.

 Silvia tomou um banho e esperou. Alguma hora ele teria que vir em casa, pelo menos para trocar de roupa. Olhou no armário e as roupas estavam lá.

 Ligou para um restaurante e pediu um almoço. Estava faminta!

 Passou o dia e a noite sem que Mateus aparecesse. Então, Silvia decidiu ir até a chácara, onde seus pais viviam. Passou o tempo com eles e no dia seguinte embarcou de volta para Santiago. Ela estava frustrada...

 O fim do ano estava se aproximando e Adriana entregou o seu manuscrito para Mateus revisar. Era sem dúvida uma história triste e envolvente... Ela relatava os dias mais sombrios de sua família. A separação dos pais e difícil escolha: ficar com o pai ou com a mãe? Ela tinha optado pelo pai e a irmã mais nova ficou com a mãe, e o destino das irmãs foi completamente diferente. Uma emergiu do caos e a outra afundou na lama. O livro chamava-se: Arte de bem escolher. Sem dúvida, seria um sucesso.

 O casal Silvia e Mateus estavam completamente distanciados. Já nem se falavam mais. Depois que Mateus havia decidido comprar um novo telefone e ter outro número, ele até esquecia de carregar o aparelho que continha o contato da esposa.

 Larissa ia passar as festas de fim de ano com a família que moravam no interior. E o convidou para ir também. Ele aceitou imediatamente. Seriam dias diferentes, entre pessoas estranhas, numa região desconhecida. Valia o desafio.

 Ele gostava da companhia de Larissa. Eles combinavam perfeitamente. Mas nada havia acontecido entre eles, afinal ele era um homem casado... No entanto, eles estavam chegando ao limite, pois era visível a atração que Larissa sentia por ele e vive versa.

 A família se Larissa se resumia ao seu irmão gêmeo. Seus pais tinham falecido em um acidente há cinco. Lair vivia na granja, onde criava porcos e frangos. Sua esposa, Ellen, era uma moça muito simples e simpática.

Larissa e Mateus foram muito bem recebidos, e Ellen, entendendo que eles eram namorados, arrumou o quarto de hospedes para o casal. Esse quarto não ficava no corpo da casa, e sim do outro lado do jardim.  

Mateus e Larissa nada disseram, apenas se olharam e sorriram. Mais tarde, quando os donos da casa já estavam recolhidos, Mateus falou:

 -- Tu decides. Posso muito bem dormir no chão.

 -- Acho que chegou a nossa hora...

 Naquela noite que passaram juntos, Mateus descobriu o quanto eles se amavam.

 Quando retornaram a rotina, a primeira providencia de Mateus foi pedir o divórcio. Procurou seu padrasto, Paulo, que era um notável no assunto.

 -- É muito simples... – Explicou Paulo – Vocês são casados com separação total de bens. Não tem filhos e a casa é tua. Vou notifica-la imediatamente.

 -- Sim, a separação de bens foi imposição de Silvia, que considerava a sua família muito rica, em relação a mim, que só tinha os meus livros... No entanto, a casa fui eu comprei, com o dinheiro que recebi do meu primeiro livro. E desde então eu tenho me sustentado...

-- Eu me lembro, dela afirmar, que a tua mãe, a minha amada Catarina, era bem casada, e que tu não tinhas nada! Aí está o resultado, elas já planejam a separação antes de casar.

 Silvia levou um choque quando recebeu a notificação de pedido de divórcio. Chorou, lastimou tanto que Henrique comentou:

 -- Ora... Deixa encenação Silvia! -- Disse Henrique. --  Faz tempo que dormimos juntos, tu achas que ele ficaria te esperando... Realiza mulher! Vamos lembrar que quando aqui chegamos, eu te respeitava, pois eras uma mulher casada. Me mantive quieto, e fostes tu que pulastes em minha cama. Tu o traíste deliberadamente. Agora não vem fazer cena! Vocês já estão separados há muito tempo. Agora é só legalizar a situação.

-- Eu sei... Sempre pensei que ele era apaixonado por mim...

-- Ele foi apaixonado por ti. Nenhum homem fica eternamente apaixonado por uma mulher que o trai. Aprende isso! E o homem inteligente sabe quando a mulher pulou em outra cama.-- Mas ele não tem certeza...

-- Talvez! Mas ele não te quer mais.

-- Então, o que faremos... Casar?

-- Não! Eu sou um solteiro convicto.

 Uns meses depois Mateus e Larissa estavam felizes.

 O divórcio havia sido homologado.

 O tempo de trabalho no exterior havia findado para Silvia. Ela voltou acreditando que teria uma ótima promoção, já que Henrique era afilhado do professor Carlos, e seu único herdeiro.

 Mas não foi isso que aconteceu.

 Silvia foi mantida na equipe de projetos.

  Henrique queria livra-se dela. Ela era muito ambiciosa e cansativa. Fazia um bom trabalho, mas era uma alpinista social, e por seu comportamento não merecia o cargo na direção da empresa.

 Por fim, o seu colega Vinicius  que foi o indicado para a filial de Curitiba, para completa frustração de Silvia.

 Agora amargurada e só, ela lembrava que a traição sempre rompia os laços entre um homem e uma mulher. Lembrou-se das palavras de Estevão que disse com clareza que depois de uma traição não havia mais condições de vida a dois feliz. Não com o marido.

                                                              Maria Ronety Canibal

                                                                    Fevereiro 2022

 IMAGEM VIA INTERNET