quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

NOVO AMOR


NOVO AMOR



Adriana não perdia nenhuma aula do professor de linguística. Além do interesse pela matéria, já que pretendia ser escritora, suas aulas eram bem interessantes, e ele um gato! Estava ficando difícil se concentrar no que o professor Mateus falava, sem ficar divagando sobre momentos íntimos.

Naquela manhã, depois de uma vasta explicação, ele fez uma breve narrativa, e pediu que os alunos fechassem os olhos e imaginassem a sequência da cena, cada um acrescentando um fato pessoal.

O silencio na sala de aula era absoluto.

Mateus pediu para um dos alunos continuar a narração. Luciana foi a primeira a falar. “Uma menina de oito anos, amedrontada corria pelo campo, lágrimas escorriam em suas faces... Ela sentia-se abandonada, não confiava em mais ninguém... (continuou Paolo) A separação de seus pais, a deixou desamparada... (disse Adriana) A menina buscou consolo em seu cão...” (acrescentou Marcela)

 -- Muito bem. É isso que eu quero de vocês. Que coloquem em seus textos mais emoção. Para a próxima aula quero uma autobiografia. Obrigado – Disse o professor Mateus dispensando a turma.

 Mateus juntou seu material e pegou o telefone. Havia uma mensagem de sua esposa, o convidando para almoçarem juntos. Sorriu ao responder. Silvia era especial, ele a amava profundamente.

Já estava deixando a sala de aula, quando percebeu que uma das alunas estava o aguardando para conversar, foi até ela e perguntou:

-- Alguma questão que não ficou esclarecida na aula?

-- Não. É que eu não consigo escrever sobre a minha vida. – Explicou Adriana.

-- Tenta. Ajuda a resolver os traumas e dá confiança. É só um exercício. Não será publicado.

 -- Mas o senhor vai ler...

-- Deixa o senhor de lado. Me chame de Mateus. Sim, eu vou ler e colocar observações sobre o desenvolvimento do raciocínio.  Depois devolvo. Faça um esforço e tente cumprir a tarefa. Se queres aprender escrever é preciso colocar para fora os sentimentos. Agora preciso ir, tenho um compromisso. – Disse ele afastando-se da aluna.

 Adriana ficou olhando o professor se afastar. Seu pensamento voava, criando situações para encontrá-lo fora do horário de aula, fora da universidade... Estava fascinada por ele. Iria conquistá-lo!

Mateus era muito lindo para ser de uma só mulher, pensava ela. Com pensamentos ousados, Adriana acreditava em relacionamentos abertos, sem compromisso. Ele ainda não a tinha notado, mas logo ele estaria nas mãos dela, ou não se chamava Adriana Pradela.

Mateus Krye era um homem de 40 anos, que já tinha conseguido renome internacional após a publicação de seu primeiro livro: Desencontros. Neste livro ele tratava do seu tema preferido, discorria sobre os desencontros do amor, no mundo contemporâneo.

 Ele tinha o dom de ensinar. Suas aulas eram um sucesso no meio acadêmico, pois o seu ideal era transformar o mundo através da escrita, consequentemente pela leitura. Por isso, continuava lecionando. Ver aqueles jovens vencendo as barreiras pessoais e alcançar a desenvoltura na escrita, era a melhor recompensa.

 Casado e apaixonadíssimo por sua esposa, ele tinha ideias conservadoras sobre o casamento. Via a fidelidade como consequência natural do amor. Quem ama não trai, dizia ele.

Silvia, sua esposa, aos 38 anos, era uma mulher bonita, inteligente, simpática e comunicativa. Formada em Arquitetura, ela tinha paixão pela profissão, trabalhava com o professor Carlos Ponte, renomado arquiteto, que a convidou para fazer parte de sua equipe de projetistas.

 Atualmente, ela estava trabalhando num projeto especial, um prédio em Santiago do Chile. A permanência junto a obra era necessária, já que os responsáveis pela execução do projeto, eram Henrique e Silvia.

 Mesmo eles vivendo em cidades diferentes, eram parceiros no projeto chileno. Um prédio residencial de alto gabarito, num dos melhores bairros de Santiago

Henrique, era solteiro e não se importava de ficar uma temporada longe de casa, cedia sua folga para a sua parceira. Com a previsão de chuvas intensas, Silvia aproveitou para vir em casa, estava muito saudosa de seu marido. Ficaria apenas uns dias. E o casal queria desfrutar ao máximo desses momentos.

 

 Rever os amigos e colocar o papo em dia, fez com que Silvia preparasse um pequeno jantar para Estevão e Lucia, os melhores amigos do casal. As notícias sobre a separação Cristiano e Leticia os deixou estarrecidos.

-- Eles eram perfeitos! Como aconteceu? – Disse Silvia surpresa.

-- Muito simples. Leticia descobriu que foi traída. – Explicou Lucia.

 -- Não foi traição, foi uma aventura – Argumentou Estevão. -- Ele transou com a garota uma vez, e estava bêbado. Isso não pode ser razão para separação.

 -- É, mas ela se sentiu no direito de transar também. -- Falou Lucia – E quando foi a vez da mulher, ele não gostou, e se sentiu traído.

 -- Os dois erraram. Não pode ser assim. Eu sempre digo, que o amor não permite traição. A relação deles já estava desgastada, viviam de aparências. – Falou Mateus.

 -- E por que o desgaste? Falta de atenção? Falta de carinho? – Quis saber Silvia.

 -- Eu acho que um pouco de tudo, a rotina espanta o amor. – Falou Mateus. – Por isso, é indispensável investir, ou seja, estar sempre presente, dar atenção e manter o diálogo. É preciso ter tempo para o amor, é importante continuar a namorar, ou seja, ir ao cinema e ficar de mãos dadas, roubar beijos... enfim fazer essas bobagens que as pessoas apaixonadas fazem. Não tem essa de “já está no papo” e deixar a chama se apagar.

 -- Mas eles sempre juntos, animados, envolvidos... Não entendo! – Disse Lucia.

 -- Só aparências? Então o que será de nós?  Mateus e eu estamos passando por um período difícil, pois estamos distanciados, por causa do meu trabalho, então terminaremos separados, também? – Perguntou Silvia.

 -- Vai depender de vocês, da fidelidade de cada um. – Disse Estevão. – Cristiano me falou que depois das tais transas, eles tentaram voltar; na cama se davam bem, mas na convivência diária foi difícil, me afirmou, e salientou que fica tudo muito diferente, é estranho pois não há mais conexão, cumplicidade e confiança. E as discussões passaram a acontecer, por qualquer coisa... Então meus amigos, a chave de uma relação é o crédito no parceiro. Se perder a confiança, vai tudo por água abaixo.

-- Eles namoraram desde a faculdade, estão pelo menos 15 anos casados... Não dá para acreditar. – Disse Silvia preocupada.

 Silvia estava preocupada, porque Henrique, seu parceiro de trabalho lá no Chile, era um cara charmoso, simpático e envolvente. Não havia rolado nada entre eles, mas ela até que pensou que ele era bem interessante. E para complicar, eles dividiam o mesmo apartamento. E o pior era que ela não tinha contado para o marido que estava dividindo o apartamento. Bah... na hora que ele descobrisse, seria um Deus nos acuda!

Olhou para o marido e conjecturou se ele não tinha atração por uma de suas alunas, garotas novas e sedutoras. Será que ele a amava tanto assim?

 Os dias passavam...

Era uma quarta feira e ao fim de mais uma aula, Adriana foi conversar com o professor Mateus:

-- Mateus eu estou com muitas dificuldades. Eu sei o que quero escrever, mas não consigo as palavras certas para colocar no papel. Poderias me ajudar. Estou pedindo aulas particulares. Eu te vou pagar...

-- Os meus horários são apertados. Estou finalizando o meu livro, meu editor está me pressionando, pois já extrapolei meu prazo. Não sei se posso te ajudar.

-- Mas só tu podes, eu tenho tanto para contar. Por favor... – Disse ela com voz chorosa. -- Arranja uma hora que seja por semana. Pode ser numa cafeteria...

-- Está bem. Amanhã combinamos. Preciso ir. -- Disse Mateus se afastando. Ele não podia se envolver, e aquela garota era muito bonita e bastante atraente. Mas um dinheiro extra sempre vinha bem. Iria cobrar bem caro...

 Mateus passou encontrar-se com Adriana todas as quartas feiras, sempre em uma cafeteria diferente, não podiam ser vistos constantemente juntos. Adriana lentamente progredia, e Mateus estava ganhando uma boa grana extra.

  Adriana realmente tinha potencial para ser uma escritora de destaque. Ela estava evoluindo satisfatoriamente, e Mateus achou que deveria continuar com as aulas particulares.

 Ele percebia, também, todas as insinuações dela sobre a atração física. Ela deixava bem claro o seu modo de ser e pensar, e talvez de agir. Acreditava no amor livre, sem limites e preconceitos. O fato é que ela era muito bonita e o provocava, até na sala de aula. Ele estava se mantendo firme, mas não estava sendo fácil, ainda mais com a esposa longe.

 O período de férias, de inverno, chegou e ele foi para Santiago, do Chile, para aliviar as tenções. Estava com saudades da sua mulher. Nunca tinham ficado tanto tempo separados por causa do trabalho. Mas, para ela esse trabalho, era uma alavanca para uma ótima promoção.

 Olhando por sobre as nuvens ele deixou sua imaginação solta e acabou dormindo boa parte da viagem. Acordou quando já estavam próximos de Santiago.

 Ele apreciou a vista cidade.

 Já com a sua bagagem, Mateus ligou o celular.

 A primeira decepção foi que Silvia não ia buscá-lo no aeroporto. Ela havia enviado uma mensagem explicando, que um problema na obra a reteve, e como o aeroporto era muito longe, não chegaria a tempo.

 Contrariado ele andou pelo aeroporto em direção a porta de saída, e ali procurou por um taxi, optou por um Uber que era mais rápido. Mesmo assim, foi preciso esperar por quase uma hora. Não era dessa forma que ele tinha imaginado a sua chegada a Santiago.

 Estava dando tudo errado

Realmente a distância do aeroporto até o centro da cidade era considerável. O taxi o deixou no endereço que Silvia lhe dera, e para a sua surpresa, não era um hotel, ou apart-hotel, era um prédio residencial.

 Ele tocou no interfone e um tal Henrique o atendeu. Quem era Henrique?

 Mateus subiu muito contrariado. Sua mulher estava dividindo o apartamento com esse Henrique, que era completamente desconhecido dele. Sim, porque ele conhecia a equipe de projetistas que trabalhavam com a Silvia.

 Ao chegar ao andar, ele saiu do elevador e logo viu a porta do apartamento estava semiaberta e ele entrou silenciosamente. Então se deparou com o cara.

 -- Olá, como vais? Sou Henrique, companheiro de trabalho de Silvia. Prazer em conhecê-lo.

 -- Prazer! Mateus. – Disse estendendo a mão para cumprimentar Henrique.

 -- Fez boa viagem?

 -- Sim. Melhor do que esperava. Pegamos mau tempo sobre a Argentina. Tu és novo na empresa?

 -- Não. Pertenço a filial de Curitiba.

 -- Hum... Onde está a minha esposa?

 -- Está tomando banho. Ela recém chegou. Tivemos um contratempo.

 -- Sei.

 -- Com sua licença. Eu estou de saída. Até mais... – Disse Henrique saindo apressado.

 Mateus andou pelo apartamento, inspecionou a cozinha e foi até a janela olhar a vista da cidade. Mas seu pensamento estava a mil. Não iria ficar ali. Como seria “tirar o atraso” com sua mulher com o cara no quarto ao lado. Ali não teriam privacidade.

Enfim Silvia apareceu, de cara lavada, cabelo molhado, e um abrigo caseiro. Credo! Era assim que se recebia um marido depois de dois meses distantes?

-- Oi! Como estás? – Disse ela o cumprimentando com dois beijinhos no rosto.

-- Eu estou muito bem. Mas tu não me pareces bem. O que aconteceu?

-- Nada! Só estou cansada. Tivemos um dia difícil no trabalho.

-- Acho que tem mais coisa... O que tens para me contar?  Não estou aqui para fazer o papel de bobo.

-- Um escritor está sempre imaginando coisas. Não há nada!

-- Arruma as tuas coisas, vamos para um hotel.

-- Ir para um hotel? Por quê? Aqui não gastamos nada...

-- Não vou ficar com a minha mulher num lugar que não nos dá privacidade.

-- Eu não vou para o hotel, vou ficar aqui.

-- Mas eu vou... – Disse ele pegando e telefone para chamar um Uber.

 Mateus escolheu um hotel próximo ao apartamento, era padrão três estrelas e bem confortável. Ele tomou um banho, pediu um lanche ao serviço de quarto e ligou a TV.

 Estava faminto, só depois de saciar o apetite, ele passou a pensar no problema que havia surgido. Estava decidido a dar um dia para Silvia o procurar. Se ela não ligasse para ele e se desculpasse pela sua preterição, ele iria retornar para casa. Aliás, iria abreviar a estadia. Ligou para a companhia de aviação e solicitou o retorna para o próximo domingo. Como era quinta-feira, ficaria apenas dois dias.

 Ele estava cansado e dormiu logo.

 Só depois que Mateus já a tinha deixado sozinha e ido para o hotel, foi que Silvia se deu conta da besteira que tinha feito. Teria de consertar, mas como? Ficaria evidente que tinha algo errado. Em 8 anos de casados era a primeira vez que brigavam sem razão aparente. Mas seu marido não era bobo, ele pegava as coisas no ar.

Era muito cedo e Mateus já acordado, pensava na vida. O que tinha acontecido no dia anterior era consequência do distanciamento deles. Um casal não deveria ser colocado a prova, dessa maneira.

O ciúme que ele sentiu ao saber que a sua Silvia estava dividindo o apartamento com outro homem, e um jovem bem apessoado, o deixou transtornado e inseguro. Foi a causa de sua repentina decisão, de não querer permanecer no apartamento. Por outro lado, a própria Silvia não demonstrou alegria ao vê-lo. Teve a sensação de ser inoportuno aos olhos da esposa.

O telefone soou, ele olhou e viu que era uma chamada de Adriana, atendeu:

-- Alô...

-- Oi... Te acordei? Não sei qual é o fuso horário... Desculpe se é muito cedo.

-- Não me acordou... Estava aqui pensando na vida.

-- E eu faço parte dos teus pensamentos?

-- Não seja atrevida. O que queres?

-- Liguei para te desejar um bom dia. Sonhei sonhos maravilhosos e me deu vontade de escutar a tua voz. Tudo bem contigo, não me pareces muito animado.

-- Está tudo bem, sim. Te desejo, também, um bom dia. Obrigado por ligar.

-- Beijos

Mateus desligou o telefone e foi tomar um banho. Falar com Adriana tinha o deixado mais animado. Iria sair para conhecer a cidade. Depois decidiria o que fazer.

Ainda enrolado na toalha ele checou o telefone e viu que Silvia havia ligado duas vezes. Não retornou. Iria primeiro se vestir. Estava pronto para descer para o café quando ela ligou novamente.

-- Oi, me desculpe por ontem, eu estava de TPM e meu dia foi horrível. Sei que procedi mal. Em que hotel tu estás. Vou tomar café contigo, assim conversamos.

-- Certo. Precisamos conversar. Te passo o endereço por mensagem. Te espero na sala de café.

 Mateus ficou apreensivo, não imaginava o tipo de conversa que teriam. O mais estranho de toda a situação, que não era Silvia que domina seus pensamentos, e sim Adriana. Ah... aquela garota estava mexendo com ele.

Silvia chegou. Estava bem arrumada e sorridente o abraçou carinhosamente. Ali diante dele e o olhou, de uma maneira que parecia querer perscrutar seus pensamentos.

 Ele levantou-se para recebe-la e a abraçou carinhosamente. Ambos sentaram e Silvia logo falou:

-- Preciso me desculpar por ontem. Eu estava péssima, e não te recebi como eu tinha planejado. Deu tudo errado. Podemos esquecer o dia de ontem, e recomeçar a partir de hoje?

-- Se tu achas que dá, vamos tentar. – Respondeu Mateus a analisando. Ela não era mais a mesma, por mais que tentasse parecer. Alguma coisa tinha acontecido, mas o quê?

-- Vamos aproveitar esse café farto e delicioso café. Depois vou te levar para conhecer os pontos históricos da cidade. Hoje tirei o dia de folga, estou a tua disposição.

-- Que bom! É muito melhor ser apresentado a uma cidade, do que ficar tentando descobrir os lugares mais interessantes sozinho. – Disse ele em tom de ironia.

-- Não sejas sarcástico. Eu já me desculpei. – Falou ela bem chateada.

O telefone de Mateus soou e ele logo atendeu, e Silvia ficou atenta ao diálogo:

-- Olá! ...Sim... Não tanto (sorriso) ... Acho que antes do previsto... Claro... Te aviso...  Outro para ti...

Mateus desligou o telefone e colocou no bolso de seu casaco. Ele não iria contar para ela, que era o seu editor. Levantou-se da mesa e falou:

-- Vamos?!

-- Sim.

Os dois caminhavam lado a lado, não se tocavam. Silvia não queria tomar a iniciativa, e ele, por sua vez, a estava testando. Aos poucos a tensão foi diminuindo e eles tiveram um dia agradável.

 Eles haviam terminado de jantar, quando Silvia revelou ao marido sua intenção de passar a noite com ele. Mateus até sorriu ao perceber a situação que tinha se instalado entre eles. Silvia notadamente, tentava parecer natural, mas era inútil, pois a sua inibição era de uma garota que foi pega em flagrante.

 Mateus e a esposa transaram e foi uma decepção. Silvia evidentemente estava sexualmente saciada. Ele soube pelo seu comportamento. Ele a conhecia muito bem.

 Ela o tinha traído... com Henrique?  Talvez... Era o mais provável.

Mateus não falou nada.

Aproveitou o sábado para visitar uma vinícola. Domingo pela manhã retornou.

Durante a viagem ele teve tempo para analisar todos os acontecimentos. Uma coisa o surpreendeu, a sua reação. Por que ele não pediu explicação a Silvia? Por que ele ficou indiferente? Não estava mais apaixonado por sua esposa?

 A imagem de Adriana surgiu em sua mente.

 Não era possível! Ela era uma jovem de 20 anos. Ele podia ser seu pai, e não rolara nada entre eles, nem um beijo... mesmo a tentação sendo enorme.

 A garota tinha futuro como escritora e ele queria ser o seu mentor literário. Como professor ele jamais iria se envolver com uma aluna.

 Mateus não queria jogar fora o seu casamento por uma situação atípica. Eles estavam distanciados, e ainda ficariam por mais algum tempo. Eram adultos e sobreviveriam a esta crise.

 Silvia deixou o marido no aeroporto e foi para um shopping. Sentou-se em uma cafeteria, pediu um café e permitiu-se analisar a situação que se criara entre ela e o marido. Ela estava convicta de que Mateus achava que tinha sido traído. Estava estampado em sua face. Ela o conhecia muito bem, aliás, eles se conheciam e sabiam quando estavam tentando encobrir uma situação constrangedora.

 Não estava nos planos o encontro de Henrique e Mateus.

 Mas a quinta feira tinha sido o seu dia de azar. Tudo tinha dado errado. E não havia como consertar o estrago que fizera no casamento dela. Agora teria que esperar calmamente... Mateus era conservador no modo de ser e não terminaria o casamento por causa de uma suspeita. Era só suspeita. E ele não tinha como saber a verdade. E qual era a verdade?

Mateus suspirou aliviado, quando entrou em sua casa. Eles moravam numa casa encantadora, num condomínio com ares de romantismo. Eram casas de 100m², uma diferente a outra, em estilo francês, lembrando os chalés rurais. Os jardins tinham muitas flores e coloriam os jardins.

Tomou um banho, pediu uma pizza e se recostou no sofá. Olhou a sala bem decorada da casa deles, Silvia sempre foi detalhista e tinha bom gosto. Não só a sala, mas cada cantinho da casa tinha o toque dela.

 Ele sentia-se magoado com o que tinha ocorrido entre eles.  Silvia, quando soube que fora designada para ir ao Chile, pediu ao marido para acompanha-la, pois sabia que seria uma empreitada longa. Mateus recusou a ideia porque não queria deixar os seus alunos, o seu posto de professor na universidade.

 Agora estava em duvidas: será que tinha feito a escolha certa?

 Essa situação não seria o fim de seu casamento?

 Bem distante dali. Silvia pensava em seu casamento. Não tinha como avaliar o estrago tinha acontecido na relação deles. Ela conhecia Mateus, muito bem, e sabia que ele não perdoaria facilmente. E ela permaneceria em Santiago por mais um bom tempo.

 Faltava pouco para o aniversario de Mateus.

 E se lhe fizesse uma surpresa?!

 Ainda era muito cedo, quando Mateus saiu de casa em direção a Editora Atena. Enfim, o seu livro seria publicado. Depois de muitos atrasos, ele tinha conseguido terminar de escrever. Já estava revisado e precisava acertar a parte artística, ou seja, fazer a capa do livro.

Foi recebido com alegria pelo seu amigo e editor, Zacarias. Conversavam animadamente quando uma jovem mulher entre na sala. Ela era linda! Parecia um anjo... Tinha os cabelos claros, olhos azuis piscina e a pele alva e sedosa. Esguia sem ser muito alta. A voz era melodiosa. E maneiras gentis e suaves.

-- Mateus, essa é Larissa – Apresentou Zacarias – Ela é a nossa nova desenhista.

-- Prazer Larissa! – Disse Mateus a comtemplando com um sorriso. – Fazes jus ao nome, que significa adorável.

-- Obrigada! – Disse ela erubescendo.

-- Vocês dois terão que se acertar. Eu vou sair em viagem e ficarei fora cerca de um mês. Portanto, entrego a responsabilidade não suas mãos. Entendido?

 -- Não teremos problemas – Respondeu Mateus a olhando com intensidade. – Estou aqui para trabalhar. Podemos começar?

 -- Sim. – Respondeu Larissa. – Tenho um esboço pronto. Vamos para a minha sala. – Convidou.

-- Eu tenho outra reunião. Vão façam o melhor. – Disse Zacarias se dirigindo para a sua escrivaninha.

 Aqueles dias que restavam de férias, Mateus se envolveu na confecção da capa do seu livro. Iria ficar maravilhosa, completamente diferente dos outros livros já editados. Larissa tinha sensibilidade artística. Ela era demais! Dizia ele para si mesmo.

Mateus e Larissa passaram muito tempo juntos, e acabaram se conhecendo bem. E ele estava enfeitiçado por ela. Essa era a verdade. Com o retorno das aulas, eles tiveram que acertar os horários para poderem se encontrar. Geralmente era no fim da tarde que Mateus aparecia na editora. E quase sempre a convidava para jantar.

Adriana percebeu a mudança em Mateus, e muito direta ela perguntou:

-- Por que estás tão mudado? O que aconteceu?

-- Aconteceram varias coisas. E todas essas coisas me afetaram profundamente. Algumas mudanças aconteceram, uma para o bem, e outras não. Mas a vida é assim. Nem sempre se ganha, mas sempre se anda para frente. Por isso estou seguindo adiante...

-- Não entendi e nem quero entender. Vai me dar um nó.

-- E para ti como foi as férias? Produtivas?

-- Sim. Estou com um material para te entregar. Espero que goste...

Mateus levou o texto dela, e naquela mesma noite leu. Estava curioso, e ficou admirado com a desenvoltura dela. Estava perfeito. Alguns retoques e tinha material para publicar.

 No dia seguinte, eles iriam se encontrar na cafeteria para retomarem as aulas particulares. Adriana estava muito animada, chegou cedo, sentou-se e esperou o professor, que não tardou.

-- Olá, professor!

-- Oi. Antes de tudo, quero te dar os parabéns! Um excelente trabalho. – Falou Mateus devolvendo o material. – Eu li e gostei muito. Segue em frente garota. Até essas aulas não são mais necessárias. Segue neste ritmo e no fim do ano teremos o texto concluído. Então é só publicar e aguardar a manifestação do público. Irás para o topo...

-- Mesmo!? Mas poderei pedir socorro a qualquer momento?

-- Estarei a tua disposição, mas sei que não será necessário. Rompestes as barreiras. Estás livre... e podes escrever tudo o que quiseres. Eu te garanto. Estou muito feliz e orgulhoso de ti. Alcancei o meu objetivo. 

-- Vamos brindar com um espumante...

-- Vamos brindar com um suco de laranja. – Disse Mateus rindo.

  Os dias passavam...

 O livro de Mateus teria um pré-lançamento em São Paulo. Zacarias e Larissa iriam acompanhá-lo, já que ela era a desenhista e assinava a capa do livro. O coquetel seria no dia do aniversário dele. Mas Mateus não se importou, pois, do contrário, passaria seu aniversário sozinho... Dois dias antes eles embarcaram para Curitiba, aonde fariam uma apresentação do livro numa oficina de literatura. Depois seguiram para São Paulo.

 A livraria estava lotada para surpresa de Mateus, com efeito, Zacarias que tinha feito um bom trabalho na divulgação do novo livro. O anterior tinha Desencontros como título, e esse chamava-se Convergência. Como se fosse uma sequencia de pensamentos, em relação ao livro anterior, aqui ele citava a harmonia de ideias, como resultado dos desencontros. Era, enfim, a realização das vontades.

 Um público eclético formava os leitores e seguidores de Mateus.

 Foi o melhor aniversário que tivera nos últimos tempos, depois de um jantar por conta de Zacarias, Mateus foi para o hotel de dormiu tranquilamente. O sucesso de seu livro já estava assegurado.

 Silvia desembarcou em Porto Alegre muito segura de que a sua relação matrimonial não estava abalada, e que esta visita surpresa, apagaria as mágoas do último encontro. Entrou em casa e encontrou tudo perfeitamente arrumado, limpo e vazio. Aonde estava seu marido?

Desiludida, Silvia ligou para Mateus, e para a sua decepção o telefone soou na bancada a cozinha, com a carga quase zerada. Ela ficou intrigada. Seu marido sempre carregava o telefone, o que tinha acontecido.

Silvia ligou para a faculdade, e lá ele não estava. Ligou para o seu melhor amigo, Estevão:

-- Olá, cheguei sem avisar e não consigo saber onde está o meu marido. Tu podes me informar?

-- Olá Silvia! Como estás? Não sei nada sobre o Mateus. Faz algum tempo que não falamos. Ele tem andado muito ocupado trabalhando no livro, que deve estar já finalizado. Ele me disse que faltava pouco e que estava com os prazos vencidos. Precisava entregar o quanto antes. Não posso te ajudar, querida! – Disse ele ironicamente.

  -- Obrigada. Um abraço para Lucia.

 Silvia tomou um banho e esperou. Alguma hora ele teria que vir em casa, pelo menos para trocar de roupa. Olhou no armário e as roupas estavam lá.

 Ligou para um restaurante e pediu um almoço. Estava faminta!

 Passou o dia e a noite sem que Mateus aparecesse. Então, Silvia decidiu ir até a chácara, onde seus pais viviam. Passou o tempo com eles e no dia seguinte embarcou de volta para Santiago. Ela estava frustrada...

 O fim do ano estava se aproximando e Adriana entregou o seu manuscrito para Mateus revisar. Era sem dúvida uma história triste e envolvente... Ela relatava os dias mais sombrios de sua família. A separação dos pais e difícil escolha: ficar com o pai ou com a mãe? Ela tinha optado pelo pai e a irmã mais nova ficou com a mãe, e o destino das irmãs foi completamente diferente. Uma emergiu do caos e a outra afundou na lama. O livro chamava-se: Arte de bem escolher. Sem dúvida, seria um sucesso.

 O casal Silvia e Mateus estavam completamente distanciados. Já nem se falavam mais. Depois que Mateus havia decidido comprar um novo telefone e ter outro número, ele até esquecia de carregar o aparelho que continha o contato da esposa.

 Larissa ia passar as festas de fim de ano com a família que moravam no interior. E o convidou para ir também. Ele aceitou imediatamente. Seriam dias diferentes, entre pessoas estranhas, numa região desconhecida. Valia o desafio.

 Ele gostava da companhia de Larissa. Eles combinavam perfeitamente. Mas nada havia acontecido entre eles, afinal ele era um homem casado... No entanto, eles estavam chegando ao limite, pois era visível a atração que Larissa sentia por ele e vive versa.

 A família se Larissa se resumia ao seu irmão gêmeo. Seus pais tinham falecido em um acidente há cinco. Lair vivia na granja, onde criava porcos e frangos. Sua esposa, Ellen, era uma moça muito simples e simpática.

Larissa e Mateus foram muito bem recebidos, e Ellen, entendendo que eles eram namorados, arrumou o quarto de hospedes para o casal. Esse quarto não ficava no corpo da casa, e sim do outro lado do jardim.  

Mateus e Larissa nada disseram, apenas se olharam e sorriram. Mais tarde, quando os donos da casa já estavam recolhidos, Mateus falou:

 -- Tu decides. Posso muito bem dormir no chão.

 -- Acho que chegou a nossa hora...

 Naquela noite que passaram juntos, Mateus descobriu o quanto eles se amavam.

 Quando retornaram a rotina, a primeira providencia de Mateus foi pedir o divórcio. Procurou seu padrasto, Paulo, que era um notável no assunto.

 -- É muito simples... – Explicou Paulo – Vocês são casados com separação total de bens. Não tem filhos e a casa é tua. Vou notifica-la imediatamente.

 -- Sim, a separação de bens foi imposição de Silvia, que considerava a sua família muito rica, em relação a mim, que só tinha os meus livros... No entanto, a casa fui eu comprei, com o dinheiro que recebi do meu primeiro livro. E desde então eu tenho me sustentado...

-- Eu me lembro, dela afirmar, que a tua mãe, a minha amada Catarina, era bem casada, e que tu não tinhas nada! Aí está o resultado, elas já planejam a separação antes de casar.

 Silvia levou um choque quando recebeu a notificação de pedido de divórcio. Chorou, lastimou tanto que Henrique comentou:

 -- Ora... Deixa encenação Silvia! -- Disse Henrique. --  Faz tempo que dormimos juntos, tu achas que ele ficaria te esperando... Realiza mulher! Vamos lembrar que quando aqui chegamos, eu te respeitava, pois eras uma mulher casada. Me mantive quieto, e fostes tu que pulastes em minha cama. Tu o traíste deliberadamente. Agora não vem fazer cena! Vocês já estão separados há muito tempo. Agora é só legalizar a situação.

-- Eu sei... Sempre pensei que ele era apaixonado por mim...

-- Ele foi apaixonado por ti. Nenhum homem fica eternamente apaixonado por uma mulher que o trai. Aprende isso! E o homem inteligente sabe quando a mulher pulou em outra cama.-- Mas ele não tem certeza...

-- Talvez! Mas ele não te quer mais.

-- Então, o que faremos... Casar?

-- Não! Eu sou um solteiro convicto.

 Uns meses depois Mateus e Larissa estavam felizes.

 O divórcio havia sido homologado.

 O tempo de trabalho no exterior havia findado para Silvia. Ela voltou acreditando que teria uma ótima promoção, já que Henrique era afilhado do professor Carlos, e seu único herdeiro.

 Mas não foi isso que aconteceu.

 Silvia foi mantida na equipe de projetos.

  Henrique queria livra-se dela. Ela era muito ambiciosa e cansativa. Fazia um bom trabalho, mas era uma alpinista social, e por seu comportamento não merecia o cargo na direção da empresa.

 Por fim, o seu colega Vinicius  que foi o indicado para a filial de Curitiba, para completa frustração de Silvia.

 Agora amargurada e só, ela lembrava que a traição sempre rompia os laços entre um homem e uma mulher. Lembrou-se das palavras de Estevão que disse com clareza que depois de uma traição não havia mais condições de vida a dois feliz. Não com o marido.

                                                              Maria Ronety Canibal

                                                                    Fevereiro 2022

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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

UM SONHO VENTUROSO

 


UM SONHO VENTUROSO

                  

   Juliana adorava passar as férias de verão na casa da avó Augusta. Ela morava em uma fazenda, bem distante da cidade, mas perto de um córrego, onde a criançada costumava banhar-se nas tardes quentes.

   Ela era uma menina bem ativa, preferia brincar com os meninos, pois era muito mais divertido; já que as gurias só se interessavam em brincar de casinha e boneca. Ela gostava de correr, subir em árvores, pescar entre outras brincadeiras. Até futebol ela jogava.

   Ela estava ansiosa e todos os dias perguntava para Camila, sua mãe, qual era o dia que iriam. Órfã de pai, Juliana vivia com sua mãe em um pequeno apartamento, e sua mãe trabalhava o dia inteiro como funcionaria da Loja DELAS.

    Camila desde o acidente que matou seu marido Paulo, trabalhava muito, e tinha alcançado o cargo de gerencia. Ganhava mais, mas também trabalhava mais.

   Ela havia prometido a filha Juliana que a levaria para casa da avó, assim que as aulas encerrassem, mas estava tão envolvida com o trabalho, que não cumpriu a promessa.

   Diante de mais uma pergunta da filha, ela respondeu:

   -- Minha querida, sei que não cumpri o prometido, e estou tão cheia de trabalho, que não sei como farei. Mas uma solução eu vou arranjar.

   -- Mãe, eu não gosto de ficar sozinha em casa.

   -- Eu sei, vou dar um jeito amanhã. Talvez eu consiga carona para ti com o seu Manuel.

   -- Ah, mãe... Tomara que consiga. – Disse Juliana entusiasmada abraçando e beijando a mãe.

   No dia seguinte, Camila entrou em casa sorrindo, abraçou a filha e falou:

  -- Vamos arrumar tuas coisas. Amanhã bem cedo o seu Manuel passa por aqui para te pegar. Vais ter as tão esperadas férias com a tua avó. Não sei se poderei estar no Natal...

   -- Ah... mãe... 

   -- O Natal é para as crianças. Eu vou ficar bem, e tu estarás com a tua avó e com as crianças. Pensas em mim, só o que te peço.

   -- Vou pensar e rezar todas as noites.

  -- E eu também vou pensar e rezar por ti, todas as noites. Agora vamos pegar a valise...

  Na manhã seguinte Juliana acordou muito cedo. Sua mãe ainda dormia, então ela se vestiu e colocou na valise o seu estojo de desenho, um caderno e o seu material de higiene. Fechou e olhou o quarto. Estava levando tudo o que precisava.

  Quando Camila levantou ficou admirada com tudo o que Juliana já tinha preparado, pois até a mesa do café estava pronta. O café pronto na cafeteira. Ela abraçou a filha e sussurrou:

   -- Bom dia, meu amor. Vejo que acordastes bem cedo.

   -- Sim, não posso fazer o seu Manuel esperar.

   -- Com certeza não é educado fazer as pessoas esperarem. Vamos tomar o nosso café.

   As duas conversaram alegremente enquanto faziam a primeira refeição do dia. Camila arrumou uma merenda para filha e para o seu Manuel. E recomendou:

  -- Minha querida, não deixe de oferecer um sanduiche para o teu companheiro de viagem.

  -- Sim mãe. Acho que ele chegou... – Disse ela correndo até a janela para espiar. – Sim, ele chegou. Vamos mãe, rápido!

  Já na calçada, Juliana abraçou e beijou sua mãe, e entrou na camionete. Ela estava radiante, seus olhos brilhavam de felicidade. O veículo arrancou e ela abanou para mãe com um sorriso imenso. Estava feliz, iria encontrar seus amigos e tudo seria muito divertido.

  

   Com seu jeito tagarela, Juliana encantou seu Manuel. Ela estava tão empolgada contando suas histórias, que quando viu já estavam chegando no pátio das casas. Ela desceu do carro e correu para abraçar sua amiga Duda, logo os meninos se aproximaram, e o Lipe sorrindo falou:

   -- Até que enfim chegastes.

   -- Minha mãe não tem tempo de vir, eu precisei arranjar uma carona.

   -- Bah, essa guria... outra vez. – Falou Toni a olhando de longe.

    Juliana olhou para ele com os olhos merejados... Aquele menino era sempre muito mal educado com ela. Mas ela virou as costas para ele, e foi em direção à casa de sua avó. A alegria voltou a sua fisionomia quando ela recebeu o afetuoso abraço da vó Augusta.

   -- Que saudades, minha querida. Como crescestes! Estás linda... e parecida com a tua mãe nesta idade. Aonde está a tua valise?

   -- Bah, está na camionete. Vou pegar... -- Ela saiu correndo em busca de suas coisas. Mas encontrou Toni no meio do caminho, com a valise;

   -- Esquecestes, seu Manuel me pediu para te entregar. – Disse o menino gentilmente.

   -- Obrigada! – Disse Juliana tentado pegar a valise.

   -- Não, eu levo para ti – Afirmou Toni que caminhou ao lado dela até a porta da casa onde dona Augusta os esperava.

   Depois que entregar, Toni tentou sair, mas dona Augusta falou:

   -- Venha fazer um lanche com a Juliana.

  Um tanto constrangido o menino aceitou. Os dois sentados à mesa bebiam uma gostosa limonada e comiam um pedaço de bolo de chocolate. Dona Augusta gostava daquele menino, ele era o mais velho dos irmãos, era um pouco tímido, mas inteligente e educado. Implicava muito com a sua neta, mas isso era bom sinal.

   Depois de terminarem de comer, Juliana disse:

   -- Me espera. Vou colocar a minha roupa de brincar.

  Sentado muito compenetrado, Toni esperou por Juliana. Ela voltou em seguida e eles correram em direção a Duda que descansava deitada em uma rede no arvoredo. Todos sentaram no chão e conversaram sobre os acontecimentos do ano, pois fazia muito tempo que não se encontravam.

   Os dias passavam e Juliana estava feliz. O Natal estava se aproximando e dona Eniale estava preparando uma grande festa. Esse ano seria diferente. Ela reuniria todas as crianças da fazenda e haveria distribuição de presentes para todos. Um Papai Noel estava contratado, e ele iria chegar de moto.

    Ao meio dia seria servido um almoço para as famílias, que também receberiam um presente. Eniale deu-se ao trabalho de comprar um presente para cada um. Artur e a esposa Eniale eram pessoas solidárias. Eles pagavam bem seus empregados, mas gostavam de festejar o Natal com todos os moradores da fazenda.

  Eles residiam na capital, e só nas férias de verão de vinham para a fazenda. Mas mesmo à distância Eniale acompanhava os acontecimentos. Artur vinha seguidamente, por causa de administração.

  Depois da morte do Getúlio, o seu gerente, ele nunca mais conseguiu outra pessoa capacitada para gerenciar o gado e a lavoura. Getúlio e sua esposa Augusta sempre moraram na fazenda e cuidavam de tudo. Por isso ele permitia que a viúva permanecesse na casa que sempre foi deles, desde o tempo de seu Antônio.

 

   O dia de Natal amanheceu quente e com céu límpido. Não se avistava nenhuma nuvem. A festa seria embaixo do arvoredo. As mesas já estavam armadas e uma arvore havia sido escolhida pelas crianças para ser enfeitada com laços de fitas, feito pelas meninas, e correntes de papel, feitas pelos meninos.

   A cozinha do casarão estava movimentada, assim como na casa de dona Augusta que ainda enfeitava um bolo em forma de pinheiro. Juliana ajudava a sua avó, e quando ficou pronto, a menina vibrou de felicidade.

   -- Vai ser uma festa bonita, não é vó?

   -- Sim, minha querida. Agora vou me arrumar. Cuida o bolo para nenhuma mosca pousar. Vó... não podemos esquecer de pegar a lata com os biscoitos que fizemos...

   -- Sim, já está sobre o balcão.

   Um minuto mais e Juliana acompanhada de sua avó foi para o arvoredo. Ela levava a lata e a vó o bolo, que agora estava acondicionada em um prato e coberto com um tule para proteger dos insetos. Elas colocaram sobre a mesa e foram cumprimentar as pessoas que por ali já estavam.

   Juliana estava usando um vestido novo. Sua avó tinha costurado, era de algodão cor de rosa com enfeites de renda branca. Dona Augusta penteou a neta de modo diferente. Puxou tudo para trás e teceu uma grossa trança. A menina estava muito bonita.

  Sua pele morena e os cabelos escuros realçavam a cor do vestido. Os olhos castanhos brilhavam de ansiedade. Ela acomodou-se ao lado a avó, pois estava recomendada para se comportar como uma menina e não como um moleque. Pois ela na verdade era muito travessa.

   Logo Duda, que também estava toda enfeitada, chegou e ficou ao lado dela e as duas conversavam animadamente, quando Lipe e Toni também sentaram por ali. Toni que estava de frente para as gurias, observava Juliana e a irmã. Lipe conversava com os guris da lavoura. 

   Seu Artur chegou com uma máquina fotográfica, e tirou várias fotos, e uma das fotos ele pediu para os filhos ficaram juntos, mas Toni puxou Juliana para junto deles. E ela saiu na foto de família.

   Foi um alvoroço quando eles escutaram o barulho da moto do papai Noel. Toni com doze anos já não acreditava mais, Lipe com onze anos tinha dúvidas, mas a Eduarda e a Juliana, ambas com dez anos, ainda acreditavam em Papai Noel, e que o bom velhinho morava no polo norte.

   Elas estavam ansiosas e temerosas e Toni se divertia vendo o medo das gurias. Lipe ficou quieto, pois sentia um pouco de medo também...

   Juliana ganhou uma pasta para pintura completa, já que ela era a desenhista da turma. Na verdade, Eniale quando viu os desenhos da menina, ficou surpreendida. Ela era ainda uma criança, que nunca tinha estudo artes e apresentava a perspectiva das coisas corretamente. Pensou que deveria incentivar o dom natural da menina.

  Juliana adorou o presente, e mostrava para todos muito orgulhosa. Toni que tinha ajudado a mãe a escolher, ficou feliz.

  -- Olha, o que eu ganhei... Não é lindo Toni? – Perguntou ela.

  -- Muito legal. Agora podes pintar. Vamos andar pelas margens do riacho para escolher um lugar bonito para pintar.

  -- Tu vais comigo? – Perguntou Juliana sem acreditar no que escutou.

  -- Sim. Está prometido. Queres que eu leve até a tua casa para guardar.

   -- Eu vou contigo.

  Juliana saltitava de felicidade. Aquele guri nunca tinha a tratado bem, e agora a levaria para escolher uma paisagem legal...

   -- O que tu ganhaste? – Indagou ela

   -- Uma bússola.

   -- Para que queres uma bússola?

   -- Ora para me localizar... – Disse Toni sem mais explicações.

 

Os dias passavam e Toni cumpriu a promessa, a levou até a barranca do rio e permaneceu ali junto, enquanto ela pintava a paisagem. Ela já estava com uma coleção de aquarelas, e um dia ela perguntou:

    -- Tu gostas dos meus quadros?

    -- Eu gosto. Por que?

    -- Quero te dar um. Escolhe...

    -- Esse. Mas quero que assines, senão não tem valor. Escreve teu nome e a data.

    -- Tu achas que preciso colocar meu nome em todos?

    -- Sim. Todo artista assina a sua obra.

    -- E tu assina as coisas que escreves?

    -- Ainda não, mas vou assinar quando eu publicar os meus livros.

   -- Por que antes tu implicavas comigo?

   -- Não sei, só para te ver furiosa... Era engraçado. Mas eu cresci, não sou mais moleque.

    -- Minha vó me disse que quando um menino implica com uma menina é porque gosta dela. Tu gostas de mim?

   Toni a olhou e não responde, mas seu rosto ficou vermelho, então perguntou:

    -- Tu gostas de mim?

   Juliana sentiu o seu rosto ficar quente, devia estar vermelha. Ela olhou para ele e respondeu:

    -- Eu gosto. Tinha vontade de bater toda vez que tu me maltratavas.

    -- Eu sei – Disse ele rindo

 

   Aquelas foram as últimas férias de Juliana na fazenda. Sua avó morreu no início do outono. Ela ainda voltou até fazenda com a mãe para pegar as coisas da avó. Enquanto Camila arrumava as coisas de dona Augusta, Juliana andou sozinha pelos lugares que tinha retratado em suas telas. Muitas lembranças boas surgiram.

   Ela escolheu alguns objetos que foram da avó, para levar como lembrança. Coisas simples, mas que significavam muito. O dedal de costura, o espelho de toucador de prata e o livro de oração. Arrumou numa caixa colocou em sua valise.

   As poucas coisas que pertenciam a mãe, Camila selecionou, reservou algumas para si, e o que sobrou ela deixou para doação. Desde o seu casamento, Augusta tinha vivido naquela casa, pois Getúlio sempre trabalhou na fazenda Bom Jesus. Viveram felizes servindo aos patrões. Depois da morte súbita do marido, que era cardíaco, ela continuou ali, por generosidade do patrão.  Já doente, com deficiência pulmonar, Augusta, não trabalhava mais, vivia de sua aposentadoria.

  Só em pensar que nunca mais voltaria aquela casa, Camila sentia um aperto no coração. Com sua vida corrida, ela quase não convivia com a mãe. Suspirou e secou as lágrimas, não podia mostrar fraqueza diante da filha. Juliana estava muito abalada. Ela amava a sua avó com paixão.

   Os outros avós nunca se interessaram em conhecer a neta. Sempre foram contra o casamento do filho. Não aceitavam Camila por causa de sua condição social. “Imagina o filho de um comerciante abastado, casar com uma moça pobre.”

  Paulo havia se afastado de sua família, e largado a faculdade, pois não tinha mais como pagar os estudos, depois que os pais cortaram o dinheiro dele, mas ainda assim eles casaram. Para sustentar a família, Paulo passou a trabalhar como vendedor, e utilizava moto para seu deslocamento, por ser mais econômico. E numa tarde de tempestade, quando retornava para casa, ele sofreu um acidente fatal.

 

   Mais nada prendia Camila aquela pequena cidade. Nas horas de folga ela iniciou uma pesquisa, para descobrir qual cidade oferecia boas oportunidades de trabalho e qualidade de vida. Entre outras ela escolheu Florianópolis.

  Desligou-se da loja em que trabalhava e se aventurou com a filha para um futuro incerto. Carregaram as poucas coisas que tinham, e foram viver na praia. Camila estava cheia de esperanças de uma vida melhor. Logo ela conseguiu um bom trabalho no shopping e conheceu Tiago... Ali ela encontrou novamente a felicidade.  

   Tiago Mendonça tinha uma ótica, e Camila, agora trabalhava com o marido, oferecendo dessa forma a filha, uma boa condição de vida. A menina tinha além da escola, aulas de inglês e espanhol; aulas de pintura e violão. Seu tempo livre era escasso, por isso aproveitava os domingos para relaxar pintando seus quadros, que já eram muitos. Não eram mais aquarelas, agora pintava com tinta a óleo.

   Juliana mal lembrava do pai. Ela aceitava muito bem, o novo marido de sua mãe. Formavam uma família feliz... nem tanto. Ela sentia ciúme da mãe, pois até então, eram somente as duas em casa.  Aos doze anos, ainda não entendia nada da vida dos adultos, mas sentia-se intimidada com a relação carinhosa do casal.

   Por isso, Juliana nos horários livres, ia para praia e ali permanecia até o fim da tarde, sobretudo aos domingos, quando Tiago passava o dia em casa. Camila preparava um lanche gostoso, para a filha, com pasteis, suco e guloseimas.  A prainha onde moravam era pequena e tranquila, por isso Camila ficava tranquila, sabia onde estava a filha.

 

    Dez anos depois...

    Sentada no chão de seu quarto, Juliana embalava as suas coisas. Estava saindo da casa de sua mãe. Formada em Belas Artes, ela iria para Porto Alegre onde faria o mestrado, e também trabalharia como professora em um Curso de Artes.

   Ela estava feliz, pois estava buscando o seu futuro. Embora estivesse triste com a separação, Camila admitia que Juliana estaria fazendo o que mais amava, estaria estudando e trabalhando com a sua pintura.

   Remexendo suas coisas, Juliana encontrou a foto do último Natal na fazenda. Seu coração se apertou, ainda sentia muita saudade de sua avó. Sorriu ao lembrar uma cena de sua infância.

   Ela lembrava perfeitamente, até do som da voz da vó Augusta, no dia que a encontrou sentada no degrau da cozinha chorando:

   -- Por que estás chorando? – perguntou a avó.

   -- Porque o Toni me chamou de chata e disse que não gosta de mim...

   -- Não ficas triste, pois vou te contar um segredo: meninos quando dizem essas coisas para as meninas é porque gostam muito delas, como não sabem como agir, então eles as espantam.

   -- É verdade? Então o Toni gosta de mim... eu também gosto dele.

   -- Eu sei, minha querida... Agora levanta daí, seca esses olhos e vamos tomar uma limonada bem gelada.

  

   -- Onde estaria o Toni?  Perguntou-se olhando a foto. Olhou o verso e lá estava escrito: “Para a Juliana. Esse é o dia em que nos entendemos.”

   Aquela tinha sido as últimas férias...

   Ela nem sabia o nome todo nome dele. Usavam os apelidos e como era criança, nunca se interessou em saber mais sobre a família que era dona da fazenda. Lembrava de seu Artur, um homem bom; dona Eniale era bonita; a Duda deveria ser Eduarda; Lipi deveria ser Felipe e Toni deveria ser Antônio. Mas saber isso não bastava. Precisava perguntar para sua mãe.

   Guardou com carinho a foto, em um lugar especial. Terminou de embalar e foi tomar banho. Tiago havia programado um jantar especial de despedida, iriam em um restaurante na lagoa.

   Já no restaurante, enquanto aguardavam o serviço, Juliana perguntou a mãe:

   -- Hoje vi uma foto das últimas férias na fazenda, senti saudades... E me dei conta que não sei nada sobre eles, os donos da fazenda. Tu sabes?

   -- Aquela fazenda era do pai da Eniale. O Artur é paulista, e eles se conheceram na faculdade. Ambos são advogados. Eles têm uma banca de advocacia.

   -- Fazenda Bom Jesus, esse é o nome. – Falou Juliana – Isso eu lembro.

   -- Eniale foi criada pelo avô, que se chamava Antônio Carlos Neves da Veiga. O pai dela eu não sei, pois ele foi embora quando ela bem pequena, e nunca mais voltou. Isso é o que sei...

   -- Credo! Então ela foi criada pelo avô e não tem irmãos, por isso a fazenda era deles.

    -- Acho que sim. Mas o sobrenome do Artur eu não sei. Quando eles casaram, eu já não morava mais na fazenda, estava fazendo o segundo grau e morava na cidade, na pensão da dona Marilda.

    -- Marilda! Aquela senhorinha que era nossa vizinha?

    -- Sim, ela mesma.

    -- Acho que vamos ter que fazer uma investigação para saber o nome dos teus amigos de infância, -- disse Tiago rindo – pois a tua mãe não sabe nada.

    -- Concordo. – Respondeu Juliana sorrindo.

    -- Mais uma coisa, o nome do arroio era Abranjo?

    -- Sim, ali ele se encontrava com o rio Camaquã. Lembra a beleza do lugar?

    -- Claro que lembro. Fiz muitos desenhos, alguns ficaram na fazenda. A dona Eniale tinha pedido para olhar, e eu esqueci de pedir de volta. Não tem importância, era só as nossas brincadeiras.

     -- Tiago, tu não tens ideia, desde muito pequena ela desenhava tudo o que via. Incrível! – Explicou ela ao marido.

    Na manhã seguinte Juliana tomou o avião com destino a Porto Alegre. As suas coisas seriam despachadas depois que ela já tivesse encontrado um apartamento para morar.

    Do aeroporto ela foi direto para o hotel que Tiago tinha reservado. Estava receosa... pois, de agora em diante era tudo por sua conta. Nunca tinha ficado sozinha, e Camila sempre foi uma mãe zelosa.

    Na segunda-feira pela manhã Juliana foi conhecer o seu local de trabalho e iria procurar um lugar para morar naquelas proximidades. Ao chegar à Escola de Artes, ela foi recebida pela Taise, a filha dos donos da escola. Logo a seguir conheceu os demais professores. Ela gostou do local e das pessoas com quem iria trabalhar.

   Saiu dali acompanhada pela Lais, que estava procurando alguém para dividir o apartamento. Depois de ver o lugar, Juliana falou:

   -- Vou querer dividir contigo. Como o apartamento é grande, acho que teremos a nossa individualidade e privacidade mantida.

   -- Sim.

   O apartamento era antigo, mas estava todo reformado e mobiliado; e os três quartos foram transformados em duas suítes com closet; a cozinha era ampla e integrada à sala de estar, que tinha uma bela sacada com vista para o rio.  Bem situado, ficava próximo a lojas, supermercados, farmácias, transporte e o mais importante da escola onde trabalharia.

   Muito contente, a noite quando já estava no hotel, ela ligou para casa, pedindo enviasse as suas coisas. Tiago ficou surpreso com a rapidez com que Juliana encontrou um bom lugar para morar.

   -- Será que é bom mesmo, e por esse preço – Comentou ele.

   -- Acho que sim. Ela está dividindo com uma colega de trabalho. Olha Juliana enviou um vídeo.

   Depois de olharem o vídeo enviado, eles ficaram mais tranquilos. O apartamento era bom e ficava perto do trabalho. Agora só faltava ela conseguir uma vaga no mestrado.

   Os dias passavam e Juliana estava adaptada à sua nova rotina. Lais mostrou ser uma boa companhia, era alegre e divertida, mas também trabalhadora e responsável. A parceria estava ótima, e elas já eram as melhores amigas.

   Nos fins de semanas elas sempre saiam para a balada. Lais gostava de dançar, Juliana era mais quieta, mas gostava de ver o pessoal dançar. Fez novas amizades e conseguiu algumas paqueras, e não passava disso.

  -- Por que tu dispensaste o Marcelo? Bah... ele é uma cara legal, bonito, odontólogo, e parece estar todo apaixonado por ti. Não te entendo. – Quis saber Lais.

  -- Porque ele não mexeu comigo. Não vou namorar um cara só por namorar. Não sou assim.

  -- Quem é o dono desse teu coração insensato? – Falou a amiga rindo.

  -- Não tenho ninguém, aliás, nunca tive um namorado.

  -- Nunca?!  -- Disse Lais espantada. – Que coisa mais antiga. Vamos ter que modificar esse dado no teu currículo amoroso.

  -- Não. Respeita o meu modo de ser. Sou assim e pronto. E não vou me comprometer só para contentar a fofoca alheia. Já falei que sou assim, e pronto! – Afirmou Juliana aborrecida.

   Juliana chateada foi para o seu quarto. Não demorou muito e Lais bateu à porta, dizendo:

  -- Peço que me perdoe. Fui muito invasiva. Só que fiquei muito surpresa, pois bonita como és, achei devias ter uma fila de pretendentes.

   -- Não precisa te desculpar. Eu sei que sou fora do padrão. Mas não me importo.

   -- Boa noite! – Disse Lais fechando a porta do quarto.

 

   Daquela noite em diante, Juliana evitou sair com Lais. Coincidentemente, na semana seguinte, as aulas começaram e ela não tinha mais muito tempo livre, por isso passava os fins de semana cumprindo as atividades do curso. Também seu horário de trabalho estava alterado. E as duas quase não se viam.

   O tempo passou rapidamente, e Juliana agora era mestre em Artes. Ela estava orgulhosa, assim como Camila e Tiago. Ele propôs umas férias em família naquele verão. Mas Juliana recusou, tirou apenas uns dias com eles. Logo teria que voltar ao trabalho.

   Um convite para expor o seu trabalho, estava sobre a sua mesa de trabalho. Seria no fim do ano em Helsinque, na Finlândia. Juliana ainda não tinha respondido, mas o prazo estava se esgotando.

   Vontade ela tinha de participar daquela feira, mas faltava capital para bancar a viagem. Segundo as informações seria uma feira de artes, onde haveria trabalhos em madeira, pedra, argila, aquarelas, telas, livros ilustrados... O que era comum a todos, é que eram novatos. Juliana pensou que seria interessante essa diversidade. Era uma oportunidade para difundir seu trabalho e conhecer outras formas de arte e a troca de experiências entre os artistas.

   Resolveu pedir ajuda a sua mãe. Precisava deixar seu orgulho de lado. Devolveria o dinheiro depois de vender seus quadros. Animada ela ligou:

  -- Mãe, como estás?

  -- Oi... Tudo bem contigo? Nunca ligas durante a semana...

  -- Está tudo bem. É que tenho um assunto urgente. Podes falar agora?

  -- Sim... O que aconteceu?

  -- Eu recebi um convite para participar de uma exposição na Finlândia.

  -- Na Finlândia?

  -- Sim. É uma feira de artes, bem diversificada. Me parece bem legal.

  -- E tu vais?

  -- Minha vontade é participar, mas meu dinheiro não cobre os gastos. Porque preciso ir por minha conta. Hospedagem e alimentação durante a feira eles dão. Mas para chegar lá custa muito caro, além da passagem preciso de dólares.

   -- Entendo... Qual é o valor já tens?

   -- Aproximado. Vou te mandar por fax o orçamento que eu fiz. Tenho que embalar e transportar o material, recomendam fazer seguro. Enfim, a lista é um pouco longa. Olha e depois tu me ligas. Pode ser?

  -- Sim filha, ficarei aguardando. Vamos dar um jeito. Beijos.

  -- Beijo, mãe.

  Tiago ao escutar a conversa, se aproximou da esposa, a loja com o movimento calmo, ele perguntou:

  -- O que a Juliana precisa?

  -- Ela foi convidada a participar de uma feira de artes na Finlândia e precisa de dinheiro, ela vai mandar por fax, o orçamento que ela fez.

   -- Hum. – Tiago ficou pensando. Ela admirava muito Juliana, ele a tinha como uma filha, e faria o possível para ajudá-la.

    Então chegou o fax.

    Tiago correu para pegar o papel.  Leu tudo com atenção e comentou com a Camila.

    -- Realmente a soma dá um valor considerável, eu achei que seria mais alto. Vamos proporcionar isso a nossa querida Juliana, ela merece. Desde que a conheço ela se dedica a sua arte.

    -- Sim. Eu também imaginei que fosse mais. Vou ligar para ela confirmando.

    -- Faça isso. E no próximo fim de semana vamos visitá-la. Já avisa.

    -- Vamos sim. Estou com saudades da minha filhota.

 

 Toda a preparação do material que iria para exposição consumiu com as energias de Juliana, que três dias antes de embarcar, decidiu tirar uma folga e dormir. O clima contribuiu, pois de depois de dias seguidos de um calor intenso, caiu uma chuva mansa e refrescou; e a aquela tarde de sono, num clima ameno, a deixou revigorada.

  Embora tivessem planejado, Camila e Tiago não puderam vir despedir-se de Juliana, sua mãe chorosa ligou:

   -- Minha querida, não poderemos ir, o movimento está grande, e eu não quero deixar o Tiago sozinho na loja. Tu sabes como ele é desajeitado para fazer um simples embrulho, imagina pacotes para presente.

   -- Bah, não dá mesmo... – Disse Juliana rindo. – Mãezinha não te preocupa, estou bem, todo aquele estresse passou. Estou com tudo arrumado. Os quadros coloquei em uma caixa apropriada, e vão chegar inteiros. Só terei que pagar por bagagem extra. Mas mesmo assim é mais tranquilo do que despachar.

   -- Também acho. – Concordou Camila. – Filha te desejo muita sorte, que tudo dê certo. Me liga quando chegar, ou envia um e-mail. Ficarei ansiosa. Deus te abençoe.

   -- Não te preocupa mãe. Vai dar tudo certo. Beijos.

   Ainda era madrugada quando Juliana foi para o aeroporto, para enfrentar uma longa viagem para o mundo desconhecido. Com o coração descompassado, um medo repentino tomou conta dela, ela endireitou os ombros, ergueu a cabeça e foi fazer o seu check-in.  Foi para o portão de embarque, e sem ninguém para acenar, ela entrou no avião.

   Sentou-se em sua poltrona e orou. Estava nervosa. Ao seu lado sentou uma garota, muito jovem, talvez quinze anos. Ela estava eufórica, vibrava de satisfação e virando-se para Juliana, falou:

  -- Eu sou a Marilyn, vou para Amsterdã. Estou muito feliz de ter conseguido participar de um intercambio. Vou ficar na casa de um casal. E tu vai para onde?

  -- Eu me chamo Juliana, estou indo para Helsinque, na Finlândia, para participar de uma feira de artes. Sou pintora de telas em óleo e aquarela. Também estou muito feliz de sido convidada. É uma ótima oportunidade na minha carreira.

  -- Eu ainda não sei o que quero ser. Por enquanto estou conhecendo o mundo. Já estive na California, no Chile, Portugal e agora Holanda. Todas as férias eu vou para um lugar. Minha mãe diz que importante eu conhecer diferentes realidades.

   -- Com certeza. E o teu pai também te incentiva?

   -- Meu pai? Não sei quem é.

   -- Desculpe.

   -- Essa é a minha realidade. E o teu pai?

   -- Mal lembro dele. Ele morreu quando eu era ainda muito pequena.

   -- Hum...

   Para Juliana conversar com aquela guria foi ótimo. A distraiu e o nervosismo passou, e ela curtiu a viagem.

   Elas trocaram de avião no Rio de Janeiro, e permaneceram em assentos próximos. Quando chegaram a Amsterdã, as duas despediram-se. Ela avistou Marilyn sendo abraçada por um casal muito simpático. Antes de irem embora. Marilyn virou-se a acenou para Juliana.

   Como teria que esperar cerca de três horas, Juliana circulou pelo aeroporto, e parou diante da vitrine de uma livraria. Uma a imagem chamou a sua atenção. A capa era muito parecida com um dos seus desenhos do tempo de menina. Havia uma característica própria. Era a forma de desenhar as pessoas. Por isso ela reconhecia um desenho seu em qualquer lugar.

   Ela olhou o nome do autor era Toni Cooper, e o título do livro em inglês: Pranks Time, editado na Inglaterra recentemente. Juliana entrou na livraria e procurou saber mais sobre o livro, mas descobriu que estava lacrado. Uma observação sobre as ilustrações revelava que o desenhista era um tal de Julian. Pesquisou e ficou sabendo que aquele era o único livro do referido autor. Ela olhou mais uma vez para capa do livro e saiu da loja. Pensativa ela tomou um café com uma fatia de bolo. Arrependeu-se de não ter comprado o livro. Mas agora não tinha mais tempo, já estava na hora de embarcar.

   Durante o percurso até Helsinque, Juliana lembrou os bons tempos de sua infância, das férias na casa de sua avó, das estrepolias que fazia junto com os seus amigos. E pensou de maneira especial em Toni. Ela gostava muito dele, ficava triste quando ele a menosprezava, até a sua avó Augusta, revelar qual era a fraqueza dos meninos. Então Juliana entendeu que ele tinha um carinho especial por ela.

    Mas aquele tempo tinha passado, e ficou muito distante no passado.

    Aquela tinha sido a sua última estada na fazenda. E ela nunca mais soube nada sobre seus queridos amigos, nunca mais viu o Toni. Seu coração se entristeceu... A vida era incompreensível... pois de repente tudo mudava, as pessoas queridas morriam, e os melhores amigos eram afastados.

  Juliana rejeitou esses pensamentos nefastos. Estava a caminho de um sonho, o seu sonho de ser reconhecida como pintora. Na verdade, ela tinha consciência, que estava esperando muito dessa feira, talvez não devesse sonhar tão alto.

 

  De sua poltrona ela avistou a cidade, estavam se aproximando Helsinque. Uma emoção tomou conta dela. Não havia ninguém à sua espera. Teria que pegar um taxi para o hotel. Esperava poder se comunicar tranquilamente em inglês.

  Enfim ela chegou ao hotel. Foi muito bem recebida, as acomodações eram muito boas, mas o frio era intenso. Ela precisava urgentemente de roupas mais apropriadas. Descobriu que podia alugar. E foi o que fez.

  Ela entrou em contato com os organizadores e como tinha um dia livre, e estava uma manhã de sol, ela comprou um guia e caminhou pela cidade apreciando os monumentos, praças e as construções do centro histórico de Helsinque. Visitou algumas lojinhas, fez um lanche numa confeitaria tradicional e provou os sabores da terra.

  Voltou cansada para o hotel. Ao chegar na portaria, lhe foi entregue um convite para jantar com o grupo de artistas participantes da feira. Um carro viria buscá-la. Juliana tomou um banho bem quente para repor as energias, vestiu-se e foi para o saguão do hotel, estava bem na hora.

   Quando ela, foi avisada de que o carro havia chegado, ela se dirigiu para a porta, ela cruzou com um homem que a olhou com atenção. Ao olhar de relance para ele parecia alguém conhecido, mas quem? Virou-se para trás e o homem estava parado olhando para ela. Juliana apressou-se a seguir o motorista. Ela entrou no carro pensando naqueles olhos, naquele olhar... Era conhecido, disso tinha certeza, mas quem era?

  A organização reuniu todos, no local onde seria a mostra, e sorteou os lugares. De forma que naquele momento eles puderam avaliar o espaço e projetar como fariam a apresentação de seus trabalhos. Juliana gostou do seu lugar, estava bem próxima a entrada e isso era muito bom, pois teria bastante visibilidade.

  O jantar foi animado e divertido. O grupo de participantes era eclético, e todos eram graduados em Belas Artes. Esse era o ponto comum entre eles. Cada um seguindo uma linha artística, mesmo na pintura havia uma diversidade de estilos. Juliana sentiu-se bem entre eles. A maioria era europeu, apenas ela era sul americana, havia um rapaz africano e uma jovem asiática.

  Quando retornou ao hotel, já me seu quarto, Juliana organizou o seu material, pois, cedo iria para a feira e arrumar os seus quadros e aquarelas. Deitou-se e voltou a pensar no rapaz com o qual havia cruzado no saguão do hotel. Aqueles olhos, aquele olhar... Dormiu pensando no seu Toni.

   Juliana acordou cedo e bem disposta. Estava ansiosa... Vestiu-se, desceu, tomou o seu café e retornou ao quarto. Mesmo com o pensamento voltado para a feira, ela não deixou de prestar a atenção nos demais hospedes. Precisava reencontrar o rapaz de olhos sedutores.

  Foram dois dias intensos. A feira foi um sucesso, e não apenas ela, mas todos os participantes venderam as suas artes. Somente duas aquarelas não foram vendidas, pois ela as tirou da mostra. Eram lembranças muito fortes de seu tempo de traquinagens na fazenda Bom Jesus. Pensar em Toni, a deixou emotiva... Aquelas peças ficariam com ela.

  Com um bom dinheiro no bolso, naquela tarde, véspera de Natal, ela saiu para comprar um presente para si mesma. Passou por uma livraria e lá estava o tal livro. Pensou consigo mesma: “Esse é o meu presente”. Entrou e comprou um exemplar de Pranks Time de Toni Cooper. Quando estava no caixa, o rapaz que a atendia falou:

   -- Se quiser o autor está autografando no fundo da loja.

   -- Ah... Obrigada. Vou aproveitar essa oportunidade.

  Juliana seguiu a indicação e entrou em uma sala, onde algumas pessoas aguardavam a sua ver de receber o autografo de jovem autor. De onde estava, ela não conseguia enxergar o autor.

  Mas quando chegou à sua vez, ela teve uma surpresa. Ali estava o rapaz de olhos cativantes. Um nervosismo tomou conta dela. Ele também a olhou, sorriu e pediu:

   -- O seu nome?

   -- Juliana. – Respondeu ela.

   Ele a olhou e sorriu. Olhou em volta e como não havia mais pessoas esperando, ele virou-se para o seu auxiliar e disse:

   -- Por hoje basta. Depois de moça eu vou encerrar. – Voltando-se para Juliana, e antes de fazer a dedicatória ele indagou. – Aceitas conversar comigo. Tens algo que mexe com o meu passado.

   -- Aceito. – Disse ela sorrindo e pensando, que ele também mexia com ela.

   Toni autografou, fechou o livro e entregou a ela. Levantou-se e pegou seu casaco e conduziu pela saída lateral da loja. Logo eles estavam em uma galeria. Ele a levou a uma chocolataria e ali sentaram, pediram chocolate quente acompanhado de biscoitos de chocolate.

 

   Toni a olhou demoradamente e pediu a ela:

   -- Me fale sobre a tua infância, Juliana.

   Ela achou um pouco estranho, mas não se importou de falar.

   De repente ela a interrompeu falando:

   -- Aquele foi último verão. Tua avó morreu. E naquele mesmo ano minha mãe adoeceu, Leucemia. Dois anos mais tarde ela faleceu. Lembra-te dela? Ela chamava-se Eniale, um nome bem diferente.

   -- Sim eu lembro perfeitamente dela, do Lipe e da Duda, do teu pai. Lembro de tudo, sinto saudades daqueles dias.

   -- Vocês saíram da cidade. – Afirmou ele. – Eu te procurei...

   -- Procurou? – Falou Juliana admirada. – Minha mãe decidiu ir para Florianópolis, em busca de melhores oportunidades. Casou novamente, e vivemos bem. Eu estou em Porto Alegre, porque depois que me formei em Belas Artes, fui para lá trabalhar e fazer o mestrado. Recebi o convite para participar da feira de arte, e aqui estou. – Completou ela rindo. – Me fala sobre ti. Esse livro é sobre nós? A capa é o meu desenho. Eu reconheci...

   -- Sim, mas eu coloquei o teu nome, só que na impressão saiu Julian. Tenho muitas lembranças daquele tempo, boas recordações; e resolvi colocar tudo no papel, e acabei fazendo um livro juvenil. Inseri alguns dos teus desenhos que tinham ficado com a mãe. Lembra?

   -- Sim, eu lembro de tudo. – Afirmou Juliana. – Continua...

 -- Depois que a mãe morreu, tudo ficou diferente. Não fomos mais para a fazenda.  Eu estava com  com dezessete anos, quando meu pai casou novamente. Então as coisas mudaram. Terminei o ensino médio e vim para a Inglaterra, já que temos raízes inglesas, e até hoje moro em Kent.

  -- E os teus irmãos?

  -- O Felipe optou por cuidar da fazenda. Formou-se me Medicina Veterinária, e a Eduarda, casou e mora no Chile, o marido é executivo de uma multinacional do transporte marítimo. Portanto tão cedo não sairão de lá.  Mas eles estão bem. Estiveram aqui no mês passado.

  -- Como foi que ela achou um chileno?

  -- Ele não é chileno, é americano. Se conheceram em Bariloche. Foi um amor repentino. Segundo a Duda fala, foi a primeiríssima vista. E decidiram casar logo. A Duda estava louca para sair de casa, pois também não aguentava mais a Morgana. Que realmente é insuportável.

   -- O Felipe está casado, também? – Quis saber Juliana.

   -- Sim, a Melissa, como ele, é veterinária e eles criam cavalos. O Felipe já é pai de uma linda menina, a Larissa. Ainda é bebê, nasceu em junho. Está com seis meses. Estão muito felizes...

   -- E tu estás sozinho? – Quis saber Juliana e esperando a resposta com grande expectativa.

   -- Sim. – Respondeu Toni a olhando nos olhos. – E tu tens alguém?

   -- Não. Nunca tive tempo para o amor. Me dediquei inteiramente a minha arte. Eu precisava apostar no futuro. Tu bem sabes que sou pobre. O marido de minha é comerciante, está bem de vida, mas não é nada meu. Por isso desde cedo eu lutei por um futuro mais promissor.

   -- E estás conseguindo. Parabéns. – Disse ele tocando em sua mão por sobre a mesa. – Quando nos cruzamos no saguão do hotel e achei que podia ser a minha querida amiga de infância. E tu mudastes bastante. Mas os olhos não mudam. Estou feliz que nos encontramos.

   -- Eu também estou feliz. Aquela noite eu fiquei pensando que conhecia aquele olhar, mas não podia afirmar que eras tu. Tua lembrança surgiu em minha mente, mas fiquei em dúvida.

   Os dois mantiveram silencio, com as mãos unidas eles se olharam e seus pensamentos voaram. Uma sensação de paz os envolveu. Então Toni falou:

   -- Amanhã cedo eu vou para a Lapônia, a terra do Papai Noel. Por que não vens comigo?

   -- Eu devo retornar no dia 26. Mas bem que gostaria de ir, ter um Natal inédito, e ver a aurora boreal.

  -- Vamos transferir a tua passagem. ficas esses dias comigo. – Pediu ele. – Eu dou um jeito pra ti.

  Juliana estava balançada. Sabia que era uma oportunidade única. E estar com o seu Toni... bah, era tudo o que mais desejava. Então disse:

   -- Eu vou contigo. Só preciso avisar a minha mãe.

   -- Essa é a minha garota. Não refuga uma aventura. Vamos providenciar ... – Disse ele erguendo o braço e pedindo a conta.

   Ao chegar no hotel, Toni entrou e contato com seu guia e inseriu Juliana no grupo. Depois ligou para a companhia de aviação e deixou a passagem sem data marcada. Enquanto isso, Juliana telefonava para casa da mãe.

 

  Na manhã seguinte, bem cedinho, em meio a uma nevasca, eles chegaram ao aeroporto, embarcaram na aeronave e partiram rumo ao norte.

  Juliana estava emocionada, por todos os motivos: passar o Natal na companhia de Toni; conhecer a aldeia do Papai Noel; ver a aurora boreal; e estar muito próxima do círculo polar ártico. Como uma criança ela ria sozinha.

  Feliz, Toni a observava. Ele também estava sensível a presença dela. Afinal, ela sempre foi a menina dos seus sonhos. Se até o momento, ele ainda estava sozinho, era porque nenhuma outra ocupou o seu coração. Pensava que deveria agir com cautela, mas também com firmeza. Deveria ter a astúcia e fazer acontecer na hora certa. Toni não podia negar que estava ansioso.

   Eles aterraram na capital da Lapônia.

   Toni tinha se desligado do grupo de viagem. Preferiu estar com a sua boa amiga Juliana. Assim poderiam passear pela cidade e escolher os lugares aos quais queriam visitar. Só manteve a sua barraca noturna para observar a aurora boreal.

   Vestidos com roupas especiais, eles caminharam de mãos dadas pela aldeia do papai Noel. Juliana parecia uma criança. Estava deslumbrada com tudo o que via. Toni ficou contagiado pela alegria dela e aproveitou o passeio.

   -- Isso aqui é maravilhoso... – Dizia Juliana.

   -- Estou com fome, precisamos escolher um lugar para comer. – Sugeriu Toni.

   -- Acho deveríamos ir a um restaurante típico.

   -- Sim. Vamos sentar ali, e procurar no guia.

   Toni abriu o livreto e descobriu que estavam diante de restaurante mais bem conceituado. Rindo ele disse:

   -- Aqui. Vamos entrar.

   Antes de irem para a cabana, eles compraram uma cesta de natal com comidas variadas e bebidas. Juliana acrescentou uma garrafa de água.

   Ela tinha comprado para ele um presentinho. Algo divertido. Afinal estavam comemorando o Natal, embora fosse de um jeito bem inédito.

    Eles se acomodaram na barraca. A noite estava escura e fria. Mas ali havia calor, sobretudo calor humano. Toni sentou-se ao lado dela. A proximidade gerava calor. Cobriram-se com o cobertor. Ela estava radiante com tudo o que estava vivento.

   -- Jamais imaginei passar o Natal dessa forma. Vim para cá convencida de que essa seria uma noite solitária, que talvez eu até chorasse de saudades da minha mãe. A vida apronta para gente. – Comentou ela.

   -- Tens razão. Eu já estava programado para estar aqui. Mas não imaginava que teria o presente mais lindo do mundo, a tua presença. Eu sempre gostei muito de ti, mesmo quando implicava.

   -- Eu sei. Dona Augusta me dizia que essa era fraqueza dos meninos. Que quando eles gostavam, implicavam para disfarçar...

   -- Dona Augusta era uma sábia. – Disse ele a abraçando. – Vamos brindar a esse momento.

   Toni tirou uma garrafa de vinho e serviu nas taças, enquanto que Juliana abria o pacote dos sanduiches de bacalhau.

   -- Tim. Tim. –- Disse ele. Tocando levemente na taça dela.

   -- Tim-Tim. – Respondeu ela sorrindo.

   Comeram e beberam. Diminuíram a luz e se recostaram. Toni a mantinha bem junto dele. Estavam prontos para a observação.  A proximidade os deixou perturbados. Sem esperar eles beijaram-se. Um beijo suave que foi aprofundado carinhosamente.

   -- Eu te amo... – Sussurrou Toni. – Sempre te amei...

   -- Eu também te amo... desde menina... – Murmurou ela.

   Mais um beijo os envolveu.

   Juliana remexeu-se e pegou um pequeno pacote e entregou a ele dizendo:

   -- Feliz Natal.

   -- Feliz Natal – Respondeu ele.

  Toni abriu o pequeno presente tirou um bonequinho de neve, mas havia, também um pacote, ele abriu e diante dele estava uma pequena pintura, que retrava os dois nadando no arroio que cortava as terras da fazenda.

   -- Somos nós! Eu lembro desse dia. Foi o dia em que a Duda caiu nas pedras... Como... Não sei como tens isso aqui...

   -- Veio com as minhas coisas. E quando eu estava arrumando as peças me deparei com esse quadro e outro, um pouco maior, do nosso jogo de críquete. Então separei. E como me convidastes eu resolvi te dar de presente.

    -- Eu também tenho uma coisa para ti. Claro que é simbólico. – Falou ele rindo.

    -- Simbólico? Não estou entendendo...

    Já vais entender, disse Toni se movimentando e colocando-se de joelho diante dela, e entregando uma lata de biscoitos de Natal.

   -- Obrigada. – Disse ela. – Lembra que eu ajudava a minha avó a fazer os biscoitos...

    -- Eu não esqueci de nada, sobretudo o que está relacionado contigo. Eu tenho uma proposta...

    -- Que tipo de proposta? – Perguntou Juliana intrigada.

    -- Do tipo que ficas perto de mim para sempre. – Disse Toni rindo.

    -- Então... Qual é a proposta?

    -- Quero que venhas morar comigo na Inglaterra.

    -- Morar na Inglaterra... Nunca pensei em algo assim.

    -- Venha pelo menos conhecer o lugar. Tu vais amar. A natureza é exuberante e terás muitos jardins para pintar. E fica muito perto de Londres. Vamos adiar a tua volta.

    -- A ideia me fascina... Preciso pensar um pouco. Tenho compromissos no Brasil, minha mãe, meu trabalho.

   -- Eu sei. Mas daremos um jeito. Eu não quero mais te perder. E estou fazendo o meu doutorado em Literatura.  Sou formado em Literatura, Ciências Humanas e Sociais.

   -- Entendi.

   Toni ficou decepcionado, pois imaginava que ela aceitaria morar com ele, e ficaria feliz. Mas ele sabia, que desde criança, ela era muito centrada. Então a envolveu num abraço e falou:

   -- Vamos nos concentrar a aurora boreal... Olha as primeiras luzes estão surgindo.

    Eles admiraram as cores que natureza proporcionava. Foi algo inimaginável para Juliana. Que murmurou:

    -- Ah... se eu pudesse pintar...

 

  Eles retornaram para Helsinque de trem. Foi uma longa viagem, mas puderam conhecer um pouco da região, que mesmo coberta de neve era muito atraente. Já na capital Toni a levou para um passeio na cidade medieval de Porvoo. Um lugar pitoresco com suas casas de madeira pintadas de vermelho.

   Toni precisava retornar e Juliana decidiu ir com ele. Depois da virada do ano, ela voltaria para a sua terra natal, então refletiria com calma.

    Ele ficou feliz com a decisão dela de ir com ele. Pelo menos teria a oportunidade de conhecer o lugar onde ele morava, onde escrevia seus livros de história juvenil. Ele já estava vivendo dos recursos obtidos com a venda de seus livros.

 

    Como Toni havia previsto, Juliana se encantou com o lugar onde ele vivia. Era uma pequena casa e bastante antiga, toda de pedra com janelas quadradas pintadas de vermelho, assim como a porta. Era composta de uma sala conjugada com a cozinha, dois quartos e um banheiro. Um dos quartos Toni usava como escritório. Na frente um pequeno jardim colorido pelas flores completava o quadro.

   -- Que casa acolhedora. Como conseguiste?

   -- Essa casa pertenceu ao meu avô. Só que depois da grande guerra, ele decidiu deixar a Europa, não queria mais pensar em guerras. Ele serviu como motorista e viu muita dor e flagelo. Então decidiu ir para um lugar distante, do outro lado do oceano. Foi para o Brasil com a sua namorada. Eles eram jovens e queriam aventuras. Antes de deixar a Inglaterra o vô tinha recebido essa propriedade de herança de seu padrinho, um bom homem que morreu sem herdeiros. Eu conhecendo a história, quando aqui cheguei, fui ao cartório e descobri que ainda estava no nome de John Willian Cooper. Munido de documentos eu consegui passar para o meu nome. Claro, que com a anuência dos meus irmãos, e o pagamento dos impostos. Desde então é aqui que eu vivo.

   -- Eu adorei esse lugar. Tens razão quando dizes que é um lugar inspirador.

   -- Já te imaginastes, saíres por ai, com o teu cavalete pintando essa paisagem?

   -- Sim. Não me provoca.

   -- Estou ansioso pela tua decisão.

   -- Antes de qualquer decisão eu preciso voltar para casa, e ajeitar as coisas por lá. Tenho um emprego, a minha mãe...

  

   Três dias depois, Juliana partiu sem definir nada. Toni não sabia se estavam comprometidos, se ela viria morar com ele, ou se nunca mais voltaria.

  Tiago e Camila foram receber Juliana em São Paulo. Eles estavam com muitas saudades e curiosos para saber como tinha sido a estadia dela na Finlândia. Fariam uma surpresa.  Emocionada, ao ver sua mãe, Juliana chorava copiosamente no saguão do aeroporto, abraçada a sua mãe e seu padrasto.

   Eles ficaram uns dias em São Paulo, depois tomaram o caminho para o sul. Viajavam sem pressa. Tiago era boa companhia e Juliana aproveitou aqueles momentos de felicidade.

   Camila era uma boa observadora, e percebeu que a filha tinha uma ruga na testa, que significava ser uma grande preocupação. O que teria acontecido? Juliana tinha a mania de resolver tudo sozinha, ela nunca se abria, não falava com ninguém. E isso não era bom.

   Eles tinham chegado em Florianópolis. Juliana tinha prometido ficar dois dias com eles. E Camila estava procurando o momento certo para conversar com a filha e descobrir qual era o seu problema.

   A convidou para caminhar na praia.

   Mãe e filha depois de uma boa caminhada, sentaram na areia e olhavam para o mar. Era o momento apropriado, então perguntou:

   -- O que aconteceu na Finlândia? Se a feira foi um sucesso, vendestes todos os teus quadros, o que te preocupa?

   -- Mãe... Tu não fazes ideia de quem eu encontrei lá. Lembra do Toni, o filho mais velho da dona Eniale?

   -- Sim. Aquele que te fazia chorar?

   -- Esse mesmo. Pois é, nos encontramos por acaso. Eu comprei o livro dele e fui para a fila de autógrafos, e ele me convidou para tomar um café, e conversamos. E nós nos achamos. Passamos o Natal juntos, depois fui até a Inglaterra, onde está morando. É tudo muito lindo naquela região. E ele me convidou para ir morar com ele...

   -- Vocês se gostam? – Perguntou Camila, não entendendo a conversa.

   -- Sim. Desde quando éramos crianças. – Explicou Juliana – Eu sempre pensei muito nele, sempre sem esperança de revê-lo. Mas agora o acaso nos reuniu, e eu não sei o que fazer.

   -- Vamos por partes. Eu não sabia dessa tua paixão. Por que nunca me falastes?

    -- Não sei... E de que adiantaria falar? 

    -- Se ele te ama, por que nunca te procurou?

    -- Ele me procurou, mas nós tínhamos saído da cidade. E ele não sabia o meu sobrenome, assim como eu não sabia o dele. A mãe dele morreu, teve Leucemia...

    -- Eu soube que ela estava bem doente.

    Um silencio reinou por alguns instantes.

    -- Minha filha se esse rapaz é o amor de tua vida, não deixe nada ser mais importante. Tu podes trabalhar em qualquer lugar... Já estás construindo o teu futuro como pintora. Portanto trabalho não é problema.

    -- Se eu for para longe, tu ficarás sozinha...

    -- Minha querida, eu não ficarei sozinha. Eu tenho um marido que é muito bom para mim. Eu quero que penses na tua felicidade. Não quero que acabes sozinha. – Disse Camila abraçando a filha. – Além do mais, se fores para lá, vocês vão ter a oportunidade de se conhecerem melhor. Hoje vocês são adultos, têm opiniões e manias, que às vezes, atrapalham convivência. Vai lá tira tudo isso a limpo. Se não der certo, pelo menos vais ter o consolo de que tentastes. Se não for assim poderás te arrepender para o resto de tua vida. Não jogue fora a felicidade, meu amor.

   -- Eu sei, tenho pensado muito nisso. Sei que os covardes não enfrentam o desconhecido.

    -- E tu és covarde? – Perguntou Camila a provocando.

   

  Uma nostalgia havia tomado conta de Juliana. Lembranças de sua infância, lembranças de uma noite venturosa, de um Natal especial. Toni a queria perto dele, e o que ela estava fazendo tão distante dele? Por que não tomava coragem, e telefonava dizendo que estava prestes a embarcar, para a maior aventura de sua vida?

   Por quê?

    Juliana tentava encontrar respostas... No fundo ela sabia que era medo. Medo de não dar certo e seus sonhos ruírem. Enquanto estivesse no sonho, havia esperança de um futuro feliz.

    -- Isso é loucura! – Dizia ela para si mesma.

    Pegou o livro para ler. Pranks Time. Esse era o título em inglês, que significava Tempo de Travessuras. Ela olhou a capa, e examinou cada detalhe de seu desenho infantil. Continha tudo... as brincadeiras, as árvores, o rio, a prainha, as casas... da fazenda Bom Jesus.

    Abriu, e leu a primeira linha: “At the South of Brazil there is a farm called Goog Jesus...” (No sul do Brasil existe uma fazenda chamada Bom Jesus...). Ela não conseguiu ir adiante, pois lágrimas embaralharam a sua visão.

     Fechou o livro. 

 

   Toni estava triste e desiludido da vida. Antes de encontrar Juliana, ele vivia cheio de esperanças, sonhava com o dia em que se reencontrariam.  Enfim, eles haviam se encontrado, por obra do acaso. Mas nada deu certo. Ela não o aceitou, foi embora e agora fazia alguns dias que ela não respondia as suas mensagens.

    A triste realidade era essa, ele estava sozinho e sem ilusões. Precisava tirar Juliana de seu pensamento, arrancá-la de seu coração.

    Aquela manhã fria de janeiro, Toni levantou cedo, e saiu de casa. Precisava de ar. Decidiu ter um dia especial, onde ele faria companhia para si mesmo. Arrumou uma cesta com uma garrafa de vinho, alguns pães, queijo e linguiça. Pegou um livro, uma coberta e saiu. Iria passar o dia a beira do rio. Precisava estar em paz consigo mesmo. Para conforto de Toni, o frio amenizou, depois que o sol apareceu, e o dia tornou mais colorido e aquecido.

    Antes do entardecer ele tomou o caminho de volta para casa. Depois de muito refletir sobre todos os acontecimentos, ele regressava mais conformado com a situação. Sabia que tinha feito de tudo para tê-la ao seu lado, bem perto de si, porém Juliana não quis, e afastou-se definitivamente dele.

   Ele tinha uma boa história para o seu próximo livro. Um romance.

   Ao se aproximar de casa, ele notou que havia luz na sala...  Como? Ele não lembrava de ter acendido a luz naquela manhã. O que estava acontecendo? Viu um vulto através da vidraça. Seria ladrão? Se fosse não entraria sozinho.

   Voltou até o posto policial, que ficava na esquina e pediu ajuda. A policial Suellen se prontificou a acompanha-lo. Do portão ambos viram o vulto que se movia pela sala. Ela empunhou a arma e abriu a porta de supetão. Toni a seguiu.

   Assustada a pessoa gritou:

   -- Não atire! – Virou-se ela assustada.

   -- Juliana?

   -- Ela sua conhecida? – Perguntou a policial.

   -- Sim. Uma amiga que mora no Brasil. – Disse Toni se desculpando com a policial. – Só não sei como ela entrou. Nem sabia que ela vinha.

   -- Eu quis te fazer uma surpresa. – Disse Juliana.

   -- E fez. – Disse a policial, mal humorada. – Bem, acho que está tudo bem. Estou indo...

   -- Obrigado! Desculpe... – Disse Toni, a policial, envergonhado.

   -- Passe bem. – Despediu-se a policial.

   -- Como entraste?

   -- Eu lembrei que escondes, sempre, uma chave embaixo de um vaso... Procurei e achei. – Disse Juliana rindo. – Peço que me perdoe, só queria te deixar surpreso. E acho que consegui...

   -- Sim. De fato, eu fiquei...

   -- Acho que não foi uma boa ideia. – Disse ela envergonhada.

   -- Vem cá, me dá um abraço... Foi uma ótima surpresa. – Disse ele a abraçando carinhosamente. – O que trouxe a Inglaterra?

   -- A vontade de ser feliz, aceitar a tua proposta, se é que ainda está valendo. – Respondeu ela cheia de dúvidas.

   -- Mas é claro que está. Fico feliz que tenhas optado por vir. – Ele a apertou contra si, e a beijou com emoção. – Por que demorou tanto?

   -- Porque eu sou uma criatura estranha. – Disse ela rindo. --

 

   Juliana logo adaptou-se a nova rotina. Enquanto Toni estava na faculdade ela, com o seu material embaixo do braço, saia a procura de algum lugar para ser retratado.

   Estavam trabalhando juntos. Ele escrevia histórias juvenis e ela ilustrava. Estavam felizes. A harmonia existente entre eles era perfeita. E por causa disso uma tarde, enquanto tomavam um chá, na confeitaria da cidade, Toni falou:

   -- Eu preciso te confessar uma coisa...

   -- O que andastes fazendo?

   -- Nada de mais. Apenas pensando...

   -- Pensando! Em que?

   -- Em nós. Eu sempre te amei, desde os tempos de crianças, tu bem sabes. Quando nos reencontramos, eu vibrei, mas ao mesmo tempo tive receio de que, como adultos, não teríamos uma boa convivência. Sim, porque gostar não significa entendimento. E desde que tu estás aqui, ao meu lado, eu estou muito feliz, há harmonia entre nós, não sei se sentes o mesmo...

    -- Eu sinto, sim. Também tive medo, no início.

    -- Por tudo isso, eu acho que chegou a hora de passarmos para a outra etapa.

    -- Outra etapa? Não estou entendendo.

    -- A hora de consolidar a nossa união. Aceitas casar comigo?

    -- Sim, eu aceito...

 

    Camila estava comovida. Ver a sua filha realizar o seu sonho de amor, era uma emoção muito forte. Juliana realizava o seu sonho venturoso.

                  

                                                        Maria Ronety Canibal

                                                            Novembro 2021

  

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