segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

UMA PAIXÃO ANTIGA


                                                          UMA PAIXÃO ANTIGA

Alicia estava se arrumando para sair. Hoje era o aniversário de sua amiga Tanise. Todo o grupo de amigos iriam se encontrar em um Pub. Henrique ficou de passar em seu apartamento para apanhá-la e irem juntos. Estava rolando uma paquera entre eles.
Alicia estava bem entusiasmada com a perspectiva de um romance entre eles. Já fazia muito tempo que tivera uma desilusão. Viera para Porto Alegre para mudar de vida, trabalhar e estudar. Queria ser senhora de si. Não aturava ninguém mandando nela. Henrique tinha esse diferencial. Deixava-a completamente livre.
Henrique era uma boa pessoa, alegre, divertido, inteligente e atencioso, além de muito bonito. Ele era alto, com ombros largos, pernas longas e mãos absolutamente lindas. Seus cabelos eram escuros assim como os seus olhos.
Quando ele tocou o interfone ainda era muito cedo para irem, então ela pediu para ele subir. Ela abriu a porta para recebê-lo e ele simplesmente parou e contemplou a beleza dela.
Ela estava com um vestido preto que se ajustava perfeitamente a seu corpo, sapatos de saltos altos e com os cabelos presos num coque baixo. Estava com brincos e colar dourados. E um sorriso lindo no rosto ao vê-lo. Ele disse sorrindo:
-- Que visão! Tu estas linda!
-- Obrigada. Vamos entrar, ainda é cedo. Ou já queres ir?
-- Vou te confessar uma coisa, se eu entrar com certeza não vou querer ir ao aniversário. Tu estás muito provocante.
-- Então vamos, vou pegar minha bolsa.
Saíram de mãos dadas. Henrique deu umas voltas de carro antes de irem para o local. Aproveitou para estar com ela a sós. Ele estava bem interessado nela. Via ali uma relação com futuro. Ele também estava cansado de moças frívolas!
Henrique a admirava muito. Ela era linda, tinha os olhos da cor do céu, seu cabelo aloirado e sua pele num tom dourado. Era alta, elegante e tinha muita personalidade, independente, culta, divertida e adorável.
Seus amigos diziam que formavam um belo par. Todos os amigos estavam querendo que eles ficassem juntos. Mas ninguém dava opinião.
O aniversário de Tanise estava bem animado. Foi uma noite divertida. Todos beberam além da conta. Mas Henrique que estava dirigindo não bebeu. Ficou rindo das bobagens que diziam e faziam. Inclusive Alicia estava muito engraçada, queria disfarçar e piorava a situação. Ficaram até muito tarde.
Já estava clareando o dia quando foram para casa. Ele levou Alicia para casa e achou que era bom acompanhá-la  até a porta do apartamento. E lá ela pediu para ele entrar e ficar com ela. Ele atendeu ao pedido dela.
Ajudou ela a deitar, tirou seus sapatos e a cobriu para que dormisse. Ele recostou-se no sofá da sala e dormiu. Acordou com o sol em seu rosto. Levantou foi dar uma espiadela no quarto, e ela ainda dormia. Foi à cozinha e preparou um café. Ligou a TV e ficou saboreando o café.
Alicia acordou com e cheiro de café. Levantou e viu que ainda estava com o vestido preto. Não lembrava o que tinha acontecido. Foi até a cozinha, estava envergonhada, tinha bebido demais. Parou timidamente na porta, ele a viu a disse:
-- Bom dia! Como está minha princesa? Quer café?
-- Oi, estou bem, quer dizer mais ou menos, com um mal estar.
-- Também, bebeu todas ontem...
-- Pois é... E o pior que não me lembro de nada....
-- Até onde tu lembras?
-- Que tu me trouxeste para casa...
Ele serviu um café para ela. Sorriu e entregou a ela.
-- Toma o café. Não tem nada para lembrar.
-- Não?!
-- Não. Embora tu estivesses tentadora. Tu não sabes como és graciosa, quando estás bêbada.
E riu. Ela ficou olhando para ele, com um meio sorriso. Ele a conduziu para o sofá. Sentou-se a seu lado e ficou fazendo um carinho em seu braço. Ela virou-se para ele e perguntou?
-- Por quê?
-- O quê?
-- Não aconteceu nada.
-- Porque eu quero que em nossa primeira vez tu estejas sóbria, sabendo o que faz, sabendo o que sentes. Tu és muito importante para mim. Quero que seja um momento marcante em nossa vida, do qual sempre lembraremos.
-- Obrigada.
Ela se achegou a ele. E ficaram abraçados, se curtindo. Passou um tempo e ele disse:
-- Hoje é sábado. O que vamos fazer? Queres sair? Ou queres ficar em casa?
-- Eu acho que eu quero ficar. Preciso tomar um banho, me ajeitar...
-- Eu também preciso de um banho. Vou até em casa, tenho que alimentar o Duque, meu cãozinho de estimação. Depois eu volto. Pode ser?
-- Sim. E o almoço?
-- Eu cozinho. Vou passar no mercado e comprar os ingredientes. O que queres comer, um peixe ou uma massa?
-- Tu escolhes.
-- Ok, então eu já vou. Tchau...
-- Tchau.


Ele chegou cheio de pacotes. Estava vestindo um abrigo azul marinho com tênis da mesma cor. Como sempre ele estava lindo. Ela também tinha colocado uma roupa caseira. Estava de jeans e camiseta azul da cor de seus olhos. Ele deu um beijo nela e disse;
-- Sempre linda a minha princesa.
Ele foi para cozinha e começou a guardar as compras. Ela perguntou?
-- Fez um rancho completo?
Ele rindo respondeu:
-- Essa era a intenção, não tem nada nesta casa. Vives de ar?
-- Eu não gosto de cozinhar, então sempre peço alguma coisa.
-- Mas agora isso pode mudar... Que achas?
Ela não respondeu, ficou pensativa. Ele cantarolava enquanto preparava o almoço. Seria um salmão guarnecido de vegetais.
Ela o observava cozinhando e comparava com Pedro, o cara que ela ainda amava, e a tinha feito sofrer. Eram completamente os opostos no modo de ser.
Ela era muito jovem quando conheceu Pedro, que era bonito, simpático, e canalha. Havia namorado com ele por dois anos e depois descobriu que ele era noivo de outra moça que morava em outra cidade.
Ela ficou desconfiada que em certos dias ele nunca podia vê-la, sempre precisava viajar, geralmente nos fins de semana. Ela conseguiu que um amigo viajasse com ele para descobrir o que ele fazia. E descobriu.
A desilusão foi grande, mas o amor permaneceu. Nunca mais tinha visto Pedro, e si quer falado com ele, e tinha receio de encontrar com ele, porque poderia ter uma recaída.
Agora esse homem maravilhoso, Henrique, estava em seu caminho e ela iria fazer de tudo para ficar com ele. Ele a tratava como uma princesa...
-- Oi, por onde andas???... Foi a pergunta de Henrique vendo-a perdida em pensamentos.
-- Oi, desculpe, eu estava um pouco longe.
-- Vamos tomar um vinho branco geladinho, que achas?
-- Vamos. Eu já estou bem.
Ele abriu a garrafa e serviu. Brindaram e ele ficou falando sobre as bobagens que seus amigos fizeram na noite anterior. Riam com vontade.
Estava uma delicia o prato que ele preparou. Limparam a cozinha juntos e depois foram “sestear”. Estava começando a chover quando deitaram.
O vinho e o cansaço da noite anterior os fez dormir logo. Mas Henrique acordou antes de Alicia e ficou velando seu sono. Depois se levantou e foi para a sala, estava à janela olhando a chuva que agora estava mais forte.


Ele conhecia Alicia a cerca de três meses, foram apresentados por Tanise que era sua colega de trabalho. Eram advogados. Ele havia saído de um relacionamento complicado com uma mulher mimada. E ao conhecer Alicia ficou impressionado, com seu jeito alegre, e com sua beleza. Ela demonstrava ser uma pessoa de fundamento. Ainda estavam se conhecendo, mas estava gostando muito dela. Só não sabia se ela também gostava dele.
Era a primeira vez que ficavam assim conectados, no mesmo apartamento, com esperança de passarem a noite juntos. Ele até já tinha arranjado tudo, pediu ao zelador que alimentasse seu cão e passeasse com ele. Deu uma boa gorjeta para isso.
Alicia acordou e foi em busca dele, se aproximou dele e ficou olhando a chuva. Sugeriu um café. E foram para a cozinha. Ela buscou uns biscoitos e ficaram conversando e bebericando o café.
Ela também não sabia como agir, não queria se insinuar pensava que tudo deveria partir dele. Então resolveram ver um filme. Sentaram juntos no sofá e ele passou o braço por sobre seus ombros e a puxou para perto dele e ela se aninhou. Era um filme romântico que foi despertando neles a vontade de se acariciarem. E logo estavam se beijando, primeiro suavemente, mas logo se intensificou, e ambos demonstrando uma vontade de se darem. Foram para a cama e lá se deixaram envolver por um fascínio abrasador.
Depois deste momento o fim de semana foi intenso. Firmaram um compromisso entre eles, mas não iriam morar juntos. Ela precisava de tempo para isso. Ele a entendia e queria que fosse assim. Henrique não queria mais apurar os acontecimentos. Eles moravam tão perto...


Alicia estava formada em Jornalismo a menos de um ano e já estava trabalhando em um site de notícias, e o melhor de tudo, era trabalhava em casa. Ela havia ajeitado o segundo quarto do seu apartamento, como um pequeno escritório. Ali passava muitas horas.


O tempo estava correndo tranqüilo, eles iam aos poucos se amoldando um ao outro. Henrique queria mudar-se para mais perto dela. Não no mesmo prédio, mas conseguiu um bom apartamento no prédio ao lado, por um preço muito bom. Ele comprou. Podiam se olhar pela janela. Até se falarem. Ele gostou muito de estar mais próximo dela, mas ela se assustou um pouco. Não tiraria a liberdade dela?
Alicia foi convocada para fazer uma entrevista com um empresário que ultimamente era noticia constante, Sr Julio Amido. Telefonou marcando hora. Quando chegou ao local da empresa foi bem recebida pela secretaria e conduzida a uma sala onde deveria esperar um pouco. Logo o assessor, o Sr João Pedro iria ter com ela. Alicia estava um pouco nervosa, não era esse o seu trabalho. Mas... Sentou em uma poltrona e logo entrou uma moça oferecendo água e café. Ela aceitou a água. Procurou se concentrar nos assuntos que deveria questionar.
Alguém bate de leve a porta e abre. Ela levanta os olhos e seu coração disparou. Era tudo o que ela não queria. Encontrar-se com Pedro.
Ele a cumprimentou como se tivessem visto no dia anterior. Ela respondeu de forma inaudível. Apenas balbuciou. O nervosismo tomou conta dela. Precisava se controlar, necessitava fazer bem o seu trabalho e não deixaria que ele mais uma vez atrapalhasse sua vida.
Para salvação de Alicia logo entrou na sala o Sr Julio. Homem de meia idade e simpático. Ela tratou de iniciar a entrevista para poder logo sair dali.
Quando chegou a casa se sentia aliviada. Pedro não tentara falar com ela. Mas ao mesmo tempo ela ficou preocupada com a sua reação. A perturbação que ficou mostrava que ela ainda estava vulnerável a pessoa dele. Não podia mais vê-lo.

Era fim da tarde, ela já tinha tomado um chá de camomila para relaxar, quando seu telefone tocou, um número desconhecido. Ela atendeu, era Pedro.
Pedro ao telefone desculpou-se pela forma impessoal que a tinha tratado, e alegou que estava em seu ambiente de trabalho. Queria encontrar com ela, precisavam conversar. Ela recusou, dizendo que tinha compromisso naquele dia. Mas ele persistiu muito, tanto que ela aceitou jantar no outro dia.
E agora? Não queria de forma alguma magoar Henrique, teria que falar com ele sobre isso. Talvez precisassem dar um tempo. Ela estava muito confusa. Mas de uma coisa tinha certeza, ainda amava Pedro.

Mais tarde quando Henrique foi vê-la, Alicia pediu para não saírem. Pediriam uma pizza. Precisavam conversar e ela preferia que estivessem em casa. Henrique arregalou os olhos, que seria? Concordou. Ficariam em casa. Ela sugeriu que tomasse um vinho, precisava relaxar.
Então ela contou a ele toda história com toda a sinceridade, sem omitir nada. Inclusive a conclusão que chegou depois de tê-lo visto a tarde. A percepção que ainda o amava.
Henrique escutou tudo em silêncio, ele sabia que ela apenas gostava dele, ela nunca lhe falou em amor. Agora ele sabia a razão. Teria que jogar esse jogo. Ele estava apaixonado por ela, e a queria por inteiro. Seria tudo ou nada. Iria arriscar.
Então Henrique aceitou que ela fosse ter uma conversa com o tal Pedro, ele daria um tempo para ela decidir o seu futuro. Henrique perdeu a fome. Levantou-se, deu um beijo nela e foi embora.
Alicia começou a chorar, estava novamente só. Ela confiava em Henrique e sabia que ele a amava sinceramente. Será que tinha feito uma besteira? Ela era de fato muito burra!
Ela não conseguiu dormir, nem tampouco trabalhar no outro dia. No fim da tarde arrumou-se sem muito cuidado. Vestiu uma calça preta com uma blusa a mesma cor e usou no pescoço, um lenço em tons preto e branco. Estava pronta para encontrar Pedro. Pegou um taxi e foi.
Quando ela chegou ao restaurante ele já esperava por ela. Ele estava elegantemente vestido, roupas bonitas e caras. Ela sentiu-se mal vestida para o ambiente luxuoso do restaurante.
Fizeram o pedido e propôs tomarem um vinho, mas ela recusou, tomaria apenas água. Conversaram sobre o trabalho dela, e ele falou um pouco sobre a sua função na empresa. Ele mesmo elogiou o seu próprio trabalho. Disse que estava ganhando muito bem e que era o homem de confiança do maioral da empresa. Ela só escutou, não comentou nada. Alicia sentia seu coração aos pulos, mas sua razão não estava na mesma sintonia. Pedro a dominava, ela se anulava diante dele, sempre fora assim. Ele fazia “gato e sapato dela”.
De repente Pedro disse:
-- Eu fui um tolo, preciso de uma nova chance. Eu sempre te amei.
-- Não sei...
-- Minha querida, vamos esquecer o que passou, eu era jovem demais, queria contar vantagens aos amigos, por isso criei aquela situação toda. E quero te dizer que o Jorge, aquele teu amigo que tu encarregastes de me vigiar, estava afim de ti. Ele distorceu os fatos. E tu não me deste a oportunidade de me defender. Simplesmente ignorou-me.
-- Preciso pensar. Doeu muito em mim. Ainda dói.
-- Se ainda dói é porque ainda gostas de mim.
-- Talvez...
-- Tu tens outra pessoa?
-- Sim, estamos dando um tempo.
-- Ora, isso de dar um tempo não existe.
-- Com certeza ele está a fim de outra, te traindo!
-- Não! Eu sei que não. Ele é um homem com H maiúsculo. Não é como tu.
-- Então me deixe mostrar quem sou eu.
Ela na respondeu. Pediu para ir embora. Ele pagou a conta e deixaram o restaurante. Ele queria levá-la em casa. Mas ela preferiu ir de taxi. Não queria que ele soubesse onde ela morava. Ele ficou de ligar no outro dia.


Henrique também estava fora do esquadro, não dormia, não comia e não conseguia trabalhar direito. Já fazia uma semana que ele e Alicia não se viam e nem se falavam. Ele tinha fechado a janela de seu quarto para não olhar para o apartamento dela.
Ela estava sentindo-se angustiada, ainda não sabia o quê fazer? Sentia atração por Pedro, que era muito bonito e charmoso, mas continuava com receio em confiar nele. Comparava os dois, enquanto Pedro era um sentimento forte e abrasador, Henrique era tranqüilidade e segurança. Precisava resolver isso. Não agüentava mais a situação. Decidiu-se.


Procurou Henrique e disse a ele que ela daria uma nova chance a Pedro, mas que jamais o esqueceria, pois ele tinha sido para ela um Oasis de paz.  Ele não gostou da decisão dela e nem do modo como ela referiu-se a ele. Teria que partir para outra. Simplesmente disse tchau e foi embora.
Ele que a tratara com tanto carinho e amor. Teria dado tudo por ela, e agora tinha sido colocado de canto e trocado por um cafajeste. Iria aceitar a oferta do escritório para Curitiba. Mudaria sua vida.
Quando Tanise soube no escritório da transferência de Henrique foi logo contar para Alicia. E como amiga disse a verdade para ela:
-- Minha amiga, tu não vai gostar do que eu vou te dizer, mas tu fizeste a maior tolice da tua vida. Trocar um cara como Henrique por aquela “peça” do Pedro. Rodolfo o conhece, e o definiu como um pilantra. Acha que ele está te enrolando. Depois não adianta chorar.
-- Eu é que sei da minha vida. Não me interessa a opinião do Rodolfo.
-- Está bem. Se não queres dar ouvidos aos amigos, as pessoas que se interessam por ti, vai em frente sozinha. Fui...
Alicia viu a amiga sair e não se mexeu. Estava enfeitiçada por Pedro. Estava apaixonada por ele. Estava feliz. O resto que se dane! Foi arrumar para sair com Pedro. Em breve morariam juntos. Ela já estava levando algumas coisas para o apartamento dele. Era um belo apartamento, amplo, moderno e bem mobiliado. Ele tinha uma senhora que cuidava de tudo, ela teria uma vida de princesa.
Ela tinha falado em casamento, mas Pedro não queria casar.

Henrique logo se adaptou a Curitiba. Tinha conseguido alugar um apartamento mobiliado próximo ao escritório. E seus colegas do escritório eram bastante acolhedores, tanto que logo ele estava bem enturmado.
No fim do dia sempre passeava com Duque na praça em frente seu prédio. E acabou fazendo amizade com Lidia que também passeava com sua Diana. Lidia era bióloga, e morava ali perto.

Alicia alugou seu apartamento mobiliado e viu que o de Henrique também tinha novo morador. Sinal que não voltaria tão logo.
Ela estava feliz, Pedro fazia todas as suas vontades. Ele precisava viajar seguidamente a trabalho, acompanhar o chefe. Mas quando voltava vinha cheio de presentes para ela e recompensava a sua ausência com muito “amor”.
Ela também fazia tudo o que ele queria. Até seu apartamento, herança de sua avó, ela o permitiu vender, por um valor irrisório. Ela não trabalhava mais, ele não queria, e preenchia seus dias lendo, e conversando com suas novas amigas. Todas eram mulheres ricas, fúteis e levianas.
Ela não se adaptou a nova roda de amizade que Pedro a inseriu. Por isso em seu pensamento entrou a vontade de ter filho. Pedro não queria. Dizia que filho atrapalhava a relação. Que vários amigos tinham se divorciados porque as mulheres haviam mudado depois de terem filhos, não só no corpo, como também no jeito de agir. E os deixavam sem atenção, e até para transar precisavam marcar hora.
Ela ria e dizia que ela não seria assim.

Agora passados dois anos, Pedro já não era mais o mesmo. Chegava sempre tarde em casa e viajava muito mais. Ele muitas vezes era estúpido e violento. Ela começou a ter dúvidas da fidelidade de Pedro. Resolveu prestar mais atenção nas coisas que ele falava, os lugares que ele freqüentava e, sobretudo em seus horários.
Agora tinha certeza que Pedro tinha outra. E em meio a esse “clima” descobriu que estava grávida. Ela contou para ele sobre a novidade e ele apenas ouviu, não fez comentário algum e saiu, disse que voltaria tarde. Ela chorou....
Não foi uma gravidez tranqüila, o casal ultimamente estava brigando muito, cada vez mais. Ele chegava a passar mais de semana sem vir em casa. Ele estava dedicando mais tempo a outra do que a ela. Ela sabia, mas com um filho por nascer, sem trabalho, o que ela faria? Não tinha mais ninguém para conversar. Estava muito só.
Nestes últimos dias ela lembrava muito de Henrique, como sua vida teria sido diferente se tivesse escolhido a ele. Seus amigos também faziam falta, sempre tão leais e disponíveis. Tinha vontade de ligar para Tanise, mas não tinha coragem.
Ela entrou em trabalho de parto e não tinha ninguém para acompanhá-la ao hospital. Foi só.


Henrique estava em Porto Alegre naqueles dias, sua irmã estava hospitalizada, agora já em recuperação de uma cirurgia complicada e ele fazia companhia a ela.
Ele estava saindo do elevador quando viu Alicia com uma imensa barriga chegar desacompanhada ao hospital. Henrique teve um momento de indecisão, mas achou que não era cristão deixá-la só naquela situação. Ele aproximou-se dela devagar e suavemente chamou seu nome:
-- Alicia?
Ela virou-se e ficou espantada com a presença dele ali. Mas disse:
-- Oi... tu por aqui?
-- Sim, Helena foi operada, tirou um tumor.
-- Oh, sinto muito. Como ela está?
-- Bem, está se recuperando, mas vai ter que fazer um longo tratamento ainda. Estamos cheios de esperança... Está na hora de nascer? E porque estás sozinha?
-- Eu comecei com dores e eu resolvi vir para cá, estão ficando fortes e mais seguidas.
-- E tu estás só mesmo?
-- Sim...
-- Então vou ficar contigo até teu marido chegar.
-- Eu não tenho marido, Pedro não quis casar. Apenas estamos juntos, ainda.
-- Ainda?
-- Ai...ai...ai...
-- É muita dor?
-- Sim, mas passou.... Ainda porque estamos vivendo muito mal. E essa criança vai piorar a situação.
-- Que pena!
-- É eu errei na escolha...
Henrique não disse nada, apenas escutou e sentiu um aperto no peito. Ele ainda pensava muito nela. Alicia foi encaminhada para a sala de parto e ele a acompanhou, não iria deixá-la. A criança nasceu sem muita demora. Era uma menina linda, parecida com a mãe.
Alicia foi encaminhada para o quarto e ele disse que precisava avisar ao pai da criança, queria o telefone dele. Era tarde, quase meia noite quando Henrique ligou para Pedro que atendeu demonstrando um estado de embriaguês. Assim mesmo deu o recado. E Pedro teve o desplante de dizer:
-- Já que tu estás ai, pega ela para ti, eu não a quero mais... estou em outra... muito melhor.
Henrique ficou indignado com o comportamento dele. Passou a noite cuidando de Alicia. No outro dia telefonou para Tanise, pediu para que viesse ficar com a amiga. Ele teria que acompanhar sua irmã.
Tanise não se recusou a ir. Eram amigas há muito tempo, desde que Alicia viera para Porto Alegre. Sabia que Alicia era muito só. Seus pais eram divorciados, seu pai foi embora para Recife   e sua mãe foi para Portugal. Ela tinha quinze anos e sua avó materna ficou com ela, mas não por muito tempo, a avó morreu do coração três anos depois. Por isso Alicia tinha ficado tão vulnerável a Pedro.

Henrique contou para Tanise o que Pedro falara, mas ele estava bêbado, então tinham que esperar. Se fosse o caso Alicia poderia ir para o apartamento dele, que estava desocupado.
Tanise entrou no quarto e encontrou Alicia com a filha em seus braços, porém em vez de alegria havia tristeza em seu rosto. Devia animá-la:
-- Oi... Que menina linda! Já tem nome?
-- Estou pensando em homenagear minha avó, que se chamava Cristina.
-- Eu acho legal esse nome.
-- Oi, onde está o Henrique?
-- Está com a irmã.
-- Eu preciso agradecer a ele tudo o fez por mim. Ele me acompanhou todo o tempo. Foi um amigão.
-- Eu sei. Talvez ele apareça.
-- Tomara que venha. Fiquei feliz em encontrar com ele, e agora contigo. Me perdoa por tudo!
-- Esquece! Nós te amamos.
-- Foi Henrique te mandou?
-- Foi. Ele está preocupado que Pedro não te acompanhou.
-- Nossa relação vai de mal a pior. Não sei como vai ser.
-- Crises acontecem e passam. Agora com a filha ele muda. Tu vai ver.
-- Será?
-- Mas é claro...
-- Eu acho que a minha gravidez só piorou a situação. Ele tinha me dito que não queria filhos...
-- E mesmo assim tu insististe?
-- Sim, eu queria muito...
-- E agora como vai ser?
-- Boa pergunta....
Alicia começou a chorar. Tanise resolveu ligar para Pedro para avisar que sua filha tinha nascido. Ele custou a atender e quando soube o que era Tanise, disse:
-- Não quero nem ver, ontem eu já disse para aquele cara que pegue ela para ele.
Tanise ficou indignada e respondeu asperamente:
-- Ela não é uma qualquer, não é um sapato velho para estar sendo jogada desse jeito. Respeite pelo menos sua filha.
-- Não sei se é minha.
-- Mas como ousa?
-- Ora, ela estava numa roda de vadias, o que posso esperar.
Ele desligou.
Tanise ficou pálida com o que ouviu. Teria que contar para Alicia. E contou. Alicia não disse nada, apenas deixou as lágrimas rolarem.


Alicia recebeu alta e resolveu que iria para o apartamento que morava com ele. Ele teria que as engolir. Iria fazer o teste de DNA para provar que a filha era dele.
Quando entrou em casa encontrou malas na sala. Perguntou a empregada, o que era aquilo. Ela disse que eram as coisas da patroa e que foi ordem do Sr Pedro.
Tanise estava com ela e percebeu como Alicia ficou transtornada quando viu as malas na sala, então tomou conta da situação. Pediu que providenciasse um transporte para levar todas as coisas de Alicia e da pequena para o tal endereço. Que fosse o mais breve possível.
A empregada se assustou com o tom de Tanise e telefonou para Pedro, que disse que ele ia mandar tudo. Que a tarde estaria entregue.
Tanise avisou Henrique estava indo para o apartamento dele.
Quando chegaram ao apartamento de Henrique, Alicia não se conteve e começou a chorar copiosamente. Muitas lembranças vieram a sua mente. Tanise sabia que era difícil para ela voltar ali, onde com certeza teve momentos felizes. Mas teria que superar, ela tinha uma filha para amamentar.
Só dois dias depois foi que Henrique foi até lá. Queria se despedir estava voltando para Curitiba, sua irmã já estava em casa. Tinha uma senhora para cuidar dela. Disse para Tanise que tinha conseguido dispensa dela no escritório até segunda feira.
Alicia estava sem saber como levar sua vida, não tinha dinheiro, nem trabalho e nem onde morar e com uma filha para criar. Precisava pensar. Reagir.
Telefonou para Pedro dizendo que precisava de dinheiro, ele tinha obrigação com ela e com a filha. Queria um apartamento confortável para morar, simular ao que era dela e ele vendeu, e uma pensão para filha que já estava registrada como filha dele. E precisava de uma empregada, pois não colocaria sua filha em creche. Ele tinha um prazo que 15 dias. Se não fizesse o que ela estava pedindo ela iria publicar na internet quem era ele. Ela sabia muito sobre as atividades dele.
Pedro ficou assustado com o modo dela falar com ele, parecia outra pessoa, e tratou de providenciar tudo o que ela pediu. Inclusive fez mais, colocou o apartamento no nome dela. Pronto! Estava indenizada pelos serviços prestados.


Ela mudou-se para o novo apartamento. Era bem localizado, com três quartos e bem mobiliado. Telefonou para Henrique agradecendo por tudo o que ele tinha feito para ajudá-la. Perguntou por Helena e disse que quando estivesse na cidade fosse visitar Cristina.
Alicia conseguiu organizar sua vida, agora estava trabalhando novamente como jornalista independente, para um site de notícias. Trabalhava em casa e assim estava sempre junto da filha.
Pedro não se deu ao trabalho de ir conhecer sua filha.
Ela queria batizar Cristina e escolheu Tanise e Henrique para padrinhos. Seus amigos mais queridos. Henrique veio para o batizado acompanhado de sua namorada. Uma moça muito simpática e era bem bonitinha. Ela não gostou de ver Henrique acompanhado.
Tanise observou que Henrique ainda gostava muito de Alicia, seus olhos denunciavam, pois se iluminavam quando olhava para ela. E ficou com dó de toda aquela situação. Lidia, sua namorada, com certeza iria sobrar.
Henrique estava vindo regularmente a Porto Alegre por causa de Helena, e sempre aproveitava para ver sua afilhada. Alicia esperava ansiosa a visita dele. Nessas oportunidades eles conversavam a respeito de Cristina, de Helena, mas nunca falaram sobre eles e do passado. Ele continuava namorando Lidia, que algumas vezes o acompanhava.
Alicia sabia que havia cometido um erro grave em sua vida, não soubera fazer uma avaliação precisa dos fatos, e agora tinha que arcar com as conseqüências. Para não se atormentar, e dedicava-se inteiramente a filha.
Cristina já estava completando um ano de vida, Alicia fez uma festinha, convidou os padrinhos e seus antigos amigos. Foi um dia alegre. O tempo corria e vida continuava...
Uma noite Henrique ligou para Alicia. Dizendo que estava no hospital com Helena, que ela estava muito mal. Ela perguntou se ele estava com Lidia. Ele disse que estava só. Ela então decidiu que iria para o hospital, iria fazer companhia a ele.
Alicia avisou a Marli, sua empregada, que era esposa do zelador do prédio, que teria que sair. Cristina já estava dormindo, que ela fosse ficar com a menina.
Quando viu Henrique sentiu um nó na garganta. Ele estava muito abatido. Ele era muito ligado a irmã, que era bem mais velha que ele e praticamente o havia criado, depois que perderam os pais.
Ela não resistiu, chegou e o abraçou. Ele passou o braço por seus ombros e a  puxou para ele. Passaram a noite assim, esperando noticias de Helena que estava na UTI.
Quase não falaram, simplesmente ficaram juntinhos.
Cedo da manhã Helena faleceu. Ela não teve coragem de se afastar dele. Telefonou para casa avisando que demoraria a chegar. Que Marli não fizesse nada, só cuidasse de Cristina. Tinha almoço pronto, era só descongelar.
O sepultamento seria no inicio da noite. Henrique decidiu assim. Não tinham muitos parentes, Helena era viúva e não tivera filhos. Tinha duas cunhadas e algumas amigas. Ele avisou a todos. Então Henrique e Alicia saíram, queriam tomar um banho para retornar logo, enquanto preparavam o corpo.
Ele a deixou em casa e disse que voltaria para irem juntos.
Alicia que estava todo o tempo junto dele, não o  viu  falar com Lidia. Também não perguntou. Mas ficou pensando se eles ainda estavam juntos. Mas Tanise perguntou por que Lidia não estava? Ele respondeu que ela estava com a mãe que tinha sofrido uma queda.
Depois do sepultamento Alicia convidou Henrique e Tanise para irem fazer um lanche em sua casa. Eles aceitaram. Tanise, não demorou muito e saiu, disse que ainda precisava ler um processo.
Henrique ficou. Estava cansado e triste. Alicia disse para ele dormir ali. Ela dormiria no sofá do quarto de Cristina e ele ficaria no quarto dela. Ele protestou, mas ela acrescentou, está decidido.
Henrique tomou um banho e deitou-se na cama dela. Sentiu seu cheiro e ficou pensando no tempo que eram felizes, foi tão breve, mas tão intenso. Dormiu de cansado, mas sonhou com Alicia. Sonhos ardentes.

Ele ficou ainda uma semana. Estava desocupando o apartamento da irmã. Era da família do marido dela. Ele logo queria liberar para as cunhadas dela. Após a missa de sétimo dia e foi embora. Agora não tinha motivos para voltar.
Alicia ficou muito triste com a partida dele. Com certeza ele iria casar com Lidia, fazia algum tempo que estavam juntos. Ele merecia ser feliz, que fosse com Lídia.

Henrique retomou sua rotina, continuava triste e abatido. Lidia estava admirada com a reação dele diante da perda da irmã. Sabia que eram muito ligados, mas já faziam seis meses...
O que Lidia não sabia era da paixão dele por Alicia.

Algum tempo atrás Henrique e Lidia haviam falado em casamento, mas com a doença de Helena, Lidia não provocou mais o assunto. Pensava que estava na hora de reavivar o tema.
Um dia ela se animou e disse:
-- Henrique estive pensando...
-- Hum...no quê?
-- No nosso casamento.
-- Nosso casamento?
-- Sim, lembra que estávamos pensando nisso...
-- Em termos...
-- Como assim, em termos?
-- Tu falaste em casamento, mas eu não confirmei.
-- Sim, sim. Com a doença de tua irmã...
-- Então?
-- Podíamos casar...
-- Não sei, preciso pensar...
-- Ok.


Naquele momento Lidia percebeu que realmente Henrique estava mudado. Ele tinha perdido a alegria, apenas vivia. Tinha acontecido alguma coisa com ele, que ela não sabia. Não entendia... Porque ele continuava fazendo a mesma rotina, e agora nem precisava mais viajar. Antes tinha Helena!
Lidia decidiu esperar, não iria pressionar.

Henrique por sua vez tinha seu pensamento voltado para Alicia, mas não podia simplesmente abandonar Lidia. Mas quanto ao casamento, tinha que ter cautela. E também não sabia se Alicia o queria. Se ela voltaria para Pedro.
Nunca mais ligara para ela, nem ela para ele. Ele sentia saudades de pequena Cristina. Recebia fotos pelo internet.
Que situação!
Lidia estava cansada da tristeza de Henrique. Resolveu que iria cuidar da própria vida. Queria um marido, filhos, queria uma família. Quantos anos ela estava com Henrique? Quase cinco anos, Ela não iria mais esperar.
Lidia conversou com Henrique e colocou “as cartas na mesa”. A hora de decisão era agora. Se ele estava inseguro, ela iria partir. E partiu!

Henrique decidiu voltar para o escritório de Porto Alegre. Estava na hora de reconquistar Alicia. Instalou-se em seu apartamento e foi à luta.
Foi visitar sua afilhada e encontrou Alicia mais linda do que nunca. Ela havia superado a amargura e era outra pessoa. Era novamente senhora de si. Alegre, divertida e provocante.
Cristina era uma menina linda, que adorava seu padrinho. Todos os domingos ele levava Cristina na praça, passeavam, comiam pipoca, e Alicia sempre os acompanhava. Enquanto Cristina brincava, Henrique e Alicia ficavam sentados no banco conversando... flertando...namorando...retomando o passado.
Henrique comprou um lindo anel e se aventurou a fazer o pedido a Alicia. Estavam na casa dela e Cristina recém tinha dormido, ele ficara contando histórias a ela. Alicia o esperava na sala, sentada no sofá.
Ele ajoelhou diante dela e pediu:
--Alicia, minha princesa, aceitas casar comigo?
Ela arregalou os olhos surpresa e olhou para o anel que ele apresentava a ela. Depois voltou os olhos para ele, e muito emocionada, disse:
-- Sim, eu aceito!
 Ele irradiava felicidade depois de ter resgatado sua paixão antiga.

Cristina estava toda vestida de azul claro e muito concentrada entrava na igreja a frente de sua mãe levando as alianças. Alicia entrou acompanhada por seu pai, que viera conhecer a neta e conduzir a filha ao altar.
Henrique estava deslumbrado com a beleza da noiva que se aproximava num vestido na cor pérola, muito discreto, para ser sua esposa e companheira para a vida toda.

                                                                          Maria Ronety Canibal
                                                                                      Maio 2017

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

UMA NOITE ENCANTADA


UM CONTO DE NATAL


                      Uma noite encantada

Jéssica caminhava desorientada pelo bairro comercial da cidade. Era um dia de maio,  frio e chuvoso. Ela havia perdido o emprego! Mais uma vez por assédio sexual. Ela era, de fato, muito bonita, mas preferia ser mais comum... Pois pagava um alto preço por sua bela estampa.
Não sabia o que fazer da vida. Ela estava completamente só no mundo, aos 22 anos de idade. Nem amigas tinha, pois depois da morte de sua mãe, ela tinha saído de sua pequena cidade, para um centro maior, com a esperança de mais oportunidades de trabalho.
Lágrimas escorriam em suas faces.
Pensava no pai. Ah... Se ele tivesse sabido da existência dela, talvez sua vida tivesse sido diferente. Mas Paula nunca o procurou. Também fora apenas “affair” passageiro... Como sua mãe dizia.
Sua mãe, Paula, foi uma mulher bonita, mas um tanto volúvel. Nunca quis se prender a um compromisso duradouro. Era uma aventureira. Jessica amava sua mãe, mas não compreendia o tipo de vida que ela escolhera. Só reconheceu estar no caminho errado, quando foi acometida por uma infecção violenta que a levou à morte.
Paula foi uma garota de programa, ganhava bem, e pode sustentar Jessica com todo o conforto, mas nunca ofereceu a filha a segurança de uma família. Foi só no último momento que revelou à Jessica o nome do homem que era seu pai: Armando Noel.
Jessica estava desesperada, pois não queria seguir a “carreira” de sua mãe. Ela havia trocado de cidade para buscar outra vida, mas sua beleza atrapalhava.
E agora? Mais uma vez sem emprego.  E de onde ia tirar dinheiro para pagar o aluguel do miniapartamento que morava? Era minúsculo, mas era o que podia pagar...
Havia começado a chover forte, estava ficando mais frio, e Jessica sem agasalho adequado caminha na chuva. Era com esses pensamentos rodando em sua mente, que Jessica andava sem rumo; atravessou a avenida sem prestar atenção ao trânsito.
Foi jogada no chão!
Uma freada brusca não foi suficiente para evitar o atropelamento. Leandro saiu do carro assustado. Aquela mulher surgiu de repente a frente de seu carro.
-- Moça? Responde, tu estas bem? Vou chamar a ambulância...
-- Não! Eu estou bem. Desculpe pela minha desatenção...
Ele a ajudou a levantar e levou para o seu carro. Ajudou-a a sentar-se no banco da frente. Iria levá-la ao hospital, mesmo sob protestos dela. Era seu dever. Ele conhecia as regras... Enquanto dirigia fazia algumas perguntas a moça.
-- Como é o teu nome?
-- Sou Jessica Montes.
-- Eu sou Leandro De Luca.
--- Sentes alguma dor?
-- Não esquenta, eu estou bem. Pode me deixar na próxima esquina, não precisas te preocupar comigo. Minha vida já está do avesso mesmo.
-- Estas ensopada e com frio...Tens certeza de que estas bem?
-- Sim, tenho. No máximo  ficar roxa na perna.
-- Então, vamos tomar um café, aceitas?
-- Sim. Um café vai ser reconfortante.
Leandro a levou a cafeteria Nova. Era tradicional no bairro e tinha o melhor café da cidade. Eles entraram e escolheram uma mesa no canto perto da janela.
Antes de ocuparem a mesa ela foi ao banheiro para secar -se um pouco, sobretudo o cabelo que pingava. Penteada ela voltou a mesa e sentou-se diante dele.
Um rapaz veio atendê-los, com o menu na mão.
-- O que queres comer?
-- Não quero nada, obrigada.
-- Traga dois cafés especiais e muffins de chocolate.
-- Quantos dois?
-- Quatro.
Depois de fazer o pedido, Leandro começou a olhar para Jessica, e viu diante de si uma moça de beleza ímpar. Ela era deslumbrante! A perfeição de seu rosto, a delicadeza das feições, ela era muito bonita. Mas havia dor em seu olhar, era uma tristeza profunda.
--- O que te aconteceu? Estás tão triste!
Lágrimas começaram a rolar em suas faces. Ela tentava disfarçar, mas era impossível. Ele alcançou-lhe um lenço e esperou ela se acalmar. Então ela falou:
-- Perdi meu emprego, mais uma vez por não ceder ao assédio do patrão. Não é a primeira vez. Estou desesperada. Todos dizem que sou bonita e que sou provocante, que sou irresistível... Que eu teria a vida mais fácil se eu aceitasse as propostas que recebo..., mas não vou por esse caminho. As vezes tenho vontade de cortar meu rosto para ficar repulsivo e assim ninguém me olhar...
-- Não! Não pense assim. Não são todos assim! Existem homens honestos e respeitador. Esqueça isso agora. Vamos comer os bolinhos que são deliciosos.
Ela comeu, parecia estar com fome, e Leandro pediu mais bolinhos e outro café. Enquanto ela comia com apetite, ele a olhava e pensava. Uma ideia louca surgiu em sua mente. Será que ela aceitaria? Era uma loucura, mas arriscaria.
-- Eu estou tentado a te fazer uma proposta de trabalho. Será um trabalho diferente, mas vou pagar muito bem. Que fique claro, que será tudo impessoal, apenas representação.
-- Do que se trata?
-- Bem, eu sou apaixonado por uma mulher que tem me esnobado. Eu quero conquistá-la, mas terá que ser por meio do ciúme. Preciso de uma noiva de mentira. Tu és a pessoa ideal, pois és linda, já percebi que és educada e desconhecida de todas as pessoas que me rodeiam. Aceitas?
-- Me explica um pouco mais, sobre a minha atuação.
-- Primeiro passo: comprar roupas, ir ao cabeleireiro e achar um lugar descolado para tu morares, a não ser que aceitas vir para o meu apartamento. E só então vou te apresentar a minha família e aos meus amigos.
-- Continua...
-- Precisamos representar, diante da plateia, alguns carinhos e troca de palavras doces e beijinhos. Apenas representação. Teremos a meta de casar em poucos meses, mas claro que isso não vai acontecer, porque até lá Aline já estará conquistada. Seremos um casal moderno, relacionamento aberto, para que não sujam dúvidas em relação ao nosso compromisso. Assim como eu estarei flertando com Aline, tu estarás fazendo o mesmo com o Juliano, o namorado dela. Estamos no início de maio, até o Natal, depois rompemos o compromisso, seja qual for o resultado.
-- E que vou ganhar?
-- Além de tudo que já falei vou depositar mensalmente um bom valor em tua conta bancaria.
-- Sim, eu vou aceitar só porque estou necessitada de algum tipo de segurança. Será meu “pé de meia”.
-- Anote aí, não nos envolveremos emocionalmente. Combinado?
-- Combinado.
-- Então já iniciando nosso plano, me fala sobre ti, teus gostos, teu modo de ser.
Leandro pediu mais café e salgados e doces e a conversa foi longa. Ele pode perceber que o olhar de Jessica estava mais calmo, aquela tristeza tinha se retirado para dar lugar a um brilho especial, um brilho de esperança.

Mais tranquila, Jessica olhava com atenção para Leandro e percebeu o quanto ele era bonito. Alto, tipo esportivo, pele morena e olhos verdes. Nossa! Além do mais era charmoso! Não era de ser jogado fora. Essa tal Aline devia ser cega e idiota...
Ela soube que ele pertencia a uma das famílias mais importantes e ricas da região. Tinham indústrias alimentícias, fazendas de criação de gado e plantações de oliveiras e nogueiras; pêssegos e figos; cerejas e ameixas.
Leandro era formado em marketing e era responsável pela divulgação das empresas e produtos da família. Por isso era presença certa em festas e eventos.
Jessica teria que acompanhá-lo em todos os lugares e entendeu porque ele falou em roupas e cabelereiro. Estava pronta para enfrentar mais esse desafio que a vida colocava a sua frente.

Uma semana depois, Jessica já estava instalada em seu novo endereço, num apart-hotel muito próximo do prédio onde Leandro morava, com muitas roupas novas e um “new look”.
Naquela ocasião, ela usava um vestido cor de beringela com detalhes em dourado. Era um modelo simples e elegante, que se amoldou perfeitamente em seu belo corpo, e realçava sua pela clara e os cabelos, agora mais claros por causa das luzes. O novo corte pelos ombros deixava seu rosto em destaque.
Jessica estava pronta esperando por ele, aquela noite seria a sua “estreia”, e seria apresentada a família De Luca. Uma batida leve na porta e ela abriu.
-- Tu estás lindíssima! – disse Leandro a olhando de cima a baixo – será um sucesso.
-- Espero.
-- Nervosa?
-- Um pouco, só te peço, pelo menos hoje, fica ao meu lado.
-- Com certeza ficarei. Hoje é só a família. Meus pais, Antônio e Maria Clara; meu irmão Lucio e minha cunhada Melissa; minha irmã caçula Lais, e mais ninguém. Foi o que eu pedi para minha mãe. Eles estão ansiosos para te conhecer, pois na verdade tu és a primeira namorada que eu apresento a família.
-- Mesmo? Nunca namorastes?
-- A sério? Não!
-- Vamos lá. A sorte está lançada – disse Jessica com um sorriso nervoso.
Ele a tomou pela mão e levou pelo corredor até o elevador. Enquanto esperavam ele a olhou e a beijou rapidamente na face, e murmurou:
-- Obrigado! Não imaginas o que isso significa para mim.
O elevador chegou, eles entraram e Jessica permaneceu calada. Aquele beijo suave e fraterno a surpreendeu.

A casa da família era uma bela mansão a beira do rio. Era enorme e muito linda. A noite estava fria e da sala toda envidraçada que dava para um esplendido jardim, todo iluminado, se avistava o rio. A lareira estava acesa e deixava o ambiente aquecido e acolhedor.
Toda a família os esperara. Havia uma grande expectativa. E quando Leandro a apresentou, todos a acolheram com um largo sorriso e com carinho.
Jessica suspirou aliviada. Esta etapa estava vencida. Sentaram-se lado a lado no sofá e Leandro tomou sua mão e entrelaçou com a dele, e assim permaneceram bem juntinhos. As vezes ele a olhava com intensidade, sorria e beijava sua face. Pareciam um casal de namorados apaixonados, pois ela retribuía as caricias recebidas.

A família De Luca estava satisfeita com o novo membro, pois a moça além de linda era simpática, educada e demonstrava ter cultura.
-- Eles formam um belo par, não achas mãe? – disse Lais.
-- Sim, eu estou feliz, enfim teu irmão resolveu sentar a cabeça e procurar uma moça a sua altura. Ele tinha interesse na Aline, mas aquela é muito nojenta.
-- Eu concordo sogra, em gênero e número. Jessica é um encanto de pessoa. Lucio também gostou muito dela. Vamos torcer para dar certo!

Jessica no caminho de volta para o apart-hotel fazia comentários semelhantes e Leandro estava contente. Tinha dado tudo certo.
-- Houve uma empatia. Minha mãe gostou muito de ti. Ela me falou na cozinha. O pai também, embora ele seja meio caladão, conversou bastante contigo, e isso é sinal de que ele gostou de ti. Todos ficaram encantados. Deu para perceber... ... – Gostas de dançar?
-- Sim, eu gosto muito.
-- Então vamos dar uma esticada e dançar no piano bar do hotel.
-- Hoje? Quarta feira?
-- Sim.

Eles entraram e ela achou o ambiente sensacional. Havia algumas pessoas apenas bebendo e conversando e dois casais dançando. O pianista tocava músicas românticas, eles escolheram uma mesa, pediram uma bebida e se dirigiram a pista, pois aquela melodia era um convite a dança.
Leandro a enlaçou e a puxou para bem perto dele, e a conduzia com suavidade, eles deslizavam... De repente ele começou a cantar bem baixinho ao ouvido de Jessica, que estava inebriada pela proximidade dele e pelo perfume amadeirado que ele exalava. Ela fechou os olhos e se deixou levar.
Era madrugada quando Leandro a deixou na porta de seu quarto. Despediram-se com um suave beijo na face.
Jessica estava cansada, deitou-se e logo dormiu. Mas com Leandro não foi assim, pois ele ainda sentia o perfume dela e a queria em seus braços.


A semana foi agitada, ela participou de jantares e reuniões, e já tinha sido apresentada a todos os amigos de Leandro, inclusive para a “sonsa” da Aline.
Aline era bonita, tinha o tipo esguio e era elegante, charmosa e se vestia com esmero. Mas era arrogante e sem tempero. Não era natural, suas falas e poses pareciam ensaiadas... Definitivamente ela não simpatizou com Aline, e reciproca era verdadeira.
Juliano era um homem bonito, não tanto quanto Leandro, mas era simpático e gostava de falar bobagens. Como se diz era o “palhaço” da turma. Porém era inteligente, pois quando falava sério dizia coisas interessantes. Jessica gostou dele.
Nas ocasiões em que saíram os dois casais juntos, Jessica ignorava a atenção que Leandro dava para Aline e se dedicava a conversar com Juliano. Estava nascendo entre eles uma sincera amizade.
Jessica não compreendia como ele aguentava a situação, e às vezes pensava que ele se encontrava em uma situação semelhante à dela. Será? Não se animava a entrar nesta questão, pois não se sentia muito virtuosa.


Haveria um baile de caridade, da entidade a qual a família De Luca era patrona, e claro todos os membros da família deveriam participar. Leandro a levou para comprar um vestido para aquela ocasião.
Era uma festa de gala, a mais concorrida da temporada, com número restrito de convites, portanto quem conseguia ir, estava no seleto grupo de “os melhores” da sociedade. Então havia uma disputa incrível. Jessica nunca imaginou uma situação tão burlesca.
Jessica jamais tinha estado em um lugar tão luxuoso. O salão de baile tinha as paredes cobertas por espelhos e adornadas com lindos candelabros dourados, pendurados no teto, havia imensos lustres de cristal que iluminavam o salão. As mesas com toalhas na cor dourada davam destaque a louça e aos cristais.
Era magnifico!
Os homens de smoking contrastavam com o colorido dos vestidos femininos. Um mais lindo do que o outro. Havia ali também uma disputa entre as mulheres para ser a mais notada por sua elegância e beleza.
Mas Jessica não se sentiu fora do contexto, pois estava ao lado de Leandro De Luca e ela estava usando um vestido de corte simples, na cor verde malva, que a deixava esplendida. Leandro quando a viu deu um assobio e disse:
-- Estás bela! Serás a mais notada do baile. Pode ter certeza. Vou até sentir ciúmes...
-- Ciúmes?  Mas tua querida também estará presente!
-- Eu sei, mas vou te contar um segredo: tu és mais linda do que ela.
-- Deixa de brincadeira.
-- Estou falando sério. Recém percebi essa realidade.
Ela sorriu ao receber as palavras elogiosas de Leandro.

Leandro naquela noite permaneceu ao lado dela na mesa principal reservada para a família De Luca. Eles eram divertidos, e Jessica sentia-se bem entre eles.
Leandro a convidou para dançar. Jessica gostava de dançar, e especialmente com ele. Ela se sentia bem em seus braços, segura e acolhida, gostava de sentir o perfume que exalava da pele dele; ela estava a um passo de se apaixonar por Leandro, mesmo sabendo que ele amava outra, e sentia que Leandro não era totalmente indiferente a ela.
Jessica aproveitou todos os momentos daquele baile. Era oportunidade única em sua vida, e ela não iria estragar aquela noite, colocando Aline entre eles.
Eles agiam como um casal apaixonado. Ele cantava canções românticas ao seu ouvido, era carinhoso e a beijava quando o ambiente estava a meia luz.
Jessica nunca tinha sido beijada, mas entendia que aquele modo como ele a beijava, enquanto dançavam, não eram beijos apaixonados, era mais carinho que que paixão. Ela os aceitava, até porque beijos estavam incluídos no “acerto” entre eles.

Jessica foi à toalete. Lá estava Aline retocando o batom, quando a viu pelo espelho, sua expressão endureceu, e virando-se disse:
-- Ora quem eu vejo! Jessica a nova namoradinha de Leandro...
-- Olá! – Respondeu educadamente Jessica, se dirigindo ao reservado.
-- Quem pensas que é para me responder displicentemente?
-- Eu sou um ninguém, não devias te preocupar comigo. Com licença.
Jessica fechou a porta e ficou escutando. Outras pessoas entraram no recinto e parecia que a megera havia saído. Então calmamente Jessica saiu, e foi diretamente ao encontro de Leandro que a esperava.
De longe Aline a controlava, e Jessica sorriu e acenou, a provocando para a deixar furiosa. Jessica percebeu que a “finesse” de Aline era só uma fina camada de verniz, porque ela era uma verdadeira “barraqueira”. E decidiu provocá-las ao máximo, para quebrar a sua máscara de boa moça.
Leandro a beijou no rosto e voltaram para pista de dança, ele a enlaçou mais uma vez, e dançaram bem coladinhos, até amanhecer.
A noite foi perfeita!
Leandro a deixou no apart-hotel e foi para casa. Estava cansado, mas não conseguia conciliar o sono. Jessica ocupava seus pensamentos. Ela era uma garota surpreendente, mesmo sozinha no mundo, era cheia de princípios, e moralidade. Ela não gostava do que estava fazendo, mas cumpria a sua parte. Ela era incomparável.
Aline estava inconformada com a situação. Leandro não estava mais aos seus pés. Agora aquela outra recebia toda a atenção dele, e ela estava em segundo plano.
Para Aline ter Leandro De Luca aos seus pés sempre foi motivo de orgulho. Ela sempre o deixara na berlinda para ser notada na sociedade. Então resolveu perturbar a “noite” dele. Ligava o telefone constantemente, mas Leandro desligou o celular.

Naquela semana Jessica recebeu uma finíssima caixa de bombons com uma mensagem romântica anônima. Ficou desconfiada e ligou para Leandro.
-- Oi, tudo bem?
-- Sim. Aconteceu alguma coisa, tu nunca ligas.
-- Só queria agradecer os bombons que me mandastes, mas esquecestes de assinar o cartão.
-- Meu anjo, não fui eu. Me desculpe, devia ter tido essa ideia, depois da excelente companhia que fostes no baile. Mas vou me redimir...
-- Imagina. Então quem mandou? Não tenho ideia. É chocolate suíço.
-- Bah... Tenho um rival. Não gostei dessa ideia. Te arruma que logo passo por aí para te pegar. Vamos jantar juntos.
-- Ok. Te espero.
Jessica olhou para os chocolates e ficou tentada a comer, mas resistiu e foi tomar banho. Ela vestiu uma calça de couro preta e uma blusa de malha branca com detalhes em preto e vermelho. Calçou um par de botas de pelica preta.
Leandro chegou de banho tomado, estava lindo demais, ela ficou com vontade de se atirar em seus braços. Ah! Como era bom ser abraçada por ele. Ele a beijou com carinho e fez um afago em sua face.
Olhou a caixa de bombons e perguntou:
-- Tu não comeste nenhum?
-- Não! Não sei se são meus.
-- Aonde está o cartão?
-- Aqui.
-- São teus. Está endereçada a ti. Essa letra me parece conhecida...

Ele a levou para o seu apartamento e pediu uma pizza. Conversaram, riram, falaram de suas infâncias, adolescência e Jessica contou sobre a sua mãe. A vergonha que ela tinha da profissão de sua mãe... E sobre a tristeza de crescer sem pai e a vontade que tinha de conhecer o pai.
Leandro se comoveu com a sinceridade dela, a abraçou e sentiu seu coração pulsar mais forte com a proximidade. Ela era linda demais, era só desejo. A beijou com carinho e se afastou dela. Era tarde quando a deixou no apart-hotel.
Aquela noite ele a queria perto dele. Lastimou ter que leva-la para o hotel. Iria conversar com ela sobre a possibilidade de ela vir morar com ele. O apartamento dele era grande, tinha espaço suficiente para os dois.
Era sábado e Leandro ainda estava deitado, quando atendeu uma chamada do apart-hotel, avisando que Jessica tinha passado mal, e tinha sido levada para um hospital.
Vestiu-se às pressas e pegou seu carro e correu para o hospital. Deixou o carro mal estacionada e foi a recepção saber informações sobre Jessica. Ela estava ainda emergência. Ele precisava aguardar.
Leandro andava de um lado para o outro, estava inquieto, porque demorava tanto? Viu um antigo colega de escola, que era médico, e pediu para ser levado até ela. Não queria deixa-la só. Renato o levou.
Ela estava pálida demais, credo! Parecia morta. Em seu braço estava uma agulha espetada por onde ela recebia soro. O médico permitiu que ele ficasse junto dela.
-- O que aconteceu doutor?
-- Uma reação alérgica muito forte. Ela deve ter comido um alimento que para seu organismo é veneno.
-- O que poderá ter sido?
-- Tanta coisa. Estamos fazendo os testes. Ainda não sabemos.
Conversando com a enfermeira, soube que Jessica chegou em choque e que foi uma funcionária do hotel que percebeu que ela estava passando mal, e acionou a ambulância. Ela tinha comido dois bombons recheados com morango, a moça tinha mandado junto a caixa de chocolates.
Jessica era alérgica  morangos...

Quando Jessica foi liberada pelo hospital ela a levou para o seu apartamento. Pediu para Lais, sua irmã, ficar com ela e foi até o apart-hotel buscar as coisas dela, encerrar a estadia e gratificar a senhora que a socorreu.
De agora em diante, Jessica moraria com ele. Ele queria cuidar dela.

O tempo passava e Jessica estava a cada dia mais apaixonada por Leandro, que agora encontrava-se frequentemente com Aline. E alguns dias da semana ele saia sozinho para estar com Aline, que traia o noivo, abertamente, assim como ela também era “traída” por Leandro. Ela não suportava mais a situação, e arrependia-se de ter aceito a proposta dele, pois não contava com o sentimento que nasceu em seu peito. Mas na ocasião ela estava desesperada...
 Não sabia mais como aguentar. Viver com ele era muito bom. Ele era atencioso, alegre, divertido, mas amava outra. Jessica chorava quando ele saia para “transar” com a outra.
Nunca mais Jessica e Aline haviam se encontrado. Leandro evitava colocar as duas frente a frente, pois sabia que Aline não aceitava que Jessica morasse com ele.

O aniversário de Maria Clara se aproximava e ela queria reunir apenas a família, e seria na casa de campo, onde cada filho tinha uma suíte independente.
Jessica gostava de estar junto da família de Leandro, mas a proximidade dele a deixava abalada. Teriam que dormir na mesma cama! Ela não podia admitir intimidades, não mesmo! Tentou dar um jeito de não ir, mas Leandro não aceitou nenhuma das suas desculpas.
O jantar comemorativo teve muitos brindes, e Jessica não era acostumada a beber, e ficou tonta, não bêbada, mas alegre e amorosa. O casal Leandro e Jessica, trocavam muitos afagos diante da família.
Maria Clara estava feliz em saber que seu filho havia se livrado de Aline, que era uma pessoa enjoativa e falsa. Uma verdadeira cobra! Ela gostava de Jessica, que era educada e estava completamente apaixonado por seu filho. E hoje ela demonstrava seu amor de modo sincero.
Aos poucos a família foi tomando o rumo dos quartos. Leandro e Jessica permaneceram ainda na sala, ela sentou-se diante da lareira para atiçar o fogo. Juntou os joelhos e abraçou, olhando a pequena chama que ardia. Leandro foi juntar-se a ela, ele a abraçou e Jessica deitou a cabeça em seu ombro. Permaneceram ali até o fogo baixar. Então subiram abraçados para o quarto.
-- Jessica tu estás adorável! – Disse Leandro abrindo o zíper do vestido dela.
-- Só hoje, porque estou tonta? – Perguntou ela rindo.
-- Não! Tu és sempre incrível. – Disse Leandro a beijando.
Aquele beijo fez explodir o desejo que ardia em seus corpos. Jessica se entregou totalmente a ele, que a fez mulher, e que também descobriu que ela era fogosa. Dormiram abraçados.
Na manhã seguinte Jessica estava envergonhada, mas não arrependida. Ela queria ter uma lembrança significativa de Leandro, e ser desvirginada por ele seria a melhor recordação de sua vida.
O dia correu tranquilo, Leandro a olhava de um modo diferente, mas não fez referência nenhuma aos acontecimentos da noite. Ele apenas a olhava com intensidade.

Na semana seguinte, a conversa que surgiu fazia menção ao rompimento do compromisso entre Juliano e Aline. Ele estava se mudando para Dubai, aonde iria trabalhar. Era uma experiência nova em sua história, e ele não queria a participação de Aline. Não havia mais espaço para Aline, em sua vida.
Nada mais justo, pensou Jessica, ao saber da novidade. E chegara também a sua hora de cair fora. Missão cumprida! Agora Aline e Leandro poderiam viver o amor que os unia, livremente.
Em razão de trabalho, Leandro precisou viajar. Decisão tomada e Jessica começou a organizar a sua vida. Aproveitou a ausência dele.

Depois de uns dias Leandro chegou cheio de saudades de Jessica. Como aquela garota estava inserida em sua vida. Devagar ela foi tomando um espaço especial em seu coração. Ela era quieta, sempre na dela, mas era uma garota extraordinária. Ele não se imaginava mais, viver sem tê-la por perto. Iria sempre cuidar dela...
Entrou em casa, tudo quieto, as janelas fechadas. Andou por todo o apartamento e nem sinal de Jessica. Ela poderia ter ido ao mercado. Claro! Era isso!
Tomou um banho, deitou-se para um cochilo. Acordou e nem sinal dela. Olhou o relógio. Credo! Já era fim de tarde. Aonde Jessica estava. Ligou. Caixa postal.
Leandro foi a cozinha tomar água, e então viu preso por imã na porta da geladeira um bilhete. Bilhete, não! Uma carta para ele. Que teria acontecido? Uma preocupação tomou conta dele. Pegou o papel para ler. Acendeu a luz, e se encostou na bancada.
“Leandro não te preocupa, eu vou ficar bem. Eu já cumpri minha parte. Sei que o nosso prazo era até o Natal, mas já tens a mulher que amas. Espero que com essa loucura eu tenha contribuído para a tua felicidade.
Tu és um cara especial. Aprendi a te querer bem, e está se tornando difícil para mim conviver contigo, não por culpa tua, mas por razões que não quero revelar.
Eu estou bem, consegui um trabalho e não sei como agradecer tudo o que fizestes por mim. Talvez o melhor agradecimento seja sendo feliz ao lado de Aline. Faça isso, seja feliz!
Não me procure, e nem vou contar aonde moro e trabalho. Melhor assim. Deixemos que as boas lembranças dos momentos que vivemos, permaneçam em nossos corações. Não gosto de despedidas. Não deposite mais nada em minha conta. Me perdoe!”
                                       Com amor Jessica.

Ele releu o bilhete mais de mil vezes. Não conseguia entender a razão que levou Jessica a se afastar dele. E agora? Onde procurar? Leandro chorou a ausência de sua querida amiga.
No dia seguinte ele foi trabalhar. Estava abatido, não tinha pregado o olho, só pensando em um jeito de ir busca-la. Quando entrou na empresa todos o olharam, incrédulos. Aquela pessoa não era o Leandro que todos conheciam.
Seu trabalho não rendeu. Cancelou as reuniões e foi a casa de sua mãe, Precisava conversar sobre Jessica e a pessoa indicada era Maria Clara.
-- Meu filho me explica, por que Jessica foi embora? Vocês brigaram?
-- Mãe, eu estava viajando. Quando voltei ontem, não a encontrei, apenas um bilhete na porta da geladeira. Não há explicação. Ela não explicou, apenas disse que nossa convivência está a prejudicando.
-- Ela é apaixonada por ti. Tu andaste aprontando, com certeza com a megera da Aline que não te dá paz. Essa daí não presta.
-- Nossa relação sempre foi aberta...
-- Aberta? Só de um lado. Quando ela saiu com outro? E com quem? Nunca! Estou errada?
-- Não!  Ela nunca saiu com ninguém.
-- Jogastes fora uma joia rara, meu filho, para ficar com uma pedra falsa. Pensa nisso.

Aline ficou sabendo que Jessica tinha ido embora. Ela vibrava! Tinha se livrado daquela “coisa irritante” sem fazer esforço. Agora Leandro seria só dela, e absolutamente livre.
Precisa comemorar.
Telefonou para Leandro, mas ele não atendeu. Ela insistia, mas só dava na caixa postal. Ele a estava evitando?
Leandro estava inconformado com o sumiço de Jessica. Ela era muito mais importante para ele do que jamais imaginou. Aline ligava a cada cinco minutos, mas ele não estava disposto a aturar a superficialidade dela. Como não percebeu isso antes? Aline era uma mulher ser conteúdo, era só uma casca envernizada. Apenas isso! Ela era um saco de idiotice. E ele um completo idiota...
Jessica era diferente, tinha conteúdo. Era uma mulher completa... Ah! E que corpo! Ainda sentia o calor de sua pele, a vibração que sentiu ao tê-la em seus braços... Sua mãe tinha razão. Jessica era uma joia rara, e ele a deixou escapar.
Aonde ela estava? Era sozinha, sem amigas e perdida em uma cidade grande e perigosa. Precisava encontrá-la. Leandro foi buscar um especialista.
O tempo passava e Jessica continuava sumida.

Jessica estava bem. Sentia muitas saudades da família De Luca, sobretudo de Leandro. Mas a sua decisão de sair da vida deles foi a mais acertada. Ela o amava com paixão, e conviver com ele sabendo que ele amava outra mulher, não era fácil. Era um sofrimento constante. Ainda sofria por causa do amor que transbordava em seu peito, mas um dia iria passar.
Ela tinha conseguido um quarto em uma pensão familiar, era barato, limpo e tinha duas refeições, café da manhã e janta. Havia conseguido um trabalho de secretária de consultório dentário. Ganhava um bom salário e dava para viver com simplicidade. Ela estava economizando para comprar um pequeno apartamento. O valor que tinha ganhado pelo “trabalho” prestado a Leandro era substancial, mas não suficiente.
 Jessica tinha recebido autorização para sair mais cedo, pois a dra. Bianca tinha uma reunião com amigas no fim da tarde, naquela sexta-feira. Ela ajeitava suas coisas para sair, quando se surpreendeu ao ver Maria Clara e Lais adentrarem o consultório. Estava perdida. Mas precisava colocar um sorriso no rosto e saudá-las com alegria. Enfim eram amigas da doutora.
-- Jessica! – Disse Lais com um imenso sorriso.
-- Minha querida... – Falou Maria Clara a abraçando. – Tu estas aqui. Leandro anda desesperado te procurando.
-- Idiota tem que passar trabalho, e meu irmão é um perfeito idiota, não concordas?
Jessica as abraçou sorrindo. Estava emocionada e não conseguia falar. Por fim falou:
-- Fico feliz em vê-las. Eu confesso que sinto muita falta dessa querida família.
-- Não vou perguntar por que fugistes, tens tuas razões, mas não devias ter feito isso. Entregá-lo facilmente para Aline... Isso foi um erro! – comentou Maria Clara.
Essas palavras cravaram no coração de Jessica: “entrega-lo para Aline”. Eles estavam juntos e felizes... Uma imensa vontade de chorar tomou conta dela, e foi com um enorme esforço que Jessica segurou as lágrimas. Mas seus olhos estavam embaçados.
A dra. Bianca, abriu a porta do consultório, dispensando a última cliente, as viu e disse:
-- Lais, querida! Maria Clara! Que bom vê-las! Vamos passar... Jessica por favor providencie um cafezinho...
-- Sim senhora.
Jessica ainda tremia. Um ótimo emprego e agora ela teria que deixar. Ela tinha sido descoberta... Entrou na sala da doutora com preocupação. De Maria Clara, que tudo percebia, ela não conseguia esconder seu nervosismo.
Enquanto Aline e Bianca conversavam sobre o casamento de Emily, uma amiga comum, Maria Clara foi conversar com Jessica.
-- Querida, não ficas preocupada. Mas eu preciso te contar que meu filho está desesperado te procurando. Se pensas que Aline tinha alguma importância para ele, estás completamente enganada. Vou respeitar a tua opção e sem tua autorização não vou revelar a ele o teu paradeiro. Aqui tens um bom emprego e não faça a bobagem de abandoná-lo. Bianca e Lais são amigas desde os tempos da escola. Te descobrir aqui, foi obra da providência divina.
-- Obrigada.
-- Só me explica por que o deixastes?
-- Uma longa história. Mas era preciso, eu não suportava mais aquela situação. Foi melhor assim. Cada um para o seu lado.
-- Não concordo. Vocês se amam e devem superar juntos as pedras do caminho. Considero a tua fuga como uma fraqueza.
-- Talvez eu tenha sido fraca ao aceitá-lo em minha vida.
-- Minha querida, repensa essa tua decisão. Fico muito triste em ver duas pessoas que se amam afastadas por coisas mal resolvidas. Pelo menos dê uma chance ao amor. Conversem e depois decidam. Fica com o meu cartão, e não hesite em pedir ajuda se precisar. Nós gostamos muito de ti.
-- Vou pensar sobre isso. Eu sei que sou bem-quista na família De Luca. Obrigada.
Maria Clara não conhecia todos os fatos, pensou Jessica, sobre o acerto que eles tinham feito, e tão pouco, que o envolvimento de Leandro com Aline era muita mais forte do que ela pudesse imaginar. Eles estavam juntos há muito tempo...

Naquele instante um senhor bem-apessoado entrou na sala e se dirigiu a recepção e Jessica foi atende-lo.
-- Em que posso ajudar, senhor?
-- Estou procurando por Jessica Montes.
-- Sou eu. – Respondeu apreensiva e olhou para Maria Clara, que também franziu a testa.
-- Tenho essa correspondência para a senhorita. – Entregando um envelope grande de papel pardo.
-- Obrigada.
Depois que assinou o recebimento do documento, Jessica olhou para Maria Clara com um jeito de interrogação.
-- Não olhe para mim. Não sei o que é isso.
Jessica guardou o envelope em sua bolsa. Iria ler sozinha. Era a letra de Leandro.
Bianca e Lais saíram do consultório abraçadas, despediram-se e Maria Clara e a filha foram embora. Já era tarde. E Bianca a dispensou.
-- Pode ir. Eu fecho tudo. Já passou da tua hora. Até amanhã.
-- Até amanhã. – Disse Jessica pegando sua bolsa e saindo.

Foi a pé para a pensão. Ela precisava colocar seu pensamento em ordem. O inesperado encontro com Maria Clara e Lais tinha a deixado tensa. Aquela carta entregue pessoalmente, a qual ainda não conhecia o conteúdo era também imprevista. O que mais falava acontecer naquele dia?
Parou em uma cafeteria, pediu uma água e abriu o envelope que queimava em suas mãos. Ela era só curiosidade. Começou a ler...
“Minha querida Jessica.
Eu fiz tudo errado, por causa de um sonho juvenil, eu perdi a pessoa mais importante de minha vida. Não vou te forçar a nada, mas preciso te revelar os meus sentimentos. Eu te amo, amo, amo muito.
Só descobri depois que partistes. Aline não representa nada para mim, era um sonho bobo, reminiscências da adolescência. Minha irmã diz que sou idiota. Ela tem razão.
Graças ao Senhor eu consegui descobrir aonde vives, sei que estás trabalhando, e posso te assegurar que Bianca é uma ótima pessoa, amiga de Lais desde os tempos de criança.
Saber isso, sossega um pouco o meu coração, mas não é o suficiente para acalmá-lo completamente. Prometi a mim mesmo cuidar de ti, e vou continuar cuidando, mesmo à distância.
Sei que cumpristes tudo o que combinamos, não posso te pedir mais nada, mas ainda arrisco mais um pouquinho. Talvez tenhas saudades do tempo que passamos juntos, e talvez tenhas vontade de voltar...
Então me diga, meu amor, que eu vou te buscar, e nunca mais vou sair do teu lado, porque és a mulher da minha vida, a minha joia preciosa, a minha razão de viver.
Espero em breve poder te dar um belo presente, mas ainda não está em tempo. Não vou desistir de ti, porque te amo. Não fujas mais de mim.
                                                         Sempre teu
                                                                       Leandro”

Jessica chorava. Dobrou a carta e colocou novamente no envelope. Precisava pensar. Já era noite quando chegou a pensão. Dona Marina a aguardava com o seu jantar aquecido no forno.
-- Chegastes! Eu estava preocupada. Nunca vens tão tarde. Chegou um pacote para ti, mas antes venha jantar.
-- Um pacote? Meu dia está cheio de surpresas...
Jessica comeu para contentar dona Marina, que cuidava dela como se fosse sua mãe. Lavou seu prato, deixou no escorredor e foi para o quarto. Logo viu o pacote em cima de sua cama. O que seria? Abriu. Eram seus livros e mais alguns novos. Leandro os tinha enviado... Agora mais nada os ligava!
Uma tristeza imensa tomou conta de todo o seu ser, e ela chorou. Chorou pelo vazio de sua vida sem Leandro, pela morte da mãe e por seu pai, que nem sabia de sua existência.
Na manhã seguinte ela não levantou no horário habitual, e como era sábado, dona Marina não deu importância. Mas já passavam das 10h e Jessica ainda não tinha levantado. Isso era incomum. Bateu a porta do quarto, e não obteve resposta.
Dona Marina pegou em seu chaveiro a chave mestra e abriu a porta. Jessica estava deitada, muito pálida e ardia em febre. Procurou refrescá-la com uma toalha embebida em vinagre, e foi fazer um chá.
Mas a febre não cedia. Na segunda feira foi Marina quem avisou a doutora Bianca que Jessica continuava com uma febre que não cedia e forte dor de cabeça.
Um médico foi chamado, e não justificou a febre por sintomas de gripe, infecção ou problema pulmonar. Os exames não acusavam nada. Então só poderia ser estresse. Atestou 15 dias de repouso, e dispensa temporária do trabalho.
Passado o período recomendado pelo médico, e houve mais um episódio de febre alta. Dona Marina estava assustada, não queria ser responsável pelo “passamento” da moça. Que estava ficando muito abatida. Devia ter emagrecido uns cinco quilos nos últimos dias, não comia, não dormia e só chorava e queixava-se de dor de cabeça. Não ficava mais em pé de tanta fraqueza.
Mas ela não tinha ninguém no mundo. Procurou nas coisas da moça o nome de alguma amiga que pudesse socorrê-la. Encontrou um cartão com um número de celular. Ligou imediatamente.
-- Alo, é Maria Clara?
-- Sim, sou eu. Quem fala?
-- Aqui é Marina, sou dona da pensão onde mora a Jessica.
-- Sim o que aconteceu?
-- Ela está bem doente. O médico falou que é doença emocional, mas eu estou com medo de que ela não resista. Achei seu cartão na bolsa dela e liguei. A senhora me desculpa, mas estou muito receosa.
-- Me dê o endereço. Logo estarei aí.
Maria Clara chegou a humilde pensão. Observou que era tudo muito simples, porém limpo. Foi recebida com amabilidade pela dona, que logo a levou até o quarto de Jessica.
Maria Clara se assustou ao ver a moça. Realmente ela estava muito descaída, precisava de um tratamento para recuperar-se. Iria levá-la para sua casa.
-- Dona Marina, eu vou levar Jessica para minha casa, até ela recuperar perfeitamente a saúde. Mas não vou cancelar o quarto, porque não quero interferir nas decisões dela. Mas neste momento ela precisa de ajuda. Vou pagar todas as despesas que a senhora teve até aqui com medico, exames e medicações e mais a reserva do quarto. A senhora veja quanto é.
-- Eu não sei se posso deixá-la ir assim. Sei que ela não tem ninguém nessa vida. Mas liguei para senhora num momento de pânico.
-- Entendo a sua preocupação, e fico grata por ter esse apreço por Jessica, que uma pessoa excelente, e merece toda a consideração. Talvez ela não queira ir comigo, mas é para o bem dela. Vou deixar meu endereço e senhora pode ir a minha casa verificar como ela está sendo tratada. Eu gosto muito dessa garota, aliás, não só eu, mas toda a minha família. Ela foi noiva do meu filho.
-- Hum... Está explicada a tristeza dela. Mal de amor... Coitada!
-- Sim. São dois teimosos...
Nesse instante Jessica acordou e espantada sussurrou:
-- Maria Clara? Como me encontrou?
-- É uma longa história que depois te conto. Eu estou aqui para te levar comigo. Vou cuidar de ti até recuperares perfeitamente a saúde. Sem protesto, minha querida. Já conversei e acertei tudo com a dona Marina.
-- Está bem.
-- Tu conheces essa senhora? – Perguntou Marina ainda em dúvida.
-- Sim, ela é minha ex sogra.

Maria Clara estava sozinha, seu marido e filhos estavam na fazenda, Lais tinha ido para o casamento da amiga na Argentina, aonde iria permanecer com a família de seu noivo, Juan Carlos Arbiz. Dezembro já avançava.
Instalou Jessica no antigo quarto de Leandro. Era um quarto espaçoso e livre do sol da tarde. Arrumou as poucas coisas da moça no armário e preparou a cama, enquanto Jessica descansava sentada em uma poltrona.
Encheu a banheira e ajudou a moça se despir. Só então reparou a magreza dela. Assustou-se. Depois que Jessica estava acomodada na cama, ligou para o seu primo “Dinho”, que era um excelente médico clinico geral.
Dinho a examinou e recomendou caminhadas matinais, pelo jardim para tomar um pouco de sol, vitaminas e uma alimentação rica em ferro. Jessica estava com anemia. Maria Clara prometeu cumprir todas as indicações do primo, que saiu com a promessa de voltar em dois dias.
A febre havia cedido, e a dor de cabeça aliviou. Agora era só esperar o organismo reagir. Jessica tinha uma curiosidade para saber aonde estava Leandro. Aquela casa estava muito calma. Não foi preciso perguntar. Logo Maria Clara falou sobre a família, dizendo onde estava cada um deles.

Conforme havia dito o médico voltou para examinar novamente Jessica. Ele a olhava de um modo estranho. Ela ficou assustada, pensando que tinha piorada...
Assim que saiu do quarto da paciente, Dinho foi conversar com Maria Claro sobre a recuperação da jovem. Depois fez perguntas sobre a moça.
-- Eu estou te perguntando porque ela é muito parecida com uma pessoa que eu conheci há muitos anos...
-- Eu não sei nada a respeito da família dela. Só sei que é sozinha no mundo, e que Leandro a namorou, mas não deu certo. Eu a trouxe porque a encontrei muito mal. É uma boa moça.
-- Se souber mais a respeito dela, me informa. Porque a semelhança é muito grande para não ter uma ligação com a pessoa que eu conheci.
-- Vou conversar com Leandro a respeito.

Maria Clara acompanhava Jessica no passeio pelo jardim, e as duas conversavam sobre muitas coisas e aos poucos Maria Clara conseguiu saber mais sobre a vida de Jessica.
A cada Maria Clara descobria um pouco mais, e também contava sobre a infância dos filhos, sobretudo de Leandro. Era um conforto para Jessica falar sobre ele, pois era uma fonte alegria para seu coração.
Jessica nunca tinha recebido tanto carinho e atenção, como  naqueles dias. Isso ajudava na recuperação, e Dinho também percebendo a carência da moça, ia seguidamente fazer companhia a jovem, eles conversavam e jogavam, se divertiam juntos.

Na sexta feira seu Antônio chegou, alegre como sempre saudou Jessica com carinho, fazendo ela sentir-se acolhida em sua casa. Claro que sua esposa já tinha contado todo o problema de saúde vivido pela jovem.
Lucio e Melissa também estavam de volta. Apenas Leandro tinha ficado na fazenda, mas tinha prometido passar o Natal com a família. Lais continuava com a família do noivo em Buenos Aires.

Jessica estava constrangida em participar junto com a família da ceia de Natal. Ela era uma intrusa, estava ali de favor, por causa de sua saúde e por bondade da dona da casa. Não tinha nem roupa adequada, pois ela não tinha levado consigo, as roupas que Leandro havia comprado para ela. Não lhe pertenciam, ela havia usado aquelas roupas numa encenação para qual ela havia sido contratada.
Maria Clara, entrou naquela manhã no quarto que Jessica ocupava om uma caixa enorme. A colocou sobre a cama e disse:
-- Espero que seja do teu gosto. Quero te ver muito linda hoje à noite. Chamei a Lídia para vir cortar e arrumar o teu cabelo, fazer pé e mão também.
-- Mas eu acho que não vou descer...
-- E me fazer uma desfeita? Não!
-- Desculpe. Mas...
-- Sem, mas... Eu estou te pedindo que comemore conosco. Seremos apenas a família e alguns amigos íntimos.
-- Está bem. – Abrindo a caixa ela se encantou com o vestido. Deu um abraço em Maria Clara. – Obrigada. A senhora é um anjo em minha vida.
-- Qual nada! É só porque eu te quero muito bem.
-- Meu passeio se foi... Começou a chover.
Maria Clara a deixou e foi para o escritório de conversar com Antônio. Ela havia descoberto tantas coisas que precisava compartilhar com o marido.


A sala estava decorada com detalhes natalinos, a mesa de jantar também refletia o espirito de Natal. Antônio e Maria Clara já estavam na sala esperando os filhos chegarem.
Lucio e Melissa entraram apressados. Estava chovendo mais forte. Dinho também chegou seguido de Leandro. Seriam apenas eles, um grupo restrito para uma noite muito importante.
Antônio pediu licença e saiu da sala, enquanto Lucio servia as bebidas. Melissa contava muitas coisas sobre a temporada na fazenda. Ela se encantava com tudo, amava a vida no campo e estava decidida e se transferir definitivamente para lá.
Leandro estava quieto só escutando sem entender porque Dinho estava entre eles, pois era um primo distante de sua mãe. Estava tudo muito estranho... Sobrava um lugar a mesa. Quem estava faltando? Dinho era solteiro, ou tinha arrumado uma namorada depois de velho...?
Andava pensando muito em Jessica. Ele tinha mandado aquela carta e ela se manteve quieta, não se manifestou de forma alguma, nem para agradecer os livros... Ela não o queria, era evidente. Ele não devia estar ali, devia ter ficado em casa, tomar uma bebida forte e dormir...
Colocou a mão no bolso e tocou a pequena caixa que ele sempre carregava com ele. Será que um dia teria oportunidade de realizar o seu propósito? Tinha dúvidas...

Eis que ele avista seu pai descendo a escada com uma jovem, com Jessica! E ela estava tão magra..., mas continuava linda! O que ela fazia ali? E porque ela vinha da parte intima da casa? O que estava acontecendo que ele não sabia?
Leandro estava tão surpreso que não saiu do lugar, apenas virou-se para ficar de frente.
Foi Dinho que se levantou e foi até ela dizendo:
-- Como estás linda, minha querida! Te sentes bem?
Leandro estava atônito. Dinho estava namorando a Jessica! Que coisa mais nojenta, e sua família apoiando. Fez menção de sair, mas sua mãe o segurou pelo braço de disse ao seu ouvido:
-- Não julgue pela aparência. Existe uma história por trás de tudo isso.
-- A nossa querida Jessica está aqui em casa se recuperando de uma anemia que a deixou muito vulnerável. Estamos felizes por ela estar vencendo mais essa dificuldade. Seja bem-vinda ao seio de nossa família. – Disse Maria Clara abraçando a jovem. – Somos também gratos ao primo Dinho que tem cuidado dela com dedicação. Hoje brindaremos a saúde com muita alegria.
-- Seja bem-vinda maninha, disse Lucio a beijando na face, foi seguido por Melissa que a abraçou com carinho e cochichando ao ouvido de Jessica – Estás um arraso!
Por fim Leandro se dirigiu a ela, a abraçou e a beijou na testa, e disse baixinho:
-- Por que não me avisaste que estavas doente? 
-- Foi tudo muito rápido, depois te conto tudo... Agora me deixa sentar, porque ainda não estou forte o suficiente.
Ele a levou para o sofá, no outro lado da sala, e sentou-se ao seu lado. Tomou suas mãos e as sentiu geladas. Ela está nervosa ou será fraqueza? Um pouco afastados do demais eles podiam conversar em particular.
Leandro a tratou com carinho, contou sobre os seus dias na fazenda, e como era uma região bela, com um relevo de ondulações suaves, por onde se estendiam as plantações de oliveiras. Disse também  que assim que ela estivesse mais fortalecida, a levaria para conhecer.
De longe Maria Clara percebeu que os olhos de Jessica tinham adquirido um novo brilho. Esses dois se amam, ela pensou, precisam se entender. Dinho também observava a moça e comentou com a prima:
-- A cura dessa menina é Leandro. Ela é muito sensível, e alguma a fez sofrer intensamente, por isso ela teve esse abalo profundo.
-- Eu espero que eles se entendam. Aliás essa será uma noite especial preparada pelo Senhor Jesus, que me deu condições de reunir todos aqui.
-- O que tens preparado?
-- Uma surpresa para todos. Espere.
Antes da Ceia de Natal, Leandro se encheu de coragem e falou para Jessica:
-- Sei que iniciamos o nosso relacionamento por vias erradas, mas quero consertar. Já reconheci que fui um tolo, porque me deixei levar por um projeto antigo e juvenil. Mas eu cresci! A tua decisão de me deixar me fez entrar em desesperação, e usei de todos os meios para te encontrar. Tu bem sabes, pois enviei-te uma carta e aguardei ansiosamente um sinal teu. E esse sinal não veio...
-- Mas eu adoeci...
-- Sim, hoje eu sei o porquê. Mas ainda não sei qual é a tua vontade, e vou arriscar fazer uma pergunta definitiva.
-- Pergunta?
-- Sim. Eu te amo e sei que também me amas. E por isso quero saber se aceitas casar comigo o mais breve possível. Aceitas?
-- Casar?
-- Sim, meu amor, estou te pedindo em casamento
-- Sim eu aceito. – Murmurou Jessica com lágrimas nos olhos.
Leandro a beijou ali, diante de todos e com os olhos brilhando de felicidade anunciou a família:
-- Nós vamos nos casar. Ela aceitou meu pedido.
-- Parabéns! -- Foi o coro que eles escutaram.
-- Ele tirou do bolso uma pequena caixa de veludo preto e colocou no dedo de Jessica o anel que ele havia comprado para ela, há um tempo.
-- É lindo! Obrigada. Como tinhas esse anel?
-- Eu comprei no dia que te enviei os livros, lembra que eu escrevi em no fim que tinha um presente para te dar? Desde então carrego no bolso...
Abraços e lágrimas e muita emoção.
-- Eu já sabia que essa noite seria especial – disse Maria Clara – e vai continuar com mais emoções. Emoções que são dadivas de Deus. Hoje nesta noite tão especial para toda a humanidade, coube a mim descobrir e revelar “segredos” que me foram confiados. Não vou trair a confiança de quem me segredou, mas vou abrir a porta para um futuro melhor, mais pleno.
-- Por que tanto discurso, mãe? – Disse Lucio.
-- Ora, meu filho, porque este momento eu considero até um pouco solene, pois não é todo dia que se pode promover um encontro dessa magnitude.
-- Estou ficando com medo. – Disse Melissa. – O que será que a sogra está preparando?
-- Apenas coisas boas, minha querida.
-- Então fala logo. – Disse Antônio – Estou ficando ansioso.
-- Esses dias em que Jessica está aqui em casa, nós temos conversado muito, e ela me contou praticamente toda a sua vida. E o mais importante, de tudo, é vontade que ela sempre teve conhecer o pai, que aliás, nem sabe que ela existe. Um pouco antes de morrer, a mãe dela lhe disse o nome do homem que é pai dela. Pois ela é fruto de um amor intenso, porém muito breve. E quando ela me falou o nome, que quase desmaiei, pois é uma pessoa que eu conheço, e que me é muito querida.
Jessica tremia, Leandro a amparava, ela estava pálida, e Dinho se aproximou e pediu que ela sentasse, ainda estava fraca. Leandro a fez sentar e ficou junto dela. Agora ele também estava na expectativa de saber quem era o pai dela.
Dinho se empertigou, começou a desconfiar que tudo não passava de uma brincadeira, pois Maria Clara estava só enrolando. Então falou:
-- Mas diga logo o nome desse sortudo.
-- Eu não vou dizer, Jessica que vai dizer – Disse Maria Clara com suavidade, e olhando para a jovem acrescentou – Diga, minha querida.
Jessica secou as lágrimas e tomou folego e falou:
-- O nome do meu pai é Armando Noel.
-- Eu -- gritou Dinho. -- Eu sou teu pai! Bem que eu te achei parecida com tua mãe, és igual... –
Num salto ele a abraçou e ambos choraram, aliás todos choravam.
-- Mas como era o nome completo de tua mãe? Porque eu a conhecia como Ana de Castro.
-- O nome dela era Ana Paula de Castro Montes.
-- Ana foi o amor de minha vida. Eu era residente no hospital e ela trabalhava na lancheria. Era linda demais! Foi uma paixão louca que nos envolveu. Eu terminei meu período e fui transferido para cá. Ela não quis deixar a mãe que estava com se recuperando de um derrame. E nunca mais nos vimos. Eu até voltei ao hospital em busca dela, mas ela mudou de cidade depois da morte da mãe, e ninguém sabia o paradeiro dela. Sofri muito. Nenhuma outra mulher teve o meu amor. Mas estou feliz como nunca. Jamais imaginei  um dia, ter uma filha tão linda.
-- Um brinde gritou Leandro, sirvam o champanhe e suco de laranja para minha noiva.
Foi uma noite festiva. Leandro a queria em sua casa, mas Maria Clara não permitiu.
 -- Venha tu para cá, porque Jessica ainda precisa de muitos cuidados, e aqui ela tem tudo.
-- Ela só sai daqui casada. – Disse Antônio.
-- Ah se eu tivesse espaço te levaria para o meu apartamento. Mas é pequeno e muito espartano. Aqui tens mais conforto minha filha. Virei todos os dias para recuperarmos o tempo passado.


Dois meses depois Jessica era uma noiva muito feliz. Recuperada a saúde estava pronta para vida de felicidade que a esperava. Ela entrou na igreja pelo braço do pai. Era uma noiva linda e radiante de felicidade...

                                                           Fim